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JUVENTUDE, TRABALHO E FORMAÇÃO: UM ESTUDO COM JOVENS DAS CAMADAS POPULARES DOUTORADO: PSICOLOGIA SOCIAL

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BRANCA MARIA DE MENESES

JUVENTUDE, TRABALHO E FORMAÇÃO: UM ESTUDO COM

JOVENS DAS CAMADAS POPULARES

DOUTORADO: PSICOLOGIA SOCIAL

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BRANCA MARIA DE MENESES

JUVENTUDE, TRABALHO E FORMAÇÃO: UM ESTUDO COM

JOVENS DAS CAMADAS POPULARES

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob orientação do Prof. Doutor José Leon Crochík.

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BANCA EXAMINADORA

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MENESES, Branca Maria. Juventude, formação e trabalho: um estudo com jovens das camadas populares. Tese (Doutorado). Programa de Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 2007.

RESUMO

A apreensão de valores concernentes à relação entre formação e trabalho, sob a ótica de jovens estudantes e trabalhadores das camadas populares, é o tema de investigação desta tese. Com o interesse em compreender o significado atribuído a essa relação, objetivou-se verificar as possíveis formas de expressão de autonomia desobjetivou-ses jovens ou o quão estão adaptados às normas estabelecidas pela sociedade. A população da pesquisa é composta por jovens de 15 a 17 anos de idade, participantes, durante o ano de 2006, do Programa de Formação Profissional, no Instituto Mirim de Campo Grande-MS. Dessa população, foi extraída uma amostra de duzentos jovens, com base na Escala Formação e Trabalho, elaborada de acordo com o método de Likert e validada pela autora. Os temas que fazem parte desse instrumento estão subdivididos em quatro subescalas: concepção de trabalho; atitudes valorizadas no trabalho; valor dado à educação escolar e ao trabalho; adaptação à ideologia do mundo administrado. Os conteúdos que orientam as questões das subescalas propostas foram estabelecidos e fundamentados em estudos de autores da teoria crítica da sociedade, bem como em pesquisas que abordaram os conceitos de juventude, trabalho e formação. Os resultados obtidos confirmaram a hipótese de que os sujeitos da pesquisa, ao responderem os itens acerca da relação entre formação e trabalho manifestaram, em suas escolhas, a prevalência de valores que indicam concordância à lógica administrada pelo capital. Contudo, não se comprovou a hipótese de que os jovens creditam mais valor à formação decorrente das experiências vividas no trabalho, do que àquela obtida na formação escolar. De um modo geral, é possível afirmar, ainda que haja, inequivocamente, o peso das contradições no pensar do jovem, que há atitudes indicativas de reservadas resistências, no sentido de haver contraposições e, ao mesmo tempo, concordância com os valores do sistema social dominante.

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MENESES, Branca Maria. 2007. Youth, formation and work: one study with youngsters of the popular layers. Thesis (PhD). Program of Social Psychology. Pontifical University Catholic of São Paulo.

SUMMARY

The apprehension of values concerned to the relation between formation and work, under the point of view of workers and students of the popular layers, is the research subject of this thesis. The interest in understanding the meaning attributed to this relation aimed at verifying the possible ways of autonomy expression of those youngsters or how they are adapted to the rules established by the society. The universe of this research, are youngsters aged between 15 and 17 years old that in 2006 participated in the Program of Professional Formation at Instituto Mirim de Campo Grande/MS, from which was extracted a sample of two hundred youngsters, based on the Formation and Work Scale, prepared according to the Likert method, and validated by the author. The subjects that comprise this instrument are subdivided in four sub-scales: work conception; attitudes valued at work; value given to the school education and work; adaptation to the ideology of the managed world. The contents that guide the questions of sub-scales proposed were established based on studies of authors of the critical theory of the society, as well as on researches that approached the concept of youth, work and formation. The results obtained confirmed the assumption that the individuals of the research, while answering the items about the relation between formation and work, they expressed in their choices the prevalence of values that appoint agreement to the logics managed by the capital. However, it was no possible to prove the assumption that those youngsters value more the formation resulting from experiences lived at work, instead of that one obtained in the school formation. In general, it is possible to state that, despite there is unequivocally the weight of the contradiction in the thoughts of those youngster, there are indicative attitudes of

reserved resistances, in the sense of having contrapositions and, at the same time, harmony with the values of the social dominating system.

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Aos meus amores, Mário, Andrei e Bruno.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor José Leon Crochík, pela orientação segura, determinada, instigante e, especialmente, pelo esclarecimento sobre a Teoria Crítica da Sociedade.

Ao Professor Doutor Odair Sass, por compartilhar a orientação com o Prof. Leon, por sua sagacidade inquietante e, também, por iluminar meus caminhos no desafio da psicometria.

Ao Mário, meu querido esposo, pelo irrestrito apoio, sem o qual seria muito difícil a realização desta tese.

A cada um dos Professores do doutorado, pelos bons momentos vividos de descobertas, de orientação e, até mesmo, por aumentarem as angústias sobre a necessidade do saber.

Ao Professor Doutor Sérgio Ozella, pelo respeito e compreensão de minhas dúvidas conceituais.

Aos meus colegas de doutorado pelas agradáveis horas de convivência e fervorosos debates no percurso desta formação.

Aos jovens do Instituto Mirim de Campo Grande (IMCG) que, atenciosamente, participaram da pesquisa.

À Presidente do Conselho Deliberativo do IMCG, Srª. Elizabeth M. Puccinelli, por acreditar no meu trabalho junto aos jovens.

À direção e aos técnicos do IMCG, pela colaboração na realização da pesquisa, em especial, à Prof. Rosa M.de Oliveira Freitas, pelo apoio constante.

À Secretaria Estadual de Educação de MS, pela concessão da minha licença para fins de estudos.

Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É um corpo, um jeito, um um nome? Tenho os três. Eu sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 4.1. - Cargas fatoriais das subescalas da escala

formação e trabalho ...87

TABELA 4.2. - Resultado da subescala T: conceito de

trabalho ...90

TABELA 4.3. - Resultado da subescala AT: atitudes

valorizadas no trabalho ...92

TABELA 4.4. - Resultado da subescala ET: valor dado à

educação e ao trabalho ...95

TABELA 4.5. - Resultado da subescala A: adaptação à

ideologia do administrado ...97

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 3

Definição do tema, dos objetivos e da hipótese central da pesquisa ... 3

Organização dos capítulos ... 11

CAPÍTULO 1 – JUVENTUDE E REBELDIA ... 14

1.1 – O conceito de adolescência... 14

CAPÍTULO 2 – A FORMAÇÃO DO HOMEM E O TRABALHO: MARCAS DE SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO... 26

2.1- Trabalho e pseudoformação... 27

2.2- Adaptação da flexibilidade de corpos juvenis ao trabalho ... 38

2.3 – Trabalho e alienação ... 47

CAPÍTULO 3 – A PSEUDOFORMAÇÃO INSTITUCIONALIZADA: SIGNIFICADO DA ESCOLA E DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL... 55

3.1- O valor dado ao trabalho e à educação por jovens brasileiros... 55

3.2 – Exigências do mercado de trabalho à formação profissional... 66

CAPÍTULO 4 – O PONTO DE VISTA DOS JOVENS ACERCA DA RELAÇÃO FORMAÇÃO E TRABALHO... 76

4.1 – A investigação... 76

4.2 – Objetivo geral... 78

4.3 – Hipóteses... 80

4.4 – Características da população e da amostra da pesquisa ... 80

4.5 - Local da pesquisa... 83

4.6 - Instrumento de medida: escala formação e trabalho ... 84

4.6.1. Objetivos e resultados psicométricos das subescalas da escala formação e trabalho ... 86

4.6.1.1. Subescala T (concepção de trabalho)... 87

4.6.1.2. Subescala AT (atitudes valorizadas no trabalho)... 87

4.6.1.3. Subescala ET (valor dado à educação escolar e ao trabalho) ... 88

4.6.1.4. Subescala A (adaptação à ideologia do mundo administrado) ... 89

4.7 – Etapas da pesquisa ... 89

4.8 – Apresentação e discussão dos resultados da escala formação e trabalho ... 92

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INTRODUÇÃO

Definição do tema, dos objetivos e da hipótese central da pesquisa.

