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TERRENOS DE MARINHA COSTEIROS

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Academic year: 2018

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Ângela Patrício Müller Romiti

TERRENOS DE MARINHA COSTEIROS

Mestrado em Direito

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Ângela Patrício Müller Romiti

TERRENOS DE MARINHA COSTEIROS

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito (Direito das Relações Sociais), sob orientação do professor doutor Eduardo Alvim.

(3)

Ficha Catalográfica

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

ROMITI, Ângela Patrício Müller

Terrenos de Marinha Costeiros. Ângela Patrício Müller Romiti; orientador: Eduardo Alvim. – 2012.

125 f.

Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. 2012. São Paulo, BR-SP

Área de Concentração: Direito Civil

(4)

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

(5)

Dedico este trabalho ai miei cari genitori: Ao meu pai Mário, de quem herdei o amor pelo Direito e, máxime pelo tema.

À minha mãe Isa, pelo incondicional apoio e confiança.

(6)

Agradeço à família Alvim, pelo carinho e presença constante - desde o princípio.

Em especial, ao meu orientador Prof. Eduardo Alvim, quem muito admiro e sempre

me concedeu incontestável apoio, quando dele necessitei.

Ao Prof. Donnini, por sua amizade.

Ao Prof. Bruschi, que me conduziu ao magistério.

Por fim, e não menos importante, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

(7)

Santos

“Nasci junto do porto, ouvindo o barulho dos embarques.

Os pesados carretões de café

sacudiam as ruas, faziam trepidar o meu berço.

Cresci junto do porto, vendo a azáfama dos embarques.

O apito triste dos cargueiros que partiam

deixava longas ressonâncias na minha rua.

Brinquei de pegador entre os vagões das docas.

Os grãos de café, perdidos no lajedo,

eram pedrinhas que eu atirava noutros meninos.

As grades de ferro dos armazéns, fechados à noite,

faziam sonhar (tantas mercadorias!)

e me ensinavam a poesia do comércio.

Sou bem teu filho, ó cidade marítima,

tenho no sangue o instinto da partida,

o amor dos estrangeiros e das nações.

Ah, não me esqueças nunca, ó cidade marítima,

que eu te trago comigo por todos os climas

e o cheiro do café me dá tua presença.”

(8)

RESUMO

“... e o relato nos conta de quantos e tantos as tem ambicionado, embora não tivesse faltado quem, como a raposa das fábulas, as tivesse batizado de ridícula faixa de 33 metros, que ninguém sabe onde começa, nem onde acaba.”1

A Constituição Federal incluiu os terrenos de marinha entre os bens pertencentes à União (art. 20, VII). Contudo, sua definição é extraída do art. 2º do Decreto lei n. 9760/46. Orientada pelos critérios temporal (preamar média do ano de 1831) e espacial (33 metros), sua delimitação está relacionada ao próprio conteúdo do conceito das marinhas. É, pois senão o mais tormentoso tema correlato, o principal cerne da problemática. Sem embargo, característica comum às diversas espécies de terrenos de marinha são as águas salgadas, - sempre – à mercê da influência do regime luni-solar.

São bens dominicais que constituem o patrimônio disponível da União, cujo título remonta aos tempos imemoriais, pelo direito de conquista. Também conhecidos como terras de marinha, salgados ou terras salgadas, a primeira menção que se tem notícia - sob a alcunha de salgados - foi feita na Carta Régia de 04 de dezembro de 1678, embora as mais famosas datem de 21 de outubro de 1710 e 10 de janeiro de 1732.2 Praxe administrativa do Brasil-Colônia, sua primeira figuração em corpo legislativo, ocorreu somente com a edição da Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831. Seus principais contornos são encontrados nas

lezírias portuguesas – também, poeticamente intituladas filhas do Tejo - cuja figura tipicamente reinol, guarda os traços do aforamento, com resguardo da propriedade pública marginal. Da necessidade de existência de faixas livres à beira-mar para embarque e desembarque de mercadorias, importou-se o modelo implantado nas áreas destinadas às marinhas do sal ou salinas portuguesas. Assim, da associação das lezírias com as marinhas do sal, criou-se o instituto por nós conhecido como terrenos de marinha. Contrariamente ao sustentado pela doutrina, similar instituto é encontrado em terras lusitanas – são bens que compõem o domínio público hídrico do Estado, com resguardo de faixa de 50m (Decreto-lei 468/71, art. 3º), cedido por intermédio de licenças ou concessões, mediante pagamento de

(9)

estatal. À míngua de critérios seguros para determinação da linha de preamar de 1831, cede-se espaço ao sistema de presunções, tomando-se por público o que é alodial, e vice-versa, ao arrepio da lei. Transcorridos mais de 180 anos da primeira referência legal - e mais de 500 anos do descobrimento do Brasil - não há completa demarcação.3 Tal quadro permanece inalterado.4Apenas isto, já por si, justifica a necessidade do presente estudo: carente de idônea sistematização, a segurança jurídica cede espaço às interpretações arbitrárias e subjetivas, quer dos órgãos públicos, quer dos aplicadores do Direito. Bastante aquém de sua extrema relevância, as poucas passagens encontradas nos manuais e artigos destinados ao tema, não condizem com seus reflexos sociais diretos. Constatou-se, enfim, a premente necessidade do estudo. Assim, ante a extensão do tema e na tentativa de trazer singela contribuição, restringiu-se, a presente dissertação, à análise dos terrenos de marinha costeiros. Para tanto, foram pesquisados os diversos aspectos jurídicos que envolvem o tema, não se olvidando do viés prático-procedimental. Ilustrativamente, foram inseridas – pontualmente - algumas reproduções de quadros do pintor santista Benedito Calixto, trazendo-se cores e contornos à teoria. Buscou-se, enfim, demonstrar quão precário é nosso sistema de demarcação, abandonado ao alvedrio fiscal, com repulsa à legalidade. Tal é nosso desiderato: um estudo histórico e útil acerca dos terrenos de marinha costeiros.

Palavras chave: Terrenos de marinha Costeiros. Contrato Enfitêutico. Evolução Histórica. Demarcação. Procedimento administrativo.

