• Nenhum resultado encontrado

Redução da maioridade penal como aprofundamento da criminalização da juventude

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Redução da maioridade penal como aprofundamento da criminalização da juventude"

Copied!
84
0
0

Texto

(1)

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

BRUNA RAMOS CÓRDOVA

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL COMO APROFUNDAMENTO DA CRIMINALIZAÇÃO DA JUVENTUDE

FLORIANÓPOLIS 2012/1

(2)

BRUNA RAMOS CÓRDOVA

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL COMO APROFUNDAMENTO DA CRIMINALIZAÇÃO DA JUVENTUDE

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC apresentado ao Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Professora. Me. Dilceane Carraro.

FLORIANÓPOLIS 2012/1

(3)
(4)

Aos meninos e meninas do Frutos, e de toda a América Latina,

“Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo então que cresceu A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração.

A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra lá (...)”

Chico Buarque – Roda Viva.

(5)

AGRADECIMENTOS

Descobrir que o mundo é muito além do que percebemos á nossa volta, que existem pessoas de todos os jeitos, cores, humores, amores, lugares, temperaturas e que isso muito longe de ser o problema, é muito mais a solução.

Universidade, que embora, distante da promessa que nos faz, enquanto espaço propulsor do conhecimento, da pesquisa, ensino e extensão, da permanência, do espaço público, e da democracia, da sala de aula enquanto prioridade e dedicação têm como consequência aqueles que a reivindicam, enquanto espaço de produção comprometida do conhecimento, e com capacidade de interferir em sua própria mudança e da nação à medida que forma profissionais que mesmo nem sempre de forma consciente tem dever e papel fundamental no seu percurso. Tive a sorte e o prazer de por essas e esses ter cruzado, apreciado e sido envolvida. Amigos, professores, queridos, militantes, obrigada por me aproximarem da tão aparente distante realidade e me tirar do lugar confortável das cadeiras e chamadas da sala de aula, pela inspiração que me causam, por suas ousadias, convicções e influência na visão de mundo que nos cabe estar, vocês de quem eu falo são raros e talvez por isso mesmo profundamente mais especiais.

Algumas pessoas que determinantemente influenciaram meus últimos quatro anos e meio, transformaram minha trajetória e que, de forma tão profunda posso tanto escrever e ainda assim falhar, o que me tira dessa confusão é o fato de que elas, eles, eu, nós entendemos profundamente o que isso significa assim que nos olharmos e nos ouvirmos.

Malu linda, Jacque meu amor, Mage um doce, Hannah querida, Fran, oficialmente e sentimentalmente meus primeiros contatos florianopolitanos. Os primeiros, os constantes, sólidos, agradáveis, necessários, os duradouros, os sinceros, os imprescindíveis! 2008.01 estará sempre marcado, não só porque foi o ano responsável e inicial por mudanças na minha vida, mas porque vocês foram à mudança mais bonita de todas elas! Não é uma afirmação de alguém que apenas lembra com saudades de um tempo, as saudades são ilimitadas, mas lembro para afirmar que eles não ficaram por lá, há quatro anos, que vocês e esse tempo bom estão aqui, agora, juntas, misturadas e comigo. E assim eu quero, por muito tempo. Obrigada por toda a compreensão, amizade, amor, eterna e inquestionável paciência comigo, nas crises, conhecidas tpm´s, ausências, espera, ataques inacabados de fala, pela sempre confortável companhia e demonstração de carinho. Claro, obrigada por todos os Happy hours daquele e de todos os outros anos.

Jonathan, Julia, Dai, Diogo, Nanda, Josi, bendita (no melhor sentido do termo) hora que encontrei vocês em uma mesa da biblioteca pra falar da querida e polêmica

(6)

Aurora Estudantil! Sem dúvida, a experiência inicial da minha formação política, acadêmica e de como aproveitar da melhor maneira possível os anos na universidade. Não, não foi na sala de aula, e na forma como a universidade funciona hoje, nem poderia ter sido. Foi com e a partir de vocês! Obrigada por me apresentarem ao Centro Acadêmico Livre de Serviço Social – CALISS, desencadeador de intensas experiências, e a Universidade, que até então eu ainda havia percebido como tal. Obrigada ainda pela parceria, paciência, tensões, vontade, alegrias, bares, choradeira coletiva, trabalho, organização dos melhores Happy Hours, surpresas (boas), estudo, criatividade, ousadia, e convicção. Sem contar a amizade e o amor construídos, carinho demonstrado e sempre cultivado desde então.

Coletivo 21 de Junho, espaço onde se descobre o real significado da crítica, mudança, movimento, dialética, de entender como de fato se busca a universidade que queremos, se propõe, exige, e se repensa! Mas a busca por outras relações humanas tem que ir além, era preciso ir ás ruas, comunidades, periferia, caos urbano, ocupação, movimentos populares, presídios, e onde mais tiver gente explorada e disposta a organização coletiva como forma de superar os limites cotidianos, econômicos, democráticos, políticos e sociais! Disso tudo e do encontro com outros coletivos tão ousados e dispostos a pensar e intervir na realidade com sinceridade, criatividade, e política que lhe é intrínseca, surgem as Brigadas Populares, organização que da sentido aos nossos sonhos e práxis cotidiana;

Mas tudo isso, não significa apenas (ainda que já seja muito) compartilhamento de companheirismo e objetivos coletivos. Significa ter encontrado num mesmo coletivo, todos reunidos, pessoas, amigos, encantos, amores, graça, sentido, solidariedade, convicção, exemplos, inspiração. Obrigada a cada um. Sem dúvida alguma, vocês fizeram e fazem parte de mim.

Dil, obrigada pelo carinho, amizade, paciência, graça, apoio, doçura, pelas aulas e melhor orientação do TCC que eu podia ter tido, te ter como professora e orientadora nesse semestre foi essencial; Mirella, desde o começo, pela confiança, apoio, sambas, aulas, bares, preocupação e sincera amizade, Josi, meu benzinho, por existir e estar perto da gente mesmo longe; Renata pela surpreendente amizade e admiração que surgiu a mais de um ano que tanto me encanta e por todas as conversas que tanto me inspiram; Todas, obrigada por tudo, por toda a querideza, inspiração, apoio e confiança, amizade, aulas, trabalho e por serem tão constantemente próximas e amáveis.

Thais, Fer e Karen, Fer, Karen, Thais. Nossas grandes, amáveis, lindas e surpreendentes surpresas! Que bom que vocês apareceram, e que bom que imediatamente passaram a fazer parte das nossas vidas tão profundamente, que assim seja sempre, de forma sincera, firme, descontraída, vocês são de verdade.

(7)

Obrigada imensamente por todos, t-o-d-o-s os momentos, por toda a parceria, companheirismo, pelas barras que passamos juntas, colo, conversas, debates, choros e risos, por serem tão imensamente diferentes e proporcionalmente tão as melhores, que eu tenha sempre vocês perto de mim e esse sentimento de profunda amizade que tenho por vocês.

Ainda, Thais, Nik e Fer pelo companheirismo semestral do lar-nem-tão-doce-lar, por serem praticamente obrigadas a compartilhar comigo as crises, reflexões, raciocínios, dúvidas eternas, decisões e tudo que envolveu a construção desse trabalho de conclusão de curso e todas as confusões mentais que eu adicionei. Ah Nik, obrigada por compartilhar nas últimas semanas meu desagradável jeito na cozinha na maior parceria, somados a crises de ansiedades e falatórios.