A apreensão de valores concernentes à relação formação e trabalho, sob a ótica de jovens estudantes e trabalhadores das camadas populares, é o tema de investigação desta tese.

O interesse em compreender o significado atribuído por esses jovens a essa relação tem como objetivo verificar as possíveis formas de expressão de autonomia desses jovens ou o quão eles estão adaptados às normas estabelecidas pela sociedade.

Para compor o universo de análise desta pesquisa, foram escolhidos jovens com idade entre 15 e 17 anos, de ambos os sexos, participantes, durante o ano de 2006, do Programa de Formação Profissional, no Instituto Mirim de Campo Grande/MS.

O fato de esta pesquisadora ter administrado, durante oito anos (de janeiro de 1997 até dezembro de 2004), o Instituto Mirim de Campo Grande - IMCG suscitou questionamentos que impulsionaram a realização deste estudo. A experiência de trabalho na Instituição constituiu um desafio constante e, ao mesmo tempo, tornava claro a necessidade de aprender mais sobre o processo de formação do jovem que dela participava. Embora essa experiência tenha sido desenvolvida com relativa autonomia técnica e tendo sido possível realizar atividades entendidas como adequadas aos jovens da Instituição, constantes conflitos e dúvidas sempre se fizeram presentes acerca do que representava o trabalho desenvolvido. Ficava evidente o quão difícil é resistir ao poder instituído (se é que realmente se resiste), mesmo quando há a deliberada intenção de modificar a dura realidade existente. Por conta dessas inquietações, foi essa a Instituição escolhida para realizar a pesquisa.

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escritório, padaria, pintura em tecido, horticultura, marcenaria, sapataria, dentre outros), que requeriam habilidades operacionais. Os princípios dessa formação eram centrados em uma educação militar. A partir do ano de 1995, houve alteração na proposta de trabalho e, conseqüentemente, nos conteúdos dos cursos. Os adolescentes passaram a contar com cursos de Office boy, recepcionista, auxiliar de escritório, datilografia e foram acrescentados estudos de português básico, matemática básica e uma disciplina sobre noções básicas para o trabalho.

Conforme o que pôde ser levantado em entrevista com funcionários que trabalhavam na Instituição desde o período mencionado, foi constatado que mesmo estando a maioria dos jovens já cursando o segundo grau ou as últimas séries do ensino fundamental, os conteúdos das disciplinas de Português e Matemática eram condizentes aos conteúdos ministrados nas séries iniciais. Por outro lado, quando a pesquisadora iniciou sua gestão administrativa, foi observado, ao discutir com alguns professores sobre seus planos de aula, que alguns deles sequer sabiam o que significava o que estava escrito em seus planos.

Entre 1997 a 2004, período da experiência administrativa desta pesquisadora, novas reformulações foram feitas na proposta de trabalho: criação de salas de leitura, estudos de filosofia, curso de informática, curso de preparação básica para prestação de serviços (cursos de tele marketing, telefonista, recepcionista, legislação trabalhista, empacotador, auxiliar de escritório, secretária, Office boy e outros), dinâmicas de grupo orientadas por psicólogos, além de aulas de português, matemática e inglês básico, práticas desportivas, incentivo à participação em eventos culturais e reorganização da fanfarra. Foram reestruturadas, também, atividades com o conjunto de funcionários e feitas ampliações e reformas do espaço físico, para adequá-lo ao bom andamento dos trabalhos.

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O trabalho desse grupo consistia em avaliar e discutir o que acontecia na Instituição, independente de dizer respeito à própria área de trabalho, para avaliar resultados e discutir possíveis mudanças. Cabia a cada representante do Grupo Operativo discutir, com seus colegas de setor, os assuntos de cada reunião e colher sugestões. Desse modo, os funcionários tinham informações das atividades de todos os setores e podiam participar com suas idéias. Quando necessário, ocorriam reuniões separadas com cada setor, mas o resultado nunca deixava de ser avaliado pelo Grupo Operativo. Essa prática não fazia parte do gerenciamento anterior e foi vista como estranha no início, pois as pessoas estavam acostumadas a fazer apenas atividades de rotina, sem pensar em seu significado para a formação dos jovens participantes da Instituição. Para agilizar essa forma de trabalhar, houve o apoio de Leila Tannous Guimarães, psicanalista didata do GESP (Grupo de Estudos Psicanalíticos de MS), que organizava seminários de discussões com os professores e com a equipe do Serviço de Assistência Social.

Mas, para realizar reflexões sobre a prática realizada na Instituição, bem como implementar alterações, foi preciso, para esta pesquisadora, aprender a assumir a figura de autoridade administrativa visando garantir o trabalho articulado entre os diferentes setores do IMCG. Ao mesmo tempo, tinha-se ciência que as propostas de mudanças não podiam acontecer por decretos.

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Chamava a atenção, de modo marcante, o fato de serem desprovidas de qualquer tipo de avaliação as atividades oferecidas aos jovens e por haver, por parte da equipe, pouco interesse pelos conhecimentos técnicos relacionados ao trabalho com os jovens. A preocupação maior – exigência de eficiência – materializava-se na rígida disciplina, ainda espelhada em atitudes do comportamento de militares. Contudo, essas atitudes destoavam do fato de não ser incentivada a prática desportiva, mesmo havendo condições estruturais para que ela ocorresse.

Foi possível observar, a partir das reuniões realizadas, ainda outras deficiências: os conteúdos dos cursos profissionalizantes não correspondiam às exigências do mercado de trabalho e muitos professores não compreendiam o significado e a importância do que ensinavam aos alunos, pois sequer sabiam explicar o que escreviam em seus planos pedagógicos.

Os jovens do IMCG, depois de participarem dos cursos profissionalizantes, eram encaminhados ao mercado de trabalho, em vagas decorrentes de contratos estabelecidos pela Instituição. Para esse procedimento havia o acompanhamento da equipe técnica. Caso o jovem não conseguisse permanecer no emprego, por não atender às exigências do empregador, prevaleciam atitudes disciplinatórias, pelos problemas que surgiam. Quase sempre, era a eles direcionada a responsabilidade por não se esforçarem, sem levar em conta que, muitas vezes, apesar do esforço individual, o jovem precisava de apoio para superar as dificuldades, frente às normas institucionais e ao ajuste exigido e imposto pelo mercado de trabalho.

Mas os jovens não sofriam penalizações apenas ao deixar o emprego, ao contrário, havia também cobranças por qualquer tipo de conduta que fugisse às normas estatutárias existentes no IMCG, embora nem sempre as justificativas educativo-disciplinadoras se fizessem explícitas, como, por exemplo, a proibição de namorar na Instituição.

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eficiente, devido ao resultado da administração empresarial e, também, pelas atividades pedagógicas desenvolvidas junto aos jovens.1

Contudo, é importante esclarecer que não há o interesse em desmerecer o trabalho anteriormente realizado e nem mesmo glorificar as mudanças ocorridas, uma vez que há ciência de que os processos formativos institucionalizados, nas diferentes áreas de conhecimento, não deixam de representar os valores predominantes na sociedade. Todavia, não é possível modificar e, até mesmo, superar tais valores sem identificá-los.

Mas o reconhecimento pelas mudanças realizadas pôde ainda ser constatado pelo aumento significativo da concorrência por uma vaga no IMCG. Entre 1991 e 1997, eram oferecidas cerca de 500 vagas por ano, e a concorrência era de uma média de 2,4 vagas por candidato. No decorrer dos últimos oito anos a oferta cresceu, variando entre 570 a 700 vagas, e o número de concorrentes passou a oito candidatos por vaga. 2

O grande aumento dessa demanda, na busca pelo primeiro emprego, pode ser explicado de várias maneiras: a forte crise de empregabilidade, a falta de perspectiva de futuro para os jovens, a crescente preocupação das famílias pobres em tirar seus filhos da rua. Enfim, as dificuldades gerais que fazem parte da estrutura desta sociedade voltada aos interesses do mercado, em detrimento das pessoas. Outra explicação, para o aumento significativo na procura anual de jovens por uma vaga no IMCG, pode ter sido o impacto provocado pela mudança no conceito interno da Instituição, principalmente, ao romper os resquícios da educação voltada aos valores da formação militar.

