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A incompatibilidade da utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia (art. 5° da lei 11.105/2005) com o ordenamento jurídico brasileiro

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UNIVERSIDADE FEDERALDO CEARÁ. FACULDADE DE DIREITO.

COORDENAÇÃODE ATIVIDADES COMPLEMENTARES.

SHAMÁ VIEIRA MIRANDA

A INCOMPATIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS DE PESQUISA E TERAPIA (ART. 5o DA LEI

11.105/2005) COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

FORTALEZA 2006

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SHAMÁ VEIRA MIRANDA

A INCOMPATIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS DE PESQUISA ETERAPIA (ART. 5o DA LEI

11.105/2005)COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao

Curso de Direito da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

ORIENTADORA: Professora

Carla Caldas Fontenele Brizzi.

FORTALEZA 2006

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Se permanecerdesna minha palavra, verdadeiramentesereis meusdiscípulos; e conhecereis averdade, eaverdadevos libertará. Jesus Cristo (Jo. 08:31,32)

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Pelo amor sem limites e conforto sempre presente, dedico este trabalho a Deus e aos meus país, Raimundo de Almeida Mirandae MarleneVieira Miranda.

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RESUMO

No bojo desta monografia, procuraremos demonstrar a incompatibilidade do art. 5o da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) com o Ordenamento Jurídico Brasileiro, por permitir, sob certas condições, a utilização de embriões em experimentos científicos e terapias médicas. Convictos de que tal dispositivo afronta os princípios constitucionais da dignidade humana e do direito à vida, além de normas infraconstitucionais, adiante analisaremos questões pertinentes ao tema proposto, objetivando respaldar a tese que ora intentamos defender, respeitadas, desde logo, as judiciosas opiniões emcontrário.

Palavras-chave: Incompatibilidade; OrdenamentoJurídico Brasileiro; Uso de células-

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ABSTRACT

In the bulge ofthis monograph, we intend to show the incompatibility of the utilizationof embryonic stem cells in researchand therapy. Since we are convicted that such thing affronts constitutional principles ofhuman dignity and inviolability of life's right, besides other legal dispositions, ahead we are going to analyze some relevant questions of the chosen theme, objectifying to validate the thesis that at present we defend, respected the contraryopinions.

Key-words: Incompatibility; Utilization of embryonic stem cells; Constitutional principles; Other legal dispositions.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...07

1. OEMBRIÃO HUMANO E A ORIGEM DAVIDA HUMANA... 09

1.1. Conceito de EmbriãoHumano...09

1.2. A Origem da Vida Humana deAcordo com a embriologia... 11

2. AS CÉLULAS-TRONCO... 16

2.1. Conceito... 16

2.1.1.Conceito de Células-Tronco Embrionárias... 16

2.1.2. Conceito deCélulas-Tronco Adultas...16

2.2. Promessase Realidade no Tratamento com Células-Tronco Embrionárias... 17

2.3. Resultados Terapêuticos das Células-Tronco Adultas...22

3. ASPECTOS ÉTICOS DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS... 27

3.1. A Ética e o Desenvolvimento Científico... 30

3.1.1. ImplicaçõesÉticas do Congelamento deEmbriõesHumanos...32

3.1.2. A Problemática Ética da Realização de Pesquisas com Células-Tronco Embrionárias...M...37

4. A LEI DE BIOSSEGURANÇA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...40

4.1. Considerações Preliminares...40

4.2. A Inconstitucionalidadedo Artigo 5o da Lei deBiossegurança...48

4.2.1. A Lei de Biossegurançae o Art. Io, Inciso III,daCF...49

4.2.1.1. A Dignidade daPessoa Humana...50

4.2.2. A Lei deBiossegurançae o Art.3o, Inciso IV, daCF...53

4.2.3. A Lei de Biossegurança e o Art. 5o, caput, daCF...54

4.2.4. ADINN°3510...57

4.3. A Lei deBiossegurança e aConvenção Americana Sobre Direitos Humanos... 58

4.4. ALei de Biossegurança e oCódigo Civil Brasileiro...61

CONSIDERAÇÕES FINAIS...63

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INTRODUÇÃO

Analisando as danosas implicações éticas e jurídicas do art. 5o da Lei 11.105/2005, que permite a utilização de embriões para fins de experimentos científicos e terapias médicas, procuraremos demonstrar a incompatibilidade detal dispositivocom o Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Para tanto, o capítulo seguinte será destinado à análise do embrião humano, demonstrandocientificamenteque a existência do homem se inicia na concepção. Nesse intento, apresentaremos o ponto de vista de cientistas e intelectuais renomados, contráriosàs pesquisas com células-tronco embrionárias, por entenderem que o embrião humano é um semelhante,um serhumanocomo qualquer um de nós.

No capítuloterceiro, falaremosespecificamentedascélulas-troncoadultase embrionárias, enfatizando os resultados terapêuticos obtidos (ou não) através das mesmas. Abordaremos a manipulação de informações por parte da mídia, que atribui às células-tronco embrionárias perspectivas ilusórias de cura, ao tempo em que deixa na penumbra os enormes avanços alcançados com células-tronco adultas no tratamento de inúmeras doenças (dentre elas, várias que, segundo aludem, só poderíam ser solucionadas coma terapêuticade células-tronco embrionárias que, apropósito, até hoje nuncaresultou em qualquer beneficio ao ser humano).

Dando continuidade, no capítulo quarto, abordaremos as questões éticas pertinentes ao tema em comento, mormente à problemática do congelamento de embriõese da destruição dos mesmos para fins de pesquisa. Trataremos das razões pelas quais cremos que ambas as intervenções médicas são atentatórias a princípios

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fundamentais, elementares da Constituição, por desrespeitarem a dignidade do homem,

sua integridade física, sua vida.

Por fim, nos debruçaremos diretamente sobre os aspectos juridicamente equivocados do dispositivosupra-aludido daLei de Biossegurança, comparando-os com os preceitos constitucionais; com normas advindas de tratados internacionais que versam sobre direitos humanos; e com o Código Civil brasileiro, que estabelece em que momento daexistência humana se inicia a tutelade seus direitos.

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1. O EMBRIÃO HUMANO E A ORIGEM DA VIDA HUMANA

1.1.CONCEITO DE EMBRIÃO HUMANO

Antes de adentrarmos na discussão acerca da incompatibilidade com o Ordenamento Jurídico da utilização de células-troncoembrionáriasem pesquisas, faz-se necessário apresentarmos os conceitos científicos dos objetos biológicos sobre os quais o presente trabalho se debruça, quais sejam: o embrião humano e as células-tronco, adultas e embrionárias.

Segundo o dicionário Aurélio (1986, pg.633), o embrião humano é "o ser humano nos primeiros estágios de desenvolvimento".

Mas, o que devemos entender por "ser humano"? A resposta nos é dadapor Peter Singer1:

1 SINGER,Peter. VidaÉtica. Tradução de AliceXavier. RJ. Ediouro. 2002. Pg. 163.

Épossível dar à expressão 'ser humano' um significado exato. Podemos usá-lo como equivalente a 'membro da espécie Homo sapiens'. Pode-se determinar cientificamente se um indivíduo é, ou não, membro de determinada espécie, mediante o exame da natureza dos cromossomos presentes nas células dos organismos vivos. Nesse sentido, não resta dúvida dequeéumser humano, desdeosprimeiros momentos da suaexistência, um embriãoconcebidodo esperma e doóvulo de sereshumanos(grifo nosso).

Ora, a curta mas consistente explanação de Singeré amais obviae correta compreensão de quem merece o status de ser humano, e todasas prerrogativas (entenda-se direitos e garantias) aele inerentes: todo e qualquerindivíduo originado daconjunção do espermatozóide com o óvulo humanos - seja qual for o seu estágio de desenvolvimento, o qualde forma alguma omodifica qualitativamente.

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Essa não e uma compreensão isolada. Dr. Demival da Silva Brandão" explica que o embriãoé o ser humano na fase inicial de sua vida. É um ser humano em virtude de sua consitutição genética específica própria e de ser gerado por um casal humano através de gametas humanos - espermatozóide e óvulo. Compreende afase de desenvolvimento que vai desde a concepção, com a formação do zigoto, na união dos gametas, atécompletara oitava semana devida.

Esclareceque desde o primeiro momento de sua existência esse novo serjá tem determinadas as suas características pessoais fundamentais como sexo, grupo sanguíneo, cor da pele e dos olhos, etc. É o agente de seu próprio desenvolvimento, coordenadodeacordo com o seu próprio código genético.