3 SANTOS. Rosita de Sousa. Terras de Marinha, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 122

4 KIOITSI CHICUTA e outros, Terrenos de Marinha Instituto Jurídico Tipicamente Brasileiro, IRIB, 2001,

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ABSTRACT

“...and the report tells us of how many and of the lot that has ambitioned

them, although there was not missing those whom, such as the fox on the tales, had christened the ridiculous extension of 3 meters, which no one

knows neither where it begins nor where it ends.”5

The Federal Constitution has included the naval coastal lands as property belonging to the Union (art.20, VII).Nevertheless, its definition is extracted from the article Decree-law 9760/46. Oriented by the temporal criteria (average high tide of the year 1831) and spatial (33 meters), its delimitation is related to its own content of the concept of marine. It is because if not the most stormy theme correlate, the main core of the problematic. Nevertheless, common characteristic to the many species of marine lands are the salty waters, - always – subject to the natural influences of the lunar-solar scheme. They are governmental property which constitute available goods of the Union, which title goes back to immemorial times, by the right of the conquest. Also known as marine lands, salty or salty lands, the first mention of which there is notice of – under the denomination of salty – was made at the Royal Letter of the 4th of December of 1678, although the most famous date back from the 21st of October of 1710 and the 10th of January of 1732.6Administrative practice in the Brazil-Colony, its first appearance in the legislative body, occurred only with the first edition of the Budget Law of the 15th of November of 1831. Although without counterparts in the foreign legislation –

found in the Portuguese lezirias – also, poetically referred to as the daughters of the Tejo –

which figure is typically kingly, bears the traces of tenure, with respect to the marginal public property. With regards to the existence of free coastal areas for loading and unloading of merchandise, the implemented model was imported from the areas designed for the salty marines or Portuguese salty marines. Therefore, from the association of the LEZIRIAS with the salty marines, it was created the institute by us known as marine lands. Contrary to the supported by the doctrine, similar institution is found in Portuguese lands - they are goods that comprise the hydric public domain of the State, with guard band of 50 meters (Law Decree 467/81, article 3rd), yielded by means of licenses and concessions, by means of tax payments.

(11)

criteria for the determination of the high tide line of 1831, it is given space to the system of presumptions, becoming public what is allodial, and vice-versa, in defiance of the law. Elapsed more than 180 years of its first legal reference – and more than 500 years of the discovery of Brazil – there is no complete demarcation.7Such situation remains unaltered, as reiterated in recent study.8 Just this, by itself, justifies the need of the present study: in need of suitable systematization, the legal security gives margin to arbitrary and subjective interpretations, being from the public organs, being from the law enforcers. Furthermore and far beyond its extreme relevance, the few and sparse passages found in the manuals and articles destined to the subject, do not suit its direct social relexes. It was thus found, the primordial need of such study. Being so, given the extension of the subject and in the attempts of making a candid contribution, it was restricted to the present dissertation, to the analysis of the marines. Moreover, it was researched the various legal aspects which entail the subject, not forgetting the practical procedural aspects. By way of illustration, it was inserted paintings from the painter, Benedito Calixto, from Santos, giving colours and contours to the theory. It was thus aimed, to demonstrate how precarious is our system of demarcation, abandoned to the tax discretion, with repulse to legality. Such is our aim: a historical and useful study regarding the marines.

Keywords: Historical evolution/ background. Demarcation. Administrative procedures. Marines. Emphyteusis agreement.

7 SANTOS. Rosita de Sousa. Terras de Marinha, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 122

8 KIOITSI CHICUTA e outros, Terrenos de Marinha Instituto Jurídico Tipicamente Brasileiro, IRIB, 2001,

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...

Capítulo I - Terrenos de Marinha... 1.1. Definição ... 1.2.Origem e Direito Português ... 1.3 Finalidade... 1.3. Natureza Jurídica... 1.4. Classificação... 1.5. Sesmarias... 1.6. Terras Devolutas...

Capítulo II – Breve histórico... 2.1. Colônia... 2.2 Império... 2.3 República... 2.4 Decreto n. 9760/46 ... 2.5 A Constituição Federal de 1988 ...

Capítulo III – Demarcação... 3.1. Linha do preamar médio de 1831... 3.1.1. A linha de jundu e outros vestígios deixados pelas águas do mar... 3.1.2. Critérios utilizados pela Secretaria do Patrimônio da União... 3.1.3. Critérios propostos por Obéde Lima... 3.2 Processo administrativo de demarcação...

Capítulo IV – Enfiteuse... 4.1. Evolução do instituto ... 4.2. Características ...

(13)

4.5. Laudêmio, foro e taxa de ocupação... 4.6. Extinção do aforamento...

CONCLUSÃO...

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS... 106 111

114

(14)

Introdução

“Reina o maior cahos na insuficiente legislação sobre terrenos de marinha. Contam-se por centenas os avisos ministeriais, explicando, ampliando e alterando as disposições legaes, concorrendo tudo para mais perturbar a matéria.”1

São mais de 8.500 km de zona costeira neste país, onde se concentram ¼ (um quarto)

da população brasileira, ou seja, cerca de 42 milhões de pessoas.

Nesta vasta faixa litorânea, aproximadamente 700.000 (setecentos mil) imóveis são

considerados como bens da União, com patrimônio estimado em R$192.000.000.000,00

(cento e noventa e dois bilhões de reais).2

Assim, são milhares de cidadãos que possuem seus imóveis localizados nos

denominados terrenos de marinha.

Exemplo desta realidade, é a cidade do Recife com cerca de 60% (sessenta por cento)

de sua área, sob alegação de domínio público. Na Baixada Santista seriam cerca de 40.000

(quarenta mil) imóveis tidos como pertencentes à União. Já no Estado de Santa Catarina,

estima-se que 150.000 (cento e cinquenta mil) imóveis pertencem ao domínio público, sendo

apenas 26.000 (vinte e seis mil) regularmente inscritos.3

Esta ausência de demarcação, bem como de critérios seguros para delimitação –

confiados exclusivamente à Secretaria do Patrimônio da União - levou alto funcionário

público, a escrever já em 1913, que hoje decorridos 81 (oitenta e um) anos da execução dessa

1 J. X. Carvalho de Mendonça, “Os Terrenos de Marinha e os Interesses da União, dos Estados e das Municipalidades”, Revista O Direito, vol. 85, p. 87

2 RODRIGUES, Rodrigo Marcos Antônio. Curso de terrenos de marinha e seus acrescidos. São Paulo: Nelpa, p.

93

3 CASTRO, Juliana Maria Cerutti. PASTORE, Rodrigo Reis. Terrenos de Marinha: Abordagem Catarinense de

um problema nacional. Disponível no endereço eletrônico:

(15)

lei, não se encontram elementos que permitam marcar ou afirmar qual era a linha do preamar

médio desta época.4

Com efeito, passados mais de dois séculos, ainda não houve completa demarcação.

Submetidos a um regime híbrido de direito público e privado, às regras do direito

público submetem-se os atos demarcatórios.

De natureza meramente declaratória, são atos decisórios protegidos pela presunção

de legalidade.

Esta tardia decisão administrativa acarreta – muita vez - importante consequência aos

particulares, passando de titulares plenos do domínio, a meros detentores do domínio útil.

Vale dizer: passam de proprietários à condição de meros ocupantes ou foreiros, com

pagamento de encargos à União.

Consequentemente, para além dos efeitos individuais gerados, a ordem jurídica toda

se ressente da ausência de demarcação/ escrituração: desmerece-se, assim, a segurança

jurídica advinda da secular estrutura registrária - cujo responsável é o próprio Estado - em

detrimento de suposto direito de propriedade estatal.

Assim, o reconhecimento do direito de propriedade - como direito fundamental que é

- nascido como garantia do indivíduo frente ao próprio Estado, cede espaço aos atos

subjetivos e arbitrários, desnaturando, por conseguinte, sua própria finalidade.

