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De sertaneja a folclórica a trajetória das coleções regionais do Museu Nacional, 1920/1950

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES

ESCOLA DE BELAS ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS (PPGAV - EBA - UFRJ)

(2)

:.

Carla da Costa Dias

-Tese submetida ao Corpo Docente ela Escola ele Belas Artes da Universidade Fecleral cio Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de doutor.

Carlos de Souza Lima

Programa de Pós-gradu/ção em Antropologia Social - Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro

·sidacle Federal Fluminense

Professor Doutor Luiz Fernando Dias Duarte

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social - Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro

-�J�a

Professora Doutora Sonia Gomes Pereira

Programa de Pós-graduação em Artes Visuais/ Escola ele Belas Artes Universidade Federal do Rio d<.: Juneiro

g�rio Medeiro

Programnl1.ie-Pós-graduaçãole.m__Anes Visuais - Escola ele Belas Artes Universidade Federal do Rio de Janeiro

Prof. Dr. João Pacheco de Oliveira Filho (suplente)

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social - Museu Nacional Universidade Federal do Rio ele Janeiro

Professora Doutora Cibele Vida! Fernandes (suplente)

Programa de Pós-graduação cm Artes Visuais - Escola ele Belas Artes Universidade Federal do Rio (h.: Juneiro

(3)

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t 1\gra<lc:címc..:ntos

:.

No Programa de Pós-graduação em 1\rtcs Visuais, da Escola de Belas Artes da Univcrsid:1dc Federal do Rio de Janeiro, agradeço a Profa. Cibele Vida! Fernandes, coordenadora do Programa, pela compreensão e apoio p:ua finalização deste trabalho. Durante o

curso pude contar também em diferentes mon,entos, com i\ngcla Ancora da Luz, Maria Luiz.1 T:1vor:1 e

San.ia Gomes Pereira.

1\0 eterno e querido orientador, ciuc há nove anos me aco

mpanha, nas muitas crises e pcc1uenos

avanços e em alguns retrocessos. Obrigada por sempre acreditar cm m

im n,csmo qu:\t1Lk, eu

não podia faze-lo. Sem Antonio com certeza cu já teria abandonado este barco a deriva de um:1

forte correnteza. Escolhcr um orientador significa escolher U! T

l rumo, um parceiro, um

interlocutor, uma trajetória. Confiança que descarrilar pode significar não perder a estr:1d.1, nus

a necessidade de reconstruí-la. Minha gratidão por sua vontade de orientar, no senti

do rn:lÍs

amplo dessa palavra. Por isso escolhi meu orientador, porque ele é também o norte (mesmo

crnn todos (JS Jcsvi()�. tp1e :1s vezl's cisrn:1rnos e111 rornar) deste tr:ib:tlho.

1\gradeço a Fátima Regina Nascimento por ter me recebido no Setor de Eu1ulogi:1 d(, i\ l u�L·u Nacional, me aberto todas as portas: dos armários, e.las gavetas, dos arquivos, sem os q

u:iis n:1d:1 disso aqui escrito teria sido possível. '1';1mbé:rn agradeço a J\na Paula, grande cobbor:1dora no dia a dia do trabalho junto aos objcros d:1 resl'rv:1.

:\inda no Museu Nacional, agradeço ao llrofessnr Luií'. h.:rnando Di:1s Duarce LlllL' 111L· .1hriu :1� portas para ingressar na instituição, quando era seu diretor. Ag

radeço também por 1cr rnc recebido como ouvinte no scu curso de Teoria i\ntropológica .

. \gradcço as sempre amigas Elizabcth Linhart:s e J ,igia Dabul, que estiveram semp

re pró:...:imas, me acolhendo e me orientando. 1\grackço ,10 Moacir, por também estar ju

nto, torcendo.

Agradeço à Professora Ismênia Martins, com quem tive a honra de trabalhar. Como direrora d() r\PERJ, a professora Ismênia me recebt:u como urna mestra que generosamente busca

contribuir com as trajetórias individuais daqueles que a rodeiam. J\ Leila Duart

e que me :1C(llheu com sincera amizade e me introduziu no universo dos documentos, dos fungos e elo arranjos. També:m a Paulo Roberto com sua generosa contribuição incorporada no primeiro capitulo.

Agradeço ao meu "irmão" Carlos /\ndré, meu parceiro de trabalho e de caminh:tda. 1\ndré e sua maneira de ser tranqüila e positiva, transforma e dissipa as nuvens que se forrn,1m sobn: nossas cabeças. Agradeço també:m por ter "podido contar" com ele nas horas cm que não pmli:1 · estar com os alunos. 1\gradeço tarnbc'.:rn a J\na ni:1 "mi11h;1 coordenadora", p

elo incc11tÍ\'() L' companherismo com o que ela organiza e participa de tudo, minha admiração e minha graticbo Agradeço de modo muito especial a minha amiga Cristina Cavalcanti que esteve ao meu lado dtJrnnte ei,tc ultimo semestre, rabiscando e desenhando este texto. Sem ela, sua paciência, perseverança e amizade, com certeza 11ml:1 diss1, tni:1 cst:1 t·(>l'l\l:l. () tllL'\\ 111uit() ()hrig;1d:1.

Também é de forma especial que agradeço a. minha aux.iliar, assistente, brnço dirctro, sei Li o nome que posso dar a Raquel. Comigo desde os tempos de Nlinas Gerais, quando ai

nda csrava tcrminando o mestrado: Raquel foi sem dúvida a minha companheira, esteve

ao meu Lido, cuidando de meus filhos, cuidando para a casa não cair, cuidando para eu co

ntinu:u, me animando e torcendo para c1ue tudo saísse a contento, inclusive digitando, quando eu nào mais podia faze-lo, as planilhas que compõcn1. este trabalho. A Raquel eu ofereço a m.inha maior gratidão

.,.\gradeço ainda aos amigas que sempre estiveram ao lado e que também me deixaram de lado

quando eu precisei: a Paula, a Teresa, a Dorothe, a Heliana, ao Guilherme, ao Nilr

on, a I ,uca e

a Jasmina, (]Ue agúentou acompanhar nida esta ,, novela. cm seus vastos capítulos. ,,., JBs...-.nT�,.,..._,").,'I,�.'.,,-.._.��� ....

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1'liUCTh:;� 11/t(,�.0 AtFltE�J(' GALr-,. ,

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(4)

Agradeço ainda a Maria Luci Jtcs

também a Leócia Lacerda que tem cuidado (da rninha cabeç

a) para o trem não dcscarrihr. Agrndcço a minha avó Odália que rrnuxc no ventre, do sertão do Serg

ipe, meu pai, no ano de 1929. A minha avó lrani, mii.c..: <lc minha mãe, que cm 1 938 nasc

eu no oeste, nos scrtôes cbs !\finas Gerais. Ao meu pai e a minha mãe e ;is suas mães, minhas ;ivós, rnulhcres ck q

ul·111 espero ter herdado a força e, a vonrnde, de conti nu;ir sempre. Mulheres a que me rep

orto corn orgulho e respeito. Recorto ;iqui a tcmporalidacle de suas vi

das, resgato aqui um pouco de minh;is raízes, sertanejas, ;ifin;il cu também no Ceará n;isc

i. Agradeço ainda aos meus rius Dalron e Célio, que me levaram a conhecer o São Francisc

o. Ainda menina me debrucei sobre suas águas caudalosas, anos se pass;iram e alcancei sua nascente e b

ebi das águas cristalinas. Os dois me ensinaram sobre ser " mineiro" e fazer part

e elo chão, batido, poeirento e \arn;iccnrn das Gerais e me deram a terra para modelar, n-ic deram o our

o cm forma de barn 1 pr:1 l'll carregar. Os dois vivem em minha memória, são parte da minha história.

B()m, e é continuando sempre, que agradeço e dedico este trab

alho a João Vitor e Luiz Cabriel, mt:us meninos, meus companheiros, estes seres enc

antados que parólham comigo desta existência. Não existe nada mais pleno do que ser parte de su

as vidas. Meus filhos 1uscn;1111 yuandrJ aprt:ndi a fazer panela, rnt:us filhos agorn crescem aprendendo a

cair pra um c\i;1 poder andar firme na terra. Aprendem sobre a :1ridcz qlle pode ter a tcrr:1 e da cornp

aix:ío de frllrit-1c1r; de perseverança e vontade, apre11dcin sobre o vasto inu

ndo, aprc ndL·rn ;\ cH·sn·r compartilhando com sincera vonta<le o sabor de rnda alimento, seja lá de q

ue naturez;t ek t',lr.