Nos primeiros dias, o embrião recebe as sucessivas denominações de "zigoto" (embrião unicelular), "mórula" e "blastocisto". A partir da nona semana de vida, denomina-se feto. Trata-se do mesmo indivíduo e dos mesmos dados genéticos, independentemente da fase de desenvolvimento em que se encontra e da terminologia usada para o designar, o qual se desenvolve de modo coordenado, gradual e contínuo, sendo que cada fase desse desenvolvimento não elimina, mas absorve e desenvolve a antecedente. Embora continue a passar por mudanças na sua configuração corporal, desenvolvendo-se em tamanho e adquirindo funções, não perde a identidade ontológica existente desde o início, que guardará por toda a sua existência: é o mesmo ser no desenvolvimentoininterrupto de seu ciclo ou curva vital23.

2 BRANDÃO, Demival da Silva. Especialista em Ginecologia e Membro Emérito da Academia FluminensedeMedicina. Vida:O PrimeiroDireito daCidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 10.

3 MARTINS, Paulo Silveira. Advogado. Vida: O Primeiro Direito da Cidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 11/12

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1.2. A ORIGEM DAVIDA HUMANA DE ACORDO COM A EMBRIOLOGIA

Contrariamente ao que vem sendo dito pelos defensores do uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa, não só é possível à ciência determinar o inicio da vida humana como isso já foi feito. Este conhecimento pertence ao ramo científico conhecidocomo Embriologia.

A Embriologia é o estudo do desenvolvimento dos embriões e fetos, surgida com o aumento da sensibilidade dos microscópios. Karl Ernst Von Baer observou, em 1827, o ovo ou zigoto em divisão na tuba uterina e o blastocisto no útero dos animais. Nas suas obras, UeberEntwicklungsgeschiechteb der Tiere e Beabachtung and Reflexion, Von Baerdescreveu os estágios correspondentes ao desenvolvimento do embrião e que características são prímeiramente definidas, contribuindo com novos conhecimentos sobre a origem dos tecidos e órgãos. Por isto é chamado de "Pai da EmbriologiaModerna".

Em 1839, Schleiden e Schwan, ao formularem a Teoria Celular, foram responsáveis por grandes avanços da Embriologia. Conforme tal teoria, o corpo é composto por células, originárias de uma ÚNICA célula, o zigoto, que por muitas divisões celulares forma os tecidos e órgãos de todo ser vivo, em particular o humano. Com base nestas evidências experimentais, passou-se a aceitar cientificamente a concepção como aorigem do ser humano4.

4 FERREIRA, Alice Teixeira. Prof. Associada de Biofísica da UNIFESP/EPM na área de Biologia Celular - Sinalização Celular. A dignidade da VidaHumana e as Biotecnologias. Editora CNBB. 2005. Pg. 30.

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Para não se dizer que se trata de conceito ultrapassado, verificamos que TODOS os textos de embriologiaconsultados3 afirmamque o desenvolvimento humano se inicia quando o óvulo ou ovócito é fertilizado peloespermatozóide. TODOS afirmam que o desenvolvimento humano é fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo, que só pára com a morte. TODOS nós passamos pelas mesmas fases do desenvolvimento humano: fomos um ovo, uma mórula, um blastocisto, um feto. Em todos os textos, os autores expressam sua admiração de como uma célula, um ovo, dá origem a algo tão complexo como o ser humano. Alguns afirmam tratar-se de um milagre.

5 MELLO, Romário de Araújo Embriologia Humana. Editora Atheneu. 2000. São Paulo. Introdução; CAT AL A, Martins. Embriologia, Desenvolvimento Humano Inicial. Editora Guanabara Koogan. 2003. Rio de Janeiro. Cap.l 1; MOORE.KeithL eoutros. Atlas colorido de EmbriologiaClínica. 2a. Ed. 2002. Editora Guanabara Koogan.Rio de Janeiro. Introdução; COCHARD, Larry R. Atlas de Embriologia de Netter. ArtMed Editorial. 2003. Porto Alegre. Introdução; MOORE, K. PERSAUD, TVN. Embriologia Clínica. 6a. Ed. Editora Guababara Koogan. 2000. Rio deJaneiro. Cap. "Fertilização".

A percepção de que a vida humana se inicia com a concepção - e que, portanto, o embrião é uma VIDA humana - nãoé apenas uma questão ideológica, de fé, de religião. Trata-se de uma conseqüência necessária do que já foi cientificamente demonstrado. O embrião humano possui em si mesmo todos os apetrechos necessários para se tomar um feto,umbebê, um adulto, um ancião. Interromper esse ciclo vital, seja em que estágio for, implica eliminar umavida humana.

Continuando nossa exposição de argumentos científicos, Helen Pearson, em 2002, na revista Nature (n°418, pgs. 14/15), relata os experimentosde R. Gardener e Magdalena Zemicka-Goetz, nos quais demonstram que o nosso destino biológico é determinado no primeiro dia, no momento da concepção. Mais recentemente, também na Nature (n° 435, pgs. 433/434), Y. Sasai descreve os fatores/proteínas que controlam o desenvolvimento do embrião a partir da concepção, descobertos por Dupont e 5

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colaboradores. LewisWolpert afirmaque o momento em que oovo começa a se dividir é o maisimportante de nossavida, mais que o nascimento, casamento oumorte.

O cientista Jérôme Lejeune, professor da universidade de René Descartes, em Paris, que dedicou toda a sua vida ao estudo da genética fundamental, descobridor da Síndrome deDawn (mongolismo), nos diz:

Não quero repetir o óbvio, mas, naverdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontramcomos 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida. DAÍ PARAFRENTE, QUALQUER MÉTODO ARTIFICIALPARA DESTRUÍ-LA ÉUM ASSASSINATO6.

6VIDA: O Primeiro Direito daCidadania. EditoraCNBB 2002. Pg. 10.

' GIULI, Anna. Inizio della vitaumana inviduale.Basi biologiche e implicazioni bioetiche. Editora ARACNE. 2005. Pg. 09.

Bióloga molecular e professora de Bioética na Faculdade de Medicina da Universidade Católicado Sagrado Coração (Roma), a doutora Anna Giuli7, em sua obra

Início da vida humana individual. Bases biológicas e implicações bioéticas, afirma que avida humana tem início no primeiro momento do seuciclo vital: a concepção. Em suas palavras:

Um novo indivíduo biológico humano, original emrelação a todos os exemplares de sua espécie, inicia seu ciclo vital no momento da penetração do espermatozóide no ovócito. Afusãodos gametas masculino e feminino (chamada também singamia) marca o primeiro passo geracional, isto é, a transição entre os gametas- que podem considerar-se uma ponte entre as gerações - e o organismo humano não-formado. A fusão dos gametas representa um evento crítico de descontinuidade porque marca a constituição de uma nova individualidade biológica, qualitativamente diferente dos gametas que a geraram (grifo nosso).

Apesar de todas as evidências acima apresentadas, e hoje de domínio público, as quais apontam inquestionavelmente para a existência de vida no embrião humano, tenta-se, atualmente, através de uma retórica ideológica,justificar a destruição de embriões com argumentos despidosde fundamentoscientíficos, tais como:

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nào sabemos quando começa a vida do serhumano - pelo vistoacima, isto

não é verdade.

• o embrião humano é apenas um montinho de células - mas que células! Se fossem só células comuns certos pesquisadores não estariam tão interessados nelas. São tão extraordinárias que são a origem do indivíduo completo. Reduzi-las a um amontoado de células equivaleríaa dizer que umaenciclopédiaéapenas umamontoado de letras e papel. Sob esta perspectiva simplista, somos todos nós "amontoados de células".

• o embrião humano não tem cérebro e é comparável à morte cerebral - comparação absurda, já que a morte cerebral é uma situação irreversível, não há maneira de recuperar os neurônios mortos, enquanto que o embrião dispõe de células pluripotentes que vão originar seu cérebro.

• embriões humanos produzidos por fertilização in vitro não podem ser considerados pessoas humanas, e não têm vida - tal alegativa opõe-se, inexplicavelmente, à constatação científica que dá ao embrião a condição de um ser pertencente à espécie Homo sapiens. Não há diferença substancial entre o embrião fecundado no útero materno e o embrião produzido por fertilização in vitro, pois o que confere a este embrião a condição de ser humano não é o estar no útero, o ter sido concebidointra-uterinamente, mas o fato de que, a partir dafecundação, surge umnovo indivíduo, com um código genético que lhe é próprio, apto a se desenvolver, num ambiente propício.