Embora seja a finalidade precípua da Instituição garantir cursos profissionalizantes, com o intuito de facilitar o ingresso do jovem estudante das camadas populares no competitivo mercado de trabalho, a reforma proposta, na gestão em questão, procurou não se restringir à formação profissional stricto sensu, pois, houve a preocupação de que a formação profissional pudesse ir além da mera exigência em organizar cursos de habilidades técnicas. Tendo em vista essa finalidade, foram desenvolvidas atividades com o objetivo de tentar despertar o interesse dos jovens pela

1 O IMCG recebeu o IX Prêmio Bem Eficiente, gestão 2004.

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busca do conhecimento e, também, possibilitar ao corpo técnico repensar a prática de trabalho e, ao mesmo tempo, conhecer mais sobre adolescência, com o propósito de modificar valores cristalizados.

Mas, para a implementação de mudanças na Instituição não foram poucas as dificuldades, dentre as quais pode ser citada a escassez de material de estudo sobre adolescência que dessem suporte ou analisassem práticas que optassem por dar voz ao jovem, sobretudo, quando eles pertencem às camadas mais pobres da sociedade, a fim de ajudar a refletir sobre a formação desses jovens e a relação dessa formação com o mercado de trabalho. A predominância de pesquisas nessa área atém-se mais a temas que estão vinculados aos interesses das escolhas profissionais, índices estatísticos sobre empregos e desempregos, exigências do mercado para formação profissional e estudos de políticas públicas sobre o primeiro emprego.

O fato de predominar esse tipo de literatura, compõe o imaginário de que o trabalho com adolescentes e, sobretudo, com os mais pobres, é sempre indicativo de um enorme desafio, tendo por referência a maneira como é compreendida essa fase da vida: época de conflitos, de conturbações, de perdas e de comportamentos rebeldes.

De fato, o trabalho não deixa de ser desafiante, principalmente como ocorreu na experiência mencionada, na tentativa de realizar ações que pudessem fazer resistência, ou mesmo romper com os valores instituídos pela sociedade. Contudo, em um contexto em que havia uma média de mil e quinhentos jovens, pôde-se constatar que a dificuldade maior estava nos estereótipos conceituais consagrados pelas pessoas e nos procedimentos institucionais estabelecidos, em especial, os que dependiam de exigências burocráticas. Estas, muitas vezes, eram impeditivas de realizar as mais simples ações, e, nem sempre, garantia as benesses anunciadas e pretendidas pelo poder institucionalizado.

Ao considerar a experiência de trabalho desenvolvida no IMCG, ousa-se afirmar que são os adultos que complicam o mundo dos jovens, por já terem idéias pré-concebidas de como estes se comportam. Tal afirmação é feita pautada na observação do comportamento da grande maioria dos jovens participantes do trabalho realizado ao

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longo dos oito anos mencionados, pois ficou evidente que as atitudes deles nem sempre se encaixavam nos perfis recorrentes sobre a adolescência. A tão anunciada rebeldia não compunha, necessariamente, o quadro de seus comportamentos. De um modo geral, o percentual de jovens com os denominados distúrbios de conduta, de desequilíbrios, era muito pequeno em relação à maioria (uma média de 4,8%, de acordo com pesquisa feita na Instituição) 3.

Ao constatar que os estereótipos não se confirmavam, surgiam questionamentos: seria a falta da esperada rebeldia decorrente da história da Instituição, calcada em atitudes de repressão, que amedrontava aqueles jovens? Seria o fato de os jovens precisarem do emprego, por serem pobres, o motivo de adaptarem seus comportamentos às normas estabelecidas pela Instituição?

Acreditava-se que a vida difícil que tinham de assumir precocemente, sem que lhes desse condições de fazerem escolhas, já os colocava na situação de submissos e impossibilitados de expressarem seus anseios. Havia, ainda, a constante dúvida e inquietação acerca da possibilidade de existir espaços subjetivos a serem ocupados, no processo de formação daqueles jovens, espaços que pudessem conduzir à constituição de atitudes de autonomia do pensamento. Pois, ao mesmo tempo em que se buscava trabalhar nesse sentido, existia o fato concreto de ser preciso encaminhá-los ao mercado de trabalho. Tal necessidade implicava em adaptá-los às exigências impostas por esse mercado, o que demandava estabelecer o padrão da “racionalidade instrumental”, como linha de conduta às ações pedagógicas. Então, havia sempre o conflito do que pudesse significar o trabalho realizado, pela Instituição, na formação dos jovens.

Todas essas questões, durante o período que a pesquisadora esteve à frente da Instituição, eram por demais inquietantes. Por isso, decidiu-se investigar, mais sistematicamente, a relação entre juventude, formação e trabalho. Para tanto, o jovem do próprio IMCG tornou-se o sujeito da pesquisa. Para alcançar esse propósito e caminhar para o esclarecimento dos conceitos básicos da pesquisa, o referencial teórico escolhido ateve-se à teoria crítica da sociedade, vinculada à Escola de Frankfurt e representada, entre outros, pelos estudiosos: Adorno (1903-1969), Horkheimer (1895-1973) e Marcuse (1898-1979).

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Os estudos desenvolvidos por esses autores referem-se à crítica à sociedade burguesa, esclarecendo o movimento real dessa sociedade e o quanto há de irracional na racionalidade que tem administrado a vida dos homens, sem pretender constituir um modelo direcionador, um sistema ordenador e redutor do pensamento ao formalismo lógico, que subordina a razão ao que está dado.

Esclarecida a orientação teórica escolhida para dar suporte à pesquisa, é importante afirmar que, na realização desta proposta de investigação, o caminho a ser percorrido tem por princípio considerar a necessidade de desenvolver o conhecimento ancorado nos significados e valores éticos, no qual o objeto está inserido. Isso significa que, ao analisar as categorias indicadas, é fundamental abalizar o momento histórico que as engendram, o que implica saber que a lógica imposta pela sociedade tem tornado os homens instrumentos de seus arranjos que não descompassam do ritmo administrado. Assim, essa lógica, os têm mantido no seu (des) harmonioso conjunto, que ainda se apresenta tocando sempre a sofrível melodia da dominação, impeditiva de levar os homens a constituírem uma formação que os esclareça, ilumine-os para romperem com a ordem instituída na sociedade. E, ainda no sentido metafórico: considera-se que a educação/formação deve possibilitar ao indivíduo sair do ritmo regido pela lógica do mundo administrado4. E a melodia a ser regida tocaria para enlevar o homem aos acordes da liberdade e o faria perceber que existem outras formas para organizar a vida. Uma vida em que todos tenham direitos iguais na participação dos ensaios e possam criar o novo, diferenciando suas composições, suas melodias, na orquestra da vida.

Por isso, não deixa de ser um compromisso ético pensar o que representa a organização da sociedade atual na vida de jovens trabalhadores estudantes das camadas populares e como a sociedade os tem formado, ao estudar a relação entre formação e trabalho, com o propósito de ouvir o que dizem esses jovens. Espera-se, com isso, contribuir para desnudar os valores formalizados pela ideologia burguesa, ao explicar o significado dessa relação, bem como o ideário existente em relação ao comportamento da juventude, até mesmo denominada como rebelde, buscando refletir sobre os aspectos conflitantes que definem esse tempo da vida, ao se falar de jovens trabalhadores estudantes das camadas populares.

