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0 Q U E É R EA LM EN TE “ ÉTICA NEGATIVA” ? (Esclarecimentos e novas reflexões)

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CABRERA, Julio. O que é realmente "ética negativa" (esclarecimentos e novas reflexões).

In: PIMENTA, Alessandro (Org.). Poliedro: faces da Filosofia. 1 ed. Rio de Janeiro: Publit. Soluções

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0 QUE É REALMENTE “ÉTICA NEGATIVA” ?

(Esclarecimentos e novas reflexões)

Julio Cabrera

P ara o s P im enta (D anilo e Alessandro )

I

E m 1989, publiquei em São P aulo um pequeno livro chamado “P ro jeto de ética negativa”. H avia um a ambigüidade proposital neste título: po r um lado, se davam nele subsídios para negar a própria possi­ bilidade do ponto de vista moral sobre o mundo, a menos de ter de aceitar a moralidade do suicídio ou, o que era pio r ainda, o caráter m o­ ralmente problemático da procriação (o dar a vida a alguém). A isto, Jo rge A lam Pereira, um estudante de B rasília, chamou, precisamente, a “reductio ad absurdum” da moralidade. N egar o ponto de vista moral sobre o m undo não era o m esm o que simplesmente abandoná-lo, como eu penso que N ietzsche fez; m eu pensam ento negativo estava nas antípodas do afirmativismo vitalista nietzscheano. N a verdade, estava situado no meio do niilismo mo ral criticado po r N ietzsche, levado às suas últimas conseqüências. M eu convite para sair para fora da moralidade era, po is, m arc adam ente anti-nietzscheano . A saída para fo ra da moralidade era feita, na minha perspectiva, radicalizando o próprio ponto de vista moral, em lugar de destruí-lo pelo lado de fora. I sto era ética negativa no sentido de um a negação (interna) da moral.

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personalidade, dignidade, responsabilidade e, em especial, a idéia de um “valor” intrínseco o u “em si” da pessoa humana, pelo fato de simples­ mente

ser,

que eu achava presente em todas as teorias morais, de manei­ ra explícita o u não. N ietzsche já tinha bomb ardeado todas estas catego­ rias, mas assumindo o co mpromisso radical co m a vida em expansão e atropelando as articulações morais. E sta não era a m inha estratégia. Pelo contrário, eu estava interessado em bo m bardear a m oral desde a moral m esm a, o u seja, radicalizando seu próprio ponto de vista e não assu­ m indo qualquer tipo de “vitalismo” (algo que vai, inclusive, contra a m inha natureza de pensador). Se N ietzsche tinha absolutizado a vida e atropelado a moral, eu queria fazer exatamente o contrário.

N esse sentido, m eu pensam ento era, talvez, o prim eiro autenti­ cam ente niilista, no sentido de um a rejeição radical da vida em no m e da mo ralidade. N ão adiantava dizer, co m o N ietzsche tinha dito, que não se po dia negar a vida desde outro patam ar a não ser o da vida m esm a (já que, ele dizia, “só há vida” , “ só a vida po de julgar a vida”). P ois que seja! Será um a fo rm a de vida aquela que po ssa negar a vida, e não um m ero argum ento. Sem dúvida que, para abster-se de proc riar o u para suicidar-se, é preciso estar vivo, estar num a fo rm a de vida que se negue a si m esm a. Q ue “tudo seja vida” não significa que não po s­ sam os viver de tal m aneira que a m o ralidade tenha a prim azia sob re a vida. F o rm alm ente falando, o m ovim ento anti-vital era um m o vim en­ to vital co m o outro qualquer, m as isso não lhe rem o via seu co nteúdo particular: era co m o se a vida tivesse atingido um m o m ento de m atu­ ridade onde ela po dia fazer m ovim ento s em co ntra de si mesma.

E stes eram alguns dos pontos anti-nietzscheanos fundamentais da ética negativa, que foram aos poucos se pondo de manifesto. E u diria, então, que ética negativa foi, já desde os primórdios, esta tensão entre negação e negativização da moralidade. N as minhas últimas pesquisas tenho assumido abertamente que ou a ética se negativiza, ou desaparece1.

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D epo is de passado s tantos ano s desde que co m ecei a rab isc ar nas m inhas idéias étic o -negativas pela prim eira vez, na lo ngínqua déc ada de 80, em gran de parte num estilo literário (na esquec ida e inédita narrativa “L a O fic in a de I n fo rm es”), m e pergunto ago ra até que po nto eu realizei o “pro jeto ” anunciado , o u até que po nto “ética negativa” é algo que não po de nem deve ser “ realizado ” ; o u seja, até que po nto é algo que não po dia nem m esm o ser “pro jetado ” . N a épo ca do “P ro jeto ...” eu ac hava que aquilo devia fic ar m esm o em pro jeto , que não po dia haver ética, nem afirm ativa nem negativa. Ao lo ngo do s 9 0 so fri um a certa influên c ia da filo so fia acadêm ica, e na C rítica de la M o ral afirm ativa, de 96, pub lic ada em B arc elo na, tentei esbo çar co m o seria um a vida negativa (o que deno m inei um a “ so bre­ vivência”): o pro jeto tinha que ser realizado num a fo rm a de vida. M as os dois pilares iniciais da ética negativa (a pro blem atização m o ral da p ro c riaç ão e a disp o n ib ilidade ao suic ídio ) n egadvizavam (o u “m ortalizavam ”) adequadam ente aquele projeto, m ostrando -o muito m ais co m o um a fo rm a de co lo car-se no registro da m o rte e do m o rrer do que co m o um a “fo rm a de vida”, no sentido afirm ativo usual.