Fato é que a ciência demonstra insofismavelmente-com os recursos mais modernos-que o ser humano recém-fecundado tem já seu própriopatrimônio genético e sistema imunológico, diferente do da mãe. É o mesmo ser humano - e não algo diferente disto - que depois se converterá em feto, bebê, criança, jovem, adulto e

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ancião. O processo se desenvolve paulatinamente, sem saltos ou mudança qualitativa. Não é cientificamente admissível que o produto da fecundação seja, nos primeiros momentos, somente uma "matéria germinante". Aceitar, portanto, que o óvulo fecundado é um novo ser humano, independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental.

Não se pode falar de embrião como uma "pessoa em potencial", que estaria em processo de humanização, e que nas primeiras semanas podería ser eliminada. Por que não? Perguntaríamos: que ocorrência biológica, a não ser a concepção,determinaria a origem de um indivíduo? Hoje não é ser humano; amanhã jáé. Essa arbitrariedade é cientifícamente absurda. A fecundação origina indubitavelmente o indivíduo em todas as suascaracterísticas genéticas, não qualquer outra ocorrência biológicaposterior a ela.

Concluímos, pois, embasados em evidências científicas claras e racionais, que o ser humano EXISTE desde aconcepção, de forma que a eliminação/destruição de um embrião humano é, inarredavelmente, a eliminação/destruição de um indivíduo humano.

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2. AS CÉLULAS-TRONCO

2.1. CONCEITO

Importa definirmos agora o conceito de células-tronco, adultas e embrionárias.

2.1.1. CONCEITO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

Células-tronco embrionárias são aquelas provenientes da massa celular interna do embrião (blastocisto). São chamadas de células-troncoembrionárias humanas porque provém do embrião e por serem as células-mãe do ser humano. Para se usar estascélulas, que constituem a massainterna do blastocisto, édestruído o embrião8.

8 TEIXEIRA, Alice. Vida: O primeiro Direito da Cidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 33.

9 PRAXEDES, Herbert Médico e Professor Titular do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da UFF. Vida: O primeiro Direito da Cidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 33.

As células de um embrião humano de poucos dias são todas células-tronco (CTE); são pluripotenciais, tendo capacidade de se auto-renovarem e de se diferenciaremem qualquer dos tecidos do corpo9.

2.1.2. CONCEITODE CÉLULAS-TRONCO ADULTAS

As células-tronco adultas são aquelas encontradas em todos osórgãos, e em maiorquantidade na medulaóssea (tutano do osso), no cordão umbilical e na placenta.

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No tutano dos ossos tem-sea produção demilhõesde células por dia, que substituem as que morrem diariamente no sangue10. As células-tronco adultas são multipotenciais (e não pl uri potenciais, como as embrionárias, já que estas originam qualquer célula do organismo humano, e aquelas, aparentemente, diferenciam-se emvários, mas não todos os tecidos do organismo) e auto-renováveis11.

10TEIXEIRA,Alice. Idem. 11 PRAXEDES. Herbert. Idem.

12Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bióloga pela URFJ. Mestrado pela USP. Doutorado em Neurobiologia pela UFRJ. pós-doutorado pela University ofToronto na área de Biologia de células-tronco no cérebro. Projeto desenvolvido no pós-doutorado: Células tronco neurais em modelo experimental de animais transgênicos com doenças neurodegenerativas. Vida: O PrimeiroDireito da Cidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 35/36.

2.2. PROMESSAS E REALIDADENO TRATAMENTO COM CÉLULAS-TRONCO

EMBRIONÁRIAS

Muito se tem falado de tratamentos e curas propiciados pela utilização terapêutica das células-tronco, adultas e, principalmente, embrionárias. Ocorre que grande parte das informações propaladas na mídia não condiz com a realidade, sendo tendenciosa e, até mesmo, falaciosa. Sobre isto, convém transcrever as colocações da Dra. Cláudia Maria de Castro Batista12:

Retomei recentemente ao Brasil após dois anos de trabalho junto a umrenomado grupo de pesquisa em células-tronco no Canadá. Ao chegar, deparei-me com um clima de euforia incomum em relação às promessasatribuídas às células-troncoembrionárias.

Deu-me profunda pena assistir ao noticiário e constatar que inúmeras famílias e deficientes físicos (presentes na Câmara durante a votação da Lei de Biossegurança) estão mergulhados e iludidos com a euforia sem fundamento e sem base científica que justifique ouso de células-troncoembrionárias humanas.

Como uma das pouquíssimas pesquisadoras que estudam o potencial decélulas-tronco no tratamento de doenças neurodegenerativas no Brasil, acredito fortemente no potencial de células-tronco maduras, tendo obtido evidências de que estascélulas são, de fato, as mais promissoras, as únicas até hojeempregadas em terapias já em fase clínica. As células-tronco derivadas do embrião, até hoje, geram tumores e são rejeitadas pelo organismotransplantado.

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O lobby, feito por um pequenogrupo, confunde claramente as pessoas leigas no assunto, isto é, a grande maioria presente durante a votação em plenário. Basta citar a frase que alguém afirmou: 'Já sabemos que a utilização em pacientes auto-imunes de células-tronco adultas retiradas do sangue do cordão umbilical dos bebês não tem uma resposta tão boa'. De onde saiu esta conclusão?TODAS as terapiastestadas noBrasil e no mundo até hoje foram feitas APENAS com células maduras e SO ESTAS ALCANÇARAM RESULTADOS PROMISSORES! Certamente os conceitos se embaralham e geram slogans do tipo 'Projeto salvadorde vidas' Até hoje, quais vidas?.

O fato de ser necessário MATAR vidas humanas (embriõeshumanos), para que as células-tronco embrionárias possam ser utilizadas, por si só já toma tal utilização inaceitável. E a problemática ética mais ainda se agrava, se considerarmos que tais células não promovem (fato demonstrável) as melhorias terapêuticas que tanto têm sido apregoadas pelos meios de comunicação - a propósito, nem mesmo apresentam evidências promissoras de que, algum dia, surtirãoos efeitos desejados.

No rebate aos mitos curativos das células-tronco embrionárias, devemos continuara exposição dos fatoscientíficos queos contestam.

NÃO HÁ NO MUNDO UM SÓ RELATO DE CURA OU DE

QUALQUER BENEFÍCIO TERAPÊUTICO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DE

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. Isto porque tais células tendem a produzir teratomas (tumores embrionários - cânceres bastante mortais que não respondem aos tratamentos convencionais) e outras potenciais situações incontroláveis. Em editorial de 21 de maio de 2005, o British Medical Jornal alertou para a gravidade da propaganda irresponsável a propósito das células-tronco embrionárias humanas, enfatizando inclusive que situações e problemas graves havidos no passado, como o mal da vaca louca e a transfusão de sangue sem os devidos cuidados, transmitindo os vírus SIDA, HIV etambém hepatite-C, deveríam servirde lição para opresente15. 13 *

13 MARTINS, Paulo. A Dignidade da Vida Humana e as Biotecnologias Editora CNBB 2005. Pgs 56/57.

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Em pesquisa com células-tronco embrionárias, ratos e camundongos imunossuprimidos (para não rejeitarem as células transplantadas) apresentaramtumores embrionários em 50% dos casos. A propósito, a única forma de se evitar a incompatibilidade imunológica de tais células num eventual paciente seria sujeitá-lo a tomar imunossupressores por toda a vida14, frágil izando-lhe o sistema imunológico, deixando-o vulnerável aoutros males. Este problema inexiste quando utilizadascélulas- tronco damedulado próprio paciente.

14FERREIRA, AliceTeixeira. Vida: OPrimeiroDireito daCidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 36. 15 Disponível em http://www.pime.org.br/noticias2005/noticiasbrasill91.htm

Não há fundamento cientifico na afirmação de que as células-tronco embrionárias são as mais eficientes. A Dra. Alice Teixeira Ferreira, Professora de Biofísica da UNIFESP/EPM, na área de Biologia Celular, em seu artigo "Células tronco: verdadeiras e falsas esperanças"iS, afirma categoricamente:

A utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa, objetivando a cura de doenças graves para as quais a suposta terapia seria a última esperança, é pressuposto falso, sem nenhuma base científica, que busca afastar gravíssimos empecilhos éticos de se matar, destruir um ser humanoparafinsde pesquisa.

Denunciando o falseamento da verdade quanto ao atual estágio das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas,sustenta:

(...) com estas células não se tem obtido qualquer êxito que aponte para a curade doenças, nem mesmo com ratos e camundongos. Ao contrário, nesses animais são produzidos teratomas, ou seja, tumores, quando implantadascélulasembrionárias.