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Pelo perfil social, econômico e cultural da grande maioria desses sujeitos, pode-se aventar a idéia de que estes terão poucas oportunidades de alcançarem diferentes postos de trabalho, dadas as limitadas opções de escolhas existentes em suas vidas. Manterem-se em um posto de trabalho (frente à dificuldade de empregabilidade nos dias atuais) já configura grandes expectativas para eles. A oportunidade de realizar conquistas idealizadas, sonhos da formação profissional desejada – conforme compõe o ideário da ideologia existente – fica como responsabilidade centrada apenas no sujeito, no seu esforço e desempenho pessoal. Com isso, deixa-se de levar em conta que a estrutura hierárquica existente na sociedade é marcada por relações de dominação e acaba por impedir a autodeterminação dos indivíduos. Assim como afirma Crochík (1999, p. v) “à necessidade de dominação social sobre os indivíduos corresponde a necessidade de dominação do indivíduo sobre si mesmo e sobre os outros”.

A dominação existente sobre os indivíduos nesta sociedade acaba por possibilitar poucos espaços para expressões de atitudes de autonomia para o jovem em questão, considerando o quanto é subjugado em suas experiências formativas, em particular, nas decorrentes das relações de trabalho.

Com base nessas questões, a hipótese central que orienta esta tese é que nas análises elaboradas pelos sujeitos da pesquisa, ao refletirem sobre questões referentes à relação entre formação e trabalho, predominam valores que indicam concordância à lógica administrada pelo capital.

Organização dos capítulos

A estrutura do presente trabalho, introdutoriamente, contém reflexões que visam delinear o interesse suscitado na realização desta investigação, seguidas das discussões dos principais temas da pesquisa e das reflexões conclusivas resultantes da empiria.

No primeiro capítulo, faz-se a discussão sobre o conceito de adolescência e juventude, aqui adotados como sinônimos, com o objetivo de questionar concepções formuladas por estudos na área da Psicologia, destacando os pontos conflitantes. O

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objetivo proposto é apresentar os estereótipos que universalizam esses conceitos e que, muitas vezes, impedem olhar para o jovem (de qualquer camada social), considerando experiências concretas de vida.

Hoje, essa fase da vida é indicada, de acordo com a legislação vigente, como o momento de inserção no mercado de trabalho, e os sujeitos desta pesquisa fazem parte desse período geracional. Outro aspecto entendido como relevante atém-se ao fato de o comportamento do jovem, em geral, ser carregado de estereótipos e atitudes que nem sempre são condizentes à realidade de sua vida. Em especial, os argumentos referentes à autonomia de comportamento, costumeiramente identificados por atitudes de rebeldia, que desconsideram a compreensão da adolescência como categoria histórica.

No segundo capítulo, são apresentados os conceitos entendidos como imprescindíveis à orientação desta pesquisa: a relação entre formação e trabalho. O objetivo é analisar o que essa relação tem representado, sob o domínio do capital, para a vida do jovem trabalhador e de sua família.

No terceiro capítulo, sob perspectivas diversas, é apresentado um levantamento da produção acadêmica referente a estudos realizados com jovens brasileiros, tratando dos interesses e dos valores deles em relação à escola e ao trabalho. Também são discutidas as exigências do mercado de trabalho para a formação profissional na sociedade atual, procurando esclarecer que mesmo o poder público, apesar de expressar interesse pela formação dos trabalhadores, não deixa de atender, principalmente, às necessidades do mundo administrado pelo capital.

No quarto capítulo, trata-se da pesquisa empírica e se esclarece acerca do processo de construção da Escala Formação e Trabalho, com a discussão dos principais temas e a apresentação do estudo realizado para a validação dessa escala.

Esse instrumento tem o formato de escalas do método Likert, com um total de 31 itens. Para cada item, estão associados escores de 1 a 4 pontos. Os temas dessa escala estão divididos em quatro subescalas: concepção de trabalho (subescala T); atitudes valorizadas no trabalho (subescala AT); valor dado à educação escolar e ao trabalho (subescala ET); adaptação à ideologia do mundo administrado (subescala A). Para

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verificar o número de variáveis subjacentes (fatores) ao conjunto dos 31 itens, das diferentes subescalas, recorreu-se à análise fatorial.

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CAPÍTULO 1 – JUVENTUDE E REBELDIA

A luta contra os conceitos universais não tem sentido. Mas isso não nos diz o que pensar da dignidade do universal. O que é comum a muitos indivíduos, ou o que reaparece sempre no indivíduo, não precisa absolutamente de ser mais estável, mais eterno, mais profundo do que o particular

(Horkheimer & Adorno, 1985, p. 205).

Neste capítulo, o objetivo é discutir o conceito de adolescência, com o interesse de apresentar reflexões que permitam pensar nesse tempo da vida fora de configurações conceituais abstratas e generalizantes. Isso implica tratar desse tema, fundamentando-o como categoria histórica. Para tal intento, foram propostas discussões concernentes aos estereótipos existentes em estudos psicanalíticos, ao definir o adolescente como rebelde, indicando pontos conflitantes dessa abordagem. Para discutir esses estereótipos, a referência teórica pauta-se nos autores da teoria crítica da sociedade.

1.1 – O conceito de adolescência

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refutado pela flor, que o contém e o nega; a adolescência nega e contém a infância; a flor transforma-se em fruto (a vida adulta); o fruto nega e contém a flor e torna-se a essência da planta; o ser adulto nega e contém a juventude; o fruto (o adulto) traz a semente e torna-se o vir a ser de um novo processo de reprodução de vida5.

Recorrer à dialética de Hegel visa expressar a dinâmica da vida e, em especial, a vida juvenil. Assim, ao pensar no conceito de juventude, na sociedade atual, implica definir aquilo que o jovem deixa de ser e o seu tornar-se. Tais formulações traduzem a substancialidade abstrata do conceito pela sua negatividade, o que significa explicitar diferenças e articular características que possam identificá-lo, referendadas pelos seus opostos. Como aponta Marcuse (1967, p.199), “o conceito expressa de algum modo à diferença e a tensão entre potencialidade e realidade – identidade nessa diferença”. Ora, entende-se que há uma gama significativa de conceitos designativos da adolescência, porém, na ordem das sintaxes, esse tempo acaba por configurar mais predicados e adjetivos ao ser denominado de primavera da vida, florescer da idade, tempo dourado, tempo de liberdade, de beleza, de vigor físico, de descobertas, de escolhas (inclusive as profissionais).

Mas, como são reunidas as qualidades que caracterizam esse tempo da vida humana situado entre a infância e a maturidade? Seria possível substantivá-las?

Aludir apenas às palavras, formuladas pelo caminhar das idéias, facilita e, até mesmo, encanta, ao pensar esse tempo da existência e pode conduzir à lógica do pensador alemão sobre a Idéia Absoluta e assim culminar em um exemplo supremo da unidade em que todas as diferenças desaparecem. Contudo, a produção do pensamento transcende o só pensar, pois, como afirma Marcuse (1967, p. 201): “O material do pensamento é material histórico independente do quão abstrato, geral ou puro ele se possa tornar na teoria filosófica ou científica”. De acordo com essa lógica, faz-se necessário partir das condições históricas, dos elementos da experiência de vida de jovens trabalhadores estudantes das camadas populares, das particularidades de suas vidas e dos valores apreendidos, no que tange ao conjunto das normas impostas pela sociedade, para conceituar o ser adolescente. Mas, de qualquer forma, a racionalidade e

5 A discussão, que contém a analogia do filósofo alemão, faz parte do prefácio por ele escrito na obra

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a lógica invocadas no movimento do pensamento e ação são as das condições dadas a serem transcendidas, como esclarece o autor acima mencionado.

Ao invocar o movimento do pensamento para categorizar a adolescência, é preciso analisar o movimento histórico de seus conceitos ao explicar seus tributos, códigos, taxonomias e sistemas que os representam e os configuram em categorias universais6, bem apresentadas em vasta literatura, de diferentes áreas de estudo e, em especial, da Psicologia e da Sociologia.

Assim, não se pode deixar de pensar que as mudanças não são fenômenos em si, descolados do que ocorre no conjunto da sociedade e desconsiderar o valor histórico de verdades conceituais. Basta olhar para uma tela da Idade Média para verificar que o padrão conceitual de beleza de uma jovem valorizava a protuberância abdominal. Nos dias atuais, há até mesmo muitos jovens que deterioram a saúde no intuito de manter o padrão estético longilíneo.