Mas, não é só: estes tardios atos demarcatórios são eivados de graves vícios, posto

que lastreados em critérios acientíficos que, para além de utilização de critérios ilegais – com

desprezo à linha do preamar médio do ano de 1831 - estão a desconsiderar o crescente

aumento do nível do mar.Em suma: toma-se por público o que é alodial – e vice-versa - em

repulsa da lei.

4 RODRIGUES, Jorge Martins. A lei e a realidade na questão dos terrenos de marinha. Publicado no jornal

(16)

À despeito, multiplicam-se os projetos de lei sobre o tema, ora com vistas à

substituição do parâmetro legal, outrora defendendo-se a extinção.

O tema é tormentoso e a escassez doutrinária contribui de sobremodo a dificultá-lo.

Observa-se, assim, desde logo, a necessidade premente de estudo.

Buscou-se, por conseguinte, analisar de modo precípuo os terrenos de marinha

costeiros.

Desta sorte, no primeiro capítulo, esclareceremos pontos como definição, origem,

presença no direito português, finalidade, natureza jurídica, classificação, sesmarias e terras

devolutas.

Já com conceitos delineados, no segundo capítulo, apresentamos um breve histórico

das marinhas e sua disciplina legal.

Desta forma, no terceiro capítulo, abordamos, enfim, o cerne da problemática: a

demarcação dos terrenos de marinha, para ao final, no quarto capítulo, encerrarmos com o

exame do contrato enfitêutico.

O propósito deste trabalho é contribuir, ainda que de modo singelo, ao

esclarecimento de tema tão obscuro, quanto desconhecido, quer seja pelo público em geral,

(17)

Capítulo I – Terrenos de Marinha

1.Definição

São terrenos de marinha em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.”5

“Constituem terrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas do mar ou rio navegáveis, vão até 33 metros para a parte da terra, contados desde o ponto a que chega o preamar médio.”6

Não é rara a confusão acerca do real significado do termo terrenos de marinha.

Muitos acreditam que são áreas de propriedade da Marinha, ou seja, relacionado ao Ministério

da Marinha. Contudo o adjetivo marinha tem origem em mar, sem qualquer relação com as

Forças Armadas, conforme esclarece Pugliese:

“Terreno de marinha não se confunde com da marinha, pois enquanto o primeiro é aquele definido no referido decreto, os últimos são terrenos de uso pelo Ministério da Marinha. Um prédio urbano situado em Brasília, em uso por qualquer repartição do Ministério da marinha, é um terreno de propriedade da União, porém da Marinha, assim como uma fortaleza à beira-mar, independentemente de quem usá-los, sempre será terreno de marinha, de propriedade da União.”7

5 Decreto lei 9760/46, art. 2º.

6 Código de águas, art. 13; O ponto a que se refere considera-se ao estado e ao tempo da execução do art. 51,§14,

da lei de 15/11/81

7 MELO, Lia dos Reis. PUGLIESE, Roberto J. Dos terrenos de marinha e seus acrescidos. São Paulo: Letras

(18)

Themístocles Cavalcanti, na esteira de Pugliese, descreve as marinhas como aquelas

definidas em lei como tal, o que permanece sendo nada esclarecedor. 8 Em complementação, elucida Celso Antonio Bandeira de Mello:

“(...) faixas de terra fronteiras ao mar numa largura de 33 metros contados da linha do preamar médio de 1831 para o interior do continente, bem como as que se encontram à margem dos rios e lagoas que sofram a influência das marés, até onde esta se faça sentir, e mais as que contornam as ilhas situadas em zonas sujeitas a esta mesma influência. Considera-se influência das marés as oscilações periódicas do nível médio das águas igual ou superior a 5cm (art. 2º, e parágrafo único do Decreto lei 9760, de 5.9.46).”9

Assim, são porções de terra situada na zona costeira ou às margens insulares,

lacustres e fluviais, contadas horizontal e ininterruptamente a partir da água do mar ou da

influência exercida pelas marés, até a distância de 33 metros contados da linha da preamar

média do ano de 1831.

A fixação está, pois, relacionada com a influência direta ou indireta das marés nas

zonas litorâneas - costeiras ou insulares - ou nas lagoas e fozes dos rios.

Vale dizer: em áreas banhadas por águas salgadas, sob influência do regime

luni-solar.

Afora a influência das marés às margens dos rios e lagoas, são terrenos reservados e

não marinhas, cuja condição sine qua non é a influência da maré.

Outrossim e embora a definição trazida pelo art. 2º, do Decreto 9.760/46 esteja

vigente, há quem entenda que os 33 metros foram revogados pelo §3º, do artigo 49 dos Atos

das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Verbis:

8 CAVALCANTI. Themistocles Brandão. Tratado de Direito Administrativo. vol. III, 3ª ed., Livraria Freitas

Bastos S.A., São Paulo, 1976, p. 406

9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.21ª ed.,São Paulo: Malheiros,

(19)

“Art. 49: A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultado aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos.

§3º: A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança a partir da orla marítima.”

Desta sorte, para doutrina minoritária, houve supressão do conceito estabelecido no

decreto, restando, portanto, ainda, à lei definir o conceito de faixa de segurança, inadmitindo,

contudo, a recepção do art. 2º, do decreto 9760/46, pelo ordenamento pátrio.10

Sem embargo, não nos parece que tenham razão. A aludida faixa de segurança

constante na ADCT, nada mais é que uma referência ao conceito legal estatuído pelo decreto

9760/46. Aliás, admitindo a correção desta corrente, terrenos de marinha, somente existiriam

na orla marítima, o que, embora seja objeto exclusivo deste trabalho, não corresponde à

realidade, como visto em sua conceituação.

São, pois bens imóveis terrestres de titularidade da União Federal.

Nada obstante, sua primitiva caracterização foi esboçada pela Ordem Régia de 10 de

janeiro de 1732, in verbis:

“ (...) da linha d’agua para dentro sempre são reservadas 15 braças pela borda do mar para serviço publico, nem entrão em propriedade alguma dos confinante com a marinha e tudo o quanto allegarem para apropriar do terreno é abuso inattendivel.”

A esta seguiram-se os Avisos de 29 de abril de 1826, 13 de julho de 1827, 20 de

outubro de 1832, Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831 e, finalmente a importante

instrução normativa n. 348, de 14 de novembro de 1832, que regulamentou o tema. Verbis:

10 MELO, Lia dos Reis. PUGLIESE, Roberto J. Dos terrenos de marinha e seus acrescidos. São Paulo: Letras

(20)

“Hão de considerar-se terrenos de marinha, todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, vão até a distância de 15 braças craveiras para parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio.”

Neste contexto, craveiro era instrumento apto a mensurar a altura, braça era medida

utilizada, à época, correspondente aos atuais metros ( 2,20 m) e preamar, a maré alta.

Em suma: 15 (quinze) braças craveiras da preamar média do ano de 1831 significam

33 (trinta e três) metros da média da maré alta do ano de 1831.11

Nada obstante, foi, ainda, a partir desta lei orçamentária - de 15 de novembro de

1831, regulamentada pela instrução normativa n. 348 - que os terrenos de marinha passaram a

figurar na legislação pátria, atualmente como fonte importante de renda estatal.