O que existe de concreto do ponto de vista estritamente científico são progressos altamente promissores nas pesquisas com células-tronco adultas humanas, encontradas no cordão umbilical e na placenta, capazes de recuperarem tecidos ou órgãos lesados, o que já foi constatado pelo Laboratório Europeu de biologia Molecular - EMBL, em Monterotondo, na Itália. (...).

Contrariamente, os estudos disponíveis demonstram claramente quea implantaçãode células-tronco embrionárias humanasgeram teratomas, podendo levar à morte. São tantos os problemas graves e não solucionados com as pesquisas de células-tronco embrionárias, que elas se restringem a ratos e roedores, e estão muitíssimos estágios atrás das pesquisas com células-tronco adultas, NÃO TENDO, MESMO EM EXPERIÊNCIAS COM RATOS E CAMUNDONGOS, ALCANÇADO

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QUALQUER RESULTADO RELATADO E COMPROVADO QUE APONTE P ARAEFETIVIDADEDE CURA.

Salienta que essas informações nãotêm sido divulgadas de modo adequado e preciso, talvez por desinformação ou em razão de interesses não revelados, e evidencia a manipulação de informações quandorelata:

Exemplo muito claro disso foio editorial de 11 de outubrode 2004 de um dos jornais de maior circulação em nosso país, que se manifestava a favor da votação do Projeto de Lei n° 9/2004, no Senado Federal, no sentido da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas, afirmando que: '...os deputados certamente serão sensíveis aos argumentos a favor da liberação das pesquisas com células tronco embrionárias, que se tomam particularmente convincentes na medida em que aterapia vai setomando realidade, como no casodo menino italiano quefoi curado deumaformagravede anemia'.

E acrescenta:

Cabe aqui referir que a notícia disponível no meio médico especializado é no sentido de que a anemia, designada por 'anemia de Fanconi', vem sendo tratada, desde 2001, pelo Dr. Pasquini, com células tronco de cordão umbilical, que são células-tronco adultas. Não se conhece, repita-se, qualquer relato científico de cura com células-tronco embrionárias humanas.

Em seu artigo Clonagem e pesquisa com células-tronco - o que a mídia não divulga'(\ a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, associadaà Human Life International esclarece:

Até hoje, apesar de quase vinte anos de experimentação com células-tronco embrionárias, jamais foi possível curar uma única doença através deste procedimento, tanto em seres humanos como em animais (...). Até hoje, também, nenhum cientista ousou transplantar células-tronco embrionárias para seres humanos. OS CIENTISTAS SABEM E, NQS PAÍSES DO PRIMEIRO MUNDO. ADMITEM ABERTAMENTE COMO FATO CONSUMADO. QUE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS NÀO TÊM NENHUMA SERVENTIA PARA FINS TERAPÊUTICOS, e que a legalização da experimentação com embriões é apenas uma etapa legal paraobterconcessõesmaioresemuma fase posterior (grifosnossos).

Nos experimentos, comojá dito, a morte do embrião é certa. E mais: não chegaram os cientistas a qualquerresultado positivo com as pesquisas. As declarações

16Disponível em

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feitas por Rosalia Mendez Otero, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ, em entrevistadada ao Jornal Folha de São Paulo, materia veiculada sob o título

"Pesquisadores se animam para estudarembrião" , comprova o caminho detrevas que está sendo percorrido na manipulação de embriões humanos, e o principal interesse até então não revelado;

Nenhumtumor é presença agradável no organismo de alguém, mas o chamado teratoma ('monstruosidade', em grego latinizado) provavelmente ganha o prêmio de mais assustador, uma maçaroca de todos os tecidos possíveis, de músculo a dentes completamente formados. O aparecimento desse tipo de aberração celular é uma ocorrência comum nos atuais estudos com células-tronco embrionárias, e não só isso, o teratoma é o resultado mais comum de seinjetar essas células num animal antes que elas estejam diferenciadas- ou seja, antes que já tenham assumido pelo menos parte das funções dotecido que se querreconstruir. (...).

Abusca de tratamentos, no entanto, não é a única motivação por trás do estudo dascélulas-tronco embrionárias. Muitas vezes, antes que se desenvolva uma cura, é preciso entender como a doença se desenvolve. Paraessescasos, éútilusar o embriãocomo modeloem miniaturado que vai acontecer com oorganismo adulto.

Com tantas chances de erros, a demanda por embriões, aoque parece,será grande. Eestá dadaapartidadestacorrida(grifo nosso).

Essa declaração desnuda os interesses ocultos. Não restam dúvidas de que estamos diante de experimentos que redundam na degradação do ser humano. Em nome da ciência, de forma desumana e cruel, retomamos à época de Hitler. O modelo em miniatura é um ser humano.

Os meios de comunicação de massa não divulgam para o público averdade sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, seja por terem interesses também não revelados, ou sofrerem pressões e censuras, faltando com sua responsabilidade ética.

Há sobejas razões para repensarmos as pesquisas com células-tronco embrionárias, haja vista as inúmeras vidas que vêm sendo prematuramente ceifadas ao

longo de duas décadas, sem NENHUM RESULTADO TERAPÊUTICO

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SATISFATÓRIO, e um motivoadicional nos leva adispensar essas experiências: em 22 de Setembro de 2005, a imprensa divulgou que cientistas americanosda Faculdade de Medicina de Harvard conseguiram criar uma nova célula-tronco embrionária humana a partir de umacélula de pelecomum, o que poderia eliminar quaisquerrazõesporventura existentes para a utilização de embriões humanos. Além disso, de acordo com o cientista americano Rudolf Jaenisch, na revista Cell18, é possível fazer com que uma célula-tronco adulta se comporte como uma embrionária. O segredo estaria no Oct-4, que impede, no embrião, que as células se diferenciem antes da hora. No momento em que este gene se desliga, a diferenciação celular começa a ocorrer. Dessa forma, em controlando-se o Oct-4, é possível fazer com que certas células-tronco adultas sejam mantidas neste estágio semdiferenciação, o que pode expandir seu campo de atuação na pesquisa de novos tratamentos.

18Disponívelno site www.cell.com.

19Disponível no site http://www.ghente.org/temas/celulas-tronco/carta_senador_kerry.htm.

2.3. RESULTADOS TERAPÊUTICOS DAS CÉLULAS-TRONCO ADULTAS

Apesar de apresentadas na mídia como menos aptas que as células-tronco embrionárias, em seu poder curativo, as células-tronco adultas se têm revelado efetivamente promissoras, trazendo consideráveis avanços médicos no tratamento de inúmeras doenças - os resultados terapêuticos dos experimentos científicos com células- tronco mudam radicalmente, quando obtidos através de tratamentos com células-tronco adultas,não comcélulas-troncoembrionárias.

É pertinente iniciarmos a exposição dos resultados alcançados com as células-tronco adultas com a carta enviada ao senador estadunidense John F. Kerry19,

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assinada por grupo de 57 cientistas norte-americanos, na qual tratam primeiramente de promessas falaciosas acerca das CTEs, e, em seqüência, expõem os avanços médicos alcançados com asCTAs.

27de outubrode2004 TraduçãodeHerbertPraxedes20

20 Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade deMedicina e doHospital Universitário Antônio Pedro da UFF

Prezado SenadorKerry,

Recentemente o senhor colocou como peça central de sua campanha a promoção da pesquisa de células-tronco embrionárias, inclusive a clonagem deembriões humanos para fins depesquisa. Disseainda quefará de tal pesquisa a prioridade máxima para o governo, academia e medicina (Los Angeles Times, 10/17/04). O senhor mesmojustificouo suporte a esta pesquisa pelo respeito à “ciência”, dizendo ainda que a ciência deve ser isentade “ideologia”para proporcionaras curas miraculosas para numerosas doenças.

Como profissionais treinadosnas ciências da vida, estamos alarmadoscom essascolocações.

Em primeiro lugar, suas colocações representam inadequadamente a ciência. Em si mesma, a ciência não é uma política ou um programa político. A ciência é um método sistemático para se desenvolver e testar hipóteses sobre o mundo físico. Não “promete” curas miraculosas com provas inconsistentes. Quando cientistas fazem tais asserções, eles estão agindo individualmente, por suas convicções e esperanças pessoais, e não como a voz da “ciência”. Se tais cientistas permitem que sua crença pessoal no futuro da pesquisa de células-tronco embrionárias seja interpretada como uma predição plausível do resultado dessaspesquisas, elesestão agindoirresponsavelmente.