A ssim , “ étic a negativa” apo nta para um certo am b iente de pen­ sam ento no qual se pensa de m aneira radic al o tem a do “valo r” da vida hum ana (na articulaç ão das que eu, não nagelianam ente, cham o “m o rtal questio ns” : pro criação , hetero cidio , suicídio ) e as suas rela­ çõ es co m a m o ralidade. N a verdade, esta co nstituía co m o a parte sub stantiva do pro jeto , já que co ntém a tese da desvalia da vida hu­ m ana em sua estrutura, e as im plic aç õ es m o rais disso. Sustentava-se

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que a vida hum ana está co m o centrada em to rno de um “núcleo duro ” vivido fundam entalm ente co m o negativo po r seres co m o os hum ano s, e a respeito do qual as vidas hum anas eram co m o um a espécie de fuga o u rejeiç ão (as vidas hum anas co m o “centrífugas” e “ excêntric as”, fugidias, “rejeitivas” , intranqiiilas, ansio sas). A argu­ m entaç ão da desvalia prim o rdial da vida hum ana está expo sta nes­ ses dois livro s, em espec ial no livro de 9 6 , e em m uito s o utro s textos. (A tualm ente, fo i rec o lo c ada no m eu “C urso de É tic a N egativa” , que fo i m in istrado n a U F G de G o iânia no m ês de m aio de 2 0 06 ). T rata- se de um a desvalia sensível (através do tem a da do r), e de um a desvalia m o ral (em to rno do tem a da desc o nsideraç ão ). A vida hum ana está sub m etida estruturalm ente a estes dois atrito s, e não de m aneira even­ tual, so cial o u passageira, co m o o pensam ento afirm ativo insiste em co lo cá-lo . (Já S c ho penhauer tinha po sto as b ases da dem o nstração do caráter estrutural da do r, sensível e m o ral)2 .

A ssim , num o utro registro , a étic a negativa po dia ser vista co m o aquela étic a assum ida po r alguém que ac eita plena e radic alm ente esta desvalia da vida hum ana (da que falarem o s m ais daqui a po uco ), e a in c o rpo ra num a fo rm a de vida e m o rte, cessando de realizar os co stum eiro s esfo rço s das filo so fias afirm ativas em pro l de um a for­ m ulaç ão de um valo r po sitivo da vida hum ana, e extrain do to das as co nseqüênc ias m o rais destas decisõ es para o no sso co m po rtam en­ to. A im po ssib ilidade in ic ial da étic a em geral, e da étic a negativa em partic ular, ago ra se transfo rm ava em algo assim co m o um a po ssib i­ lidade m o rtal. Se po dia ser ético so m ente estando dispo sto a expo r- se até o extrem o final. A étic a tinha sido dec larada im po ssível (por exem plo , no diagnó stic o de M ac I ntyre) po rque tinh a sido c o nceb i­ da co m o um gerado r de “vida b o a” para ser vivida.

Mas nada assegura

que a ética deva ser algo para ser vivido; talvei

j

seja, fundamentalmente, algo

para ser morrido e consumado

(Cristo, Só crates, Sêneca, K ennedy, L uther K in g, B enjam in , G andhi, etc). U m a autêntic a perso n alidade ética

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co rre tanto s risco s quanto um exub erante vitalista nietzscheano : em últim a instância, se trata de duas fo rm as intensas de reso lver um a situaç ão im po ssível. E u pensava que so m ente assim o cam inho éti­ co ain da po dia estar aberto.

E ntão , étic a negativa é, pelo m eno s, estas duas co isas: o am b i­ ente de pensam ento o nde é refletida e vivida a tensão entre a nega­ ção e a negativização da m o ralidade, e aquele o nde se pro c essa o m ais radic al julgam ento da vida po r parte da m o ralidade, no s extre­ m o s reflexivo s da pro c riaç ão e o suicídio , à luz (ou à so m b ra) da desvalia estrutural da vida hum ana. M as, em terceiro lugar, co m ecei a en tender tam b ém po r étic a negativa tudo aquilo que ela o b riga às o utras po siç õ es éticas a esc rever em c o ntra dela, seja po r reação só b ria, seja po r indignação , dada a m anifesta im po pularidade de suas teses: desvalia da vida hum ana, julgam ento m o ral da pro criação , dis­ po nib ilidade ao suicídio , etc. E ste aspecto c o m põ e-se de tudo aquilo que as po siç õ es afirm ativas do m inantes não levantariam se não fo s­ sem desafiadas pelo discurso étic o -negativo , algo que eu co m ecei a cham ar as “afirm aç õ es-tam b ém ” (coisas do tipo : “C laro que há tam b ém o negativo ” , “C ertam ente, existem tam b ém aspecto s so m ­ b rio s” , “N ão h á apenas luz, m as tam b ém esc uridão ”, e assim po r diante, afirm aç õ es o nde o elem ento negativo , que a étic a negativa via co m o estrutural e co nstitutivo , é visto , desde o afirm ativism o , co m o exceção , no registro do “ tam b ém ” ).