Bela, infinitamente como o nome nem tenta esconder, nada explica ou substitui nossos momentos, nossa sintonia e carinho, conforto, ligação, amor, amizade, troca de segredos, histórias e confidências daquelas que são pra poucos, muitos que tivemos.

A Nay, por todas as conversas e identificações, além da leveza e descontração dos nossos diálogos, você foi importante pra que eu percebesse a real identificação com o tema que escolhi nesse trabalho. É sempre muito bom conversar contigo.

Ao Reginaldo, pela amizade, parceria de bar e diálogos revolucionários, pelo meu primeiro estágio que teve e tem tudo a ver com a identificação com o tema desse trabalho. Pela confiança estabelecida, pelos inúmeros livros emprestados que serão devolvidos assim que entregar o tcc.

A equipe do Frutos do Aroeira, equipe técnica, educadores sociais pela recepção, diálogo e paciência. Aos meninos e meninas do Frutos, pela abertura, confiança, compartilhamento de suas histórias, por terem me marcado tão profundamente, vocês foram mais do que essenciais pra esse trabalho. Ao CRAS pela recepção e abertura ainda que fora de quaisquer condições ideais.

Jana e Mah, é inexplicável e lindo o que nos une até hoje e a constante preocupação e vontade de viver muito mais coisas juntas, além dos últimos todoos anos, desde o pré, feira de Ciências, ensino médio, festa de 15 anos, 3ão, vestibular, e bom precisaria de um livro pra registrar tudo. Se a distância fez questão de colocar cada uma num lugar diferente, isso jamais nos afastaria, e é sempre inexplicavelmente bom poder contar com vocês!

Aos meus queridos, Cosme com suas visitas surpresas e programas não planejados que sempre me enchem de alegria, Luiz Felipe pela sintonia e piadas baixas que o fazem inconfundível e Tomas, que desde o dia que me ajudou a trancar a porcaria da porta do C.A não deixou, durante bom tempo, de fazer parte dos meus dias.

(8)

Mateus, Teus, Te! É impressionante como independente da forma, somos tão sempre, eternamente ligados. Antes desses anos todos, me perguntei como seria essa suposta (e só suposta) separação, o que não percebia é que nosso eterno amor nos faria diferentes e nos faria respeitar, botar fé e apoiar de olhos fechados o mundo do outro, e que muito mais que isso, construiríamos ainda que sobre a distância, um mundo nosso e seguro.

Mãe, mãezinha, esses meses teriam sido mais difíceis sem nossas constantes e longas ligações, sem suas piadas muito das sem graça que me fazem rir mais do que tudo, e são exclusivas no quesito me acalmar. Obrigada pela liberdade que nos causa e o amor que nos destrava, nada como brincar de luta com o mala do seu filho (ainda que seja na frente da padaria), gritar voluntariamente e correr pela sacada, nada disso seria tão bom se não fosse o fato de você estar junto, deixando e achando graça, esquecendo que na teoria dos sem graça a gente já teria passado da idade pra isso. Obrigada por nos amar independente de tudo, sem qualquer condicionalidade, obrigada por nos acolher sempre que a gente recorre. Te amo pra sempre.

Pai, por onde começo com tudo que a gente já passou juntos? Talvez dizendo que a promessa feita quando eu tinha só alguns meses, tanto me contam e recontam, deu certo, eu sou e ainda serei muito feliz e você faz grande parte disso. Obrigada por existir, por seu meu pai, amigo, por ser tão você e tão sensível por trás das broncas e demonstrações de humor. Obrigada pela confiança, por compartilhar suas histórias e sonhos comigo, aliás, obrigada pela companhia e companheirismo. Que você seja e esteja muito feliz como eu bem sei que você sempre almejou, e que eu possa sempre contribuir. Obrigada pelo eterno carinho, por ter sido apoio imprescindível em tantos momentos, e por ter passado por tudo só pra cuidar da gente, você é lindo e completo e tem as formas mais particulares e profundas de demonstrar seu amor. Andréia, Obrigada por além de ter aparecido nas nossas vidas e feito tamanha diferença, ter tanto me acolhido e me ensinado, você foi exatamente o que eu precisava. Acredite, aprendi contigo sobre a vida, as pessoas, as relações, sobre a gente mesmo e sobre a profissão, muito mais do que o explicável. Você foi, é e sempre será essencial em muitos momentos, ter a sua companhia, seu apoio e carinho é sempre especial, obrigada por sempre me ouvir, dialogar e fazer parte de tantas boas histórias e sentimentos.

A minha família toda, pela preocupação e afeto desde sempre, pela eterna recepção, Tia Lita, Kah, Tio Nego, Mila, Jr, Bill, Meni, Pado, Madrinhas, Tio Alcione e todos mais que fazem parte dessa história. Aos meus avôs e avós que não estão por aqui, mas não saem nunca de dentro de mim.

“Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta (...)”,(Gonzaguinha), que eu os levo no peito. Obrigada!

(9)

CÓRDOVA, Bruna. REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL COMO APROFUNDAMENTO DA CRIMINALIZAÇÃO DA JUVENTUDE. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Sócio-Econômico. Departamento de Serviço Social. Curso de Graduação em Serviço Social. 2012/1.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso irá problematizar a proposta da redução da maioridade penal hoje estabelecida aos 18 anos de idade, o cenário no qual surge, seus desdobramentos e consequências, partindo da perspectiva da divisão de classes estabelecida no modo de produção capitalista que cria e criminaliza a pobreza e a utiliza de forma a falsear sobre aspectos morais e patológicos, uma das expressões da questão social que é a violência urbana e criminalidade intensificada nas últimas décadas, justificando assim a exclusão, estigmatização, controle social e penal da classe trabalhadora sobre o discurso da segurança pública e as aparentes funções da prisão como resolução dos conflitos postos socialmente e ressocialização dos sujeitos que por ela são selecionados. A partir desse processo, desenvolver como a criminalização, da classe trabalhadora e marginalizada, é desenvolvida e particularizada na juventude e o papel da redução da maioridade penal em sua intensificação.