Em segundo lugar, não é mera “ideologia” preocupar-se com o uso inadequado de seres humanos na pesquisa científica. Os grupos federais de assessoramento em Bioética, servindo tanto a presidentes Democratas como Republicanos, afirmaram que o embrião humano é uma forma em desenvolvimento de vida humana, e que merece respeito. Além disso, o senhor mesmo disse que a vida começa na concepção, que a fertilização produz um “ser humano”. Equiparar o interesse desses seres a uma mera “ideologia” é negar toda a história dos esforços para proteger sereshumanosdapesquisa abusiva.

Em terceiro lugar, as afirmações que o senhor fez sobre as possíveis aplicações médicas das células-tronco embrionárias vão muito além de qualquer evidência admissível, ignorando o estágio limitado de nosso conhecimento sobre estas células e o avanço em outras áreas de pesquisa, que pode tornar o seu uso desnecessário para várias aplicações. Fazer tais clamores exagerados, noestágiopresente de nossoconhecimento, é não apenas cientificamente irresponsável, mas também decepcionante e cruel para milhões de pacientes e suas famílias, que esperam desesperadamenteporcuras, eque dependemda comunidade científica para obterem informações acuradas.

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O que a ciência nosdiz sobre ascélulas-tronco embrionárias' Os fatospodem ser sintetizados comosegue:

Atualmente estas células somente podem ser obtidas pela destruição de embriões no estágio de blastocistos (4 a 7 dias de idade). Elas proliferam rapidamente, são extremamente versáteis, e, em última análise, são, no ambiente embrionário, aptas a formarem qualquer tipo de célula do corpo humano desenvolvido. Todavia há escassas provas cientificas de que as células-tronco embrionárias virão a formar tecidos normais em placas de cultura; é sabido agora que a versatilidade dessas células se configura desvantagem, não vantagem - as células embrionárias são difíceis de se desenvolverem em uma linha celular estável, pois espontaneamente acumulam anormalidades genéticas em cultura, e são propensas a crescimentos incontroláveis e àformaçãotumoral,quando transplantadas em animais.

Quase 25 anos de pesquisa usando células-tronco embrionáriasderatosproduziram indicações limitadasdebenefícios clínicos em alguns animais, bem como indicadores de efeitos colaterais sérios e potencialmente letais. Baseando-se nessa evidência, afirmações de tratamentoseguro e confiável de qualquer doença em seres humanos são, na melhordas hipóteses, prematuras.

Células-tronco embrionárias obtidas pela destruição de embriões humanosclonados criam enfoque éticoadicional -que éa criação de vidas humanas somente para destrui-las em pesquisa - e. além disso, problemaspráticos. O processo de clonagem é atualmente conhecido como gerador de inúmerosproblemas de expressão caótica de genes, queafeta a utilidade e segurança dessas células. Não há prova.de que a clonagem prevenirá toda a reieicão das células-tronco embrionárias; células embrionárias clonadas são por vezes rejeitadas pelos próprios doadores hospedeiros, em pesquisas com animais. Algumas pesquisas com animais necessitaram da colocação de embriões clonados em um útero, desenvolvê-los até o estágio fetal, e então destruí-los, para que seus tecidos, mais desenvolvidos, produzissem beneficio clínico - seguramente uma abordagem que coloca uma questão ética horrível, se aplicada a seres humanos.

Células-tronco adultas também recebem cada vez maior atenção científica; sua trajetória têm sido muito diferente daquela dada às células-tronco embrionárias. Tais células não foram desenvolvidas na esperança de virem a ter utilidade clínica; a descoberta de seus benefícios indubitáveis veio primeiro. Tal ocorreu com a percepção de que o sucesso dos transplantes de medula óssea se devia às células-tronco (adultas), em pacientes com vários tipos de câncer. A partir daí, se buscou melhor compreensão de como e porque elas funcionam, e de que outras formas poderíam ser utilizadas. As células-tronco foram descobertas, de forma inesperada,emnumerosos tecidos - sangue, nervos, gordura, pele, músculo, sangue do cordão umbilical, placenta, mesmo na polpadentária -; dezenas de estudos indicam que elas são mais versáteis do que foi inicialmente pensado. O uso dessas células não implica em questõeséticas, e podeevitar todos os problemas de rejeiçãode tecidos seascélulas-tronco foremobtidas do próprio paciente. O uso clinico de células-tronco adultas cresceu muitíssimo nos últimos anos. Em contraste às células-tronco embrionárias, as células-tronco adultasestão em protocolos estabelecidos ou experimentais para tratamento de pacientes humanos em várias dezenas decondições, de acordo com o InstitutoNacional deSaúde e o Programa Nacional deDoação de Medula Óssea (Cong. Record. 09/09/2004) - elas foramou estãosendo utilizadas em pesquisas em seres humanos para tratamento de lesões da medula espinhal. Doença de Parkinson, acidente vascular cerebral, lesão cardíaca, esclerose múltipla e vários outros. Os resultados dessaspesquisas experimentais nosajudarão a melhor a entender os prospectos médicos para terapêuticacomcélulas-tronco.

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No tratamento de várias doenças, avanços deverão vir de fontes diferentes de qualquer espécie de célula-tronco. Existeforte consenso cientifico de que doenças complexas como Alzheimer provavelmente não serão tratadas por qualquer terapia envolvendo células-tronco. Perguntado recentemente por que muita gente acredita que as células-tronco embrionárias serão úteis na cura da Doença de Alzheimer, o perito em células troncodo Instituto Nacional de Saúde Ron McKaycomentou que “o povo necessita de um conto de fadas” (Washington Post, 10 de Junho de 2004). Do mesmo modo, as doenças auto-imunes como diabetesjuvenil, lúpus e esclerose múltipla provavelmente não se beneficiarão da simples adição denovascélulas, a nãoser que seja corrigido o problema subjacente - um sistema imunológico defeituoso que ataca as próprias células do corpo como se fossem invasoresestranhos.

Em resumo, o caminho a ser seguido pelas células-tronco embrionárias até sua compreensão e (talvez) utilização no tratamento de doenças degenerativas é bastante controverso. Baseando-se nas evidências disponíveis, ninguém pode predizer com certeza se elas, em alguma época, produzirão benefícios incapazes de serem obtidos por outros meios menos problemáticos do ponto devista ético.

Porisso, utilizar dessa abordagem emuma campanha política - ainda mais, declarar que ela será uma “prioridade máxima” ou receberá quaisquer valores dos fundos federais, independentemente de evidência ftituraou o usual processo científico pareadode revisão- é, sob nosso ponto devista,irresponsável. E de fato, uma subordinação da ciênciaà ideologia.

Por causa da política, interesses biotecnológicos, e mesmo alguns cientistas, exageraram publicamente a “promessa” de células-tronco embrionárias; a percepção pública relativamente a estas células tomou-se tortuosa e irrealista. Os políticos podem esperar beneficiar-se dessas falsas esperanças para ganhar eleições, sabendo que a colisão dessas esperanças com a realidade virá apenas quando eles vencerem suas corridas. As profissões científica e médica não têm tais luxos. Quando pacientes desesperados descobrem que eles foram submetidos a uma “conversa fiada”, ao invésde uma avaliação objetiva e sincera das possibilidades, nós temos razãoparatemero recuo público contra a credibilidadede nossas profissões. Nós desejamos ardentemente que o senhor não exacerbe este problema agora, repetindo falsas promessas que explorarão as esperanças dos pacientes para ganho político, (grifosnossos).

Como nos esclarece a carta acima, as células-tronco adultas têm apresentado potencial infinitamente maior de cura e tratamento de doenças, se comparadas às células-tronco embrionárias. Declarações comprometidas com a ciência e a verdade não podem jamais atribuir às células-tronco embrionárias as possibilidades miraculosas que vêm sendoirresponsavelmente divulgadas.

Pesquisas com células-tronco adultas têm alcançado crescentes êxitos terapêuticos, representando nova via de obtenção decura parcial ou total, com imensos benefícios para os indivíduos e a sociedade. Tais células têm acentuadas possibilidades de bons resultados, não tendo sido verificado até agoraprejuízos a doentes; as chances

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óe rejeição são pequenas, e não prejudicam o doador, seja ele o próprio paciente ou o atra pessoa - ou seja, o sangue do cordão umbilical que é jogado fora, caso não seja colhido com finalidade diagnostica outerapêutica21 22.

21 CERQUEIRA, Elizabeth Kipman. Médica, Psicóloga e Perita em Sexualidade Humana. Vida: O primeiroDireito da Ciadania. Editora CNBB. 2005.Pg. 37.