Com o decreto lei n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868, definiu-se em metros (33), o

que antes era explicitado através das braças (15).

Outrossim, em que pesem as sucessivas modificações normativas, as balizas, do

instituto, desde 1831, permaneceram incólumes.12

Sua expansão deu-se com o Decreto lei 2.490, de 16 de agosto de 1940, que acresceu

ao clássico conceito das marinhas as faixas de terras marginais situadas em rios e lagoas, até

onde fosse sentida a influência das marés.

Com efeito, não se desnaturou: isto porque a influência das marés acabam por tornar

salgadas as áreas sob sua ação.13

Logo, à existência das marinhas remete-se sempre a idéia de água salgada (influência

das marés).

Nada obstante, distinguem-se as terras de marinha das praias, pois estas, desde os

tempos imemorais, são consideradas de uso comum do povo.

11 RODRIGUES, Jorge Martins, op. cit.

12 Pelo decreto 4120/42 buscou-se alterar a linha do preamar para máxima atual, em substituição ao ano de 1831.

Contudo, revogado em pouco tempo pelo decreto 9760/46, cuja opção foi pela tradição – ou seja, preamar do ano de 1831.

(21)

Já no Direito Romano a res humani juris, dividia-se em res publicae, que eram os bens tidos como propriamente de uso comum do povo, como rios, estradas, portos, e res

communes, pertencentes à todos os homens ( romanos ou estrangeiros), como o ar, água corrente, mar e seu litoral, como visto no Digesto de Justiniano: “Algumas coisas são por

direito natural comum de todos e outras da coletividade.”14

Esta ideia presente no Direito Romano e vista até os dias atuais foi reproduzida na

Ordem Régia de 10 de janeiro de 1732:

“Me parece odernar-vos não consintaes se aproprie pessoa alguma das praias do mar por ser commum para todos os moradores e assim o mandareis declarar por edital e quem violentamente obrar o contrario procedereis contra elle.”15

Sabe-se que o domínio público sobre o mar compreende as águas territoriais e a

porção de terra necessária ao desenvolvimento das marés e, é isto que está disciplinado no

artigo 10 da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Verbis:

“Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar. §3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias,

14 RODRIGUES, Curso de Terreno de Marinha e seus acrescidos, op. cit., p. 123

15 OTÁVIO. Rodrigo. Do domínio da União e dos Estados segundo a Constituição Federal. 2ª ed., 1942, Livraria

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cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”

Assim, o lido, ou leito do mar, caracteriza-se como a porção de território submerso e

à mercê das marés, que se prolonga, sem solução de continuidade, na praia até o limite da

maré alta.16

Desta forma, é praia – spiaggia - a porção de terra coberta pelo mar nas maiores

enchentes ordinárias (art. 10, §3º, L. 7.661/88).

Nesta senda, importa acrescer que a zona costeira é patrimônio nacional “e sua

utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”17

Reiterando, são terrenos de marinha, aqueles medidos em 33 (trinta e três) metros

contados horizontalmente para a parte da terra, a partir da preamar média do ano de 1831.

As praias são bens de uso comum do povo, inalienáveis e de livre acesso à todas as

pessoas, já os terrenos de marinha, bens dominicais.

Nesta linha de raciocínio, importa salientar que a modificação do nível das águas e a

utilização da linha do preamar do ano de 1831, pode gerar curiosa situação: a confusão das

faixas de marinha com as praias. Assim, em que pesem os institutos serem diferentes algumas

vezes podem misturar-se a tal ponto em que as marinhas, serão de uso comum do povo.

Isto porque, mister se faz a proteção do livre acesso às praias e ao mar, razão pela

qual, embora inicialmente as faixas de marinha sejam bens dominicais – como veremos – a

tendência será considerá-la como de uso comum do povo, ante a confusão fática com o

ambiente praial.

16 TÁCITO, Caio. Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres). 2º vol, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.

1739

17 Art. 225,§4º, CF: A Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona

Costeira, são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem

(23)

Diferem-se os terrenos de marinha dos acrescidos de marinha, por serem estes uma

acessão natural ou artificial, para o lado do mar ou dos rios e lagos, além dos limites e em

seguimento às marinhas (art. 3º, Dec. Lei n. 9760/46).

São formações, sem extensão definida, fruto da ação da natureza, por força do

deslocamento feito pelos ventos ou águas de materiais detríticos, ou, ainda, pela ação humano,

via aterros artificiais.

Com efeito, estão os acréscimos em relação de prolongamento das marinhas.

Os terrenos de marinha distinguem-se dos mangues, pois enquanto estes são

alagadiços e de medidas incertas, os terrenos de marinha têm profundidade ou largura certa.

1.2. Origem e Direito Português

Conhecidos também como marinhas, terras de marinha,salgados ou terra salgadas, os terrenos de marinha são tidos pela doutrina como figura tipicamente brasileira.

Para esta, seus contornos – faixa marginal de titularidade pública com extensão

pré-definida - não encontram pares no direito alienígena, como leciona Rosita de Sousa Santos:

“Não existe este conceito, nem mesmo sua figuração, por mais tênue que seja, mas fontes

romanas, visigóticas, ou germânicas, e nunca fez ele presença nas Ordenações

portuguesas.”18

Não destoam os ensinamentos de Rodrigo Octávio:“No antigo direito portuguez,

onde aliás, não se conheciam os terrenos de marinha, as praias eram públicas.”19

(24)

Tampouco, os povos do velho continente, conheceriam este peculiar instituto pátrio,

como ensina Manoel Madruga:“Pelo antigo direito portuguez, segundo o qual as praias eram

públicas, não se conheciam os terrenos de marinha.”20

Esta suposta ausência de figura análoga, levou Rosita Santos a afirmar que tornar-se-ia sem significação a crtornar-se-iação de expressões como marine land ou rivage de la mer, ou outra

semelhante. Verbis:

“Muito embora todos os países possuidores de costa marítima se preocupem com os elementos físicos constituídos das praias e terras adjacentes, e que, comumente, caracterizem estes elementos como pertencentes ao domínio público, nenhum deles chegou a criação daquilo que entre nós, se denomina terra de marinha, ou terreno de marinha.”21

Logo, para pouca doutrina existente sobre o assunto, mesmo ao buscarmos suas

raízes no direito luso – cuja criação, nos restou como legado - não encontraríamos figura

análoga, muito embora no Direito Romano, fosse permitida a edificação por particulares nas

praias, já consideradas como bens de uso público.22

À míngua de comparação, sustentam ser possível observar os primeiros contornos

dos institutos nas chamadas marinhas do sal ou salinas, terras estas que em Portugal, eram

reservadas ao patrimônio público, para preparo do sal, (Ordenações Filipinas, L. II, Tít.

XXVI, §15 e Alvará de 10 de maio de 1672).23

20 MADRUGA, Manoel. Terrenos de Marinha. Vol. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928, p; 65 21 SANTOS, Rosita de Sousa. Op. cit., p. 9.