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(5)

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"Autoritárias, poralisadoras, circulares, às vezes elípticas, os ji-oses ele efeito, twnhém jocosmnente de110111inodas pedacinhos de ouro, sao unw praga 111alig11a, dos />Íore.1· (J//<' tem as.l'()/odo o 1111111<10. Di-::,c111os u os

confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer a si ,nesl/lO neto fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizei/los aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do 1111111do não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa cios 1•erhos. dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxor e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e C0//1 0 se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas méios uma linha lisa e contínua em que nao havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa im1>ossível de acontecer na vida dos 11m•elos 0 1 1 nos novelos da vida ".

(6)

INTRODUÇAO

!'dos corn:c.lores, a entrada <.:ffl c;111,po As fontes do campo

JJJ{JMnrno C/lJJ!'f 'UU>

O Museu Nacional: colecionando, constru indo e educando a 11aç:10 1 . 1 O Museu: Real, Imperial <.: Nacio11;tl

1 .2 Um modelo a seguir

1 .:.1 Um novo arranjo: o pcrío<lo de Ladislau Nctto 1 .2.2 O Museu foi para o Palácio

1 .3 Tamanh'o também é documento: medindo, catalogando e arquivando gente 1 .4 Pela pátria, pela terra, pela gente

1 .4.1 Terra que frutos deu ... O Museu e os estudos de antropogeogra fia 1 .5 Os sertões e o scrtani::jo

SECUNDO C/1.PÍTULO

Museu nos novos tempos, de um novo Estado - Ser moderno é ser nacional 63

n

1 8 2) ',() ' ) _ ) _ "i7 4'? ..J 3 ..J8 53 55

2.1 O jogo da representação ou a história não era só "natural"

( l 5

2.2 1\ nova ordem política, os novos tempos, os novos vínculos

Ci8 2.2.1 . Educar para integrar e construir a ,rnção

7 1

2.2.3 O Museu Nacional e a cducaç:'\C) d:t nação crn construç:í.o: a hi�tóri;1 n:1rur:1l p:n:1 os pequeninos.

7 5 2.2.4 Educar é propagar imagens, sons e movimentos: ser mo<lerno 77 2.3 O Museu nos novos tempos de um novo l ·'.stado.

81 2.3.1 Traçando moldes e costurando tra rn:ts

8-1 :. 2.4 A invenção de um patrimônio para a nação: tombar pa ra unir. 87

, 2.4.1 Trocando figurinhas para compor o álbum. 94

2'.4.2 Tecendo as relações em publicações. 98

2.5 O 1'1uscu em letras e cimento: 1\ reforma l tltl

2.6 Uma colagem em processo: colecionando para ter peso. 1 04 2.7 Desenhando e contando as peças do mosaico: a cartografia dos tipos da naçã

o 1 08 2.8 1\ naç�o: o Esta<lo e o povo em rcpresentaÇ<)es.

\ 1 7 TERCEIRO C/1PÍTULO

1\ nação cm colcçôcs: o arranjo dos "oun-os" ou o Regional vira Folclórico 1 2 \

3.0 A Coleção Regional 1 ::?.1'

?i.1 Protagonistas cm cena: 'curadores', colecionadores e coletores 1 37

3.1 . 1 Roqucttc- Pintu \ 38

3.1 . 2 Heloisa Alberto Torres 1 -lll

3.2 Era uma vez ... a Colleção Sertaneja , 1 43

(7)

:..

3.2.2 Coleção Alfredo de 1\ndrade

3.3 O sertão virou n:gião - a Coleção virou Rcgioml 3.3.1 - Coleção Marajó

3.3.2 - Coleção Bahia

3.3.3 Coleção l Icrmann I<rusc - SP[ L\N

3.4 /\.s práticas (lc gabinete. C :lassi lic;111d< > e mdc11:111do o povo. 3.4.1 Luiz de Castro i"aria

3.4.2 Raimundo Lopes

3 . 5 C;1 rnlogando e classi fica!Hl< >. O povo cm objcrcis. 3 .5 . 1 As cxcurs<JCS, <>S 11:1tural ist:1s L' st1:1s coln/>l'S 3.G Colabora<lorcs, parcciros c corrcligi<>ll,'irios 3.7 1\ C()lcção cm cxpmição. C ) arra11jo dos cJt1trns.

3. 7. ! r\1narran<lo rcdcs e cos turando gc11tc: cxpor p:1ra mostrar o que costur:1do csr:í.

3.8 Do.Regional ao folclórico

3.8. 1 Coleção 1 " Exposiç?io de Folclore

3.8.2 O "povo" colccionadci), ordenado, classificado e modelado

CONSIDERAÇCJ L �S l;JN1\JS BIBLI OGRAFIA ANEXOS 1 48 \ 5l1 \ 5l) 1 52 1 57 l (17 1 7() 1 72 1 n 1 7(, \ � \ 1 S7 20 l 204 209 2 1:'i 23-1 2-U

(8)

:.

do Museu Nacional - 1 920/ 1 950". Rio de Janei ro, UFRJ, EBA, PPGAV, 2005.

v i i i , 2 p.

tese dedoutorado: Doutor em História da Arte (Estudo das Imagens e das Representações Culturais)

1 . coleção 2. popular 3. Museu Nacional 4. sertanejo 5. folclore

1 - Uni versidade Federal cio Rio de Janei ro l i - Título

(9)

INTRéJVUÇÃéJ

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1 '-.. () /!1/S.\'/lr/O 1; / / l / t ' / 'i ' \ \' ! / / / / 1 ' / 1 1 / ( ) .\ / ! 1 1 / t ' l / l t ' / ! < '/1 1 f,l'f, •:u t / l l t ' tf,-/r• .rnu/Jerwn ex/ruir os urtislus /JU U I 1;11e111 co11sti111iu o /!U'sr·111e. 1 1 1 u s iguul111e11te co11w /JCts.rnclo, por seu 1·ulor liis!(5rico. O 111es11w ocoJTe com o presente. O pru:er c;11e oh1e11ws co111 (/ re;nesenwçúo elo ;nesente deve-se néio upe,ws 11 lxle:;u de c;11e ele f)Ocle estur revestido, 1110s !Cll!lhé1 1 1 à s11n c;110/iducle essenciu/ ele JJrese111e. ( ... ) A Modernidude é o tmnsitr5rio, o eji?l!lem. o co111i11ge111e, é (/ 111etw!e do urre, sendo o 011/ru 111etude o eternn. o i111utiÍ1·el.

nu11dclui ri', 1 996:8 (' :! 5.

As coleções do M useu Nacional, que compõem o conj u nto icknl i l'icado corno Coleçc7o Regional, objeto desta Lese, nos falam de un-1 es forço ele coleta e de conhêcirnento pautado no mapcal11Cll [U de U i \ l é\ CUI\CCp<./io · cill 11acional, lt1c,\ l i 1.,llldll é sekci<.)ll-llld,1 ,1:,;

objetos por sua procedência regional , ele modo a compor e a ilustrar a carta geogrúl.ica do país, o mapa da nação, que estava, ele certa forma, também sendo ciesenhaclo no momento em que esta tese se fixava.

Este trabalho tenta assi m compreender os significados desse empreendimento pelo prisma da montagem ela Coleção Regional na pri mei ra metade do século XX, entre os anos 1 920 e 1 950, sobretudo no contexto pol ítico elo Estado Novo ( 1 937- 1 945), quando Heloísa ,, Alberto Torres ocupou o cargo ele diretora do Museu Nacional e, deste lugar, regeu a

(10)

montagem da Coleção que pretendo analisar. Reconstruir a história da sacraliz,1ção de u111 universo de bens simbólicos, definidos como coleção, permitiu compreender os interesses envolvidos, assim como suas contradições. Nesta pesquisa, estudo o cokL·it111is111t1 empreendido no Museu, no período referido, como uma prática institucional engendrada por atores autorizados e especializados, tentando alargar a compreensão do elenco de tais ,lt;{lcs

• • 1 SOC I UJ S .