22Idem.Pg. 38.

Já são utilizadas células-tronco adultas em seres humanos, no tratamento de várias enfermidades, com resultados satisfatórios. Como exemplos, são utilizadas para regenerar célulaslesadas do coração, como no caso de enfarte; paratratamento do Mal de Parkinson, para melhora de lesões da medula nervosa na paraplegia ou tetraplegia; para curade doenças degenerativas cerebrais; para implante nas mamas, em substituição às próteses atuais; em diversos tipos de transplantes, como para a cura da leucemia; para originardentes naturais ou retrocesso dacalvície; para formarpele a ser usada em casos de queimadurase outrasplásticas; paraacurado diabetes, etc.

Foi publicada notícia recente de obtenção de células-tronco pela coleta de pequenasamostras do tecido cardíaco do próprio paciente (15 miligramas), por meio de cateterismo. Dessa amostra foram extraídas células-tronco que, multiplicadas em laboratório, foram reimplantadas no paciente, regenerando o músculo cardíaco, sem risco de rejeição. Antes haviam sido usadas células-tronco colhidas da medula. Pacientes têm saído dafilade espera para transplantes, graças às células-tronco adultas. Isto prova que a Ciência e o bem da humanidade não serão bloqueados pela proibição do uso de células-tronco embrionárias .

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3. xSPECTOS ÉTICOSDO I SODE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRLAS

Antes da abordagem específica das questõesjurídicas atinentes ao tema- rrmlo desta monografia, importa ainda a valoração ética de alguns pontos-chave, já -e feridos acima. Após breves comentários preliminares, analisaremos sob o prisma enco, sucintae especifícamente, ocongelamentode embriões humanos e sua destruição

itravésdo usode suascélulas-tronco).

Ciência e técnica, enquanto atividades dependentes de decisões humanas, devem se guiar por referenciais e critérios éticos, a serviço do bem, e não se voltarem contra apessoa e a vida humana. Mas, naprática, que força tem a ética, frente àenorme concentração de poder e do jogo de interesses econômicos e políticos na corrida pelas ?iotecnologias23? Estamosvendo uma competição desenfreada, em que ética não mais é tomada como expressão danossa dignidade, mas como obstáculo a sersuperado. Como deter essa corrida, por vezes mais econômica que científica, na busca ansiosa de se chegar na frente e dominar o futuro? Nesse contexto,em que o eticamente aceitável se confunde com o tecnicamente possível, há que se acolher e incentivar os esforços da Bioética24 e de instâncias como os Comitês de Ética em Pesquisa (envolvendo seres humanos), que existem hoje nasociedadebrasileira.

23Dentre seus múltiplos conceitos possíveis, neste trabalho nos utilizamos dotermo Biotecnologia para nos referirmos àstecnologias empregadasna produção da vida, em que algumas áreas chamam mais a atenção, como as modificações genéticas (vegetais, animais, humanas, transgênicas), a reprodução humana e osnovosconceitos de terapia.

^"Disciplina que estuda os aspectos éticos das práticas médicas e biológicas, avaliandosuasimplicações na sociedade e as relações entre os homens eentre estes e outros seres vivos" (FREIRE. Maria de Fátima. Biodireito. Del Ray. 2002. Pg. 11).

Dois grandes desafios nutrem a dificuldade de se chegar a legislações adequadas: a pressão de interesses dominantes, e a pluralidade de percepções divergentes na geração de critérios consistentes para aslegislações.

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Fato é que se tomou mundialmente reconhecido que os avanços da biotecnologia na medicina podem causar danos à dignidade humana. Por esta razão, documentos nacionais e internacionais continuam surgindo. Dentre eles, aDeclaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, UNESCO, 199723, e a

Declaração Universalde Bioética, UNESCO, 2005.

25 A Declaração Universal do Genoma Humano foi elaborada por delegados de mais de 80 países, e determina diretrizes para as pesquisas genéticas com fundamento na noção de direitos e garantias individuais. Foi elaborada ao longo de quatro anos pelo Comitê Internacional de Bioética da UNESCO,efoi finalizadaem 1997por umgrupo de especialistas.

A Declaração Universal do Genoma Humano deixa clara a preocupação em se proteger o ser humano de intervenções médico-científicas que atentem contra seu patrimônio genético, sua integridade física, suadignidadee sua vida. A exemplo:

Artigo 10 - Nenhumapesquisa ou aplicação de pesquisarelativa ao genoma humano, em especial nos campos da biologia, genética e medicina, deve prevalecersobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando foro caso, de grupos de pessoas.

Artigo 11 -Não serãopermitidaspráticascontráriasà dignidadehumana,tais como a clonagem reprodutiva de seres humanos. Os Estados e as organizações internacionais competentes são convidados a cooperar na identificação de tais práticas e a determinar, nos níveis nacional ou internacional, as medidas apropriadas a serem tomadas para assegurar o respeito pelosprincípiosexpostosnestaDeclaração.

A Declaração Universal de Bioética segue no mesmo passo, reconhecendo que "questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas deveríam ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e universal respeito por, e cumprimento dos, direitos humanos e liberdades fundamentais". Não por outra razão estabelece como princípios norteadores das decisões científicas adignidade humana e os direitoshumanos:

PRINCÍPIOS

Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quemela édirigida, os princípios a seguirdevem ser respeitados.

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a i A dignidade humana, os diretos humanos e as liberdades fundamentais devem serrespeitados em suatotalidade

b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciênciaou dasociedade.

Ficaclaro o louvável esforço da comunidade internacional em submeteros avanços da Biotecnologiaàreflexão e aos princípioséticos vitais àcoexistência entreos indivíduos. Tal esforço se mostra necessário à medida que as possibilidades técnicas tomam-se progressivamente mais passíveis de trazerem danos irreparáveis ao ser humano, se praticadas sem o freio principiológico que as deve reger.

Ciência e Medicina, antes percebidas como inquestionáveis aliadas, passaram a ser vistas, em alguns de seus avanços, com desconfiança e temor, evidenciados pelo surgimento de declarações universais de direitos humanos, voltadas para aspectos específicos dabiotecnologia emMedicina. Todavia, nos últimos anos, até mesmo estas declarações passaram a sofrer poderosa influência dos que produzem e comercializam as próprias ciência e biotecnologias. Interesses de países tecnologicamente desenvolvidos (inclua-se aí o das poderosas Indústrias Farmacêuticas) e interesses de países em desenvolvimento geraram posições conflituosas nas últimas revisões daDeclaraçãodeHelsinque,documento internacional que estabelece a ética da pesquisa em seres humanos26, estabelecido em 1964 pela Associação Médica Mundial, em contraponto ao Código de Nuremberg, e que foi modificado diversas vezes (1975, 1979, 1989, 1996 eem 2000)27.

26 A Ética dosEnsaios Clínicos e a Nova Versào da Declaração deHelsinque. JAMB.2000. Pg.23. 27Disponível em http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=Destaques&id=19.

Por ser capaz de mover mercados gigantescos e ter influência direta na economia das nações, a ciência, nas últimas décadas, tornou-se mais vulnerável a interesses espúrios e práticas desonestas. A tradicional ética científica setomou ineficaz em assegurar à ciência a honestidade em que se deve pautar. Ademais, o aumento do

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fluxode recursos para pesquisa, o prestígio social do cientista, a atenção continuada aos currículos e as pressões por publicações, também fermentam a desonestidade científica, atingindopesquisadores de formação social não consolidada.

Essa realidade impõe uma nova visão sobre a responsabilidade na condução da pesquisa, bem como naprodução legislativa nas diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.

3.1. A ÉTICA EO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO

Ética, segundo o DicionárioAurélio (1986, pg. 733), é o "estudo dos juízos

de apreciaçãoreferentes à condutahumana suscetível de qualificação do ponto de vista do beme domal, sejarelativamente a determinada sociedade, seja demodo absoluto".

Ética é ligada aos valores do certo e do errado (o conhecimento do bem e do mal), da próprianatureza do homem, os quais lhe são referêncianas circunstâncias mais diversas; como um tribunal a julgar as ações dos homens, e classificá-los como dignos ou não. Sob a ótica dos relacionamentos humanos, o respeito a esses valores é crucial, sob penade se estabelecer odomínio do mais forte,que tende a fazer valer seus interesses,e não se impõe limites.