(25)

Assim, defendem que bastante provável que delas – as marinhas do sal - tenha-se

importado a idéia do resguardo de faixas livres, a permitir o embarque e desembarque de

mercadorias. 24

Contudo, a afirmação – há muito repetida - senão falsa, é parcialmente verdadeira.

Isto porque, embora sem a denominação cá utilizada, em Portugal, encontramos

instituto semelhante, com o resguardo de faixas marginais, sob titularidade pública.

Em terras lusitanas, os nossos terrenos de marinha compõem os bens do domínio

público hídrico do Estado.

Pelo decreto n. 8, de 1 de dezembro de 1892, disciplinou-se que as praias

extendem-se até onde alcançar o colo da máxima praiamar das marés vivas, estabelecendo-extendem-se, ainda,

uma faixa de 50 m a contar da praia para fiscalização das autoridades marítimas (art. 14,§3º).

Embora este decreto buscasse a regulamentação dos bens de domínio público, sua

disciplina era de sobremaneira tormentosa. Desta sorte, sobreveio o decreto-lei 468/71, a reger

particularmente o regime jurídico dos terrenos de domínio público hídrico. No tocante as

faixas cá denominadas como terrenos de marinha, estabelece-se:

ARTIGO 1.º

(Âmbito de aplicação)

Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitos ao preceituado no presente diploma em tudo quanto não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais.

ARTIGO 2.º

(Noção de leito; seus limites)

24 Eram zonas protegidas no litoral português. Remontando à época pré-romana, na Etrúria as áreas de onde era

(26)

1. Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial.

2. O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais. Essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo.

3. O leito das restantes águas é limitado pela linha que corresponder à estrema dos terrenos que as águas cobrem em condições de cheias médias, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto. Essa linha é definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do taludo marginal ou pelo alinhamento da aresta ou crista do taludo molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais.

ARTIGO 3.º

(Noção de margem; sua largura)

1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.

2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m.

3. A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis tem a largura de 30 m.

4. A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m.

5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.

(27)

Particularmente, o quanto cá nos interessa – acerca dos terrenos de marinha costeiros

– esta linha é contada a partir da linha da máxima preia-mar das águas vivas equinociais até

50 m, aplicando-lhes diversas regras.

Tratam-se, pois de faixas públicas, conquanto, haja reconhecimento da propriedade

privada aos que comprovadamente demonstrem posse ou propriedade anterior ao ano de 1864

ou 1868, conforme o caso, como se observa da leitura do art. 8º, deste mesmo decreto. Verbis:

“ARTIGO 8.º

(Reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicos)

1. As pessoas que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis devem provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868.

2. Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do n.º 1 deste artigo, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, naquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.

3. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas.

(28)

A delimitação da área pública é feita por uma Comissão, mediante determinado

formalismo (art. 10).

Seu uso, igualmente como sucede na legislação pátria, é admitido através de licenças

ou concessões do poder público (art. 18), sob pagamento de taxa (art. 24). É prevista, também,

a forma de ocupação.25

A lei n. 54/2005, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos portugueses,

dispõe em seu art. 15, que os particulares que pretendam reconhecimento de sua propriedade

privada, o façam mediante ação judicial até 01 de janeiro de 2014, comprovando que tais

terrenos eram por título legítimo, propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro

de 1864, ou se se tratar de arribas alcantilhadas até 22 de março de 1868, sob pena de

tornarem-se públicas terras porventura privadas.

Assim, como sucede no Brasil, a ausência de sistematização da matéria, a tecer

enorme colcha de retalhos, para além do excesso de burocratização, é objeto de severas

críticas como anota Menezes de Cordeiro:

“Tudo isto funciona em termos pesados e burocratizados, desviando energias do Estado que deveriam estar concentradas na efectiva defesa do litoral. Cada vez mais se sabe que esta zona é sensível, sendo os 50m., muitas vezes, insuficientes. Noutros casos, porém – designadamente quando exista, como em muitas povoações, uma marginal pública apetrechada -, nenhum sentido faz considerar a linha das habitações licenciadamente edificadas no lado continental da via, estando no domínio público, obrigando-se a fazer prova de sua pré-existência lícita, em 1864 ou enredar-se num interminável processo de autorização. Haveria, pois, que à luz destas reflexões, flexibilizar o regime e ampliar os poderes da Comissão.”26

25 Diversos diplomas posteriores buscam esclarecimentos da matéria, conquanto as diretrizes permaneçam sob à

égide do Dec.468/71. Ver Decreto-lei 70/90

26 CORDEIRO, Antonio Menezes. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Coisas, 2ª ed.,

(29)

Contrariamente ao defendido pela doutrina nacional, há sim instituto análogo em

terras lusitana, embora não tenham sido encontrados em outros países.

Em suma: assim como sucede com relação às nossas marinhas, em Portugal, há o

resguardo de uma faixa de terras marginais, sob titularidade do domínio público, em harmonia

a legislação brasileira.

Outrossim, o reconhecimento da propriedade privada aos que comprovarem título

legítimo até o ano de 1864 ou 1868, conforme o caso, demonstra que antes disto a

propriedade destas faixas marginais era reconhecidamente privada, contrariamente ao que

sucedia no Brasil-Colônia, conduzindo a conclusão de que o instituto foi importado da colônia

aos colonizadores.

Todavia não se pode dizer que, embora, transplantado o regime jurídico das marinhas

brasileiras para o solo português, tratava-se de inovação lusitana para o solo nacional.

Cremos que – guardadas as devidas particularidades - as linhas fulcrais do instituto

apontam para as lezírias ou lizírias, cuja figura é tipicamente reinol, com elementos do aforamento e resguardo público de terras marginais fluviais, inicialmente com vistas à defesa

e povoamento.

Sua etimologia do árabe (al-jazira– ilha), tem significação de ilhas de terra que o rio

arrasta e se depositam nas margens.27

São, pois, porções de sedimentos fluviais que emergem ligeiramente acima do nível

médio das águas, às margens do rio Tejo – por isso, poeticamente intituladas filhas do Tejo.