O Museu Nacional é fundamental para se compreenderem os processos que fornecem a dimensão "teatral"2 ao projeto pol ítico cio Estado Novo, pois seu peso corno instituição científica e cultural contribuiu para legitimar diversos procedimentos políticos. O M useu é uma i nstituição-chave para pensar processos de representação cultural, de elaboração de um discurso sobre o outro - o discurso sobre o "povo" e o "popular" no contexto ele um governo totalitário que buscou, através de diversas formas, símbolos e expedientes cênicos, constru i r a imagem do todo que era a na;ão sob a sua tutela.

A Coleção foi inaugurada, cm 1 9 1 8 , por Edgar Roquette-Pinto, corno "Cl)icção

Sertaneja", inserida no contexto político-administrativo ela primeira República e 110 co11tc\tl1 científico dos estudos sobre raças então desenvolvidos no Museu. Foi só no contexto político do Estado Novo que a Coleção passou a ser denominada Regional, ao ser encampada e dinamizada pelas propostas nacionalistas do Estado3 como representação de um ideal de nação, até ganhar contornos próprios e dar lugar a um novo campo, relativamente autônomo. de temas e problemas, agências e agentes - o Folclore - que fabrica o que passa a ser denominado "popular" e "cultura popular".

O trabalho de Luiz Rodolfo Vilhena ( 1 997) é fundamental para a compreensão do

campo de estudos no Brasil denominados "Folclore" e do processo de sua criação e institucionalização. Vilhena recorta o período de 1 947 a 1 964, que considera funcl,1rnenta l,

por representar os primórdios da institucionalização dos estudos de defesa das chamadas "manífesta9ões folclóricas", cujo marco iniciul seria a criação da Comissão NaciL111,li lk Folclore. O período que quero abordar é, todavia, anterior e seu pressuposto.4

1 Parte de um projeto mais amplo, cm que diversos interesses referentes à forma como se rcnsa a "arte" e o "artesanato" nas Ciências Sociais se cruzam, pois a interpretação de comunidades acadêmicas, segundo Gccrt1., deve levar à produção de uma etnografia do rcnsamento moderno ( 1 984: 1 5 1 ), e é neste contexto que os museus devem passar a ser tema de pesquisa antropológica.

1 Ver Canclini ( 1 998: 1 6 1 ) sobre a teatralização do poder, dentre outros. 3 Cf Gomes, 1 982. 4 1 997: 28).

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A temática do colecionamento e a sua trajetória discursiva no Museu Naciun,tl podem ser pensados como origem do colecionamento voltado para a chamad,1 "cultur,1 popular". Assim, as coleções Sertaneja e Regional e os processos a elas supl)stos súo passíveis de serem vistos, pelo prisma do colecionamento de objetos materiais, como "formadores" (algo equivalente a urn,1 "pré-história") cio folclore. O objetivo dos primei ros folcloristas era encontrar raízes autênticas e genuínas que defi nissem a identidade nacional. O nacionalismo como pol ítica de Estado, n,is décadas l 930 e l 940, foi cerc,iclo por redes que compunham a "unidade nacional" e nas quais estariam representados os seg111e11tos d;1 naçúo e os tipos humanos de todos os aspectos da natureza vistos pela lente da geografia. A representação desse discurso de totalidade foi elaborada no Museu Nacional a partir de objetos que (re)conhecemos como regionais ou populares. Essas formas são ainda hoje identi ficadas no i maginário ela nação corno parte cio "folclore nacional". É minh.i prn1)L)Sl.t que o Museu do Folclore, �criado e1T1 1 968, seja tomado como ponto de part ida ele u n1.i trajetória desenhada no ambiente inst itucion,tl cio Museu Nacional.

A Primeira Exposição de Folclore, em 1 95 1 , durante o Pri111eirn Co11g1 cssl) tk Folclore5 no Museu Nacional, dei imita ria este novo campo e marcarin o fim da preeminência da chamada coleção Regional, pois uma nova estrutura institucional começou a ser rnonta da, com a criação da Campanha de Defesa do folclore em 1 947, para abrigar coleções 11 :\0 111,1is sertanejas ou regionais, mas assumidamente " folclóricas".

É i mportante resgatar a trajetória dessas coleções, desconstrui ndo a categoria coleção para que sej am compreendidos os processos engendrados por agentes que, envolvidos em uma ampla rede social, fabricavam também seu lugar como ntores da cena nacional, além ck _considerar os processos de acumulação e guarda desses artefatos como uma produção social

(Bourdieu, 1 996).6

A partir do quadro anterior mais amplo, para que se entenda o colecionamento corno práticas de importância cm determinado momento histórico, analisarei as viagens empreendidas para adquirir "exemplares", que t ipo de "exemplares" eram, e o que eles "exempli ficavam", ou melhor, o que representavam.

5 Foi também no ano de 1 95 1 que se realizou a Primeira Bienal de Arte de Silo Paulo.

6 O campo da arte abriga processos de cooperação entre os agentes quando estes se unem rara a rrodu�ào de determinado evento artístico: exrosição, esrctáculo, concerto etc., o que não invalida um outro processo de confronto e de disputa constante quanto às conccrçõcs estéticas e aos lugares ocupados. (Bourdieu, 1 996).

(12)

Parto de alguns pressupostos a respeito · do colecionamento e da guarc!,1 cm instituições museológicas nacionais.7 O tema ela "construção da nação" é recorrente qu,rndl) se investiga o regi me elo Estado Novo. Como dito aci ma, definir urn.i cultura "autenticamente brasileira" significou construir um patrimônio, um acervo, reconhecido através dos produtos que Benedicl Andcrson ( 1 989) denomi nou de a "comunicbde n,tcil)n,tl imaginada".

Andcrson (op. cit.) anal isa o papel dos museus no processo de impLrnt,HJío du Est,1du nacional, vendo-os como uma estratégi a na construção de um patrimônio que gar,tn td t)s vínculos com o passado colonial imaginado. Para o autor, os museus foram instituições fundamentais na formulação de uma determinada representação nacional, pois a constituição de um lugar de memória estrutura um projeto de controle social e político, articulado através da construção de u m i maginário nacionalista representado em objetos, o que significa que aquilo que está presente nos .-museus, assim como o que foi omitido, não é acidental, mas resultado de escol has. A idéia da identidade ele um patrimônio cultural coleti vo pressupõe atos de colecionismo, com sistemas arbitrários de valoração e significação historicamente dctcrmínac.Jos. (Anc!crson, 1 089). Portanto, trndiçi'\o, memória, raízes - tl)dus os pil,trl'S simbólicos da constituição identitária - são processos que envolvem escolha, construção, desconstrução e reconstrução e, para que a memória cumpra sua função polític1, � preciso que seja vista pelo avesso, como u 1 1 1 conjunto de "coisas" dadHs, trnns,nit idns. incrtL'S, nu longo de gerações, e que sua produção seja apagada, esquecida, dando l ugar à sens,1ção de naturalidade.

Entrelaçados, o censo, o mapa e o museu iluminam o estilo de pensamento do Estado, formando uma rede classi f'icatória apl icada com grande tlexibilicladc a tudo o que �e encontrava sob o seu domínio, real ou suposto: povos, regiões, l inguagem, produtos, monumentos e outros. Essa rede atribuía valor e legitimidade às coisas. Tudo era deterrni nad.o e l imi tado, correspondente e contável. O censo é uma construção inventiva, que serve a determinados propósitos e expõe a maneira pela qual o outro é visto. Através ele urna quantificação sistemática, um proccdi111ento refinado pcr111itc cnumcrnr toda a pnpulaçiio, mesmo que não responda a um fim imediato como, por exemplo, a cobrança de i mpostos ou o recrutamento militar. O Estado, atrnvés do Censo, passou a regular, contar e padruniz:tr :ts 7 Alguns trabalhos tangeneiaram essa rmihk1nútica; dentre eks, cito: Chuva ( [ 999), 8ome11y ( ! l)t)5). Gonçal ves ( 1 988), L i m a ( 1 999), A breu ( 1 9%), C rurio11 i ( 1 998).

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(13)

5

instituições, organizando burocraticamente as ações educativas, j urídicas, de saúde, de pol ícia e culturais. O Estado Novo, se não inventou tais processos, atualizou-os com enorme ênfase.