Entretanto, a reflexão ética daexperimentação científicatem sido posta em segundo plano por aqueles que tomam a ciência por valor absoluto, acima de qualquer outro, considerando qualquer questionamento a seus avanços fanatismo religioso, obscurantismo. Para ilustrar estas considerações, o transcrevemos trechodo artigo de A. Vasconcelos, em OGlobo, de01.06.2005, cujas idéias não estão isoladas:

Afirmarque a ciência não deve destruir vidas é retóricatípica de uma ideologia religiosa radical (...) na realidade, trata-se de embriões

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descartáveis que seriam congelados indefinidamente ou jogados fora evita-se assim que sejam destruídos inutilmente. (...) o papel da ciência e aliviar o sofrimento material do homem. É inútil tentar bloquear seu progresso comuma ideologiaretrógrada.

O artigo é apenas um de uma série que encontramos, todos seguindo a

mesma linha de defesa radical e ilimitada da técnica científica, tachando de retrógrado

todo posicionamento mais comedido (talvez por estar mais alinhado a uma defesa

radical e ilimitadadavida).

Essa progressiva desconsideração da ética coaduna-se com o que vem

sendo chamadade "terceiracultura". Sobre ela,as palavras da Dra. Anna Giuli28:

28Bióloga molecular e professora de Bioética na Faculdade de Medicina da Universidade Católica do

Sagrado Coração (Roma). Disponível em.

http://www.pastoralfamiliarcnbb.org.br/novo_site/artigos/artigo.asp?id=298

Alguns sociólogosdefiniram acultura contemporânea como a 'terceira cultura', na qual tem predomínio a tecnologia. Entre os princípios desta nova cultura fundamental está a idéia de que não há nada fora do universo tangível, que o homem é um organismo não qualitativamente diferente de qualquer outro animal, e, portanto, reduzido apenas à sua realidade corpórea.

No campo científico, afirma-se que a ciência e a tecnologia são nossas: iá que a essência daciência é a objetividade,todo obstáculoao progresso científico é como uma limitação a tal objetividade; como conseqüência não devem se pôr restrições à atividade científica e ao progresso tecnológico. Fala-seda 'ciênciado possível', que considera justo e bom tudo o que é tecnicamente possível, e que não aceita mensagens de orientação ou de estímulo por parte de sistemas de pensamento de ordem antropológicaou ética.

Se o homem e toda a realidade biológica são fruto de uma evolução cega, não existem critérios segundo os quais conformar a atuação, e toda a realidade natural é só matéria à disposição do homem. Conseqüentemente, tudo o que é possível seconverte em lícito, etodo limite é um obstáculo que há que se superar. Daí resulta um grande impulso ao não contentamento com princípios éticos - em outras palavras, pelo sentido de responsabilidade-. Umaatitudeque pode ser muito perigosa(grifos nossos).

Sim, é uma atitude muito perigosa e perturbadora, à medidaque o próprio homem passa a ser tido como coisa, como objeto a ser usado pela todo-poderosa e absoluta ciência. Passaa imperar umarazão científica instrumental,que produz e avalia o conhecimento unicamente por sua eficácia e aplicação técnica que possibilita.

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Não queremos, absolutamente, desmerecer o valor do conhecimento : ennfico, mas chamar a atenção para o fato de que, por importante que seja o seu —egresso, não pode jamais estar acima do próprio homem, de seus princípios éticos e

.Lores. De outra forma, estaremos sujeitando a vida humana a interesses políticos e econômicos circunstanciais de certos indivíduos e de grandes corporações firmacêuticas, que, inclusive, já têm seu históricode desrespeito aos direitoshumanos.

O comércio internacional de fetos abortados (provenientes de países onde o aborto é legalizado) já é uma realidade, em conseqüência das possibilidades Terapêuticas proporcionadas por suas células ; pelo visto, o mesmo ocorrerá com os embriões humanos. Compete-nos decidir até que ponto tolerar tal horrendo e indigno comércio devidas (ou seria de mortes?) humanas.

3.1.1. IMPLICAÇÕES ÉTICAS DO CONGELAMENTO DE EMBRIÕES

HUMANOS

Tecidas algumas considerações sobre o lugar da ética nas Biotecnologias, importa tratarmos especificamente do congelamentode embriões humanos, em clínicas de fertilização, e tentarmos responder à questão: é ético o congelamento de embriões humanos?

Os embriões congelados são produto da prática de reprodução assistida, através da Fertilização in Vitro. Nesse método, o médico produz um grande número de embriões a partir dos oócitos e espermatozóides doados. Somente alguns destes *

29 Informação retirada da entrevista de Antônio Carlos Campos de Carvalho para o Espaço Aberto, Globonews, em29.05.2006.

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embriões serão implantados no útero matemo; os demais são mantidos congelados çnopreservados), parautilização posterior, caso seja necessário .

Vale ressaltar que a produçãode embriões excedentes e seu congelamento são e uma prática indispensável à realização da Fertilização In Vitro. Aos casais em Tratamento parainfertilidade e que se submetem a essa técnica, são oferecidas as opções de congelamento de embriões excedentes, doação para casais inférteis, doação para pesquisa ou então não submeter todos os oócitos obtidos à fecundação, para evitar a formação de embriões supranumerários.3031 A vantagem do congelamento seria o aumento de chances de uma concepção futura, já que nova tentativa em caso de insucesso evitaria as complicações de hiperestimulação ovariana e nova punção folicular, feitasno início.

30Reprodução Assistida. Disponível emhttp://www.ghente.org/temas/reproducao/index.htm

3'Pesquisas com células embrionárias e Reprodução Assistida. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.Disponívelem:

http://www.scielo.br/scielo.php?script:=sci_arttext&pid=SO 100-72032005001100001 &lng=en&nrm=&tlng=pt

Ora, até que ponto isso justificaria a manutenção de embriões humanos -seres humanos- congelados? Afinal, não seria ferir a dignidade do ser humano mantê-lo congelado indefinidamente, com grandeschances de ser, mormentecom a nova Lei, destruído para fins de pesquisa, após "expirado seu prazo de validade", estipulado na referida lei como de três anos?

O congelamento de embriões foi o cerne de acaloradas discussões à época da elaboração da Resolução N° 1.358/92, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que apresenta diretrizes para orientar os médicos nas técnicas de reprodução assistida. A propósito, antes mesmo desta regulamentação, clínicas e laboratórios já estavam se utilizando dessas técnicas, àreveliade uma normatizaçãoque lhes coibisse os abusos -

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elas perceberam que a novidade alimentava a vaidade humanae gerava muitodinheiro; apostaram nissoe acertaram

As discussões versavam, à semelhança dos atuais debates em tomo da utilização de células-tronco embrionárias, sobre os direitos e a dignidade do embrião humano. O Dr. Demival da Silva Brandão32 33, especialista em Ginecologia e membro emérito da Academia Fluminense de Medicina, lembra das vozes de advertência em relação a todas as aberrações éticas que surgiríamcom a prática da fertilização invitro,

destacadamente o congelamento de embriões excedentes, constituindo um estranho e indigno berçário de seres humanos congelados, com sua prisão "sine die", sem perspectiva de uma solução justa e humana para essas vidas que estão sendo deterioradas.

32BRANDÃO. Demival Silveira. Vida: o PrimeiroDireito daCidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 42. 33 Médico. Doutor em Medicina Tropical. Senadorda República peloEstado do Acre para o período de

1999a 2007. Vice-Presidente do Senado Federal. A Dignidade da Vida Humana e as Biotecnologias. EditoraCNBB.2005. Pg. 34/35.

No entanto, quando se estão em jogo interesses políticos e lucros astronômicos por parte das empresas de Biotecnologia,o respeito às questõeséticas fica relegado a segundo plano. Ilustrando o que aqui dizemos, conta-nos o Senador Sebastião Afonso Viana Macedo Neves (Tião Viana) que, em um dos debates realizados no Senado, do qual participaram urologistas e representantes das clínicas de reprodução assistida, entre outros, perguntou aos palestrantes quantos embriões haviam sido implantados, nos últimos anos, no Brasil. A estimativa, segundo eles, foi de duzentos mil; ao custo de aproximadamente seis a oito mil reais por cada tratamento, chega-se ao valor de um bilhão e duzentos milhões de reais - esse é o volume de dinheiro de um mercado que está, em última análise, negociando a vida humana. Portanto, é preciso admitir que existe algo mais por detrás dessas questões, além do mero altruísmo humanista.