PALAVRAS CHAVES: criminalização; pobreza; juventude; violência; prisão;

(10)

LISTA DE SIGLAS

ANC - Assembleia Nacional Constituinte BIRD – Banco Mundial

CCEA – Centro Cultural Escrava Anastácia CF – Constituição Federal

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CONANDA – Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

CP – Código Penal

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM - Fundação Estadual do Bem Estar do Menor FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNABEM - Fundação Nacional do Bem Estar do Menor IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

InfoPen - Sistema Integrado de Informações Penitenciárias IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ONU - Organização das Nações Unidas ONG – Organização Não Governamental SAM – Serviço de Assistência ao Menor

SEDH – Secretária Especial dos Direitos Humanos SEPH - Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SINASE – Sistema Nacional de Medidas Sócioeducativas SUAS – Sistema Único de Assistência Social

(11)

LISTA DE TABELAS TABELA 1...53 TABELA 2...54 TABELA 3...54 TABELA 4...59 TABELA 5...59 TABELA 6...60

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1 ESTADO PENAL E RELAÇÃO CRIMINALIDADE X POBREZA ... 17

1.1 Determinantes estruturais ... 17

1.2 Criminalização da pobreza ... 26

1.3 Criminalização da Juventude ... 35

2 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL COMO APROFUNDAMENTO DA CRIMINALIZAÇÃO DA JUVENTUDE ... 50

2.1 Desconstrução da ideia de prisão como forma-espaço de reeducação e\ou reinserção social... 50

2.2 Redução da maioridade penal ... 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 74

(13)

INTRODUÇÃO

Debater a redução da maioridade penal possibilita ir a fundo ao entendimento do que esta pro trás dos infinitos argumentos e buscar a compreensão da conjuntura na qual se insere a proposta e todos os seus determinantes. É questionar não só a história dos direitos da criança e do adolescente, seus avanços e retrocessos, mas as perspectivas adotadas no sistema penal: porque e como se priva de liberdade? Quem e porque são os criminosos? Dentre todas as infrações cometidas quais são aquelas penalizadas?

Os determinantes estruturais presentes no modo de produção capitalista vigente na sociedade há séculos, divide a sociedade em classes sociais antagônicas entre si e em relação de hierarquia e desigualdade, na sobreposição de uma sobre a outra, necessariamente, a acumulação de capital de uma gera através da exploração do trabalho, a acumulação da pobreza para outra. É intrínseco, não se acumula capital e não se detém meios de produção sem que haja apropriação privada do que é socialmente produzido.

Propomo-nos a problematizar no presente trabalho a criminalização da pobreza e seus desdobramentos presentes nos estratos sociais que compõe a classe trabalhadora, marginalizados e juventude que delas fazem parte. Entendendo-a como forma de estigmatizar e criar estereótipos que interpretam e pré-determinam os comportamentos de forma negativa como justificativa de uma divisão de classes sociais baseadas na exploração da força de trabalho de uma sobre a outra.

Como mediadores dessa relação, e dentre inúmeros instrumentos da criminalização, buscaremos compreender o papel do Estado, do sistema penal e da mídia, e como determinam sua legitimidade ao explicar a acumulação de capital e a apropriação privada da riqueza socialmente produzida por poucos e a socialização pela classe trabalhadora da pobreza, desigualdade social e negação dos direitos sociais. A criminalização da pobreza é histórica, necessária e intrínseca ao modo de produção capitalista vigente na sociedade, que, na América Latina, adquire proporções maiores posto a superexploração da população que a coloca a

(14)

sobreviver, ainda que, em troca da venda da sua força de trabalho receba aquém do necessário para sua reprodução e de sua família.

Nesse estudo elegemos como recorte a ser avaliado, a proposta da redução da maioridade penal que hoje frente estatutos e legislações nacionais, ocorre a partir dos dezoito anos de idade e sua relação com as formas de intensificação da criminalização da juventude. Assim, como há recortes de classe que determinam quem terá acesso a bens, serviços, direitos, educação e o local que se fará presente no modo de produção, na juventude que não é homogênea, também esses recortes se desdobraram. E mais, terá maiores consequências, pois esse estrato é composto em maioria, pelos filhos da classe trabalhadora e marginalizada, dependente, sem capacidade de auto sustento e em pleno processo de desenvolvimento.

O caminho traçado nesse trabalho pretende dar as bases para que se discuta com profundidade, clareza, consciência política e social a proposta de redução da maioridade penal que permeia os congressos, mídia, opinião pública, etc., ora para a faixa etária de 16 anos, ora para 14 anos ou até para 12 anos de idade. A maioridade penal diz respeito à idade que o indivíduo passa a responder ao ato infracional cometido através do código penal.

Pretendemos avaliar através dessa proposta, os argumentos, o caminho, os interesses que nela estão explícitos ou não, quais são as questões centrais colocadas em cheque nos seus impactos econômicos, políticos e sociais. Posto que, com sua aprovação, adolescentes após os dezesseis anos de idade que cometerem ato infracional não mais responderão através das medidas socioeducativas, mas sim no tão caótico sistema prisional brasileiro. Questionaremos a que passo esse sistema tem contribuído no combate a criminalidade, diminuição da violência e ressocialização dos sujeitos que nele passam e se essa é de fato sua real função. Ainda é necessária a percepção de quais são os critérios dessa punição e criminalização, se a criminologia tradicional é como se apresenta o modelo ideal de resolução de conflitos sociais com base na igualdade plena entre os sujeitos.

Portanto, tem-se enquanto objetivo geral do trabalho problematizar a proposta da redução da maioridade penal e a relação com os processos de criminalização da juventude e classe trabalhadora. Enquanto objetivos específicos, descrever o cenário da conjuntura política e social no qual os instrumentos de criminalização são

(15)

aprofundados nas últimas décadas; entender a particularidade da criminalização na juventude; desconstruir a ideia da prisão enquanto modelo de combate à criminalidade, violência e espaço de ressocialização, de forma a dar base ao debate da redução da maioridade penal e suas consequências.

A escolha desse tema e o desenvolvimento do presente trabalho de conclusão de curso possui como justificativa a percepção que a juventude selecionada, a responder por seus atos infracionais e que sofrem consequente criminalização, possuem características próximas que as coletivizam sobre uma mesma condição econômica-social e ao mesmo tempo se diferenciam bruscamente de outra parcela da juventude que pouco tem identificação e acesso a direitos básicos tal qual. Os adolescentes criminalizados geralmente vêm de uma mesma classe social e marginalizada, com condições precaríssimas de vida, estudos e trabalho, são pertencentes a espaços familiares e comunitários que vivem essa realidade com imensa dificuldade de ascensão social e econômica e com a passagem no cárcere ou medidas socioeducativas, principalmente de internação e semiliberdade, enterram, com o carimbo que recebem de passagem pelo sistema, grande parte das possibilidades que antes já se davam limitadas.

A estada enquanto estagiária na Casa de Semiliberdade Frutos do Aroeira vinculado a ONG (Organização Não Governamental) CCEA (Centro Cultural Escrava Anastácia) em diálogo constante com adolescentes que lá cumpriam a referente medida e a aproximação através da militância na Frente Antiprisional, espaço de base das Brigadas Populares, com familiares de pessoas em privação de liberdade no estado de Santa Catarina, traz a percepção que, de fato, grande parte dos estratos inseridos possuem condições incertas de vida e que a alternativa mais próxima, acessível e que os aceitem é a entrada na criminalidade, tráfico de drogas e outras formas que garantam o atendimento de suas necessidades.

Mesmo de forma inconsciente é assim que ganham visibilidade e denunciam as reais situações as quais enfrentam cotidianamente numa sociedade que os exclui e desconsidera enquanto iguais. É notável através dessas frutíferas experiências a série de negações aos quais passaram desde a infância e a intensa moralização, preconceito e psicologização no tratamento dessa expressão da questão social, e a própria interiorização da submissão, subalternidade e inferioridade pelos próprios

(16)

indivíduos que, no fundo, seleciona a população em geral entre os cidadãos de bem ou não, numa fragmentação maniqueísta, como se estivéssemos numa sociedade onde existem os bons, os maus, os vilões e os mocinhos.