Anderson vê os mapas, os censos e os museus como peças fundamentais na construção do Estado nacional e afirma que seu entrelaçamento permitiu à in,aginação colonial construir tradições que serviram para legitimar o controle político atrnvés do controle étnico, estético e histórico - processos essenciais da construção n,tcional nos estados independentes.

� A idéia de nação não se configura somente a partir de critérios corno l íngua, tcrritl)rio � e uma cultura homogênea, embora estes tenham sido fundamentais na cu11struç:io empreendida pelo Estado Novo, não ele forma homogênea, mas plena ele con l'J í tos e contradições. Hobsbawm (

1 990: 1 9)

considera estes critérios ambíguos e mutáveis, sendo a nação "uma entidade social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial moderno." As questões que envolvem o tema ela nação são complexas e polêmicas, não sendo i nteresse deste trabalho a problematização cio conceito.

Ponto importante no processo ele construção ela nação era o reconhecimento ele suas expressões próprias, nativas e singulares, autênticas representações do povo e, portanto, adequadas à sua construção simbólica, aliadas à incorporação cios territórios longínquos, do interior, do Sertão. O que estava cm jogo era a representação desse amplo território. Em um processo inverso, os objetos eram trazidos para compor uma representação: se o valor ele um objeto qualquer, cotidiano, está cm sua origem, em sua capacidudc de rcprcsc111,1r u 1 11 gru po :.. social, os tipos humanos que comporiam uma imagem de Brasil, como fragmentos dessa

totalidade, seriam construídos a partir elos objetos tornados ícones de uma representação. Também a identidade regional é criada, a exemplo da nacional, através de representações sociais que são expressas na materialidade cios objetos. De acordo com Bourdieu ..

(2000),

as concepções que determinado grupo social cria sobre a realidade regional se convertem em "coisas ou atos, estratégias intert:ssadas de manipulação simbólico que

têm em vista determinar as representoçaes que os demais grupos têm sobre o regiao que se procura difundir a partir dessas estratégias".

Os estudos sobre o patrimônio e a construção ela nação são, em grande parte, direcionados para a análise dos objetos do patrimônio, como se este fosse competência excl usiva de restauradores, arqueólogos e museólogos - os especialistas cio passado. A

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memória foi construída através da rccupcrnçfio cios sítios arqueológicos, que se torn,tr,1111 11,1u mais l ugares de culto, mas espaços onde se cultuava uma memória, onde o sagréldo cr.i imagi nado para além do tempo presente. Retirar o monumento ou o objeto da vicia rmít ic,i é um requisito para a construção de memória e também os museus servi ram para formatar, através dos objetos reunidos, um discurso para ser lembrado.

Para Pomian ( 1 996:93), a história do patrimônio cultural é diferente claque la dos objetos que dele são parte. Ela não é a história cios objetos que o conformam e tampouco o 0 a do colec ionismo, independente do contexto sociopol ítico e intelectual. ''PatrirnoniL) .. J uma construção social, o que sign i fica dizer que não é um fenômeno universal , não se p1wluz cm todas as sociedades nem em todos os períodos históricos. A noção de patri mônio cst,l associada a uma perspectiva histórica, onde o tempo é dimensionado em represenwçõcs de caráter nacional que, por sua vez, acionam sentimentos sobre uma determinada coktivicLtck ligada a um espaço circunsqito de território. A i nvenção de um passado nacional foi assi m estratégica na consagração d e uma nova ordem política. Segundo B lom (2003 : 1 4 1 ), D o m i nique Vi vant Denon, Diretor Geral ele Museus, nomeado por Napoleão em 1 803, foi um marco na história da exposição das obras de arte, pois arranjava os objetos obedecendo à metodologia e a icl�ias históricas e não ao acaso ou de acordo apenas com o gosto do curador. O patrimônio surge por uma atribuição ele valor, quando os objetos passam a ser reconhecidos como signos culturais de um determinado grupo soci,1 ! .

Um objeto transforma-se e m patrimônio após ser transmitido, isto é , depois d e ser transferido ele lugar, dcsclassi ficaclo, rcclassificaclo, reconstituído e então prcscrvadn e reapropriado. Os objetos patrimoniais, documentos ou monumentos são testemunhos de uma , época, de processos políticos e sociais. A criação de uma "herança nacional ", na França revolucionária, era identificada através de uma associação com o mundo antigo, com a antiguidade clássica.8

Richard Hancller ( 1 988), em um estudo sobre nacional ismo e patrimônio no Quebec, afirma que as coleções são uma forma ele construir as identidades ele povos antes domi nados e que hoje restabelecem suas histórias a parti r do que se encontra recolhido nos museus. Pa1·a ele, a identidade cultural ou pessoal envolve os atos de colecionar, reunindo posses cm sistemas arb itrários de valor e sign i ficado.

" J>umían, K, 1 996: 93.

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A formação de um acervo nacional e a de: um p,1lri rnô11 io fornm fu11darnc11t.1is 11:1r:1 .i elaboração do projeto de nação.9 O S PHAN, criado em 1 937, foi a primei ra agênc ia estatizada para a proteção do patrimônio nacional. 1 0 A sua criação levou à implernentuç:il1 ck práticas de proteção vinculadas à administração federal , das quais o Museu partic i pou ele modo efetivo, sendo u ma das i nstâncias de tombamento a relativa ao patrimônio etnográfico. Foi no bojo desse empreendimento de caráter nacional e nacional ista que o Museu N,1cional montou a Coleção Regional.

Os museus contribuíram para justificar e validar ambições imperiais, ll istóri,1s nacionais e tradições inventadas. Os museus públicos datam do final cio século XVIII e foram definidos a parti r do ideal ele propiciar a exibição ele bens que opcrassc111 cunrn evidências de virtudes políticas ou ele glória nacional . A concepção elo museu como instrumento de glória nacional subsiste até hoje. Os museus são, pois, espaços privikgiaclos para a i nvestigação da produção de significados, no âmbito formador de u m discurso, sobre os signos da identidade cultural, a um tempo mercadorias e suportes de signi ficaç·Jo. Eles podem dessa forma ser percebidos como centros de fabricação da memória social, de rnoclo que o exibido em um museu deriva de uma fabricação ideológica na qual os objetos museológicos representam iconicamente, com sua materialidade, uma seleção da memória social. Este tipo de museu é um exemplo vivo do que Hobsbawm ( 1 984) cha1nou de "invenção das tradições". 1 1

As coleções foram i tens privilegiados no processo de invenção de tradições culturais na modernidade. A t ravés dos objetos, el aboram-se discursos que visam cri,1r vínculos entre presente e passado, este às vezes remoto, legitimando pníticas.

Coleção e preservação não são processos naturais, mas estão ligados a processos pol íticos de formação de Estado, a leis e a normas que remetem ao passado e ao futuro, isto é, a procedi mentos que forjam uma relação determinada no tempo. Colecionar e expor são processos de formação da identidade ocidental hcgemônica que, ao serem pl)Stos c 111

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Cf. M árcia Chuva, 1 998.

10 Márcia Chuva sugere que se busque o vínculo entre redes sociais estatizadas e n criação do órgão. "/JOSto que a idéia de criação de uma agência específica surge openas entre aqueles agentes que, de alg11111a formo. estavam inseridos na sociedode política, quer otrovés do apresentação de projetos de lei nesse senrido. nos anos 20, e através da criação de inspetorias e111 âmbito esraduol, de proposições da Sociedade Bmsileim ele /Jela.1· A rtes, quer por intermédio do /v/11sc11 lli.11rírico Nocio110/, co111 (/ criaçiio, e111 1 934, do /11.1p1•1orio de

Monumentos Nacionais." ( 1 998:9'.\).

1 1 Por tradições inventadas entende-se urn conjunto de prâticas de natureza ritual ou simbólica, nornial1m:n1e regul adas por regras tácitas ou ahcrtamcntc aceitas, que v isam inculcar certos valores e normas de eulllportamcn to através da rcpet i<,:i\o, o q ue i 1 11plirn u 1 1 H1 co111i 11u idmlc c111 n: l!H;i\o 110 p11ss11do.