Acorrer aos estudos que advertem em relação às variações do significado de ser jovem, considerando os diferentes contextos sociais, culturais e econômicos, visa desvendar as diversidades da criação de cada juventude, em cada tempo histórico e, assim, poder pensar sobre o que determina as atitudes que prevalecem em seus comportamentos nos dias atuais.

Para este estudo, dentre a multiplicidade de categorias que discutem esse tempo da vida, a escolha recai sobre o conceito de rebeldia, por ser comumente utilizado. É mister afirmar que esse conceito está relacionado a atitudes condizentes com autonomia cognitiva e de comportamento, corroborando a explicação de que o jovem é capaz de pensar criticamente sobre o mundo que o cerca7.

6 De acordo com Adorno e Horkheimer (1985, p. 204-205): “Os conceitos universais, formados pelas diversas ciências com base na abstração ou na axiomatização, constituem o material da representação, assim como os nomes que servem para designar coisas individuais. A luta contra os conceitos universais não tem sentido. Mas isso não nos diz o que pensar da dignidade do universal. O que é comum a muitos indivíduos, ou o que reaparece sempre no indivíduo, não precisa ser absolutamente de ser mais estável, mais eterno, mais profundo do que o particular” .

7

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Ao considerar as reflexões, formalizadas na introdução desta tese, vale a pena imaginar se é possível “encaixar” o ser rebelde às exigências impostas pelo mercado de trabalho nos dias atuais e, principalmente, quando se trata do jovem que trabalha e estuda vivendo sob a pressão de ter que garantir a própria subsistência e, muitas vezes, a da família, como ocorria com muitos jovens do IMCG.

A presença marcante dessa categoria – rebelde8 – não deixa de abarcar uma série de equívocos que merecem ser pensados: o quão rebelde realmente são os jovens? O conjunto de suas atitudes corresponde às diversas explicações indicativas de autonomia? O poder da indústria cultural, na sociedade atual, tem deixado espaços para atitudes rebeldes? O conceito de rebelde não colabora para compor o quadro de uma pretensa democracia que até permite manifestos de revolta juvenil? Não configuraria um significado idealizado para camuflar as vicissitudes da sociedade, as falácias de seus programas - das políticas públicas - para a juventude, principalmente, no que tange ao processo de formação profissional? Frente a tais questões, pode-se considerar, adiantando o que será assunto no capítulo três, que a existência de substancialidade dada à categorização do conceito de adolescência tem ocorrido sem abalizar o que tem representado o avanço tecnológico no processo das exigências requeridas à formação profissional.

Segundo estudos de Psicologia e de Sociologia, o ser rebelde faz parte do quadro de comportamento do jovem. O psicanalista Erikson (1968, p.129), um estudioso dos diferentes ciclos da vida, ao explicar a “epigênese da identidade”, diz que, na

novidades essenciais que opõe a adolescência à infância: a livre atividade da reflexão espontânea” (Piaget, 1995, p. 60).

Vygotsky, ao abordar a idade de transição (adolescência), afirma: En esa época madura la personalidad y su concepción del mundo, es el período de las síntesis superiores producidas por la crisis del devenir y de la maduración de aquellas formaciones superiores que son el fundamento de toda la existencias consciente del ser humano”. (Vygotsky, 1996, p. 200).

Anna Freud, ao explicar a intelectualização na puberdade, chama atenção para o desabrochar da intelectualidade e a incoerência de seu comportamento: “Argumentarão a favor e contra o amor livre, o casamento e a vida familiar, a existência autônoma ou adoção de uma profissão, a vida errante ou a fixação, e discutirão problemas filosóficos como religião ou livre-pensamento, diferentes teorias políticas, tais como revolução versus submissão à autoridade, ou a própria amizade sob todas as formas. (...) ficaremos não só surpreendidos pelo conferir e desimpedido âmbito de seus pensamentos mais impressionantes, também, pelo grau de empatia e compreensão manifestado, pela aparente superioridade em relação a pensadores mais maduros e até, por vezes, pela sabedoria que revelam no tratamento dos mais difíceis problemas” (Freud, A. 1974, p. 135-136).

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adolescência, ocorre um processo por ele designado de moratória: um tempo para integração dos elementos de identidade no comportamento do adolescente. Ou seja, um tempo de crise, necessário para que ele adquira confiança em si e procure fervorosamente homens e idéias nos quais possam ter fé, mas sem deixar de expressar suas desconfianças. E, em outro momento, há o desejo de fazer escolhas livremente, tomar decisões e assumir os medos que possam ocorrer desse seu querer, esclarece Erikson (1968).

Para Erikson (1968), estudioso da Identidade, juventude e crise, em qualquer período dado da história, o tempo mais afirmativamente excitante será desfrutado por aquela parte da juventude que se encontrar na onda de um progresso tecnológico, econômico ou ideológico aparentemente promissor de tudo que a vitalidade juvenil pode desejar. Mas a adolescência seria menos “tempestuosa” no segmento da juventude talentosa e bem treinada na exploração das tendências tecnológicas em expansão e apta, por conseguinte, a identificar-se com os novos papéis de competência e invenção e a aceitar uma perspectiva ideológica mais implícita.

São visíveis as contradições expressas no processo de identidade explicado por Erikson (1968), pois para ele a melhor parte da juventude, ao deixar de ser “tempestuosa”, é quando o jovem encaixa-se, ou seja, fica apto para ingressar no sistema e aceitar uma perspectiva ideológica mais explícita. Ao abordar o tema da inserção no campo profissional, diz que os significados assumidos excedem as questões de remuneração e status, pois, de seu ponto de vista, o progresso tecnológico é um fator gerador de estabilidade.

Nos dias atuais, com a acirrada competição existente, até mesmo porque a tecnologia tem suprimido postos de trabalho, o sentimento que tem prevalecido, para uma grande maioria de jovens, é a sensação de impotência. O jovem tem tido dificuldade de ver-se como parte integrante da sociedade. Há uma sociedade que lhe faz exigências mas não está estruturada para corresponder às exigências que faz, deixando cada um responsável por si mesmo. E, como se sabe, a ideologia predominante prioriza o resultado do aumento da produção e o mercado dos bens, e não os indivíduos. Assim o jovem, por sua vez, acaba por ter importância maior no papel de consumidor, como um

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O comportamento do jovem, explicado por Erikson (1968), mesmo apresentando contradições, não deixa de ser importante. Contudo, os conceitos a que recorre não devem ser olhados como categorias delimitadas e marcadas, afirmativas sobre o que é o comportamento do jovem. É preciso deixar aberto o espaço para o que pode vir-a-ser e as possíveis contradições do movimento de constituir-se adolescente, já que o pensador psicanalista deixa de abrir espaços em sua categorização. A constituição da identidade adolescente, para Erikson (1968), reafirma-se, tem um significativo caráter adaptativo, pois ele pondera que, quando o meio priva o adolescente, de forma radical, de todas as formas de expressão que lhe possibilita o desenvolvimento e a integração conseqüente, a sua resistência pode adquirir “o vigor selvático que se encontra nos animais que são forçados, subitamente, a defender a própria vida. Pois, de fato, na selva social da existência humana, não existe sentimento vivencial sem um sentimento de identidade.” (Erikson, 1968, p.130).

O espaço – moratória – para rebelar-se, é identificado em um caráter heteronômico para esse autor. Tal tempo – estabelecido pela sociedade atual – é importante para a vida do jovem, porém não em quadros previamente determinados, como Erikson (1968) e outros psicanalistas estabelecem. Sem desconsiderar a importância desses estudos, a teoria crítica da sociedade chama a atenção para os aspectos regressivos existentes quando os conceitos fecham as possibilidades de experiências. Assim, o que poderia ser o novo, ao se pensar sobre o que concerne à adolescência, continua sendo o velho: conflitos, crises. Por isso, é preciso direcionar o olhar para verificar se há espaços que possam operar o pensamento no sentido da liberdade.