II

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B uganza, um de m eus aluno s m exicano s, escreveu texto s o nde a étic a negativa era m encio nada e discutida3. D o s pro fesso res, P aulo M argutti, de B elo H o rizo nte, escreveu um texto critic ando as m i­ nhas idéias so b re sentido e valo r da vida, num sim po sium o rgan iza­ do pela U nB em 2 0 0 3 4 .

M as, ao m esm o tem po em que crescia o interesse pelo assunto, aum entava o núm ero de m al-entendido s, em partic ular do is, m uito reco rrentes, que m e preo cupavam não pela sua im po rtância, m as, precisam ente, pela sua superfic ialidade, pela sua trem enda c apac ida­ de de sim plificação . E u pensava que, precisam ente po r serem idéias vulgares, elas po diam fazer m uito dano. E ssas idéias eram as seguin ­ tes: (a) A s pesso as pensavam que a tese da “desvalia estrutural” da vida hum ana significava que os negativo s “não go stavam da vida” , no sentido deles não apreciarem co isas co m o am or, am izade, arte, ciência, criatividade, espo rtes, co m idas, b eb idas, viagens, etc. P esso ­ as que rejeitavam o evidente valo r dessas co isas só po diam ser do en­ tes e inc apazes de apreciar o sab o r da vida, de am ar e ser am ados, insensíveis aos valo res hum ano s, depressivo s e desagradáveis, (b) As pesso as perguntavam ao s negativo s: já que vo cês não go stam da vida, então , po rque não se suicidam ? (U m a espécie de versão po pu­ lar da fam o sa pergunta de Cam us em “O m ito de S ísifo ”).

A ntes de tentar esc larec er estas duas co isas, talvez seja o caso de fazer aqui um pequeno

excursus

m eto do ló gic o . A s co isas que estam o s co m eçando a expo r aqui devem parec er m uito co m uns e po uc o “técnic as” ao s o lho s da filo so fia pro fissio nal ho je do m inante no mundo. B o m , isto é para ser assim mesm o. A s questõ es que que­ ro deb ater, no am b iente da étic a negativa, têm este aspecto po uco técnic o e superfic ial, e penso que um a gran de parte das questõ es

3 B ugan za J ac o b , “ E nsayo de una o nto lo gia dei m al”. R evista de H um anidades, T ec no ló gic o de M o nterrey. N o 18, prim avera de 2 0 0 5 .

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que aqui interessam se perderiam se co m eçássem o s a intro duzir tecnic ism o s e so fisticaçõ es e no s afastássem o s de no ssas intuiç õ es e sentim entos. A pro fundidade da étic a negativa terá de ser atingida de um a o utra m aneira, m o dific ando , inclusive, o pró prio sentido de filo so fia “pro funda” . E xiste um antec edente in teressante desta situ­ ação den tro da filo so fia alem ã do séc ulo X I X , na relação entre S c ho penhauer e os filó so fo s idealistas (F ichte, S chelling, H egel). E nquanto estes utilizavam to da a term ino lo gia técnic a dispo nível, e afundavam em questõ es lo ngínquas do senso co m um , Scho penhauer se gab ava de fazer um a filo so fia sem pre pró xim a da intuição , filo so ­ fia fác il e b em escrita, co m o a do s seus am ado s em piristas ingleses (sob retudo H um e), que não precisavam de galim atias o u tecnicism o s ab struso s para exprim ir seus pensam ento s e serem pro fundo s. D es­ de o início de m eu filosofar ético-negativo, sempre m e senti filiado ao modo schopenhauereano de fazer filosofia, um méto do analítico claro e explícito que não tem ia transitar pelo senso co m um (em geral, para criticá-lo). N unca m e senti à vo ntade falando filosofês o u assimilando jargões de qualquer tendência (heideggeriana o u wittgensteineana). M e interessa mergulhar no cotidiano, em coisas que todo m undo se per­ gunta, e procurar ser o mais claro possível. N ão aspiro a qualquer tipo de “profundidade” que passe pelo dom ínio co mpetente de um jargão ou pelo tratamento de problemas técnicos da filosofia.

D epois desse

excursus

metodológico, quero tentar responder as duas questões antes colocadas, que m e parecem enorm es mal-entendidos.