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funcionamento, juslif'icam-se por si mesmos, modelando o indivíduo moderno como u111 Sl'I possuidor, possessivo, proprietário ele bens que se expandem para urna coletivid:1dc e redi mensionam a i déia de patrimônio. Os homens colecionam, e esta prá tica transcende o espaço dos museus; relação rel igiosa com os objetos, desejo de posse, materialização cio imaterial, rel ação de domínio e poder sobre outros segmentos sociais são parte das conquistas. (Pearce, 1 993).

Os museus foram, assim, poderosas ferramentas nos processos de dc!'iniçilo elas identidades nacionais. Envolvendo um acúmulo de bens, refletiam a idt5ia de que a identidade era uma forma ele riqueza composta pela acumulação de objetos, saber, mcmôri,h e experiências. Como instituições responsüveis pela guarda da memória coleti va, foram fundamentais na construção ele um i maginário nacional. Nesse sentido, as ações de colccionamento dirl'.cionadas a Ll l l l grupo soe i .li ninda niío categorizado (o " pl)\'U" dei "sertão"; o "povo") por insJituições corno os museus eram i mportantes para ampliar as redes territoriais e as fronteiras si mbólicas e, nos rrocessos de formação do Estado, para alimentar sentimentos de pertenci rnento.

Os museus assumiram o papel de educadores públicos e árbitros do gosto e do conheci mento. Neles a diversidade conceituai transparece, assim como a das formas. Constituem-se, por isso, em l ugar privilegiado para a alfabetização visual e são também espaços totalizadores, onde vários discursos podem ser constru ídos a partir elo que se guarda ou do que se expõe. Eles são vistos como instituições que guardam, conservam, protegem e expõem ao olhar aqui lo que eleve ser lembrado, num processo cm que I1ll'trn'1ria l' esquec imento são vértices de uma mesma construção.

Colecionar é urna prática inclissoeiávcl ,1 eles e é através dela que se constituiu o corpo edificado, materializado da instituição. O colecionamento ocorre em uma perspectiva histórica, socialmente engendrada por atores autorizados e legitimados em ou por su,1s coleções. Ainda que a rnaior parte das coleções museológicas não sejam objeto de pesquisa. permanecendo relegadas a um plano secundário, os estudos sobre coleções e museus vêm crescendo. Este campo de pesquisa abarca áreas distintas do conhecimento, podendo estar relacionado à História da Ciência, à História Social e aos estudos historiográficos, à História da Arte ou à Antropologia Social, além ele aos estudos cul turais1 2. Gonçalves ( 1 995:64) 1 2 Atualmente podemos constatar o empenho,do Museu Histórico Nacional em produzir uma reflexão acerca do seu acervo. Alguns trabalhos buscam ressaltar a importância do MHN, para a formação de um modelo de museu que foi difundido.

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propõe pensar os museus como fóruns, espaços ele representação elas d i ferenças e cun !'l itl)S entre os vários segmentos sociais e suas respectivas mani festações e tradições cul turais, ao i n vés de pensá-los como " templos", espaços de rcprcsentaçflo ck urna cu l t ur a tr,111Sl'L'I1Lk11tL', de representação da "civil i zação".

Nestor García Cancli n i ( 1 997), ao estudar as novas formas de apropriaçiio ela produção popular cios países ela América Latina, pergunta-se se a organização da cu l t ura pode ser explicada por referência a coleções de bens simbólicos. Segundo este autor, as coleções especializadas em arte erudita e folclore são um dispositivo para organizar os bens simból icos, ao h ierarquizarem, classificarem e del i m itarem a ordem e a forma cio sisteir1a ao qual estão vinculados. Nesse sentido, o autor propõe uma análise das funções do jJcltri 111ônio histórico, dos seus usos sociais e dos atores responsávei s por sua legitimiclacle. Para este autor, o patrimôni o existe como força pol ítica quando teatra lizado, e os museus s,ll) os cenários desta teatralização� Na montagem da encenação, hú um esforço cm cstc1lx:lecer vínculos com um passado origi nal , com u m,\ substância fundadorn que cria a cena c,ncl<..' se deve atuar. Part icipar e reproduzi r os papéis impl ica um conheci mento desse rcpc1·t\5riu lk lx:ns si mból i cos, a ri m de i ntervir correU1rnc11tc nos rituais que o reproduz e m . C1ncl i 11 i ( 1 997: 1 62) detém-se n a constru ção visual e cên ica, isto é , no q u e é d irigido a o ol har e que m uitas v ezes exige adoração: a exposi ção.

No Ocidente, onde o tempo é percebido ele forma l inear e i rreversível , a pr:it ica de coletar está associ ada ao resgate daqui lo que corre risco de desapareci mento. Essa prática foi dissemi nada pel o colonialismo como forma de conhecer e controlar os bens simból icos dos povos dominados e os sign i ficados e práticas a eles associados. Preocupados em prcscrvt1r a

, _herança, os poderes l ocais i nstituírnm a pro ibição ela exportação ele obras consickr,1clas antigas.1 3 Funcionários, comerciantes e, sobretudo, etnógrafos têm investido na descobcrt,1 da arte dos povos colonizados. Ao adentrar os museus, os objetos são destituídos ele seu sentido original para que; outros scnl idus poSSi\111 ser constru ídos. Rcun idus l l ll 1rn1sc11. s:lt'

i n vestidos de uma série de signi f'icaclos que dizem respeito a um contexto social absolutamente distinto.

Pouco sabemos sobre os processos sociais em torno da apropriação cios objetos que fazem parte da Coleção Regional . Mas há pistas, e por meio del as é possível sugerir out ras

1 3 Denise Paulme ( 1 962: 1 45) ressalta que raras vezes poderemos estabelecer a idade de uma escultura al.ricana. pois as peças antigas ou que provêm de úma civilização desaparecida estão em mãos de habitantes que ignoravam seu uso original e lhes atribuíam''uma !'unção nova.

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informações que constam cios diversos documentos que levantei. Para que ocorra o prnccsso de transformação cios ohjcto.s nwtcri,iis e!ll objetos de Museu s;ío ncccss,íri,1s di, l't·s,is mediações, que incluem a maneira corno os objetos são adquiridos e trans!'cridos para u museu, sua reclassificação, a forma como são expostos (quando o são) e t,1n1hém os processos de aprc<.:nsi'\u visu,tl por p,1rli.: dus visitanti.:s. As cukc;õcs dos 1nuscus .,/1l1 1,L·11s simbólicos e, como lembra Bourclieu, um certo tipo de mercadoria. O bem artístirn é algo feito para a troca e pertence a um sistema de circulação dos objetos. Bens cieten1nres ele valor, os objetos museológicos participam de u m circuito onde permutas, emprc5sti111os e ,1té mesmo vendas (por exemplo, de moldes) ocorrem, mas no ambiente restrito elas reservas técnicas.

James Clifford ( 1 999), ao tratar do destino dos artefatos tribais e das prJticas culturais transferidos para os museus ocidentais, enfoca os processos subjetivos, taxonômicos e políticos sobre o colecionar e denomina "sistema de arte-cultura" o prncesso pelo qual o Ocidente contextualizou e valorou os objctos cios outros. 1

� Para este .iutor, a história das coleções é fundamental para compreender a maneira como os grupos soc iais que inventaram a antropologia e a arte moderna apropria!ll-se das coisas exóticas, dos L1tus e dl)S significados. Dessa forma, as coleções, expostas ou não, deixam de ser vistas como pr,1ticas ingênuas ou neutras e são redesenhadas como espaços onde se constituem fornws divers,1s ele subjetividade. Clifford reaf'írma o poder dos sistemas dos objetos e rcss,1lta a mutab i li dade deste s istema de valoração e classificação. Deve-se resistir à tendência ele encarar as coleções como auto-sufi c ientes, alheias aos seus próprios processos de produção h istóricos, econômicos e políticos. O autor propõe que nos apoderemos dos

' ü'bjetos não como signos cultura i s ou ícones artísticos, mas que possamos voltar a eles como nossos próprios fetiches. Esta estratégia "concederia às coleções o poder de jixar, em vez de simplesmente a C{{pacid{{c/e de edificar ou informar" (op. cit: 78)

1 4 Portanto, a noção de que a reunião de um conjunto material, de um mundo expresso cm sua 11ia 1nia\id,1dc. c�teja vinculado a um sistema de acumulaçilo de posses, us quais representariam uma espécie de riquL't.a n1ra1·ó dos objetos, do conhecimento, das memórias e elas experiências, não é universal. Esta é uma prútica simból ica própria do Ocidente, onde colecionar tem sido uma estratégia de ampliação do significado "embutido" no que é colecionado. Colecionar é uma prática ext.:rcitada desde a infflncia, quando ns crianças, nos st.:us llL'l[llL'IHls rituais, estariam praticando o sentido de apropriação do mundo, reunindo coisas cm torno de si, de modo a aprenderem sobre as classificações de sua cultura que são, nesse jogo, transmitidas através de um processo de socialização primária. Em casa, a criança vai aos poucos atribuindo valor no reconhecimento dos significados transmitidos de maneira informal, mais tarde formalizado pela cultura nas escolas. (Bourdicu. 1 086).

