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Natureza Jurídica

No documento TERRENOS DE MARINHA COSTEIROS (páginas 36-42)

Capítulo I Terrenos de Marinha

1.3. Natureza Jurídica

Anota Manoel Madruga, citando Francisco D’Áurea, então contador geral da República, que o patrimônio público, quanto à sua origem e estrutura, pode-se dividir em duas espécies: aquele pré-existente oriundo da natureza e outro erigido com tributos pagos pelos cidadãos. Verbis:

“Uma parte do patrimônio do Brasil teve sua origem com a formação da nossa nacionalidade. Os bens que a compõem herdamo-los em grande parte

43 ROMITI, Mário Müller. Terrenos de Marinha, Revista do Advogado, São Paulo: Associação dos Advogados

de São Paulo, n. 62, p. 10, mar.2001.

da natureza que tão generosa foi conosco. E aí esta para atestá-lo o numero infinito de praias, de rios navegáveis, de florestas vastíssimas e impenetráveis. Os numerosos portos e as estradas produto dos nossos antepassados.

(...)

Esta parte do patrimônio é por assim dizer um legado que o Estado recebeu. Outra parte do patrimônio teve origem nos tributos do povo.”45

Quanto à titularidade, com vistas na origem pública de nossas terras conquistadas pelo reino português e posteriormente transferidas ao Estado, temos que as terras brasileiras são em sua origem fruto do desmembramento da propriedade pública, transferida paulatinamente aos particulares.

Vale dizer: convivem harmonicamente em solo brasileiro a propriedade pública e a propriedade privada.

Sob esta ótica, aos bens que restaram sob o domínio público, quanto à sua destinação, podemos classificá-los, em: a) uso comum do povo; b) uso especial; c) dominicais. É isto que dispõe o artigo 99, do Código Civil.

Os bens de uso comum do povo são destinados por lei ou por sua natureza ao uso coletivo. Já os de uso especial, prestam-se a consecução dos objetivos da Administração Pública. Estas duas espécies de bens são classificadas, sob o aspecto jurídico, de bens do domínio público do Estado, ao passo que ambas as espécies são destinadas aos fins públicos.

Por outro lado, os bens dominicais são considerados como bens do domínio privado do Estado, posto que sua destinação é indefinida, de modo que podem ser aplicados pelo Poder Público para obtenção de renda.

É nesta classificação que temos os terrenos de marinha como bens dominicais e é esta sua natureza jurídica (art. 20, VII, CF).

Pertencentes à União, constituem parte de seu patrimônio disponível, quando não afetados ao uso comum ou ao uso especial, como ensina Hely Lopes Meirelles:

“São aqueles que embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim, ou mesmo alienados pela Administração, se assim o desejar.”46

Manoel Madruga excepciona os terrenos de marinha, posto serem insusceptíveis de propriedade privada. Verbis:

“Terrenos de marinha são bens de domínio público, e, assim, não são susceptíveis de propriedade privada, sendo que as concessões feitas sobre elles são sempre a título precário e, portanto, revogáveis a todo tempo que o interesse da comunhão o exija, princípios de direito, esses, aliás, consagrados pelo art. 203 da Consolidação das Leis da Alfândega.”47

Todavia, podem ser disponibilizados pelo Estado aos cidadãos, mediante aforamento ou ocupação, assim cumprindo função social.

A Administração exerce o papel de proprietária: daí, afirmar-se tratar do domínio público mais aproximado do direito privado.48

Assim, admite-se a aplicação das normas de direito privado quanto a esta espécie de bens, no que tange aos conflitos entre particulares. 49

Submetem-se a um regime jurídico híbrido, com regras de direito público e direito privado, como ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:

46 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 522 47 MADRUGA. Manoel. Op. cit., p. 167

48 CAVALCANTI, Themistocles. Curso de Direito Administrativo.3ª ed., Livraria Freitas Bastos: São Paulo,

1954, p.451

“Se nenhuma lei houvesse estabelecido normas especiais sobre esta categoria de bens, seu regime jurídico seria o mesmo que decorre do Código Civil para os bens pertencentes aos particulares. Sendo alienáveis, estariam inteiramente no comércio jurídico de direito privado (art. 101); em conseqüência, poderiam ser objeto de usucapião e de direitos reais, inclusive os de garantia (art. 1420); como também poderiam ser objeto de penhora e de contratos como os de locação, comodato, permuta, arrendamento.