As argumentações de Erikson (1968) não diferenciam, substancialmente, das afirmações de Anna Freud (1974), quanto a aspectos presentes no comportamento de adolescentes. Para essa autora, o jovem idealiza o mundo adulto e isso incrementa seus conflitos, fazendo aparecer as contradições do seu processo de desenvolvimento. Para ela, a intelectualização do jovem é explicada como um mecanismo de defesa típico da adolescência.

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“sociologizantes”, pelo fato de não valorizar adequadamente a complexa dinâmica entre a estrutura orgânica da psique – questão essencial para Freud (apud Adorno, 1991). Ao ater-se com obstinação à atomística existencial do indivíduo, Freud, como esclarece Adorno (1991), alcançou a essência da socialização com mais profundidade e mostrou a mutilação social, o sofrimento do homem burguês. Desse modo, de acordo com o pensador frankfurtiano, aquela autora não contribuiu para aprofundar o conhecimento da psicanálise, ao procurar adaptá-la às ciências sociais, pois regrediu com relação às análises já empreendidas por Freud. Ao voltar-se à psicologia do eu, perdeu o indivíduo e, assim, a capacidade de entender sua possibilidade de diferenciação. A força pulsional, reconhecida por Freud (apud Adorno, 1991), capaz de gerar conflitos, mudanças de comportamento, é vista, por sua filha, como impeditiva de equilíbrio e deve ser canalizada às defesas do ego, ou seja, os mecanismos de defesa entram em ação.

Para Anna Freud (1974), no que diz respeito ao comportamento dos jovens, para conter as forças pulsionais, deve-se possibilitar mecanismos que favoreçam um processo de desenvolvimento que os adaptem aos padrões determinados pela ordem instituída na sociedade atual. Assim, fica claro que a “confusão de identidade” do jovem o torna rebelde apenas porque apresenta conflitos existenciais e de geração. Refletir criticamente sobre tais questões implica saber o que a adolescência deve significar, assim como observar as contradições existentes na sociedade e as armadilhas do sistema de produção que prendem o jovem aos interesses da sociedade e fazem com que o processo de identificação acabe por se enquadrar em prol da onipresente lógica do capital, homogeneizadora das diferenças individuais, que impede o processo de individuação.

Adorno (1991) refere-se aos estudos de Anna Freud para chamar a atenção ao fato de que os comportamentos por ela identificados como pertinentes à adolescência podem também ocorrer na vida dos adultos.

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desmascarando-os, mas sem deixar de louvar os valores da juventude e consagrar esse tempo a devaneios libertários. Assim acabou por plasmar o comportamento dos jovens a modelos estereotipados.

Segundo Luzzatto (1996),é preciso olhar melhor a história9 porque,

A imagem de uma juventude no século XIX em perpétua revolução – alguém há de objetar – foi desmentida, ou pelo menos diluída por pesquisas de campo mais rigorosas: os historiadores da área social demonstraram, por exemplo, como não eram tão jovens assim os revolucionários que subiram nas barricadas de julho, na Paris de 1830; e enfatizaram que na Paris de junho de 1848, os jovens serviram à causa da ordem bem melhor que à causa revolucionária (Luzzatto, 1996, p.196).

Percebe-se, então, que se o “espírito” de rebeldia fez os jovens e não jovens serem iluminados para pensarem e agirem contra a ordem instituída pela força do capital, essa força também esteve organizada para aplacar ânimos e ímpetos rebeldes outrora voltados aos ideais revolucionários de indivíduos que ensejavam o sonho de transformar a sociedade. Por isso, não se pode esquecer de que há fatos na história em que a participação juvenil também foi obscurecida pela cor do gás que dizimou milhões de judeus pelo ideal nazista de amor à pátria, aliado à crença ingênua emprestada pela fachada de racionalidade científica, levada aos seus extremos tanto para formar os jovens, como para dizimar pessoas.

Reafirma-se, então, ao se analisar o significado da atividade do jovem, por ser uma faixa etária em que mais diretamente repercutem as mudanças orientadas pelo interesse do mundo administrado, que é preciso avaliar o que representam as ações desses jovens para entender como a sociedade os tem formado. Nesse sentido, o significado do comportamento ativista da juventude, identificado como rebelde e revolucionário, não deve ser explicado apenas nas vertentes psicológicas ou sociológicas, que insistem em abordá-lo pelo viés da fenomenologia e esquecem que o poder da razão, ao administrar as atitudes dos jovens e a pseudo-atividade, adapta-se à situação existente. Nas palavras de Adorno (1995 b, p. 217),

9 No livro História dos Jovens – A época contemporânea (1966, v.2), em dois outros artigos: A

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contra os que administram a bomba, são ridículas as barricadas; por isso, brinca-se de barricadas e os donos do poder toleram temporariamente os que estão brincando (...). A pseudo-atividade é provocada pelo estado das forças produtivas técnicas, estado que, ao mesmo tempo, a condena à ilusão.

O poder da instrumentalização usurpa a possibilidade de se formar uma firme subjetividade, diz Adorno (1995 b), tendo em vista que, na pseudo-atividade, assim como na revolução fictícia, a tendência objetiva da sociedade liga-se, sem fissuras, à involução subjetiva. “Parodisticamente, a história universal produz outra vez os tipos de homens de que necessita” (Adorno, 1995 b, p. 218).

Mas Adorno (1995 b) observa que a Psicologia, mesmo com suas contradições, ajuda a compreender a passividade e a irracionalidade, sempre destrutivas, do comportamento do homem, por fazê-lo aceitar o que é contraditório aos seus interesses. Disso decorre a necessidade de entender os determinantes psicológicos que conduzem os estudantes ao ativismo. Para esse autor, o ativismo é irracional pelo fato de sequer “fazer cócegas” em relação ao poder, sendo que os mais espertos têm consciência da inutilidade do ativismo, outros enganam a si próprios. Observa-se que a crítica de Adorno (1995 b) ao comportamento do ativista é conduzida com bastante sagacidade, mas não deixa de alertar para os riscos de recorrer a explicações fundamentadas apenas em motivos psicológicos Assim, ele adverte que “é verdade que a construção de uma realidade ilusória é imposta, em definitivo, pelas barreiras objetivas; ela é psicologicamente mediada, e a paralisia do pensamento está condicionada pela dinâmica pulsional” (Adorno, 1995 b, p. 219).

A grande contradição dessa situação, segundo Adorno (1995 b), é conseqüente do fato de

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Mas, outro aspecto observado faz referência ao comportamento das figuras autoritárias contra as quais os jovens protestam e que acabam sendo por eles imantadas quando chegam à maturidade. Constatar a afirmação de Adorno (1995 b) não é difícil, basta acompanhar a carreira de políticos que, de fervorosos críticos na juventude, empunhando bandeiras de diferentes segmentos organizados para fazerem reivindicações, ao conquistarem uma vaga em qualquer das esferas do poder público, passam a ter atitudes condizentes com o poder instituído (o cenário nacional deste momento histórico ilustra, infelizmente, tal situação). Ao assumir o poder, não há dificuldade alguma em deixar-se enredar por suas malhas e lembrar seus atos como coisas da juventude, levando-os a perderem o significado de outrora.

No entanto, vale ressaltar que as questões trazidas por Adorno (1995 b) esclarecem as contradições postas pelo mundo administrado, desvelando as máscaras libertárias sob as quais a sociedade procura encobrir suas artimanhas, ainda atreladas com vigor aos valores do fascismo, até no que diz respeito ao comportamento da juventude pela supervalorização de sua ação, também denominada como a esperança do futuro. Um futuro apresentado como promissor, bastando querer para poder, pois depende da disposição do indivíduo tornar-se empreendedor, conforme orientam as propostas de capacitação de recursos humanos, de um modo geral.