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Abordar a coleção regional é, pois, uma forma de pensar este tripé corno estratégia de controle e dominação. É o Estado que elabora as formas da nacionalidade e elege os tipos que representarão as qualidades e os triunfos da nação. Desse modo, analiso a Cole<;iio Regional do M useu como um emblema da construção do Estado nacional nos anos 1 940. As coleções não possuem a marca ela inc!iviclualic!aclc dos objetos e elevem ser entendid,1s con1u dotadas de uma natureza mais complexa, de uma materialidade mais densa, ainda que as formas e materiais distintos tendam ft dilui<;i'ío. Nelas, de pouco valem os sign i l iL·;tdl)S primordiais, importando mais aqueles que o conjunto constrói.

A coleção de objetos em um museu é, portanto, um fenômeno expressivo, pois o quç está em jogo é mais do que arranjos materiais: são relações sociais que se achélrn nelas retratadas. No que diz respeito à Coleção Regional do Museu Nacional, é fundamental questionar o conjunto, analisar os subconjuntos e a heterogeneidade que envolve tal composição. Tendo como foco os registros dos objetos, as formas classificatórias oferecem a possibilidade de reconstruir a história ela coleção. A partir do levanta mento nos registros d,1 coleção, a primeira questão ele que podemos tratar é a própria construção da c,ttegoria coleção.

* * * * *

Esta tese está dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo trata do Museu Nacional como institu ição cienti fica, portanto, política, e que desde o Império vem elaborando e constitui ndo coleções. O objetivo deste :.. capítulo é apresentar o Museu de uma perspectiva histórica, acompanhar o desenvolvimento 'c1à lugar da antropologia e entender que t ipo de antropologia era então ali praticada. Minha atenção está centrada em duas personagens extremamente relevantes para a constituição da Coleção Regional: Edgar Roquette-Pinto e Heloisa Alberto Torres. Estes dois naturalisws foram chefes da então Quarta Seção ele Antropologia do Museu Nacional e diretores da ínstituição. Roquette-Pinto, veremos, preocupado em construir u ma imagem positiva elos estudos raciais, inaugurou a Coleção Sertaneja.

No segundo capítulo, por meio ele fontes textuais e materiais, examino a rede ele relações sociais tecida, a partir do Musc:u Nacionul, por Torrc:s, que representou a i 11sl itui\'J,1 perante as diversas instâncias políticas e administrativas e a comunidade intelectual e científica reunida na administração·1 federal. Neste capítulo, analiso as estr,1tégias de

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construção da idéia de nação pelo Estado Novo e ela aliança entre o Museu e o S Pl-[;\N p;ir,1 definir os termos da proteção ao patri mônio histórico e artístico nacional , processo no qual o regional se i nscreve em outras bases, deslizando pouco a pouco para o folclórico.

No terceiro capítulo, examino a Coleção Regional, desmontando a idéia ele uma pretensa homogeneidade cm que as pri.Ílicas e os atores envolvidos parecem nifo c\i:,t i 1·. Avalio os processos de coleta e registro, de guarda e de exposição corno processus de institucionalização. Mediante a montagem de planilhas, para identificar as coleções, ret'lito sobre o conj unto e sobre os processos e práticas de classi ficação, as formas de rcgistrn e de aquisição, os agentes responsáveis por cmla et,1pa, e identi fico os rcspons,ívcis peLI l'()kL1 e pela aquisição. Cabe ressaltar que as planilhas baseiam-se no Inventürio da Colcç:ío, realizado nos anos finais de 1 970 pel a equipe que trabalhava no Setor de Etnologia à época. 1 5 Portanto, o que estou considerando como coleção regional foi assim classificada por

esta equ ipe.

Também neste capítulo, trato da Coleção Regional no âmbito da Nova Exposiçfo cio Museu Nacional inaugurada na década de 1 950. O foco está na coleta direcionada para esta exposição e no que ela encerra como proposta pedagógica ao apresentar o povo e suas variantes t ipológicas. O colecionismo para a Exposi ção do 1 º Congresso de Folclore, que realizou sua primeira exposição nacional em 1 95 1 , no Museu Nacional, encerrou, de forma quase definitiva, a trajetória da clw111ada Colcçilo Regional no âmbito deste nHiseu, p1)i� passa a pertencer ao campo do folclore. A Coleção, i naugurada em 1 9 1 8 como Coleç:\o

� Sertaneja, cm sua trajetória passa a ser Coleção Regional no contexto do Estado Novo e d.i � construção da unidade nacional para, a parti r principalmente dos anos de 1 960- 1 970 (u

Museu do Folclore foi inaugurado cm 1 968), rixar-se como Folclore, Populnr .

O papel do museu é reunir coleções. O museu é o destino final dos objetos. A vicia do objeto, a maneira como ele entra no museu, a história dos processos de acúmulo e socialização . .das coleções é uma rcrlexuo sobre o que foz o museu, como ele sckcion:1 e que interesses se organizam no seio das redes sociais responsáveis pel a eleição dos objetos. Os museus criam a i lusão da representaçuo adequada ele um mundo, recortando os objetos de contextos específicos e inserindo-os cm novos conjuntos com outros significados.

1 � l<kíinlr, (iorm:K 1 ,Ílllil, t:()(1r<lrn:1dr,r dn S:il.i 1 )( ) J\rt isln Popular (SJ\P), do Centro Nncion:li 1k hlklllrc l'

Cu l i u ra Porular, foi u 1 1 1 J os pesq u isndon.:s que 1111 Jpuen rrn l i 111rn111 u l 11vc1111iriu.

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Pelos corredores: a entrada em campo

Os po11teões be111 orgonizado.1· partilham a natureza, do me.1·11w for111u co1110

os clâs portilho111 o universo.

A tribuir tais ou tais coisas naturais a um deus equivale a agrnpâ-los .rnhre 11111a mesma rubrica genérica, a alinhá-los numa mesma classe: e u1 genealogias, as identificações admitidas entre divindades i111p!ico111 rdoç'f>cs de coorclenaçc7o 011 de suhordi11açc7o entre os classes rle coisos 111u· t'Slus divindades representam.

Cada deus tem seus sl/cedâneos, qlle sc7o Olltras wntas for111os s11as. e111hom tendo 011trc1sfi111ç·r]es: por isso, poderes diversos, e as coisos sol>r<' os </1/(/is \"e exerce111 estes 11orleres 11i11c11/u111-se u 1111111 11oci?o c1·11tr11/ t' f'l"t'/!c >1"1,r,111t,·.

como a espécie ao gênero 011 u11w vorieclacle sec1111dâriu 11 1·.11,fril' . . I 16

pnnctpa

Como parte dessa investigação, é fundamental considerar os procedimentos da pesquisa de campo, isto é, expl icitar o lugar onde o meu texto foi sendo constituído, para que a pesquisa possa ser também uma produção socialmente localizada.

Em m inha dissertaçã� de mestrado, 1 7 iniciei a pesquisa buscando os objetos, estes IY1c levaram às pessoas e, desse modo, pude acompanhar como elas reinventavam a cada dia o seu fazer e o seu viver por meio de seus artefatos. A dinâmica social e política encenada no grupo restrito das artesãs que estudei suscitou-me perguntas acerca da valor,1<;'10 e da atribuição de sign i ficado dirigido a objetos produzidos por grupos sociais 'a margem elas camadas urbanas hegemônicas e elas el ites letrnclas, detentoras cio capital cultural e da form,1 de poder de legitimar as práticas e a produção iclentiJ'icadas como "popular".