O método de pesquisa utilizado pretende-se materialista dialético, no sentido de problematizar a realidade em movimento sobre a perspectiva da totalidade, os fenômenos que a envolvem em articulação e determinação mútua1. Diante da complexidade do tema frente aos determinantes que serão trabalhados para tal, o trabalho se desenvolverá sobre aspectos qualitativos e pesquisa bibliográfica, ainda que, em certos momentos sejam utilizados dados quantitativos retirados de outas fontes, como forma de complemento na análise da realidade proposta.

Divido o trabalho em duas seções. A primeira busca contextualizar, frente os determinantes estruturais do modo de produção capitalista, a realidade na qual estamos inseridos enquanto país e continente latino-americano, e as relações antagônicas entre as classes que aqui se fazem presentes; as consequências quanto o aprofundamento da pobreza e criminalização da classe trabalhadora, e como esse complexo processo se desdobra na juventude na tentativa de justificar a violência aprofundada nas cidades e o controle social do Estado frente essa população através do discurso da segurança pública.

A segunda seção reflete, frente à criminalização da classe trabalhadora e setores marginalizados, a seleção realizada pelo sistema penal dos sujeitos que irão ou não se responsabilizar por infrações cometidas a depender do estrato social do qual fazem parte, a forma fragmentada na qual são trabalhadas as realidades e conjunturas que os envolvem, a falência das funções aparentes da privação de liberdade em contraponto à eficácia de suas funções reais no aprofundamento da pobreza e divisão de classes. Por fim, diante esse cenário problematizar a proposta da redução da maioridade penal, seu real significado e eficácia enquanto método de combate à criminalidade e “ressocialização” da juventude.

1 RICHARDSON, Roberto Jarry (et al.). Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.

(17)

1 ESTADO PENAL E RELAÇÃO CRIMINALIDADE X POBREZA

1.1 Determinantes estruturais

O cotidiano da vida em sociedade, as relações que produzimos e suas formas, as formas de reprodução da vida e de garantia de subsistência dos indivíduos e sua família, em sua essência, são muito mais determinados pelo modo de produção capitalista do que sua aparência2 deixa ver. São as formas encontradas de venda da força de trabalho e seus condicionantes e o seu valor pago em forma de salário que contribuem na determinação da qualidade e na forma de reprodução de vida, das relações estabelecidas, do acesso aos direitos básicos, da moral, da ética, do que é socialmente permitido ou não e suas normas, da visão de mundo de cada um e dos coletivos.

É importante demarcar antes das próximas análises, o cenário, a conjuntura e sob que condições sociais, históricas e econômicas, a classes trabalhadora sobrevivem e a relação estabelecida com outros segmentos sociais e o Estado que ora é permeável a conquista de alguns direitos, ora não.

Num contexto de capitalismo avançado, de crises estruturais e econômicas, e de capitalismo globalizado onde grandes potências ampliam a dominação política nos continentes periféricos, a América Latina mais ainda se apresenta preenchida de países com características gerais de subdesenvolvimento, dependência e superexploração3 da força de trabalho das classes intermediárias e marginalizadas de forma mais profunda. Inserida nesse contexto geral do capitalismo como modo de produção vigente a América Latina faz parte de uma das maiores áreas de pobreza mundial somado a um lento ritmo de desenvolvimento nacional. (RIBEIRO, 1978)

2 “Para os marxistas, a aparência, embora entregue a essência, é sempre terreno de pseudoconcreticidade (Kosik, 1989): ora como presa da ideologia e suas falsificações do real, ora como expressão do alcance limitado e enviesado do senso comum, e também como objetividade factual. (...). A proposta política e metodológica marxiana é, porém, ir além dela para reconstruí-la como concreto pensado.” (SALES, 2007, p.111).

3MARINI, Rui Mauro. Dialética da Dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro. (Orgs) Rui Mauro Marini: Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005, p.54.

(18)

Sob essas condições, dentro de determinado contexto histórico é que se permite, devido ao mecanismo da superexploração da força de trabalho e consequente domínio político e econômico dos países desenvolvidos sob a América Latina, que no século XIX se inicie os processos que alavancariam para a Revolução Industrial4.

Referência no decorrer da história como elemento de análise, se a revolução industrial representou o desenvolvimento das forças produtivas de forma importante e central para o desenvolvimento das nações, as formas de transformação da natureza pelo homem e o exercício da sua força de trabalho, com mudanças e impactos no cotidiano da sociedade; por outro lado intensificou a pobreza, interferiu na condição humana de sobrevivência e fixou uma divisão de estratos sociais mais clara e profundamente antagônicas entre si (GUIMARÃES, 1981).

Em nossa trajetória histórica, enquanto continente latino-americano, somos marcados e reconhecidos como área de espoliação e dominação (Ribeiro, 1978) pelos países imperialistas, econômica, social e politicamente. O desenvolvimento aqui trabalhado não principia o progresso nacional, mas internacional e, portanto a manutenção do subdesenvolvimento do país, o povo brasileiro está à mercê dos interesses não só da burguesia nacional, mas ainda da burguesia dos países desenvolvidos posto a profunda relação de dependência econômica e política estabelecida dessa sobre a primeira e tem raízes desde o tempo de colônia, que segundo Mazzeo (1988) desenvolve o capitalismo no país sobre outros aspectos que não os tradicionais, sem consolidação de uma burguesia forte e verdadeiramente nacional.

O Estado em nosso país se formou em base liberal-oligárquica e mesmo no processo de independência formal, de alteração nas formas coloniais de dependência não houve ruptura na relação de submissão aos países centrais. As contradições do capitalismo nesse país são aprofundadas e tendem a concentrar

4 “A criação da grande indústria moderna [com o advento da revolução industrial] seria fortemente obstaculizada se não houvesse contado com os países dependentes, (...). O forte incremento da classe operária industrial e, em geral, da população urbana ocupada na indústria e nos serviços, que se verifica nos países industriais do século passado, não poderia ter acontecido se estes não contassem com os meios de subsistência de origem agropecuária, proporcionados de forma considerável pelos países latino-americanos.” (MARINI, 2005, P.143).

(19)

ainda mais o poder, a riqueza e a propriedade privada determinando uma desigualdade cada vez maior do bem estar social. (CUEVA, 1983)

Essa condição de submissão, ainda após ruptura com o estado colônia, e nossa consequente formação nacional com bases de “produção agrária, primário-produtora e mercantil” conformara a estabilidade do latifúndio, e com ele a necessária exploração brutal da força de trabalho, características que embora com outros desdobramentos, não deixam de permanecer na contemporaneidade. (ROCHA, 2009)

Darcy Ribeiro não satisfeito em utilizar de forma automática e pronta o estrato social e a composição das classes sociais pensada por Marx durante a ascensão do capitalismo industrial nos países centrais desenvolveu um sistema de estratificação social para o continente latino americano com as nossas características, povo e história, partindo também do método de análise do antagonismo e contradição entre classe dominante e classe trabalhadora5. Acreditamos ser coerente utilizá-la como base fundamental na apresentação de onde estamos falando e sob que condições e sujeitos a criminalização da pobreza ocorre e quais seus desdobramentos na juventude.