No entanto, o fato é que as normas do direito civil aplicáveis aos bens dominicais sofreram inúmeros desvios ou derrogações impostos por normas publicísticas.”50

Este regime jurídico misto é o que acontece, verbi gratia, quando do aforamento, como ensina Rosita de Sousa Santos:

“(...) quando a União defere a proposta de se constituir um aforamento, ela está praticando um ato administrativo, mas quando ela contrata a negociação do domínio útil com o pretendente ao aforamento, transformando-o em foreiro, ela é parte em um contrato regido pelo Código Civil.”51

Como exceções à aplicabilidade do regime jurídico de direito privado, temos: o processo especial de execução contra a Fazenda Pública, com exclusão de penhora dos bens públicos, a impossibilidade usucapião de bens públicos, a inviabilidade de instituição de direitos reais de garantia.52

Nesta senda, importa notar que, no que tange aos terrenos de marinha, embora bens públicos dominicais, insuscetíveis de usucapião (Súmula 340, STF), tem-se entendido cabê-lo no tocante ao domínio útil. Neste sentido, Benedito Silvério:

50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 573. 51 SANTOS, Rosita de Sousa. Op. cit. P. 66

“Resumindo, é perfeitamente possível usucapião de enfiteuse, ordinária ou extraordinária, primeiramente, desde que haja a comprovação do pagamento da pensão ou foro do senhorio direto; em segundo lugar, tirante as hipóteses apontadas por Lafayette, que embasam a usucapião de maior prazo, compete a ordinária, àquela que tenha título, mas insuficiente de aquisição completa (sem registro), seja por vício extrínseco (aquisição a non domino), seja por vício impedititivo da transferência por ausência de poder legal do transmitente para alienar a coisa, estes últimos eventuais e nunca formais, de vez que são incompatíveis com o justo título.”

E prossegue o doutrinador especificamente quanto aos bens públicos:

“Não é demais lembrar que para a usucapião da enfiteuse deverá o poder público (federal, estadual ou municipal) ser citado, pois titular do domínio direto, nada impedindo a declaração do domínio útil se já perfeccionado o prazo prescricional e tenham cumpridos os demais requisitos impostos por lei.”53

Nesta mesma linha de raciocínio, há orientação do Supremo Tribunal Federal.

Verbis:

“O ajuizamento de ação contra o foreiro, na qual se pretende usucapião do domínio útil do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se adquirem por usucapião.”54

Não difere o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Verbis:

“Postulado na inicial o usucapião da propriedade plena do imóvel, o deferimento, pelo Tribunal Regional, da prescrição aquisitiva apenas sobre

53 RIBEIRO, Benedito Silvério Ribeiro. Tratado de Usucapião. Vol. 1, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 421-

423

o domínio útil não constitui julgamento extra petita, por haver deferido apenas menos do que pedido.”55

Assim, em que pese possível a usucapião do domínio útil, inusucapível a propriedade plena.

Sem embargo, conclui Hely Lopes Meirelles que as normas civis são usadas de maneira subsidiária, sendo a regra o regime administrativo especial. Verbis:

“O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é um direito de propriedade, mas direito de propriedade pública, sujeita a um regime administrativo especial. A esse regime subordinam-se todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos em como tais, regidos pelo Direito Público, embora supletivamente se lhes apliquem algumas regras da propriedade privada. Mas advirta-se que as normas civis não regem o domínio público; suprem apenas as omissões das leis administrativas.”56

Relevante debate trava-se sobre a natureza jurídica das marinhas localizadas no ambiente praial. Conforme vimos, a utilização da linha do preamar médio do ano de 1831 e o crescente aumento do nível das águas, faz com que, por vezes, ambas as porções de terras identifiquem-se quanto à localização.

Embora não hajam estudos a respeito do tema, nos parece que ante a natureza jurídica da praia ser bem de uso comum do povo, este deve sobrepujar frente seu interesse público. Aliás, este entendimento está em consonância com o art. 11, do Código das Águas.

Outrossim, os terrenos de marinha são, em regra, bens dominicais e ao regime jurídico administrativo especial submetem-se, sendo supletivamente aplicadas as normas de

55 REsp 262071/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª turma, j. 16/03/2004, DJ 03/05/2004. 56 MEIRELLES, Op. cit. P. 518

direito privado, estas, mormente, aplicadas no tocante a disciplina dos contratos enfitêuticos, naquilo que não confrontarem com as disposições especiais.

No documento TERRENOS DE MARINHA COSTEIROS (páginas 36-42)

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