A lezírias do Ribatejo, explica MADALENO, foram objeto de interesse Real desde

os primórdios. Verbis:

27 BEIRANTE, Maria Ângela. O Tejo na construção do poder na idade média portuguesa de D. Afonso I à D.

(30)

“As lezírias do Ribatejo iniciam-se no município de Salvaterra de Magos e prolongam-se por Vila Franca de Xira até ao Mar da Palha, ou seja, até à parte mais larga do estuário do rio Tejo. Os terrenos são fecundados pelos aluviões trazidos pelo rio e levados pelas marés oceânicas, sendo muitas as ilhas fluviais e os solos localizados entre rios com altitudes inferiores a 5 metros abrangidos pela designação de lezíria. Não surpreende ninguém que a elevada fertilidade reconhecida a estes terrenos planos cedo tivesse atraído as atenções dos que tinham por mor mister governar o pequeno país, sendo claro que desde os primórdios da nacionalidade “quando D. Afonso Henriques tomara Santarém aos Mouros, partira as terras como tivera por bem, reservando para si a lezíria de Alcoelha, bem como todas as outras”. Exceptuava-se a lezíria da Valada que, segundo o cronista Gama Barros, pertencia ao concelho de Lisboa, “sendo anualmente distribuída entre os pobres que dela arrancavam o seu sustento”. (Castro, 1971, p. 726).”28

Já à época da invasão moura, os árabes comparavam o rio Tejo ao Nilo, em vista de

sua importância e fertilidade de suas terras marginais.29

Enfim, por ser rio navegável e de grande extensão, o Tejo teve importância no

deslocamento mouro pela península ibérica, daí a preocupação da defesa e povoamento das

áreas marginais, tidas como pertencentes à Coroa, pelo direito de conquista.30 Neste sentido:

“Os textos que documentam o contencioso das lezírias provam que, por necessidades de defesa e povoamento os primeiros reis portugueses concederam algumas destas terras aos concelhos e ordens militares.”31

A partir do século XII, D. Dinis, conhecido como rei lavrador, cedeu grande parte

das lezírias à Ordem do Templo e outras menores, despendendo grande fortuna na proteção e

28 MADALENO, Isabel Maria. Companhia das Lezírias: passado e futuro. Hispania nova, revista de historia

contemporânea. Disponível em: http://hispanianova.rediris.es/6/articulos/6a001.pdf

29 BEIRANTE, Maria Ângela. O Tejo na construção do Poder Real na idade média portuguesa de D. Afonso I

à D. João I, Revista da Faculdade de Letras, p.774

30 A importância do rio Tejo, está também relacionada à fundação da cidade de Lisboa. Conta a lenda que

Ulysses após o fim da guerra de Tróia, chegou às terras hoje em que se localizam a cidade, pelas águas do Rio Tejo.

(31)

concessão de benefícios, com dispensa dos serviços militares e isenção de impostos, aos

cultivadores das terras.

A estrutura de concessão assemelhava-se ao aforamento, com elementos de

perpetuidade32 ( nem sempre presente, vezes optando-se pelo arrendamento), transferência do domínio útil operada pelas cartas de doação e cobrança de rendas, tudo em nome do Poder

Real e à cargo da Provedoria das Lezírias.33

O chefe desta repartição era o provedor, a quem incumbia a concessão das terras,

com delegação de funções de cobrança e jurisdição contenciosa aos almoxarifes, como visto

no alvará n. 97, de 14 de junho de 1582. Verbis:

“Toda a pessoa que lavrar terras das lizirias (de Villa Franca), seja por arrendamento ou sub-arrendamento, matação ou doação, seja lavrador ou parceiro do lavrador, ou seareiro, ou qualquer outro título, não levante o pão da eira sem primeiro o partir, e pagar os direitos da R. fazenda dos Almoxarifes, sob as penas do Regimm. as quaes os mesmos Almoxarifes logo executem. Rgm.II,322.”34

Outrossim, as regras gerais, então vigentes, eram disciplinadas pelo Regimento das

Lezírias datada de 1576.

Pelo regimento do juízo do Tombo, n. 115, do ano de 1586, acerca dos usos dos bens

da coroa, vê-se a preocupação reinante com a sonegação dos foros. Verbis:

“Sendo informado que na comarca e contadoria de Santarem, e nos campos e nas mais Lizirias e Paus andão sonegados e descaminhados muitos prédios foro direitos pertencentes à Coroa e Fazenda, manda ao Des.

32 BEIRANTE, Maria Ângela. Op. cit., p. 77. Assinala a autora que a doação feita a D. João Peres de Aboim, era

jure hereditario.

33 Arquivo nacional da Torre do Tombo. Disponível em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4310504

34 CARNEIRO, Manoel Borges. Resumo Chronologico das leis mais uteis no foro e uso da vida civil. Tomo I,

(32)

Cosme Rangel que vá fazer o tombo dos bens e cousas na dita Comarca, regulando-se pelo presente regimento.”35

Assim, quando o assunto eram lezírias, diversos eram os contratos que disciplinavam

as questões, sendo ora regulados pelos arrendamentos, e outrora por aforamento. Em regra,

aos pequenos cultivadores os contratos eram de arrendamento, aos grandes a concessão

dava-se por aforamento.

A inobservância dos regulamentos e a má administração das rendas, geraram crise,

agravada pelas invasões francesas, fuga da família Real ao Brasil, e abandono das terras.

Em 1815, D. João, na época já no Brasil, buscou o incremento, com isenções aos

cultivadores das terras incultas.

Contudo, as lezírias foram alienadas pela Coroa Portuguesa, para satisfação das

despesas correntes do tesouro, em hasta pública, tendo sido arrematadas em 1836, pela, ainda,

hoje, existente Companhia das Lezírias.

Nada obstante, e embora não tenhamos encontrado na pouca doutrina existente sobre

terrenos de marinha, a alusão à figura das lezírias como origem do instituto, da análise

pormenorizada da legislação reinol sobre o tema, cronologicamente coincidente com a época

de nosso descobrimento e implantação do sistema de capitanias hereditárias, concluímos, que

o modelo de resguardo da propriedade pública às margens do rio Tejo, com características de

aforamento, e com vistas no povoamento e defesa do território das invasões mouras,

assemelha-se de sobremaneira ao sistema implantado no Brasil, cujas marinhas, inicialmente,

eram dadas em sesmarias, conforme veremos adiante.

Esta estrutura jurídica, política e fiscal para concessão de terras e cobrança de suas

rendas é vista claramente nos poderes outorgados aos donatários das capitanias hereditárias no

Brasil.

(33)

De todo modo, acredita-se que a origem dos terrenos de marinha, seja proveniente do

regime jurídico e de defesa implantado nas lezírias do Ribatejo, tendo sido posteriormente, em

virtude da proibição da concessão das marinhas por sesmarias, associado às faixas livres

marginais existentes nas marinhas do sal portuguesas, cujo elemento de resguardo da

propriedade pública também estivera presente.

Desta sorte, tudo está a indicar que a ideia das marinhas brasileiras, cuja origem

provável remonta às lezírias do Ribatejo, foi no século XIX transplantada para Portugal,

coexistindo, atualmente, em ambos os países institutos análogos.

Esta ilação reforça-se pelo reconhecimento da propriedade privada no Direito

Português, aos particulares que comprovem por título legítimo, que os terrenos eram

pertencentes ao domínio particular antes de 1864 ou 1868, conforme a hipótese legal.

1.3 Finalidade

Aliada a sempre mencionada finalidade militar ( defesa ), também presente nas

primeiras concessões das lezírias portuguesas, as marinhas tomaram importância paulatina no

território nacional, na exata medida da percepção de frutos à Coroa.

Inicialmente, esta faixa de terras, eram dadas em sesmarias, com vistas no

povoamento e defesa das recém-descobertas terras, por intermédio das cartas de doação e

foral, conferidas aos donatários das capitanias hereditárias.