Nos componentes que caracterizam as classes a seguir está contidas sua localização na esfera produtiva e nas situações de poder. Da estratificação composta por quatro segmentos de classes antagônicas entre si, além da classe dominante e dos setores intermediários, duas outras nos interessam mais: a classe subalterna composta pelo que o autor denominou de campesinato e operariado e seus derivantes, e a segunda, a classe oprimida, marginalizada caracterizada por suas formas instáveis de ocupação e subsistência “em condições subumanas de pobreza e ignorância". (RIBEIRO, 1978)

5 Trabalhando com o antagonismo de classe pensado por Marx na contradição capital e trabalho, nos utilizaremos dos conceitos por ele formulados da classe trabalhadora e burguesia quando tratarmos das formas tradicionais do capitalismo. Entretanto se faz necessário apreender essa contradição e suas consequências a partir das realidades as quais propormos problematizar, no continente latino americano historicamente são sobre outras formas que o modo de produção capitalista se desenvolve e estabelece formas de renovação configuradas sobre o caráter dependente aos países centrais que resulta em maior exploração dos trabalhadores, motivo que nos leva a trabalhar com a estratificação de classes no Brasil compostas por Darcy (1978), que abrangem enquanto estratos explorados além da classe trabalhadora, a classe subalterna e os marginalizados.

(20)

O que separa uma classe e seus segmentos das outras é radicalmente oposto. Inseridas e servindo para a acumulação e perpetuação de um mesmo sistema, o fazem de formas profundamente diferentes. Diferem entre si nas condições de vida, nos trabalhos que exercem, nos salários, no acesso aos bens de consumo, escolaridade, vestimenta (Ribeiro, 1978), mas principalmente na função que exercem socialmente e no quanto contribuem na organização da produção e consumo da população.

Esta estrutura socioeconômica que dá lugar aos mais gritantes contrastes de riqueza e pobreza não constitui uma novidade. Apenas reitera, em tempos modernos, uma característica básica das economias dependentes geradas no curso de processos de incorporação histórica: a de serem capazes de criar e expandir empresas prodigiosamente prósperas, mas incapazes de generalizar essa prosperidade a toda a população, dando lugar a sociedades cruamente desigualitárias. (RIBEIRO, 1978, p. 65).

No continente latino americano é importante destacar que a classe trabalhadora não é somente composta por aqueles sujeitos do exército industrial de

reserva (Marx, 2001) que são incorporados no mercado de trabalho em

determinadas épocas de exigência de maior contingente de força de trabalho pelo capitalismo e dispensadas em tempos de crises econômicas e de renovação das forças produtivas. Aqui há aqueles segmentos que não são minorias, que em momento algum são incorporados ao mercado de trabalho e que, portanto, nem de tempos em tempos entregam sua força de trabalho em troca de um salário e que assim sobrevivem nos chamados “bicos” e práticas ilegais, formas instáveis de ocupação e de vida fora do sistema de produção e, muitas vezes, dos meios de consumo. (RIBEIRO, 1978)

A marcante diferença e desigualdade postas em sentidos extremos entre as classes sociais e seus diferentes estratos nem sempre conflitam diretamente entre si no processo da luta de classes. Tem-se como importante mediador desses conflitos o Estado, que não é homogêneo, não se encontra dado como fim, é disputado entre as classes sociais e transita entre elas a depender da conjuntura e da correlação de forças posta historicamente entre a burguesia enquanto classe dominante e classe trabalhadora como segmento dominado.

(21)

Importante ressaltar que não estamos afirmando, e nem poderíamos, que o Estado, portanto, é uma instância neutra nesse processo. Num sistema capitalista dividido em classes e de forma extremamente funcional ao setor dominante o Estado, tende a ter uma natureza de classes e trabalhar para atender suas demandas. A história do Brasil aponta nessa direção, onde o Estado trabalha no atendimento ou mediação das demandas da população somente à medida que essa esteja politicamente organizada e a conjuntura política, econômica e social corresponda principalmente aos interesses da classe dominante em questão.

Os processos democráticos no país historicamente são caracterizados por superficialidade e falsidade, às avessas, posto a constante e necessária subordinação e submissão do povo brasileiro, desde os tempos de colônia até a contemporaneidade, para que se mantenham e se aprofundem os processos de acumulação do capital.

Após a abolição da escravatura em 1888 e a ocupação das cidades pelos ex – escravos, somado ao fato do grande contingente de mão de obra disponibilizada pelos imigrantes que chegam ao país como trabalhadores livres e impulsionando o momento de desenvolvimento do comércio e atividades industriais (Mazzeo, 1988). Nesse momento iniciarão os primeiros tempos de república governada por militares, que revezarão o poder com base numa política de café-com-leite e votos de cabresto tendo fortes consequências políticas e sociais que permeiam até hoje esse debate (ROCHA, 2009).

Segundo Mazzeo (1998) a partir da crise de 1929 o capitalismo mundial se reorganiza e no Brasil é inaugurado novo período econômico e político, nas atividades rurais, industrial, nacionais e imperialistas. Para dar cabo ao desenvolvimento do capitalismo no país, Vargas assume o poder com a Revolução

de 30, na vigência do período chamado “Estado Novo”, sem romper com as relações

de dependência da economia brasileira, cumprindo o papel de redimensionar o capitalismo em ótica modernizadora e o arranjo das frações burguesas na divisão do poder. Uma “revolução pelo alto” ao passo que distante das massas populares e seus interesses, além do direcionamento ao longo da década de 30 quanto à repressão do movimento operário e popular.

(22)

A economia brasileira se insere em momento favorável ao progresso da economia. Na década de 40 se estabelece a vigência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que entre outras demandas dos trabalhadores insere o salário mínimo e a jornada de trabalho (Rocha, 2009). Segundo Ianni (1978), essa inserção de direitos se materializa no sentido de preservar a classe operária de uma drástica pauperização, ainda assim com salários baixíssimos, e por outro lado para a manutenção das relações de produção necessárias ao desenvolvimento econômico. A partir da década de 50 se inicia a fase desenvolvimentista no país, com o governo de Juscelino, que passa a receber capital estrangeiro e caracteriza-se pela massiva penetração de multinacionais, principalmente norte-americanas. Aprofunda-se o processo de industrialização no Brasil, Aprofunda-se acirra a luta de clasAprofunda-ses em momento de intensificação do exército industrial de reserva e de menores condições de aquisição de compra dos trabalhadores. (ROCHA, 2009)

Aprofunda-se a exploração da força de trabalho como etapa necessária a renovação das forças produtivas e acumulação de capital, que agora tem a fábrica como lócus principal, e como consequência a agudização da questão social. Com as contradições de classes e intensificação na piora das condições de vida e trabalho da população, os apelos e manifestações populares de trabalhadores rurais, industriais, estudantes e outros setores da sociedade passam a ter efeitos gritantes, e que apesar da repressão que sofreriam com o golpe, não deixam de se movimentar perpassando perseguições, exílios, mortes e outras tentativas de manter a tranquilidade que será necessária ao que virá.

Esses movimentos repercutem na classe dominante que se vê obrigada a também se mobilizar, além de contar com o apoio de países como os Estados Unidos. Dentre outros determinantes esse foi o cenário necessário para que setores da burguesia se unissem e criassem a conjuntura para o golpe de 64, onde “mais uma vez os militares eram chamados pela burguesia, para assumir a “pacificação” política do país (MAZZEO, 1988)”.