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fazer as co isas que fazem o s no m undo , m as não há um a distinção entre ter-surgido na vida e viver a vida. O ter-surgido é sim plesm en­ te o in íc io da vida, e não se po de distinguir entre esse in íc io e o resto da vida. P elo co ntrário , filó so fo s não analítico s

avant la lettre

(com o Scho penhauer), duvido sam ente analític o s (com o W ittgenstein ) e cla­ ram ente não analític o s (co m o H eidegger) tendem a fazer um a dife­ renç a entre a explic ação puram ente relac io nal e funcio nal dos fenô ­ m e n o s e a e lu c id a ç ã o d a e s s ê n c ia in t e r n a do s m e sm o s (S cho penhauer), o u entre aquilo que po de ser dito num a pro po siç ão articulada e aquilo que apenas se m o stra no silêncio (W ittgenstein), o u entre aquilo que no s afeta através deste o u daquele aspecto do intra-m undo , e o que no s afeta através da angústia do puro e sim ples ser-no -m undo (H eidegger). São três m aneiras de ver e fo rm ular a diferença o nto ló gic a.

E u m e in teresso po r fazer a diferença o nto ló gic a no âm b ito da questão do

valor

da vida h um ana (o u seja, num âm b ito deixado pro- po sitalm ente de lado tanto po r W ittgen stein quanto po r H eidegger, em b o ra não , certam ente, po r S cho penhauer)5: é diferente pergun­ tar-se pelo valo r o u desvalo r do sim ples ter-surgido que perguntar- se pelo valo r o u desvalo r das co isas que fazem o s e vivem o s apó s term o s surgido, m esm o que o prim eiro seja, co m o é ób vio , co ndi­ ção em píric a para o segundo . D este c o ndic io nam ento não se segue, a m eu ver, que se co nsiderarm o s, digam o s, valio so o ter-surgido , devam o s fo rço sam ente co nsiderar co m o valio sas as co isas, que vi­ vem o s no intra-m undo , o u vic e-versa (que devam o s aceitar o ter- surgido co m o b o m pelo fato de aprec iarm o s as co isas intra-m unda- nas). A qui m e parec e haver um a ruptura fundam ental que m uito s

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leitores da ética negativa não co nseguem visualizar. A idéia da diferen­ ça onto ló gica na ética negativa é b asic am ente a seguinte: sendo o ter- surgido m o rtal, o u term inal, o u seja, cadente o u finante, po dem os sem pre co nsiderar isso co m o um a desvalia, na m edida em que to do o que fazemos, m esm o o agradável e valioso, está co m o em b utido em pro c esso s regressivo s de term in alidade (o que c o nstruím o s será destruído, o que am am o s perecerá, aquilo que cuidam os será arrasa­ do, etc, desde no sso co rpo até as pesso as que amamos). I sto não tem porque excluir o fato de apreciarm o s eno rm em ente as coisas intra- m undanas (amar, ter am igos, estudar, co m er, viajar, etc); pelo co ntrá­ rio, o apreciar eno rm em ente estas co isas po derá to rn ar ainda mais doloro sa e ago niante a sua co nstante e inexo rável term inalidade, seu perm anente esco rregão para a destituição e o des-ocupam ento .

A ssim , não é co ntraditó rio go star do s bens intram undano s e lam entar a sua term in alidade, seu caráter efêm ero e m o rtal. E sendo que este caráter efêm ero e m o rtal fo i dado ao nasc er (ou seja, não é trazido pela m o rte, m as pelo nasc im ento ), po dem o s co nsiderar um a desvalia (pelo m eno s para seres desam parado s e co nscientes co m o os hum ano s) term o s nasc ido term in ais o u m o rtais, sem que po r isso devam o s deprec iar o u restar valo r (antes pelo co ntrario !) às co isas que vivem os no intra-m undo. (N o registro afirm ativo, W illiam jam es em “T he W ill to B elieve”, já tinha feito a diferença ao proclam ar que ainda um a vida cheia de males (“intra-m undanos”) não seria suficiente para dizer que ter-nascido é mau. M as co nstitui um a injustificável assimetria afirm ativa não aceitar tam bém a inversa: ainda um a vida cheia de bens não é suficiente para dizer que ter-nascido (mortais) é bom).

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do que em m ortalidade. A ssim , o pro b lem a fundam ental não é o não- ser que algum a vez seremos, mas o não -ser que já som os desde sem­ pre, e que influencia tudo o que fazem os no intra-m undo (mesmo o m ais agradável, o u talvez isso especialm ente), e que sim plesm ente se co nsum a no m om ento da m orte. H á pesso as que perguntam : “P or que co nsiderar isso co m o m au? M o rrer nada tem de m au” . N ão é mau, certam ente, o m ero fato de não serm os algum dia (apesar de que, em muitas pesso as, este é, de fato, um pensam ento arrasador), mas sim o fato desse não -ser carregar um elem ento de fricção, que cham am os de dor, tanto física quanto m oral, e que to rna esta no ssa (mais o u m enos lenta) co nsum aç ão num proc esso doloro so, descen­ dente (mesmo que pleno de agrados e realizaçõ es intra-m undanas), no qual o nosso corpo, m ente e relações vão desoc upando espaços e se deteriorando. V iver é sem pre degenerativo. A ssim , o pro b lem a não é desaparec er (se sim plesm ente desaparecêssem os no ar, de repente, talvez a co ndição hum ana fosse um po uco m elh o r do que ela é), mas o desgaste doloro so do desaparecer cotidiano, dentro do qual são ins­ talados todos os nosso s agrados e realizaçõ es, que não são negados em seu valo r (pelo co ntrário, parte da desvalia estrutural da vida hu­ m ana é que esses valores são altam ente reco nhecido s, vivido s e usu­ fruído s). É isso o que ganham o s ao nascer6, isso o que co nsum am o s ao m orrer, é isso a respeito do qual som os “c entrífugo s” .