Contudo, a provável dificuldade encontrada no escoamento da produção nacional

pela ocupação destas faixas de terras, culminou com a proibição real das concessões, como

visto na Carta Régia de 12 de novembro de 169836:

(34)

E daqui por diante ordeno se não dê mais em sesmarias de terras sitas

junto às marinhas, porque essas se devem requerer a mim, e dando-se algumas se haverão por nullas a todo o tempo que constar forão dadas sem ordem e graça especial minha.”37

Enfim, no viabilizar de local para trânsito e armazenamento, preparo, embarque e

desembarque, e livre passagem das rendas,38 assim como ocorria com relação ao sal nas marinhas portuguesas, fez-se necessária a preservação de faixas livres marginais – marinhas.

Logo, o sal, a pesca, o pau Brasil, o ouro e os lucros trazidos por estes produtos à

Coroa sobrepunham-se ao interesse sobre a própria terra.39

Sua importância encontrava fundamento no interesse dos colonizadores sobre nossas

riquezas naturais – é, pois fruto da relação extrativista de colonizador e colonizados.

Até mesmo a defesa do território tida como função primária do instituto, era

importante, enquanto – e na proporção - da preservação dos lucros da Coroa, como ensina

Ruy Cirne Lima: “Do começo, nada éramos mais, na verdade, do que uma grande

feitoria...”40

Em supedâneo à tese, a Ordem Régia de 4 de dezembro de 1678:

estes mangues eram de minha regalia, por nascerem no salgado onde só chega o mar e com a enchente serem muito necessários para conservação desse povo, engenhos e navios.”41

Tal retrato foi bem representado por Benedito Calixto, neste quadro denominado

trapiche:

37 SANTOS, op. cit., p. 117

38 Este motivo consta na Ordem Régia de 7 de maio de 1725 39 SANTOS, op. cit, p. 5

40 LIMA, Ruy Cirne. Sesmarias e Terras Devolutas (Parecer). Porto Alegre: Oficinas Graficas Thrumann, 1931,

p. 24

(35)

Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/santos>

Nota-se da pintura que a área destinada às marinhas, restavam livres para o

embarque/desembarque e armazenamento das mercadorias, em consonância com sua função

econômica no Brasil-Colônia.

Assim, resta evidente que o interesse econômico sempre pautou o regime.

Se outrora as faixas de terras destinadas às marinhas serviam à defesa e ao

escoamento da produção nacional à Coroa, ora cingiram-se a importante fonte de receita

federal a propiciar receita anual ao Serviço do Patrimônio da União de R$3.331.106.585,00.42 Difere-se, assim, da concepção primitiva, como destaca Mario Müller Romiti:

“A razão principal para a instituição foi militar, secundariamente, servir como fonte de renda. Buscou-se a manutenção da faixa livre na borda do mar, sem construções outras que bélicas, pronta para o livre deslocamento de tropas na hipótese de defesa urgente contra desembarques, seja de piratas, seja de forças regulares do país inimigo.

O terreno enxuto, para além da influência das marés regulares e sem vegetação densa, seria sempre admitido como livre de obstáculos prejudiciais ao movimento das fileiras.

O objetivo principal foi sendo paulatinamente esquecido pela falta de guerras ou invasões, substituindo-se pelo interesse econômico da coletividade.

42 LIMA. Obéde Pereira de. Terrenos de Marinha e seus acrescidos: localização, demarcação destes bens pela

União pelo método científico versus critérios adotados pela União. p.7 (Disponível no site

(36)

Foi, enfim, sobreposto o secundário ao principal, até privilegiar a produção de renda, como matéria patrimonial afeta à União.” 43

Releva ainda, atualmente, a visão ambiental, como lembra Machado:

“(...) a preocupação com a defesa do litoral e das zonas adjacentes foi uma das preocupações que levou a Coroa Portuguesa a reservar as marinhas. Essa era a idéia mater nos diversos países que instituíram esta limitação ao direito de propriedade. Essa diretriz permanece, mas acrescida da idéia de livre acesso ao mar e de proteção ao meio ambiente litorâneo.”44

É nesta linha de raciocínio que o art. 225, §4º da Constituição Federal, prevê a

utilização legal e segura da zona costeira brasileira.

Contemporaneamente, portanto, as marinhas permanecem com função econômica,

eminentemente arrecadatória, embora seja possível acrescer secundariamente uma função

protetivo-ambiental, como enfoque existente no Direito Português.

1.3. Natureza Jurídica

Anota Manoel Madruga, citando Francisco D’Áurea, então contador geral da

República, que o patrimônio público, quanto à sua origem e estrutura, pode-se dividir em duas

espécies: aquele pré-existente oriundo da natureza e outro erigido com tributos pagos pelos

cidadãos. Verbis:

“Uma parte do patrimônio do Brasil teve sua origem com a formação da nossa nacionalidade. Os bens que a compõem herdamo-los em grande parte

43 ROMITI, Mário Müller. Terrenos de Marinha, Revista do Advogado, São Paulo: Associação dos Advogados

de São Paulo, n. 62, p. 10, mar.2001.

(37)

da natureza que tão generosa foi conosco. E aí esta para atestá-lo o numero infinito de praias, de rios navegáveis, de florestas vastíssimas e impenetráveis. Os numerosos portos e as estradas produto dos nossos antepassados.

(...)

Esta parte do patrimônio é por assim dizer um legado que o Estado recebeu. Outra parte do patrimônio teve origem nos tributos do povo.”45

Quanto à titularidade, com vistas na origem pública de nossas terras conquistadas

pelo reino português e posteriormente transferidas ao Estado, temos que as terras brasileiras

são em sua origem fruto do desmembramento da propriedade pública, transferida

paulatinamente aos particulares.

Vale dizer: convivem harmonicamente em solo brasileiro a propriedade pública e a

propriedade privada.

Sob esta ótica, aos bens que restaram sob o domínio público, quanto à sua

destinação, podemos classificá-los, em: a) uso comum do povo; b) uso especial; c)

dominicais. É isto que dispõe o artigo 99, do Código Civil.

Os bens de uso comum do povo são destinados por lei ou por sua natureza ao uso

coletivo. Já os de uso especial, prestam-se a consecução dos objetivos da Administração

Pública. Estas duas espécies de bens são classificadas, sob o aspecto jurídico, de bens do

domínio público do Estado, ao passo que ambas as espécies são destinadas aos fins públicos.

Por outro lado, os bens dominicais são considerados como bens do domínio privado

do Estado, posto que sua destinação é indefinida, de modo que podem ser aplicados pelo

Poder Público para obtenção de renda.

É nesta classificação que temos os terrenos de marinha como bens dominicais e é

esta sua natureza jurídica (art. 20, VII, CF).