O movimento sindical e opositores do golpe sofrem violentas intervenções e prisões nos primeiros anos de repressão. Mas é em 1968 que os instrumentos democráticos que ainda restavam foram suprimidos e configura-se o período mais violento da ditadura militar (MAZZEO, 1988). Assim, nos interessa ressaltar, são

(23)

aprofundadas as características do país como periférico e dependente num outro patamar, além de promover uma nova dinâmica de violência, desigualdade e autoritarismo que não se encerram com o fim desse período (ROCHA, 2009).

Ganha ainda hoje desdobramentos inclusive institucionais nas políticas engendradas de segurança pública e controle da pobreza. A saída dos militares do poder no desfecho da ditadura e o processo entendido como de redemocratização, é antes de ser uma derrota do regime, um pacto político (FERNANDES, 1986) de manutenção de uma estrutura dependente e conservadora que não abandona as práticas do período anterior, mas a contornam sob outros formatos. Segundo (FERNANDES, 1986), o governo sucessor ao regime militar pretende mobilizar o apoio popular, mas o faz de forma a desmobilizar os processos democráticos dos movimentos sociais, confundindo assim democracia com cooptação.

Dessa forma, apesar da abertura “democrática” no país com o fim da repressão ter impulsionado uma série de demandas acumuladas da população desde o período anterior e a exigência por respostas políticas ter se aprofundado e adquirido visibilidade no período de elaboração da nova carta constitucional, foram amenizadas à medida que esse processo não foi construído sobre aspectos democráticos. O tensionamento político se fez realizado, entretanto, através de representações na Assembleia Nacional Constituinte (ANC), entre setores conservadores que reunia no “centrão” diversas frações da burguesia e progressistas advindos de partidos de esquerda, representantes dos movimentos sociais, etc. (ROCHA, 2009).

Aprovada a nova Constituição Federal em 1988, a década de 90 vem questionar sua real intenção de concretização, à medida que sem dúvidas avança no reconhecimento ao menos legal de uma série de direitos básicos a toda população, reconhecimento de igualdade, garantia de direitos a grupos específicos, etc., no entanto, não estabelece diretrizes materiais de alteração na estrutura de classes.

Os governos posteriores irão dar conta de trazer demandas sociais enquanto plataforma política, mas não enquanto materialização, muito pelo contrário, tratarão

(24)

de dar rumo à política neoliberal compactuada no Consenso de Washington6 com

ações voltadas ao desenvolvimento da economia em detrimento do social com cortes de gastos públicos nessa área e privatizações do patrimônio público. Há um aprofundamento da desigualdade social e consequente concentração de renda.

Ilustramos esse período histórico no sentido de perceber como os setores dominantes vêm ao longo da história ocupando as rédeas do poder público e o exercendo em volta de seus próprios interesses e na intensificação da relação com as burguesias dos países desenvolvidos, com a constante apropriação da força de trabalho da classe trabalhadora contribuindo para que essas permaneçam na estratificação na qual se encontra, ou em suas derivações a espaços mais difíceis ainda da pauperização e superpopulação relativa. Interessa-nos diante essa ilustração apontar como esse processo histórico chega às últimas décadas sobre regência do neoliberalismo, consequente retirada do Estado na intervenção quanto aos direitos sociais, aprofundamento da pobreza, da violência e a necessidade desses setores de reproduzir sua vida e de sua família sobre outras formas que não as tradicionais e legitimadas legalmente.

O Estado brasileiro e os demais países latino-americanos se encontram em processo de ressaca de mais de duas décadas e meados de neoliberalismo com um Estado mínimo e forte recessão quanto sua intervenção social, com a flexibilização do modo de produção e trabalho, também se flexibiliza os direitos. Processo esse contrário ao que ocorre em meados da metade do século passado no cenário internacional no período chamado “anos dourados”, quando o Estado passa a intervir nos direitos sociais, pleno emprego e na absorção mais sistemática das demandas da classe trabalhadora.

Mesmo que estejamos falando de uma resposta do capitalismo às crises que são inerentes ao próprio sistema, - como foi o neoliberalismo - mas que já mostrou seus limites e esgotamento, ainda assim traz novos elementos da estrutura social com consequências em muitos âmbitos da vida e, portanto, também novos elementos de análise e interpretação da realidade.

6 Orientações neoliberais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial assumidas pelo Estado para as economias periféricas dependentes, conciliado em 1989.

(25)

Novos padrões de produtividade incluem outros aspectos de gestão da forma de trabalho bem como a intensificação e utilização de novas tecnologias, são aspectos fundamentais para a adequação da nova lógica necessária ao mercado que ganha centralidade em detrimento do Estado e suas atribuições passando com maior “liberdade” a administrar interesses da classe dominante principalmente no âmbito econômico nacional e internacional, já que atribui a outros setores da sociedade a responsabilidade com as demais demandas que envolvem os direitos e acessos a bens e serviços, como os organizados pela sociedade civil, terceiro setor e iniciativa privada (Venturini, 2003). Segundo o autor,

Vemos como, o Estado decretando (apenas de maneira formal) que todos são iguais perante ele, mas permitindo que a propriedade privada, a educação e a profissão “atuam a sua maneira” e manifestando a “sua característica particular” não elimina as desigualdades (mas as pressupõe para a sua existência como Estado político e garante a perpetuação das desigualdades) e dessa forma não atua como universalidade. (Venturini, 2003, p. 45).

Diante disso o impacto sobre as classes que necessitam vender sua força de trabalho como única mercadoria que possuem, é a flexibilização do trabalho, a insegurança quanto aos direitos sociais anteriormente conquistados e garantidos, especialmente com a superexploração do trabalhador quando há uma diminuição dos postos de trabalho formal, e ainda, uma ampliação dos postos de trabalho tidos na informalidade, precarização, os trabalhos temporários, os chamados “bicos”, etc.

Se nas formas tradicionais do capitalismo, o lucro é extração de mais valia através da exploração do trabalho na diferença entre trabalho necessário (pago em forma de salário) e excedente (trabalho não pago), na América Latina se particulariza e se aprofunda na forma do que Ruy Mauro Marini denomina de superexploração. O valor pago em forma de salário ao trabalhador latino americano o nega as condições básicas de reposição do desgaste da força de trabalho que emprega, pois se encontra abaixo do equivalente ao trabalho necessário e, portanto, abaixo do necessário para sua reprodução e de sua família7. É a forma de

7 São três os mecanismos identificados pelo autor no âmbito da produção que permitem a maior exploração do trabalhador: “a intensificação do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho.” (MARINI, 2005, p. 156).