A partir da pesquisa desenvolvida no mestrado, interessou-me investigar sobre a origem genealógica não das formas cspccfricas du panda, buscando suas origL·ns arqueológicas, mas o ela invenção da panela enquanto símbolo e representação de u rna regii'ío ·.

especifica. Quando, por que e por quem cleterrninaclos objetos foram selecionados p,1ra

ocupar este lugar? Que instâncias i nstitucionais e políticas são acionadas neste processo? Iniciei esta pesquisa a partir de tais questões. Esta tese começa, portanto, quando termina minha dissertação.

Este trabalho é o resu ltado de uma pesquisa iniciada em 2000, em que eu pretendia inicialmente aprofundar uma questão apontada na dissertação de mestrado a respeito dos processos de legitimação de um tipo ele produção material reconhecida como "artesanato", "folclore" ou "arte popular", além ele outras categorias, dependendo do contexto ao qu,d os

16 Mauss e Durkheím, 1 968:449. ,,

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objetos estivessem i nseridos. Escolhi estabelecer urna trajetória que privilegiasse ulgu111.1s continuidades, corno as que dizem respeito às i nterseções entre a antropologia e a arte, portanto, a interseção entre a Escola ele Belas Artes e o Museu Nacional.

O i nteresse inicial em investigar as pníticas sociais que envolviam a atribuição de valor efetuada por agências autorizadas levou-me a identificar a Sala elo Artista Popular (SAP) corno l ugar privilegiado para desenvolver a pesquisa, pela possibilidade de atualizar os mecanismos postos cm prática a cada exposição montada e, assim, acomp,rnhar os processos de legitimação e os agentes responsáveis, e tambl5m péla produçtíu dL) s ig11i l il',td\, das exposições, pela inserção de determinados grupos e indivíduos que se tornam desse modo autores e artistas, passando os seus produtos a pertencerem a u m sistema de ci rcu L1çtío

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antes nao cxpenmenta o

Durante o primeiro ano da pesquisa, enquanto realizava os cursus, !'n:qik11tci \) espaço expositivo do Museu .. do Folclore, tanto o percurso da exposição Permanente quanto as exposições da SAP, e fiz o levantamento dos documentos referentes à i mplantação eia Sala. Minha intenção era, então, realizar um estudo etnográfico junto à equipe de pesquisa e montagem das exposições, isto é, reconhecer e acompanhar os atores envolvidos no processo de legitimação dos objetos compreendidos na categoria "Arte Popular" mais do que propriamente em "Folclore".

A pesquisa junto à documcntaçfío referente à cri<1çfío da SAP e, principal1nc11tc, as várias visitas fei tas à Exposição Permanente do Museu do Folclore, inclusive acomp,rnlwnclo vísítantcs1 9, suscitarafll-me ainda lll,tis questões cm relaçfío ,1os critérios de clci�'ilL) dlls objetos, às quais se somaram questões relativas à encenação como justi l'ic.içü\). Paralelamente, frequentei tamhélll o Museu Nacional e sua exposição pcrm,rncntL', quando pude reconhecer no Museu do Folclore diversas categorias classificatórias import adas elo Museu Nacional.

Foi. a partir desse reconhecimento, buscando compreender o elo ela trajetória que encerra esquecimentos e reconstrói um discurso no qual as origens não são reveladas, que considerei a possibilidade de redirecionar o "olhar", constituindo como lócus da pesquisa o 1

Foí durante uma exposic,:ão da SAP que, em 1 095, tive a oportunidade de rever as panekirns de: C,1iahc·iras.

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Em 2000, visitei a exposição, seguindo ao lado ele um grupo ele estudantes universitúrios vindos de:

Pernambuco para u m encontro de estudantes .. Um elos comentários que fizeram foi a respeito da icknti ficação de grande parte dos artefatos ali expostos, Os estudantes questionavam o fato de a maioria elas peças ser proveniente do Nordeste: "O folclore é a gente !"

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Museu Nacional, lugar a que me foi facilitado o acesso devido ao foto de 111cu oric11 t:1dl1r S<...'1 professor desta instituição.

Se o ponto c.Je partida foi a exrosição/espetáculo - empreendimento ,1ct1haclo, grandioso pela própria concepção, efêmera pelo próprio caráter, reré l i d o

enquanto dotado de fortes s i gni ficados que a sociedade lhe atribui - pude i r um pouco além e tentar desvendar tanto o que está por trás do espetáculo corno o que o transcende e se esconde, corno uma outra face não exposta , não ex ihicla, e por i sso mesmo mais d i fíci l de perceber e desvendar."º

No Museu Nacional, inicialmente trabalhei junto à equipe intcrdiscipl i n dr do Escritório Técnico-Científ'ico (ETC)2 1, respons(\vcl por propor um projeto ccrnccitu:tl arquitetônico e museográfico para a reestruturação do Museu, com um novo <11Ta11jo expositivo <;1-dequado aos diferentes campos das Ciências Naturais. Durante os seis meses em que acompanhei os trabalhos do Projeto da Nova Exposição cio Museu Nacional (PN E t\ l N ), assisti a reuniões internas, participei de grupos ele trabalho, visitei os depa rtamentos e suds reservas técnicas. Pude conhecer diferentes coleções e o valor a elas atribuído por divcrsus agentes e percebi a diversidade e a complexidade desta instituição. Após um pri rn e i ro mapeamento dos acervos e das reservas técnicas, escolhi como lugar da pesqu i s a o Setor de Etnologia. Defi nido o objeto, o projeto de pesquisa foi encaminhado à reunião da congregação para oficializar o vínculo com a instituição. Pude então estar no Museu e vivenciar também, em certa medida, as suas entranhas, podendo vislumbrar parte das negociações quanto às representações e às demarcaçôes dos departamentos, e nesse estar dentro ver, por exemplo, os úcaros e fungos habitando corredores, gavetas, arrn�frios e

relações.

Nev'R�ev, de, v�ev

20 O prof. Luiz Castro Faria, convidado a se pronunciar na solenidade comemorativa dos 1 64 anos do M uscu Nacional, quando foram comemorados também os 100 anos da exposição Antropológica Brasileira, aprovc i w a ocasião para esboçar uma análise das exposições brasileiras como espetáculos das transrorrnaçõcs socioculturais ocorridas no país ( 1993).

21 O prof. dr. Luiz Fernando Dias Duarte, então diretor do Museu Nacional, estava empenhado no Projeto da

Nova Exposição (PNEMN). O Escritório Técnico-Científico era coordenado pelo pro f. Leandro Salles, do Departamento de Vertebrados. Dificuldades no encaminhamento do projeto inviabilizaram sua continuidaclé i\ frente da equipe. Em setembro de 2001, o prol'. Dias Duarte assumiu a coordenação do Projeto junto ao CNPq e do trabalho da equipe do Escritório-Técnico·, formada por um biólogo, uma geóloga, um antropólogo, dois arquitetos, cinco designers e um jornalista.

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-A i nserção como estagiária foi o passe oficial p,ira obter acesso a determinados espaços e documentos sob a guarda dos departamentos. Como primeiro procedimento para conhecer a Coleção Regional, estudei os rcgist ros de tombamento, os Livros de Tombo. O t rabalho na reserva é coordenado pela museóloga Fátima Regina Nascimento, que é também Curadora Técnica do Setor.22 O Setor ele Etnologia está atualmente em. um processo de reestruturação que envolve ,l t1'lll'c1 du mobiliário, arrumação dos armários e pequenas obras para adequá-lo �s 11ur111as internacionais de conservação. Também foi reorganizada uma parte do acervo docu111c.'Ill,ll do Setor - projeto coon.knado pclo prol'. dr. i\11tonio Carlos ck Souza Lim,t - que recentemente reverteu para o setor ele Arquivos do Museu Nacional

As coleções etnográficas do Setor de Etnologia do Museu Nacional estão dispostas em duas reservas, que recebem a denominação de A e B . Trata-se de ambientes clistintos quanto ao arranjo e à utilização. Na Reserva B , estão guardados os objetos da Coleção Regional, dispostos cm 1 0 armários ele aço e classificados segundo o local de procedência, isto é, por região. 1 . Armário 1 54, louças/Bahia; 2. Armário 1 52, Paraíba do Sul; J. 1\r1niíri() '!46, Pernambuco II; 4. Armário 1 40, Bahia I (redes, rendas, bordados, corda e pilihit); .'i . Armário 1 39, Piauí I (cestaria e rede); 6 . Armário 1 38, Amazonas (cuia, cuité, calçados); 7 . Armário 1 37, Pará II (rendas, maracatu e m barro, tecidos); 8. Armário 1 36, flores de concha, bonecas de pano bolsa/cestas, vassouras, ex-votos, gamelas; 9. Armúrio 1 35, sclns, roupas de couro, chinelos; 1 0. Armário 1 34, cestaria (Ceani), chapéu de palha, abanos, ex-votos, metal (Bahia), pedras p/ candomblé.