(38)

Pertencentes à União, constituem parte de seu patrimônio disponível, quando não

afetados ao uso comum ou ao uso especial, como ensina Hely Lopes Meirelles:

“São aqueles que embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim, ou mesmo alienados pela Administração, se assim o desejar.”46

Manoel Madruga excepciona os terrenos de marinha, posto serem insusceptíveis de

propriedade privada. Verbis:

“Terrenos de marinha são bens de domínio público, e, assim, não são susceptíveis de propriedade privada, sendo que as concessões feitas sobre elles são sempre a título precário e, portanto, revogáveis a todo tempo que o interesse da comunhão o exija, princípios de direito, esses, aliás, consagrados pelo art. 203 da Consolidação das Leis da Alfândega.”47

Todavia, podem ser disponibilizados pelo Estado aos cidadãos, mediante aforamento

ou ocupação, assim cumprindo função social.

A Administração exerce o papel de proprietária: daí, afirmar-se tratar do domínio

público mais aproximado do direito privado.48

Assim, admite-se a aplicação das normas de direito privado quanto a esta espécie de

bens, no que tange aos conflitos entre particulares. 49

Submetem-se a um regime jurídico híbrido, com regras de direito público e direito

privado, como ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:

46 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 522 47 MADRUGA. Manoel. Op. cit., p. 167

48 CAVALCANTI, Themistocles. Curso de Direito Administrativo.3ª ed., Livraria Freitas Bastos: São Paulo,

1954, p.451

(39)

“Se nenhuma lei houvesse estabelecido normas especiais sobre esta categoria de bens, seu regime jurídico seria o mesmo que decorre do Código Civil para os bens pertencentes aos particulares. Sendo alienáveis, estariam inteiramente no comércio jurídico de direito privado (art. 101); em conseqüência, poderiam ser objeto de usucapião e de direitos reais, inclusive os de garantia (art. 1420); como também poderiam ser objeto de penhora e de contratos como os de locação, comodato, permuta, arrendamento.

No entanto, o fato é que as normas do direito civil aplicáveis aos bens dominicais sofreram inúmeros desvios ou derrogações impostos por normas publicísticas.”50

Este regime jurídico misto é o que acontece, verbi gratia, quando do aforamento,

como ensina Rosita de Sousa Santos:

“(...) quando a União defere a proposta de se constituir um aforamento, ela está praticando um ato administrativo, mas quando ela contrata a negociação do domínio útil com o pretendente ao aforamento, transformando-o em foreiro, ela é parte em um contrato regido pelo Código Civil.”51

Como exceções à aplicabilidade do regime jurídico de direito privado, temos: o

processo especial de execução contra a Fazenda Pública, com exclusão de penhora dos bens

públicos, a impossibilidade usucapião de bens públicos, a inviabilidade de instituição de

direitos reais de garantia.52

Nesta senda, importa notar que, no que tange aos terrenos de marinha, embora bens

públicos dominicais, insuscetíveis de usucapião (Súmula 340, STF), tem-se entendido cabê-lo

no tocante ao domínio útil. Neste sentido, Benedito Silvério:

50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 573. 51 SANTOS, Rosita de Sousa. Op. cit. P. 66

(40)

“Resumindo, é perfeitamente possível usucapião de enfiteuse, ordinária ou extraordinária, primeiramente, desde que haja a comprovação do pagamento da pensão ou foro do senhorio direto; em segundo lugar, tirante as hipóteses apontadas por Lafayette, que embasam a usucapião de maior prazo, compete a ordinária, àquela que tenha título, mas insuficiente de aquisição completa (sem registro), seja por vício extrínseco (aquisição a non domino), seja por vício impedititivo da transferência por ausência de poder legal do transmitente para alienar a coisa, estes últimos eventuais e nunca formais, de vez que são incompatíveis com o justo título.”

E prossegue o doutrinador especificamente quanto aos bens públicos:

“Não é demais lembrar que para a usucapião da enfiteuse deverá o poder público (federal, estadual ou municipal) ser citado, pois titular do domínio direto, nada impedindo a declaração do domínio útil se já perfeccionado o prazo prescricional e tenham cumpridos os demais requisitos impostos por lei.”53

Nesta mesma linha de raciocínio, há orientação do Supremo Tribunal Federal.

Verbis:

“O ajuizamento de ação contra o foreiro, na qual se pretende usucapião do domínio útil do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se adquirem por usucapião.”54

Não difere o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Verbis:

“Postulado na inicial o usucapião da propriedade plena do imóvel, o deferimento, pelo Tribunal Regional, da prescrição aquisitiva apenas sobre

53 RIBEIRO, Benedito Silvério Ribeiro. Tratado de Usucapião. Vol. 1, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p.

421-423

(41)

o domínio útil não constitui julgamento extra petita, por haver deferido apenas menos do que pedido.”55

Assim, em que pese possível a usucapião do domínio útil, inusucapível a propriedade

plena.

Sem embargo, conclui Hely Lopes Meirelles que as normas civis são usadas de

maneira subsidiária, sendo a regra o regime administrativo especial. Verbis:

“O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é um direito de propriedade, mas direito de propriedade pública, sujeita a um regime administrativo especial. A esse regime subordinam-se todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos em como tais, regidos pelo Direito Público, embora supletivamente se lhes apliquem algumas regras da propriedade privada. Mas advirta-se que as normas civis não regem o domínio público; suprem apenas as omissões das leis administrativas.”56

Relevante debate trava-se sobre a natureza jurídica das marinhas localizadas no

ambiente praial. Conforme vimos, a utilização da linha do preamar médio do ano de 1831 e o

crescente aumento do nível das águas, faz com que, por vezes, ambas as porções de terras

identifiquem-se quanto à localização.

Embora não hajam estudos a respeito do tema, nos parece que ante a natureza

jurídica da praia ser bem de uso comum do povo, este deve sobrepujar frente seu interesse

público. Aliás, este entendimento está em consonância com o art. 11, do Código das Águas.

Outrossim, os terrenos de marinha são, em regra, bens dominicais e ao regime

jurídico administrativo especial submetem-se, sendo supletivamente aplicadas as normas de

(42)

direito privado, estas, mormente, aplicadas no tocante a disciplina dos contratos enfitêuticos,

naquilo que não confrontarem com as disposições especiais.

1.4. Classificação

A idéia que terrenos de marinha limitam-se as faixas litorâneas - embora assente e

exclusivo objeto deste estudo - dista da realidade.

Tal crença advém do adjetivo marinha, que remete ao substantivo mar, olvidando-se,

em regra, que a influência das marés podem ser sentidas em locais outros, tais como fozes de

rios e lagos e, é nesta medida, que também são tidos como terrenos de marinha, somente onde

os possa sentir.

É por esta razão que são diversas as espécies de marinhas, diferindo-se por dois

principais critérios de classificação: a) quanto à localização; e b) águas que banham.

Quanto à localização, podem ser: continentais, costeiras e insulares. São marinhas

costeiras as localizadas na costa marítima. Insulares as que se situam nas ilhas oceânicas e

costeiras.

Já as continentais localizam–se no interior do continente.

Sob o critério das águas que banham, podem ser: lacustres, fluviais e marítimas.

As marítimas são as banhadas pela água do mar. As lacustres, por lagos e fluviais,

rios.57

No tocante às duas últimas espécies, hão de sofrer a influência das marés, a tornar

salgadas as águas por essência doces.58

Referências

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