(26)

compensar a perda de mais valia no próprio plano da produção interna, considerando que no continente o desenvolvimento das forças produtivas é lento e débil, o que funcionaliza as relações de dependência em relação aos países centrais de capitalismo desenvolvido que assim intensificam sua acumulação de capital. (MARINI, 2005)

Com a intensificação da exploração capitalista na periferia latino-americana e barateamento da força de trabalho cria-se significativos contingentes populacionais em estado ocioso, a margem do sistema de produção e a disposição quanto à inserção em postos de trabalho superexplorados, precarizados e inclusive ilegais como moeda de troca pela manutenção e reprodução da vida. (KEPP, 2007)

Portanto, no modo de produção capitalista, não é apenas seu desenvolvimento que produz e reproduz seus males que lhe são intrínsecos, mais extremos se tornam em locais que na relação com o capitalismo mundial carecem em desenvolvimento, “onde além das misérias mais modernas, nos oprime toda uma série de misérias herdadas”. (RIBEIRO, 1978)

1.2 Criminalização da pobreza

Muitas vezes caracterizadas como massas sobrantes que logo passam a ser vistas como dispensáveis excedentes, sem condições de se reproduzir normalmente e buscando formas individuais e muitas delas, ilegais de subsistir, além da violência que sofrem cotidianamente, são responsabilizadas pela violência urbana e consideradas o problema brasileiro e um entrave ao desenvolvimento nacional,

Como o contrário é o que ocorre, só resta concluir que a carência e a enfermidade residem na estrutura de um sistema socioeconômico que opera por critérios de conspiração e exploração da força de trabalho, mas não é capaz de conscrever e explorar toda a massa posta á sua disposição, a não ser através de formas arcaicas de interação econômica que condenam a maioria da população a uma condição de marginalidade. (RIBEIRO, 1978, pág. 85).

Passam a ser vistas como as Classes Perigosas, termo que surge durante a revolução industrial (Guimarães, 1981) como consequência do processo de incorporação massiva de máquinas ao processo de trabalho que dispende menos

(27)

força de trabalho humano e por consequência, intensifica o contingente do exército industrial de reserva, (ou da chamada superpopulação relativa), movimento identificado por Marx como composição orgânica do capital8. (Netto, Braz, 2006)

Aqueles sujeitos à margem do processo de produção, sem relação de troca entre sua força de trabalho e um salário, fundamentais para o ciclo do capital, e que fora do mercado de trabalho tem sua condição de subsistência agravada.

A formação desse contingente no Brasil e América Latina ocorre de forma mais aprofundada ainda, com a superacumulação capitalista, extrema concentração de propriedade agrária, dos meios de produção, da riqueza nacional, a inflação, etc. Aqui a exploração do trabalhador dentro das particularidades da nossa formação sócio histórica de dependência e a reprodução do capital (que atua no desenvolvimento dos países centrais e não em nosso próprio) se realiza na forma da superexploração do trabalhador, que aprofunda e reproduz o pauperismo no continente.

Passam a carregar nas costas o fardo e a explicação em si, de toda a violência, medo, e características de um país subdesenvolvido que ao mesmo tempo em que cumpre o papel de falsear a eficácia de entidades e sujeitos públicos quanto suas competências no âmbito jurídico, educacional, segurança pública, etc., dando impressão e visibilidade de que algo está sendo feito, que pessoas estão sendo punidas pelos seus atos e que a criminalidade vem sendo combatida.

Há um rol de instituições articuladas nessa sociedade para que a manutenção da ordem se reproduza e o ideário burguês se perpetue na população, entre elas a escola, a igreja, universidades, família, o sistema penal passa a ser mais uma delas. A necessidade de controle do desvio também passa por construção social (Baratta, 2002) engendrada e histórica que interessa as classes dominantes.

O que nesse processo aparentemente não fica claro é o recorte de classe, é o processo seletivo por qual passam os sujeitos que serão considerados criminosos ou não a depender do estrato social e de seu lugar no modo de produção. Realizada essa seleção, também são selecionados os crimes que levam ou não a punição. A

8 NETTO, José Paulo. Braz, Marcelo. Economia Política – Uma Introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006. [Biblioteca Básica do Serviço Social – Volume 1].

(28)

estigmatização de determinados estratos sociais que possuem determinadas condutas, também servem para obscurecer e tirar de evidência outras, como os chamados crimes do “colarinho branco” (Baratta, 2002), das grandes empresas, corrupção de órgãos públicos, comércio ilegal, entre outros em detrimento as necessidade e interesses da coletividade.

É central a relação entre o sistema penal e o modo de produção (Wacquant, 2007), como são entendidos, administrados e efetuados de forma hegemônica. Primeiro pela inserção dos estratos “penalizados” em resposta aos delitos cometidos, no processo de produção superexplorado e precário e também como alternativa de subsistência mesmo que completamente insuficiente. Segundo, pelas características inerentes ao trabalho no processo de produção capitalista e suas consequências profundas à classe trabalhadora e estratos mais baixos, da exploração de trabalho, desigualdade social, baixos níveis de condições de vida, práticas consideradas socialmente como informais e ilegais tratadas através do sistema penal.

Essa relação articulada tem enfoque na reafirmação do Estado como autoridade mesmo em tempos de neoliberalismo, e de Estado mínimo. Se por um lado o Estado assume característica de mínimo e transfere ao livre mercado a regulação das relações sociais, acesso a bens e serviços, inserção no mercado de trabalho e efetivação de políticas sociais, por outro lado se posiciona de forma autoritária quanto às consequências de sua política primeira através do sistema penal. (Guimarães, 1981)

Articulação que atinge um estrato extremamente seletivo nos dois polos citados, sujeitos sentenciados pelo sistema penal que já possuem histórias de vida, condições de trabalho, dificuldades de sobrevivência penalizadas e certa invisibilidade social e descaso público perante o Estado e a sociedade.

De certa forma, o sistema penal na sociedade capitalista serve também como

disciplinamento dos sujeitos a “moral do trabalho” mesmo que em condições

submissas9 ao passo que “previne” a seleção enquanto criminoso, ou nos casos de

9BARATTA, Alessandro. Prefácio. In: BATISTA MALAGUTI, Vera. Dificéis Ganhos Facéis: Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

(29)

negação a inserção no mercado de trabalho formal castiga os sujeitos com estereótipos e inserção na penalidade.

A hipótese na qual o Estado está falido e que, portanto, não cabem maiores investimentos em políticas públicas na área da previdência, assistência social, educação, saúde e outros é questionado se olharmos os investimentos que tem sido prioritários da política e sistema penal de intervenção estatal.

O que fica explícito é essa escolha política e de classe de intervir na sociedade não num processo de garantia de direitos e reconhecimento dos cidadãos como plenos, mas optando pelo controle e criminalização dos estratos mais empobrecidos. Ao mesmo tempo, e novamente o sistema penal se apresenta selecionando o “segmento mais frágil e marginal da população” enquanto outros detentores de propriedades e consequentemente de poder alimentam sua “capacidade de impunidade das próprias ações criminais.” (BARATTA, 1993).

Mary Carpenter10, autora criminal, define as “Classes Perigosas” como pessoas que haviam passado pela prisão, ou no caso de não terem passado, pessoas que para prover seu sustento e o de sua família tinham se convencido que ganhariam mais praticando furtos do que trabalhando. (GUIMARÃES, 1981)

Wacquant (1999), sobre os métodos de punição dos pobres levanta dois métodos eficazes em sua criminalização: Primeiro, os programas de transferência de renda e suas condicionalidades quanto á saúde, educação, sexualidade; e a inserção obrigatória em outras instituições públicas tão ineficazes quanto o objetivo desses programas de tirar essas populações da miséria.

O segundo que será central nesse trabalho com caráter de “contenção repressiva” é o encarceramento em massa das populações pobres.