A ssim , respo ndo da seguin te m aneira à prim eira o b jeção co n­ tra a étic a negativa: o ho m em negativo não é in sensível ao s bens intra-m undano s (am or, estudo s, co m ida, b eb ida, am izades, viagens, etc ), m as alguém p len am en te sen sível ao seu c aráter term in al; tam po uco é alguém “in c apaz de am ar” o u de desc o b rir os valo res hum ano s, m as alguém perfeitam ente capaz de am ar e de assum ir valo res, m as que vê e sente co m o c alam idade que seus o b jeto s de am o r sejam destruído s de m aneiras do lo ro sas, e que to do o que foi capaz de c o nstruir no rteado pelo s seus valo res seja destruído tanto

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pela natureza quanto pelo s outro s hum ano s. O pro b lem a não é ser incapaz de am ar a vida, m as ser capaz de am á-la pro funda e in ten sa­ m ente, sendo ela term inal. Q ue as pesso as tenham “ se hab ituado ” a estes fatos estruturais (se é sequer po ssível hab ituar-se a eles sem perder a hum anidade!) não rem o ve o caráter de desvalia dos m es­ mos, m as, pelo co ntrário , m o stra um a das estratégias m ais co m uns para lidar co m ela. T am po uco apo ntar para a desvalia signific a n e­ cessariam ente cair 110 desespero. A lém da ac eitação ou do desespe­ ro, trata-se de entender qual é a situaç ão efetiva em que no s enco n­ tramo s. T rata-se da fria co nstatação de que as co isas intra-m undanas po dem ser extrao rdin ariam ente valio sas (o que o ho m em negativo nunca nego u), m as não ser valio sa a sua co nstituiç ão o nto ló gic a, dada ao nascer. (N o m eio de um a festa m uito agradável, po dem o s perceb er acidentalm ente o no sso ro sto envelhecido num espelho , e fic arm o s angustiado s; o que não vai tirar valo r daquilo que está sen­ do vivido (a festa), mas vai situá-la num co ntexto m ais adequado ).

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que deve ser feito po r c ada um de nó s em cada caso. T am b ém o negativo deve dec idir até quando os valo res intra-m undano s supo r­ tam a estrutura m o rtal do ser, e essa dec isão po deria ser adiada in de­ finidam ente, o u to m ada apenas in extrem is (com o no s caso s de sui­ cídio assistido em do enças term in ais). O pessim ism o do negativo se b aseia no fato de estarm o s c o ndenado s a ter de fazer esta do lo ro sa e dram átic a po nderação , po is as no ssas vidas devem ser dec ididas dentro do tem ível rádio de influên c ia da m o rtalidade do ser. M as isso não signific a que “suicídio já” deva ser a dec isão fatalm ente dec o rrente dessa co nstataç ão . O suicídio não é nunc a o resultado direto e sem m ediaçõ es da m o rtalidade do ser, m as o resultado de um a po nderaç ão so b re a in fluên cia, dec isiva o u adiável, dessa estru­ tura na criação intra-m undana de valo res. (E claro que nada exclui a po ssib ilidade de alguém decidir suicidar-se lo go de to m ar plena co ns­ ciênc ia da situaç ão de term o s que fugir perm anen te e inevitavel­ m ente da estrutura m o rtal do ser (ou seja, de serm o s centrífugo s); m as nem sequer nesse caso a dec isão terá dec o rrido im ediatam ente dessa estrutura, m as de um a decisão que a julgo u dec isiva e a ser exec utada sem adiam ento s. M as o negativo não se co ntradiz se não fizer isso e co ntin uar vivendo indefinidam ente).

III

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nenhum ente. A lguns hum ano s co nseguem , m ediante seu po der ec o nô m ic o , fazer c o m que o utro s hum ano s fiquem m ais expo sto s à luz do ser e sem entes pro teto res (escravos, o perário s, co nstro em entes para seus do no s e patrõ es se pro tegerem m elh o r c o ntra o ser, e eles m esm o s viram entes pro teto res, que se m ac hucam e m o rrem pelo s po dero so s. N a verdade, os po b res estão expo sto s ao ser, mas lo nge de po der refletir so b re ele; enquanto os rico s estão dele res­ guardado s, e co m m uito tem po para pensá-lo ). A m aio r das to rtu­ ras, em prisõ es co m o A lc atraz, era a “ so litária” , o nde o prisio neiro não era m ac hucado nem sub m etido a qualquer to rtura explícita, m as deixado to talm ente só num a cela, sem entes (sem nada para ler, sem nin guém para falar, etc), apenas co m seu ser. Se o ser fosse algo de b o m , isto não seria a m aio r das to rturas im agináveis.