Essas considerações, acerca do comportamento dos adolescentes, fazem pensar sobre a experiência de trabalho com os jovens do IMCG/MS, que mostrou o quanto os valores atribuídos ao comportamento dos jovens podem impregnar-se em suas atitudes, fazendo-lhes repetir os comportamentos desejados. Ao fazer um levantamento sobre a história da Instituição, fazendo uso até mesmo de relatos orais, foi possível constatar o quanto eram valorizadas as experiências passadas, em que a formação para o trabalho era orientada pela disciplina militar: jovens felizes por poderem trabalhar e serem soldados da pátria, mesmo quando os treinamentos eram acompanhados com atos de tortura.

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Por outro lado, é sem grande dificuldade que se pode constatar que muitos jovens sequer participam de movimentos reivindicatórios, mas, com facilidade, muitas vezes é possível verificar que eles se identificam com atitudes de violência ou aderem à violência. Basta olhar o que tem acontecido nos dias atuais para saber o quanto de jovens tem participado de ações de violência: queimam transportes coletivos, soltam bombas, e, até mesmo se autoflagelam acreditando participar na luta por uma sociedade justa, atendendo designações divinas.

Adorno (1986 a), mesmo ao contestar, de forma veemente, o ativismo inconseqüente no comportamento dos jovens, não deixa de chamar a atenção ao que pode representar o tempo da juventude, na irracionalidade da razão administrada, frente ao poder do intervencionismo econômico no capitalismo tardio. Para ele:

No intervencionismo a força de resistência do sistema (mas indiretamente também a teoria do colapso do sistema) se confirmou; o seu télos (meta) é a passagem para a dominação independente do mecanismo do mercado. Inadvertidamente o chavão da “sociedade formada” deixou escapar isso. Tal involução do capitalismo liberal tem o seu correlato na involução da consciência, em uma regressão do homem, para aquém da possibilidade objetiva que lhe estaria aberta. Os homens perdem as qualidades que eles não mais precisam e que só os atrapalham; o cerne da individuação começa a se decompor. Só bem recentemente é que os rastros de uma tendência contrária se tornam visíveis, especificamente em grupos dos mais diversos da juventude: resistência contra a cega acomodação, liberdade para metas racionalmente escolhidas, nojo diante do mundo enquanto embuste e mentira, atenção para a possibilidade de mudança (Adorno, 1986 a, p. 73).

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As adversidades, no entanto, não cessam na volta para casa, porque, antes, ainda precisam ir à escola, que, por sua vez, está organizada para não diferenciá-los do contexto geral da sociedade e acaba por ser mais um local de encontros dos jovens do que um espaço de constituição do saber (Cf. Alves, 2001). Dessa forma, dificulta-lhes compreender a irracionalidade produzida pela organização da escola. Frente a tal situação, fica mais difícil para o jovem trabalhador, estudante das camadas populares, ocupar o tempo que a sociedade “lhe concede”- moratória - para pensar que o mundo pode ser diferente.

Para esta pesquisadora, o fato de a organização da sociedade ser tão desigual e injusta acaba por destituir a capacidade, para uma grande parcela da juventude, de sonhar, de desejar e de pensar em mudanças – ter comportamentos rebeldes. O quadro delineado para o futuro dos jovens, na sociedade atual, vem sendo marcado pela falta de perspectiva, mascarado por pseudo-atividades que tentam encobrir a dura e cruel realidade da vida na sociedade contemporânea. Assim, ao pensar conceitualmente sobre a juventude, não é possível desconsiderar como a sociedade tratou e vem tratando os jovens das diferentes classes sociais.

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CAPÍTULO 2 – A FORMAÇÃO DO HOMEM E O TRABALHO: MARCAS

DE SOFRIMENTO E ADAPTAÇÃO

O trabalho social de todo indivíduo está mediatizado pelo princípio do eu na economia burguesa; a um ele deve restituir o capital aumentado, a outro a força para um excedente de trabalho. Mas quanto mais o processo da autoconservação é assegurado pela divisão burguesa do trabalho, tanto mais ele força a auto-alienação dos indivíduos, que têm que se formar no corpo e na alma segundo a aparelhagem técnica”.

(Horkheimer & Adorno, 1985, p. 41).

Neste capítulo, dividido em três partes, são enfocados os temas concernentes ao processo da relação entre formação e trabalho. Na primeira parte, com o título “Trabalho e Pseudoformação”, o objetivo é discutir conceitualmente esses temas, sem deixar de considerar os significados em relação à vida do trabalhador, tendo por referência estudos dos autores frankfurtianos.

Na segunda parte, intitulada “Adaptação de Corpos Juvenis ao Trabalho”, o objetivo é mostrar a contradição entre o aumento da produção, decorrente do desenvolvimento da tecnologia, e as conseqüências à vida do trabalhador. Assim, sem a preocupação em, até mesmo, ser redundante, mas com interesse em analisar o movimento histórico do capital para a formação de jovens (e crianças), recorre-se a alguns relatórios e estudos apresentados por Karl Marx, em O Capital, com a finalidade de melhor ilustrar essa questão.

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2.1- Trabalho e Pseudoformação

Ao pensar a relação entre formação e trabalho, tema norteador desta pesquisa, os interesses atêm-se em desvelar o que essa relação representa à vida do homem na sociedade atual, com fins de apreender as conexões em relação à vida dos jovens trabalhadores e estudantes do IMCG. Para tratar dessa questão, pauta-se na importância em entendê-la no movimento das transformações que fazem parte da sociedade, com todas as contradições que há nesse movimento. Refletir sobre essas contradições significa compreender as experiências concretas vividas pelo homem em suas relações de trabalho.

Vê-se que, na sociedade atual, tem prevalecido a lógica utilitária no que diz respeito às questões pertinentes ao mundo do trabalho. Assim são focalizadas as configurações ocupacionais, as novas práticas de emprego, as diferentes formas de organização das relações industriais e os novos padrões de produção. Todos esses interesses sempre são abalizados pelos agentes reguladores do poder público. Por sua vez, os monopólios acadêmicos atêm-se, preferencialmente, às necessidades funcionais, ao interesse do mercado e tratam, com desdém, o que isso significa à constituição do trabalhador, um sujeito que pensa, sente, tem desejos, sonhos. Mas, para o mercado de trabalho, não há interesse em saber aspectos concernentes à subjetividade do trabalhador que não sejam direcionados às necessidades de produção e consumo, ou seja, em como administrar a vida do trabalhador para atender aos ditames do capital.

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que não deixam de afirmar a ordem existente na sociedade, mesmo ao anunciarem discordância em relação a essa ordem.10

Por isso, a idéia de trabalho, do fazer do trabalhador, acaba por fundamentar-se, particularmente, na necessidade de manutenção da sobrevivência. Isso significa que a força de trabalho deve subsistir para garantir a vigência dos modos de produção. Pensar o trabalho dessa forma significa estabelecer distância do que pode dar prazer ao homem ao produzir sua vida. O trabalho fica categorizado como algo que deve exigir esforço, sacrifício. Por conseguinte, o que precisa ser feito não carece de sentido para quem o faz, mas deve ter sentido – valor de mercado – para quem administra esse fazer.

Num artigo da revista Psicologia Atual, Malvezzi (s/d) relata a experiência de um estagiário de Psicologia, na área de Recursos Humanos, que ajuda a esclarecer a afirmação feita:

Na primeira semana de meu estágio, meu chefe, o Gerente de Recursos Humanos, pediu-me que conhecesse a fábrica e preparasse os instrumentos para a descrição e avaliação de cargos. Visitando vários setores, vi que ninguém parecia interessado em conversar. Tentei sorrir. Não fui correspondido. Até que, ao sorrir para um operário, percebi que ele queria me dizer alguma coisa. Ficou perturbado quando me aproximei; respondeu gaguejando ao meu “bom dia”. Disse que era psicólogo estagiário, um novo técnico para cuidar dos problemas do pessoal da empresa, e que meu papel era auxiliar os empregados no trabalho. “O Sr. não leva a mal uma pergunta?” gaguejou. Respondi que não, estava ali para ele perguntar o que quisesse. “É que meu supervisor não gosta de conversa. O caso é que estou para casar daqui a quatro meses; minha noiva e os pais dela me perguntam no que eu trabalho. “E eu não sei lhes dizer o que esta fábrica fabrica”. Respondi, e ele me agradeceu como se lhe tivesse prestado um favor enorme.