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O Senador Tiào Viana'4 conta ainda que, quando foi relator do Projeto de Lei N° 90, de 1999, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, que "dispõe sobre a Reprodução Assistida", cuja Relatoria, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), toube ao então Senador Roberto Requião, apresentou um Substitutivo, aprovado por .rianimidade no Senado Federal, em 2003, e que ainda hoje tramita na Câmara dos Deputados. Nele ficou estabelecida a proibição absoluta de se congelar embriões, acompanhando atendência observada na legislação de diversos países desenvolvidos, e e\ ando em consideração as inúmeras e ricas discussões travadas, ao longodo processo de tramitação da matéria no Senado, com médicos, cientistas e representantes da sociedade civil organizada. Lamentavelmente, o projeto tem tido sua tramitação obstaculizada na Câmara dos Deputados. Não se vota porque o lobby das clínicas de reprodução confunde os parlamentares com o argumento de que é preciso armazenar embriões e implantar três, quatro de uma vez, no útero da mulher; caso contrário, não podem garantir o sucesso do método. A polêmica persiste e, enquanto isso, os empresários" do setor enriquecem às custas da saúde e das economias dos casais

brasileiros.

No fim de sua narrativa (pg. 40), em A Dignidade da Vida Humana e as Biotecnologias, o Senador denuncia que, durante o processo de discussão da Lei de Biossegurança, já havia sido detectada a manobra que seria usada pelas clínicas para burlarema proibição do uso dos embriões. Embora o substitutivo elaborado por ele, que tramita na Câmara, proíba, peremptoriamente, o congelamento de embriões, a Lei de Biossegurança, tal como foi aprovada, abre precedentes parainterpretação permissiva à tese de que se pode "fabricar embriões" para congelar, e com isso aumentar o número de embriões congelados,e não o contrário, como desejaríamos que ocorresse.

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Pelo acima exposto, percebemos que a análise ética dos projetos de Lei pertinentes às biotecnologias tem sido sufocada por interesses econômicos dos que comercializam - e coisificam -a vida humana.

Se compreendermos que o embriãohumano é um ser humano, diferente de - apenas por uma questão de tempo decorrido, é clara e absolutamente antiético rroduzi-lo para congelá-lo (e posteriormente destruí-lo). O problema fica mais patente cuando nos fazemos a seguinte pergunta: é ético congelar um ser humano de 20 anos para fins de pesquisa? Senão, porque seria ético tê-lo congeladohá 20 anos e 9 meses

atrás?

O congelamento de embriões é ato claramente atentatório à dignidade humana, com prováveis graves danos para a saúde dos indivíduos que são congelados, que, ademais, têm alta possibilidade de virem a ser "descartados", ou seja, destruídos, implicando em "tratamento desumano ou degradante" e em desrespeito à garantia da inviolabilidade do direito àvida e à saúde (Constituição Federal, art. 5o, caput, III, e art.

196, caput).

A aprovação da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), liberando embriões congelados para experimentação cientifica, traz consigo inaceitável duplicidade de equívocos éticos: primeiro, reforça o desnecessário congelamento de embriões nas Clínicas de Reprodução Humana, dando continuidade ao grave problema ético de manter vidas humanas congeladas; segundo, pressupõe a correção deste erro admitindo que a doação de embriões congelados para fins de pesquisa confere a estes um fim digno.

Criou-se, assim, sob a proteção legal, um ciclo de perpetuação de equívocos morais, no qual o congelamento de embriões passou a ser justificado não apenas como aumento da possibilidade técnica para outras tentativas de gestação, mas

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•■ambêm para futuras doações para pesquisa. No clamor dos discursos defensores daLei 2e Biossegurança, o embrião humano foi reduzido à "coisa" congelável, armazenável e descartável, após vencimento de validade arbitrada em trêsanos.

3.1.2. A PROBLEMÁTICA ÉTICA DA REALIZAÇÃO DE PESQUISAS COM

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

Após todas as considerações que tecemos aqui sobre esse assunto, a conclusão é una: o embrião humano, como ser humano, tem dignidade própria inviolável e inalienável. É um ser humano completo, no sentido de que nada mais de essencial àsua constituição lhe é acrescentado após a concepção. Necessitade alimento e oxigênio para sobreviver e se desenvolver, como, de resto, todos nós necessitamos. Suavida deve serrespeitada e protegida de modo absoluto desde o seu início. Desde a concepção até a senectude é o mesmo ser, com a mesma identidade ontológica, com a mesma dignidade humana. A ciência e a técnica devem estar sempre a serviço do ser humano; essa é a finalidade da Ética, do Direito, da Medicina, ou de qualquer outro ramo do saberque lida com o ser humano. O sacrifício de um ser humano inocente é antiético e injusto.

Por sua dignidade, o ser humano é um fim em si mesmo; jamais pode ser usado como meio para se conseguir outro fim. As ideologias totalitárias irão, por certo, começar a tomar o ser humano um objeto primordial de pesquisaem vários campos da ciência e da técnica, especialmente no campo da engenharia genética, para o aprimoramento da espécie'5. 35

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A desvalorização da pessoa humana está na raiz da prática de uso dos e—.bnòes humanos para experimentação. Se o ser humano não é respeitado sempre, rode não ser respeitado nunca. As leisobrigam a respeitar os animais desde a forma de ovo, de embrião - a exemplo, a proteção de ovos de tartaruga encontra-se tanto sob o imparo legal como sob o de diversos decretos, que chegam a cuidar até da iluminação das areas de desova36. Tudo isso visando unicamente a preservação dos embriões das

tartarugas marinhas em estágio inicial (cremos que, a princípio, não há uma pessoano mundo contrária a esse projeto: a proteção das tartarugas marinhas desde a sua concepção até sua morte natural. Mas, pelo visto, a coisa muda de figura quando falamos de gente, de seres humanos) O homem seria menos importante que os animais? Os médicos eram ensinados a respeitarem a vida humana desde a sua concepção até sua morte natural. Agora, os critérios para a conduta médica não são claros. A decisão depende do que foi aprovado como lei em cada país, depende de

opiniões" e de interesses políticos e econômicos.

Portaria IBAMA no. 11, de 30/1/95; Lei Estadual (Bahia), no. 7034, de 13/2/97

Percebemos tristemente a transição da ética da vida como valor inviolável, sagrado, à ética da qualidade de vida, muitas vezes tomada como objetivo ao qual se deve sacrificar qualquer outro valor - por exemplo, utiliza-se a falta de condições financeiras para criar um filho como desculpa para o aborto, ou a existência de seres humanos com doenças sérias como desculpa para o morticínio de seres humanos em estado embrionário -. Nesse contexto, quem decide o limite para além do qual a vida nãoé mais dignade serprotegida e inviolável?

De acordo com essa perspectiva utilitarista, usufruem de direitos (morais e jurídicos) somente os seres capazes de gozar e sofrer. O seu direito fundamental é o de

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não sofrer contra a propna vontade. Nessa visão, os animais adultos teriam mais direitos que os embriõeshumanos.

Finalmente, pesquisas com células-tronco embrionárias geram ainda um outro problema ético e social: o relativamente baixo número destas células e a busca por sua obtenção já está criando uma nova forma de escravidão - as mulheres pobres fornecem seus óvulos em troca de remuneração, não necessariamente financeira, mas um melhor acesso aos serviços de saúde. Essa realidadejá se observa em vários centros médicos no nosso país. Essas mulheres constituem outra populaçãovulnerável .

37 SCHAUB. Diane. Citada por Dra. Alice Teixeira Ferreira. Vida, o Primeiro Direito da Cidadania. Editora CNBB. 2005. Pg. 40.

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4. A LEI DE BIOSSEGURANÇA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Analisados conceitos e aspectos relevantes dos objetos biológicos pertinentesao tema da presente monografia - o embrião humano e as células-tronco dos pontos de vista médico-científíco e ético, adentraremos nas questões jurídicas relativas à (in)compatibilidade da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) - mais especificamente ao art. 5o, que permite, sob certas condições, o uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa -, com o Ordenamento Jurídico pátrio, face à Constituição Federal, à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e ao nosso Código Civil.

4.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Preliminarmente, convém abordar as condições em que a supracitada Lei foi discutida e aprovada, as quais contribuíram com os inúmeros problemas de ordem ética e jurídica que ela apresenta.

Muitos foram os protestos de diversas camadasda sociedade contra o então projeto da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), discutido e votado sem qualquer consulta à sociedade, apesar de tratar de assuntos que ultrapassam as fronteiras da ciênciae desembocam nas convicções morais e éticas do povo ao qual se destina. Em países de primeiro mundo, como a Suíça, as propostas dos governos sobre o assunto foram submetidas a plebiscito, cabendo aos povos decidirem sobre as pesquisas com

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