N este sentido , o que os hum ano s realm ente querem é não ser, o u seja, não estarem expo sto s ao m ero ser; eles querem entes, um a fo rm a de não -ser, o u de nada, os entes salvado res, o não -ser salva­ do r; querem m anter o ter-surgido num a situaç ão m inim al, co m o m ero sustentáculo de entes agradáveis e realizado res, sem que o ser m esm o apareça. M as os hum ano s ac ab aram cham ando de “ ser” aos entes que interpõ em entre eles e o ser; ac ab aram cham ando de “vida” (essa vida que se diz “b ela” , “b o a” , o b jeto de am or) àquilo que, na verdade, o c ulta a verdadeira vida, a vida-m o rte que nos co nstitui. N inguém am a a vida (nin guém am a o ser), m as aquilo que a vida perm ite fazer (os entes). “M o rto s que não se lem b ram que estão m o rto s” , co m o no film e “O sexto sentido ”, o u m elh o r ainda: nasc i­ dos que não se lem b ram de ter nascido .

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nós apesar de nós não pensarm o s nela (se isto for sequer possível!); chegará um m o m ento em que atender à term inalidade do ser será fato inadiável para cada um de nós. E sse m om ento , c o ntra o que pensam afirm ativa (e inadequadam ente) as pesso as, não está situado “no final da vida”, “daqui a m uito tem po ” , etc, m as po ntualm ente em ab so luta­ m ente qualquer m o m ento de no ssas vidas; e seria um a pena não estar­ m os preparado s para esse mom ento, sob retudo se fo rm o s filósofos. O esquec im ento do ser pro vém , em gran de m edida, da desc o ­ m unal fo rça que os entes po dem adquirir, o que tenho cham ado o “assalto do ser pelo s entes” , o fenô m eno do to tal esquec im ento do ser em b enefíc io do m anejo intra-m undano de entes que se to rnam to talm ente essenciais, im po rtantíssim o s, inadiáveis e ab so rventes. (A o b ra-prim a do “assalto do ser pelo s en tes” são, m e parece, os cam ­ peo nato s m undiais de futeb o l). N a co rriqueira vida de b arganhas e adiam ento s existenciais que usualm ente vivem o s, a term in alidade do ser é literalm ente enterrada em b aixo do s pro b lem as fam iliares, eco nô m ic o s e de prestígio so cial; a term inalidade do ser, é claro, ac ab a asso m ando a cab eç a pelas frestas e inc o m o dando , m anifes­ tando -se nos lugares o nde m ais se go staria o cultá-la.

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im po ssib ilidade de ter objetivos que não sejam rejectivos, de destinos que não sejam fugas (o que Scho penhauer e F reud co nstataram na insac iabilidade do desejo, mas que é, creio eu, um a resso nância do ser m esm o), são um co nstante m al-estar da felicidade hum ana.

O utro aspecto são os relacio nam ento s hum ano s, que não po ­ dem funcio nar na pro xim idade, m as so m ente na distância, de tal fo rm a que quando os o utro s estão presentes são o b jeto de repúdio e o fensa, e só valorizado s quando distantes (quando mortos). O utro aspecto é que não dispomos de um a sabedoria da vida, na verdade vive­ mos sem saber viver, com o instalados num em prego para o qual não estam o s n un c a hab ilitado s. S eja qual fo r a estratégia de vida, a terminalidade dos projetos é insuperável, e ficará um sabor de irreaüzado e de fracasso, de algo que não podia funcionar, que não podia ser vivido, que é passado de uns humanos para os outros com o um a culpa transfe­ rível, com o um débito impossível de quitar (“A vida deve ser vivida assim”; “N ão, deste outro modo”). Por último, tampouco sabemos como acabar as nossas vidas, temos um a m á consciência a respeito do fim (assim co m o os filósofos não conseguem acabar as suas obras, e as pessoas, em geral, não conseguem acabar conversações); especialmente uma péssima relação co m o suicídio e co m o dispor da própria vida (que aparece em frases como: “E spero que, quando estiver muito doente alguém m e dê algum a coisa para eu m o rrer lo go ”; com o se fosse natural onerar um a outra pesso a co m um a incumb ência pesada, da qual nós mesmos deveríamos po der dar conta).