Esse homem trabalhava há dois meses numa fábrica do ramo metalúrgico, com cerca de 3 mil operários, na região de Santo André (Malvezzi, s/d, p. 28).

Esse caso é um exemplo de situações constrangedoras e degradantes sobre as condições de trabalho, que cristalizam a alienação do trabalhador e a coisificação de sua consciência e que fazem parte do modos operandi do capital. Assim, a negligência aos elementos destrutivos à constituição da autonomia do indivíduo é organizada tendo

10 Em sua tese de doutorado, A formação do Indivíduo no Capitalismo Tardio: uma análise dos estudos

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como referência os discursos altissonantes da liberdade administrada pelo capital. Na formação do indivíduo, as relações valorizadas na experiência de trabalho atrelam-se a princípios da necessidade e de obediência para cumprir determinações, mesmo que absurdas, como o exemplo citado. O que fica evidente para o trabalhador, o que é aprendido, sem resvalo para dúvidas, é a obrigação de continuar trabalhando.

Nos dias atuais, a obrigação de ter o trabalho administrado para a obediência ganha proporções tão grandes que o trabalhador se sente privilegiado só por ter a carteira de trabalho assinada, sendo formalizada, legalizada, a exploração com registro. Burocracia que lhe garante os privilégios do que é considerado ser cidadão. E tal situação acaba por virar motivo de status social.

Essa situação é evidente para os adolescentes vinculados ao IMCG, onde se podia constatar, durante o período que se manteve contato com esses jovens, o orgulho de muitos deles em viver a experiência do primeiro emprego, com a carteira de trabalho assinada. Alimentava-se fortemente a ilusão de que o histórico de dois anos de trabalho era como um passaporte para adentrar e permanecer no competitivo mercado de trabalho. De certa forma, não deixava de ser um fator diferenciador para o preparo dos jovens, até por contarem com o respaldo do IMCG em lhes garantir o emprego temporário.

Mas, por outro lado, situações como essas mostravam que a subserviência imperava nas atitudes daquele grande contingente de jovens trabalhadores. Os espaços de constituição de possíveis atitudes de autonomia – moratória – ficavam subjugados ao poder da Instituição em orientar suas vidas, embora essa orientação não pudesse deixar de atender às exigências do mercado de trabalho, o que implicava em um processo formativo com forte caráter de adaptação à ordem vigente, ainda que houvesse o interesse, por uma parte da equipe técnica, em superar o processo de formação institucionalizado.

Verificava-se ainda que muitos jovens sequer podiam pensar nas diferentes situações de emprego oferecidas, que não eram muitas, pois precisavam escolher seus empregos em decorrência das necessidades de sobrevivência. Mesmo quando

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demonstravam habilidades ou interesse por diferentes áreas de conhecimento, eram “obrigados” a ser empacotadores, almoxarifes, recepcionistas ou fazer outras atividades de pura rotina, porque dependiam da vaga oferecida, no momento em que completavam dezesseis anos de idade. Os sonhos e desejos de muitos desses jovens acabavam na expectativa de conseguirem se manter no emprego, independente da atividade desenvolvida. Assim sendo, o fato de conquistar a continuidade do contrato de trabalho representava uma grande conquista, pois acabava por ser o fato diferenciador para a experiência de trabalhador.

Ao ter interesse em apenas manter um posto de trabalho – com carteira assinada – o objeto de desejo para muitos trabalhadores nos dias atuais, torna evidente o sentimento de impotência frente à ordem existente. Obviamente, esse desejo, como já observado, alia-se à submissão exigida e, dessa forma, torna inacessível a capacidade de reflexão para desvelar que as novas técnicas exigidas para formar o indivíduo – profissionalizar - vêm com a velha fórmula da dominação travestida de roupagem nova. Por isso, verifica-se ser preciso desvelar o que têm impedido o indivíduo de iluminar-lhe a razão, que outrora pôde sonhar com uma sociedade justa e fraterna. Essa sociedade parecia ser conseqüência do desenvolvimento das relações de produção burguesas. Porém, o que tem resultado, das relações de trabalho instituídas, tem sido a impossibilidade de o indivíduo poder se diferenciar e consolidar o que seria a liberdade. Uma liberdade em que todos os indivíduos da sociedade pudessem participar: liberdade de escolher, de pensar, para além do já existente.

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Sem dúvida, ao pensar na amplitude que pode tomar o significado da formação do homem, a partir do trabalho, necessariamente se pensaria em uma sociedade sem a divisão social do trabalho e sem a necessidade da existência de comando entre os homens. Dessa forma, o trabalho não estaria aliado ao mesquinho caráter da utilidade, que não diferencia homens e coisas.

Para a reflexão dessas questões, como diz Matos (1993, p. 64), “é preciso uma racionalidade capaz de nos inserir nas contingências das coisas”. Isso exige, segundo a autora, a modalidade de ser memorioso, lembrando o sofrimento do passado para que a barbárie, a degradação, deixe de ser uma constante na vida dos homens. Não é possível se esquecer de que, quando o cientificismo permitiu ao homem dominar as forças da natureza, deu-lhe também as mais terríveis armas de destruição, como está marcado em nossa história. Uma história em que os dominantes monopolizam a formação do trabalhador e apenas garantem-lhe a pseudoformação. Não é sem razão, que nos portões de entrada do campo de concentração de Auschwitz, tinha, em destaque, o slogan Arbeit macht frei (O trabalho liberta) (apud Koltai, s/d, p. 93).

O que se observa é que o trabalho tem se constituído sem sentido e sem significado para o trabalhador e, ao mesmo tempo, o tem tornado conivente com os ditames do poder, impedindo-o de tomar consciência de que a ordem social instituída podia ter sido (e pode ser) uma história sem exploração.

Como se sabe, o homem, outrora, quando conseguiu conservar o fogo, por exemplo, fê-lo para garantir sua autopreservação, planejou suas necessidades. Ao construir os instrumentos de caça, de pesca, armazenar e produzir bens, criou os instrumentos de trabalho e modificou-os. Ao mesmo tempo, planejou e organizou as relações de trabalho com seus pares e foi rompendo a naturalidade de sua vida.

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recursos, imprimindo-lhes forma útil, o homem não deixou de desenvolver, ao mesmo tempo, potencialidades que o permitiu dominar as forças naturais, as formas instintivas animais de trabalho. “Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana” (Marx, 1980, p. 202).

Ao prover seu espaço vital, o homem transformou os recursos disponíveis existentes, modificou suas necessidades e suas relações de trabalho. Mas tais mudanças não foram relacionadas apenas à produção e reprodução material de bens e à presença das motivações e coações econômicas, pois, na objetivação de sua vida, pelo trabalho, o homem se torna acto histórico, como esclarece Marcuse (1988, p. 32):“Na medida em que o homem se insere pela via do trabalho no objeto de seu trabalho, no objeto trabalhado, elaborado, ele se torna permanente, presente, ‘objetivamente’ real e efetivo em meio ao campo histórico e também ao tempo de vida histórico”.

O trabalho, ao se unir ao seu objeto, diz Marx (apud Marcuse, 1981), objetiva-se, ou seja, o objeto é transformado pelo trabalho e o trabalhador se reconhece no resultado de seu fazer. O sentido social da objetivação é explicado por Marcuse ao afirmar que

o campo dos objetos do trabalho é um campo de atividade vital conjunta; nos objetos de trabalho o Outro se torna visível para o homem em sua realidade. (...) Todo trabalho é trabalho com, para e contra outros, de tal forma que somente aí os homens se mostram uns aos outros e entre si o que realmente são. Assim, todo objeto em que o homem atua, em sua individualidade, é, “ao mesmo tempo, sua própria existência para os outros homens, a existência desses outros essa mesma existência para ele” (Marcuse, 1981, p. 30-31).

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TABELA II. 1.
TABELA II.  3.
TABELA IV. 1

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