Depois deste primeiro mapeamento, quando percebi a heterogeneidade dos rcgistrns, fui encaminhada para a Reserva B. Nesse período, trabalhei na identificação dos objetos .

22 Agradeço à Fátima que além ele ter aberto as portas do Setor para a pesquisa, também me orientou no trabalho junto aos objetos na Reserva, sugeríndo entradas e me ensinando acerca de alguns dos rroceclirnentos

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Num esforço coletivo, os dados das coleções estavam sendo informatizados em tabelas pétrél compor um banco de dados acessível aos técnicos e pesquisadores. Fui i ncumbid,1 de compor a tabela da Coleção Regional, um trabalho que demanda muito tempo e qllc 11;1qllck momento não me pareceu i mediatamente provei toso para a minha tese, de modo que interrompi esta tarefa; mais do que organizar os dados em planilhas eu precis,w,1, pri meiro, estabelecer critérios para estudar os objetos e os seus registros. Foi só ao conhecer, manipular e arrumar os objetos, isto é, ao conviver com a dinâmica da reserva, que rrnck finalmente formular as perguntas que não estavam estabelecidas a priori.

Figura J . armários na Reserva B do S<.:tor de Etnologia cio MN, cm abril de 2002.

Usando luvas plásticas e pincéis, iniciei a limpeza dos objetos do armúriu 1 5-l. 1\ medida que l impava, acomodava-os em caixas de polionda para levá-los à Reserva A e identificá-los nos Livros de Tombo. Estar no Setor com os responsáveis diretos pelo trabalho junto às coleções envolveu uma relação de confiança e de intensa troca e essa foi a chave cio trabalho de campo. Cabe ressaltar que a Coleção Regional permanecia intocada clescle a década de 1 980.

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Figura 2-armário 1 54 (louças da Bahia), derois de limpo, em julho de 2002.

A etnografi a rcal i1.ada juntu aos ducunu..:ntus téxluais é 1n,1tcriais !'L ) Í L't1d,)ss,1d,1 J)L' L\

possibilidade de vivenciar o campo na atualidade, permiti ndo fazer certas analogi as que

levaram a uma compreensão da dinâmica institucional, vista pdos duculllétllL)S L' dl)S

bastidores. Este primeiro contato permitiu-me conhecer peças de distintos conjuntos

identificados· em coleções. As classificações são fonte de informação, mesn10 quando há

ausência de dados nos registros. Nesse primeir,.. o levantamento, encontrei, por exempl o. pcç,1s

de formas distintas classificadas com a mesma numeração.

Uma investigação mais an1pla poderia propor perguntas variadas: Qu,d a l'in,11 iLL1dc de suas reservas? O que se conserva nelas? Que públicos privilegiam e que meios escolhem para expor os objetos? Qual o sistema de documentação? Quais os sistemas de localiz.açJo e

recuperação? Qual a pol ítica de aquisição?

As fontes do campo

Inicialmente meu ohjctivo era realizar um exaustivo levantamento dos objetos, . descrevê-los formalmente e analisar o conjunto da coleção. Num outro momcnto, rctmn,111du

ao� arquivos, percebi quão heterogêneo era o conjunto. O segundo recorte resultou em quatro subconjuntos, agrupados de acordo com o período e a sua relevuncia para a

construção do argumento que proponho. Este recorte permitiu perceber que os processos

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sociais que envolvem o colecionismo estão representados nos objetos agnqx1dos e

classificados, mas que os registros, ou a sua falta, nos dizem também muita coisa sobre o significado dos objetos. V istos assim, os objetos são ilustrações de um certo discurso elaborado pelos agentes responsáveis pelo conjunto, e não nos interessa retir,1-los de seu contexto, atribu indo a eles novos significados, mas sim compreender os sign i fic ados

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merentes ao espaço que ocupam na inst1tu1çao.-·

2J Dominique Pcrriot, rcrgunta se não se c;orre o risco dt.: que ns reservas "tesouro" dos museus llirncm-,L' autônomas e constituam i nclusive um "duplo" museu.

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Interessou-me construir esta análise cm torno dos objetos e considerá-los no contexto de sua produção/transformação de artefatos em objetos, isto é, enquanto produtos elo Setor de Etnologia do Museu Nacional. Eles passam, assim, a ser vistos como documentos (Panofsky, 1 99 1 ). Os objetos da coleção tornam-se documentos na medida ern que siio testemunhos de processos sociais. 24

Berta Ribeiro ( 1 987) aponta que os estudos classificatórios de cultura mat erial têm

se valido de diferentes critérios, segundo sua aplicabilidade ao objeto de análise. Esta autora propõe também ( 1 985) considc.:rnr o cokcionador, a época e a forma ele cokcionarncntl°) no estudo de uma coleção, ressaltando fatores como as práticas de aquisição institucion,tl, as circunstâncias históricas, as conjunturas locais e as motivações e interesses. 1\ sq;,ui 11d,) l'St,1 orientação que considerei a pesquisa junto a Coleção Regioní.ll - seus objetos, seus colecionadores e "curadores" - investigando e explorando as pistas escondidas nos documentos. Seu caráter utilitário só se torna aparente se conservado 11u L'()11j t 1 1 1 t l1 ,k documentos que o acompanham. Por isso, é essencial para a apreciação de um documento saber quem o produziu, em quais circunstâncias, com que objetivos etc.25

As coleções etnográficas de cultura material foram formadas aos poucos. U ma vez incorporados aos acervos museológicos, os objetos adquirem o carfüer de ''documentos materiais". A noção de documento material está associ ada à idéia de exclusão do objeto ele seu contexto original, sendo esta exclusão o que transforma os artefatos em objetos. Aos olhos de um observador, o objeto passa a valer apenas como suporte físico de infornli1çiio e não mais por seu uso. O documento institui-se, ,1ssirn, por referência a um terceiro, a um

:. sujeito externo que se apropria do "texto" para elaborar seu discurso. A situaçiio l imite, que pmvoca um csva:1.iamc.:nto tot,il do valor ele uso, contrabalançado por uma ascensão elo valor

24 Nos primeiros gabinetes de curiosidades cio Renascimen10 a coleção era visível em sua totalidade. Ohjt.:1os "amontoavam-se", sem classificações que os distinguissem ou organizações que permitissem uma visualidade própria, ou apropriada. As preocupações com a educação resultaram na maior acessibilidade às coleções -seguindo as especificações cio ICOM - que se transformaram em "material didático", gerando uma 111:cessidadc

. de selecionar os objetos a serem expostos. As preocupações com a educação resultaram na maior acessibilidade às coleções, que se transformaram em "material didático", gerando uma necessidade ele selecionar os objetos a serem expostos. Surge desta demanda a museogra!ia e, ao mesmo tempo, a reserva da coleção. Estes marcantes espaços de significação existentes em um museu têm também valoração diferente. Atualmente, existe uma política de tornar as Reservas espaços de visitação, acessíveis a pesquisadores, tornando as coleções passíveis de serem conhecidas em sua totalidade. " Para qué sirven las reservas de los museos?" (Jaoul, 1 995)

25 Um fundo arquivístico é urna construção acahacla no contexto das características intrínsecas cio arquivo. ";\

decisão de conservá-los no meio que os viu 11a.1·cer (primeiro gra11 cio princípio da prove11iê11cio) e 110 l11gar exaro que nesse momento lhes foi atrib11ídu (seg1111do grau) leva muito mais em conw a 11a11m:w dos documentos e das particularidades de f1111cio11ame11to do organismo a que eles dizem respeito do que conseguiria uma organiz.açc1o por r1s.1·1111to, piir ordi'/11 cro11ol6girn 011 outra qualquer" (Duchein t 986:85).

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