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exclusivamen-te no intram undo; a invenção intra-m undana de valores, que é o que precisamos para suportar o ser, acaba “tomando o ser po r assalto”, p re ten den do sub stituí-lo . C riam -se as im agen s da “vida b o a” intram undana; criam -se “ob jetivos” para o cultar que a vida é fuga rejectiva; criam-se os “bens últimos” ou “supremos” que devemos “pro­ curar po r si m esm os” para ocultar o “M al Ú ltim o” de que devemos necessariam ente afastar-nos. Cria-se um a pro funda defo rm ação do mundo, tanto na nossa m aneira de viver a vida em geral quanto na nossa maneira de fazer filosofia. P ensamos que temos direitos onde não os temos (direitos à vida, à saúde, à felicidade, à “vida b o a”, à vida longa, à justiça e a consideração). Cria-se o “prob lem a do m al”, co m o se fosse algo de excepcional. (As T eodicéias). Cria-se o “sentido da vida” e, con­ seqüentemente, o abalo diante de sua “perda” . A parecem as dores m o ­ rais, a depressão e a culpa. (A defo rm ação afirm ativa do mundo).

A étic a negativa é um co nvite a rem o ver estes b lo queio s afir­ m ativo s do pensam ento . E la m o stra que se deixam o s de pen sar que tem o s um valo r, um a dignidade, direito s à felic idade, etc; se ab ando ­ narm o s a estranha idéia de que “ a vida é b ela” ; de que estam o s em co ndiç õ es de ter “o b jetivo s”; de que tem o s direito a um a “vida b o a” de ac o rdo co m um “sum o b em ” ; de que o n o rm al é o b em e o excepcio nal “o m al” ; que as no ssas vidas devem ter um “ sentido ” , etc, e co m eçam o s a o b servar o m undo pelo viés negativo , tudo c o ­ m eç a a se esc larec er e, de c e m m aneira, a fic ar m eno s angustiante e desno rteado r: rem o vido o b lo queio afirm ativo , o que é que en c o n­ trarem o s na no ssa frente? A lgo co m o o seguinte:

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mal. O no sso nascim ento é um a gravíssim a lim itação ontológica, já que para ser devem os estrangular as infinitas po ssib ilidades do não- ser7 . Além disso, somos colo cados num a linha tem poral inexorável na qual vivem os lentam ente a no ssa degradação e em cujo final se enco n­ tra a no ssa desaparição definitiva. N ão parece haver muitos motivos para estarm os contentes. N ascer, portanto, não foi algo bo m , nem do po nto de vista sensível (por serm o s regularm ente subm etidos à do r e a ter todo s os nosso s agrado s sem pre inserido s em seu registro ), nem do po nto de vista m o ral (já que para viver deverem os “abrir-no s espa­ ço ” co ntra os outro s e insurgir-nos co ntra eles). D everíam os, po rtan­ to, achar totalm ente no rm al sentir que o no sso estar no m undo é absurdo e dolo ro so, sem que exista nada de errado nisso.

E m segundo lugar, nada que ac o nteça na esfera intra-m undana, ainda o m ais agradável e digno , po derá reso lver a m enestero sidade da o rigem ; de m aneira que é n o rm al sentir que as no ssas açõ es são desenvo lvidas co m m uito esfo rço e de m aneira ingló ria, co m o avan­ çando m uito po uco num terreno ín grem e e resistente. P o is as n o s­ sas invençõ es intram undanas de valo res devem co nstantem ente lu­ tar co ntra a b rutal resistência da m o rtalidade do ser. N ão sentir-se, pois, culpado s o u frac assado s po r não co nseguir, po is não apenas nenhum a “vitó ria” po deria estar garantida, m as o não co nseguir é o m ais p ro vável, dada a estrutura do m un do , além de efêm ero s triunfalism o s ô ntico s. O ser m esm o é frustrante, a relação co m ele é im po ssível, e o fracasso a m ais viável po ssib ilidade da existência.

T erceiro, não existe nada co m o “vida b o a” a ser vivida, m as apenas rejeição da ofuscação da luz do ser; a vida não po de ter grandes ob jetivos, m as pequeno s rejectivo s; não existe nada que devam o s b uscar po r si m esm o , m as apenas co isas das quais devem o s fugir e nos afastar o m ais po ssível. A pesar de não serem claro s os ob jetivos (o esfo rço vão dos filó so fo s em definir o que seja “o b em suprem o” , os “ fins últim o s”), os rejectivos kafkianos, o que devem os evitar, são

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perfeitam ente claro s8 . P elo lado negativo, a vida se entende, pois, m uito m elhor. C o m o seres que pro c uram algo , estam o s co m o per­ dido s num a nuvem de especulaçõ es; o “b em ” não aparece po r n e­ nhum lugar. P elo co ntrário , co m o seres que rejeitam e fo gem , tudo aparece claro. T am po uc o há nada co m o “o pro b lem a do m al” : os hum ano s sim plesm ente fo ram nascido s term inais e co lo cado s num a estrutura o nde o frac asso está mais garantido do que o sucesso, o nde co nstantem ente se deve fugir do que m ac huca e faz m al, o nde so ­ m o s co nstantem ente o b rigado s a enfrentar-no s co m os outro s, etc. Q ualquer “vida étic a” no sentido afirm ativo hab itual é im po ssível dentro desse âm bito , e nin guém deveria sentir-se culpado po r não c o nseguir realizá-la. O s hum ano s não são “m aus” , m as eles não têm o m eno r sub sídio para levar adiante um a genuína “vida m o ral” , no sentido de serem co rreto s e co nsiderado s co m to das as pesso as, em to das as circunstâncias, em to do tem po e lugar, etc.

P o r últim o , não há nada de errado em pensar em dispo r da pró pria vida no m o m ento em que a estrutura m o rtal do ser prevale­ ça so b re a fo rça da criação in tra-m undana de valo res. N ão devería­ m o s sentir-no s c ulpado s pelo s no sso s sentim ento s suicidas, nem co nsiderá-lo s

per se

co m o pato ló gic o s o u crim inais (apesar de have­ rem suicídio s desse tipo !). Sab er ac ab ar co m a pró pria vida po de ser virtuo so (um tipo de sab er antigo que se perdeu quase to talm ente na m o dernidade). P ensar em suicídio é um a po ssib ilidade da existência entre o utras, não fatal, não o b rigató ria, m as plausível, apó s um a po n­ deração respo nsável ac erc a das chances de equilíb rio entre o árduo trab alho intra-m undano e a estrutura term inal do ser.

A étic a negativa pensa que vam o s viver e m o rrer m elh o r se nos desfazerm o s da idéia de que no sso nascim ento fo i algo b o m , de que a vida é b ela o u de que tem os direito a um a “vida b o a”, de que devem o s evitar o fracasso, en co ntrar um fim e um sentido claro para no ssas vidas, tentar ser m o rais e sentir-no s culpado s po r não

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co nsegui-lo, e de que devem o s fugir de to da e qualquer idéia de suicídio. P o rtanto , de que há algo de errado co no sco quando senti­ m o s que no ssa vida não têm qualquer sentido , e que ela não é algo de bom . T am po uco devem o s pensar que há algo de errado c o no sco quando tal co nstataç ão nos deprim e, po is a co ndiç ão hum ana, sem as vestes af irm ativas, é dep rim en te; se n ão no s dep rim e m ais freqüentem ente é devido ao incansável trab alh o da o cultação . (N ão há nada de errado , po is, na depressão , e deveria aceitar-se co m o um pathos perfeitamente adequado à estrutura do mundo, ao lado da an­ gústia e o tédio heideggetianos. So mente desde a perspectiva afirmativa a depressão vira “doença”, em lugar de simples pathos existencial viá­ vel). A depressão, o fracasso existencial, o insucesso, a desconsideração e a morte, não são “desvios”, patologias ou males excepcionais, mas os constituintes mais próprios da existência humana.

A ética negativa tenta pensar este parado xo : quando assum i­ m os na pele (não apenas co m o sab er intelectual) que a no ssa vida não é b o a nem po de sê-lo, ela se to rna m elhor. “M elho r” não signi­ fica “b o a” ; apenas “m elh o r” . M elh o r que quê? M elho r do que a expec tativa afirm ativa levaria a co nceber. C o m a expec tativa afirm a­ tiva, a vida hum ana é ansio sa, culpada e im o ral. P o is o elem ento negativo fo i estranhado e transfo rm ado em “do ença” e “m al” . Sem a expec tativa afirm ativa, a negatividade é sim plesm ente vivida sem estranham ento s: o que cham ávam o s de do ença e m al so m os, sim ­ plesm ente, nós. A pró pria idéia de “negativo ” se dilui quando o referencial afirm ativo é derrub ado . A “ética negativa” trab alha no esfo rço de derrub ar seu pró prio caráter “negativo ”9 .

O que ain da deve ser pensado é co m o fic am as relaçõ es do dia- a-dia co m os outro s quando é assum ido o po nto de vista negativo .

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P o is ab stenção de pro c riar e suicídio não são, certam ente, atitudes do dia-a-dia. E ntretanto , am b as parecem derivar-se, de m aneira ex­ trem a, de do is m o vim ento s fundam entais de um viver negativo , que cham o :

minimalismo vital

e

disponibilidade para a morte.

D adas as so m ­ b rias perspectivas do planeta T erra no s pró xim o s ano s, no que se refere à super-po pulação e todo s os pro b lem as derivado s (fom e, vio lênc ia, esgo tam ento de recurso s energético s, etc), pensam ento s filo só fic o s m inim alistas, austero s e respo nsáveis serão cada vez m e­ lh o r b em -vindo s, so b retudo no que se refere à pro criação . O dar a vida deverá ser rem o vido de seu co ntexto afirm ativo hab itual de dádiva e eufo ria, e transfo rm ado em só b ria e po nderada aç ão de so b revivência (o u seja, sem justific ativas m o rais, m as puram ente em píric as), num m undo cada vez m ais aparentem ente facilitado , mas cada vez m ais difíc il de ser vivido. (A atual tarefa do s m eio s de c o ­ m unicação co nsiste em sim plesm ente suprim ir to da e qualquer co ns­ ciênc ia da crescente dific uldade de vida no planeta T erra, tro cando - a po r um a aparente viab ilidade afirm ativa, parte do que H eidegger c ham ara “o esquec im ento do esquec im ento ”).

Referências

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