A causa mestra deste crescimento astronômico da população carcerária é a política de “guerra á droga", política que desmerece o próprio nome, pois designa na verdade uma guerrilha de perseguição penal aos vendedores de rua, dirigida contra a juventude dos guetos para quem o comércio e o varejo é a fonte de emprego mais diretamente acessível.” (Wacquant, 2003, p.29).

10 Autora inglesa da obra “Reformatory schools for the children of the perishing and dangerous classes, and for juvenile offenders”, de 1849.

(30)

Aqui há uma aparente separação política importante entre social, político e penal. A realidade vivida pelas pessoas, suas condições de vida, a violência urbana, doméstica, a criminalidade em geral, e a distância da população das decisões políticas que lhe dizem respeito, a falta de democracia frente às classes sociais, são tidas como esferas separadas na dimensão do cotidiano. No entanto, atingem todas o mesmo contingente populacional.

Há uma “coincidência” entre as famílias pobres, entre os usuários de políticas sociais e programas governamentais de habitação, assistência social, renda e trabalho entre outras e os sujeitos que convivem ou porque já frequentaram ou porque tem familiares em privação de liberdade em presídios. (WACQUANT, 2007)

Conclui-se, portanto, que para além de métodos de punição da pobreza, esses fazem parte também de métodos de controle da população pobre, necessários à vigência desse sistema econômico em particular, e ainda de criminalização justificada através da “guerra á droga” de jovens e negros pobres das favelas do Brasil, camponeses e imigrantes.

Sobre isso Wacquant (2007) apresenta três estratégias neoliberais que se relacionam entre si, às populações “indesejáveis, ofensivas e ameaçadoras”. A primeira é “socializá-las”, trabalhá-las coletivamente, trata-se dos sem residência, dos sem-teto, que “sujam a paisagem urbana” postos em vagas habitacionais ou realocados em empregos precários. A segunda é a medicalização, supondo que seus comportamentos ditos anormais, a drogadição, a estada na rua são necessariamente somente problemas de saúde mental, portanto patologias individuais e devem ser tratadas profissionalmente. E por fim, a penalização, serve para “invisibilização dos problemas sociais”, aqui não se propõe “compreender” as questões determinadas, o cidadão sem-teto deixa de assim ser visto quando vai para a prisão (Wacquant 2007) como método fim à situação e não como atividade meio pra sua reinserção.

Como a política de “tolerância zero”11 que atua penalizando intensamente desde os pequenos delitos supondo que a mesma capacidade para esse é a

11 Política do Estado Penal propagada no século XX, método de combate a criminalidade nos Estados Unidos e percussão em 1990 nos países periféricos. Considerada como forma possível de gerir a pobreza em tempos de aprofundamento das contradições, “perseguir agressivamente a pequena delinquência e reprimir os mendigos e os sem-teto nos bairros deserdados” (Wacquant, 2001b, p. 25).

(31)

capacidade para delitos mais graves e com níveis mais profundos de violência, atua também quanto aos moradores de rua e na escolha de determinados territórios onde estejam concentrados sujeitos precarizados e superexplorados.

A lógica da insegurança pública e do medo se invertem. Ao contrário do que a aparência apresenta, esse Estado policial agrava a delinquência de rua, o medo interiorizado tanto pelas classes médias, pela classe alta que até certo limite tem acesso a uma segurança privada e a locais que julgamos serem mais pacíficos, quanto pelas classes pobres e marginalizadas. Essas últimas mesmo que inseridas em locais e relações sociais que são históricas, naturalizadas, construídas, vivem em uma dinâmica permeada também pelo medo: da polícia, do Estado, da opinião pública, nos diversos trabalhos informais e superexplorados como, por exemplo, o tráfico de drogas, a prostituição, etc.

Numa composição geográfica tida nas cidades e principalmente em grandes centros urbanos que apesar de dividir as populações de acordo com o estrato social a qual pertencem e sua condição socioeconômica, não se da de forma estática fazendo com que os estratos mais pobres ultrapassem os supostos “limites” e também circulem em áreas hegemonicamente de setores com maior poder aquisitivo, também se torna assim instrumento de criminalização.

Aqui o sistema penal entra no sentido de intervir e impedir que ocorram ameaças à ordem social e a “boa harmonia da sociedade” causada por intervenções negativas por parte da pobreza em áreas “limpas e civilizadas” (KEPP, 2007).

Estes discursos “desviam” o foco de análise e interpretação das manifestações da “questão social”, e são capazes também de gerar uma tendência em se apoiar nas instituições judiciária e penitenciária para eliminar os efeitos da insegurança social engendrada pela imposição do trabalho assalariado precário e pelo reiteramento correlato da proteção social (Wacquant, 2001, p.102).

Há uma perseguição penal e moral partindo também do âmbito geográfico das cidades quanto às práticas e hábitos dos moradores e juventude, desde o modo de vestir, falar, níveis de consumo, escolaridade, saneamento básico, saúde. Nessas áreas a atenção no sentido de controle e “prevenção” é dada pelo aparato penal e policial de forma redobrada. Além das estigmatizações da pobreza já

(32)

tratadas aqui, há também o preconceito em relação ao local de moradia, a que a comunidade pertence.

Com o aprofundamento da desigualdade social e condições precárias de trabalho, as formas de (re) produção das relações sociais ganham novas formas, e criam demandas a respeito da insegurança e instabilidade sentidas pela população. (BARROCO, 2011).

A ideologia dominante exerce uma função ativa no enfrentamento das tensões sociais, para manter a ordem social em momentos de explicitação das contradições sociais e das lutas de classe. Numa sociedade de raízes culturais conservadoras e autoritárias como a brasileira (Chauí, 2000), a violência é naturalizada; tende a ser despolitizada, individualizada, tratada em função de suas consequências e abstraída de suas determinações sociais. A ideologia neoliberal – veiculada pela mídia, em certos meios de comunicação, como a rádio, TV, a internet e revistas de grande circulação – falseia a história, naturaliza a desigualdade, moraliza a “questão social”, incita o apoio da população a práticas fascistas: o uso da força, a pena de morte, o armamento, os linchamentos, a xenofobia. (BARROCO, 2011, P. 208).

O tema da segurança pública e ordem social vira cena, torna-se central frente os “sentimentos de insegurança subjetivos” e generalizados e dessa mesma forma são pensadas ás respostas para chamada “delinquência real” (Wacquant, 2007) da rua, dos grandes centros urbanos, dos guetos, etc. As causas dessa delinquência são pensadas historicamente, inclusive no interior do sistema penal, de forma a individualizar os ditos “crimes”, de responsabilizar individualmente e em termos morais os sujeitos, sem a perspectiva de entender a violência como sintoma de algo que é coletivo, portanto um modelo que “combate” a questão de forma paliativa, pouco efetivo e sem contribuições para diminuição da criminalidade social.

Se não a pobreza, ao menos a delinquência e as práticas consideradas ilegais, crimes, são historicamente motivos de questionamento, inquietação e formulação de teses que as expliquem e as justifiquem. Já chegamos através da ciência e sua suposta neutralidade a traçar perfis, genética e origens de sujeitos tidos como naturalmente criminosos, já determinamos biologicamente os sujeitos

(33)

ditos criminosos através de suas características e personalidade com Lombroso12.

Já supomos que a pena de morte em praça pública evitaria a continuidade dos crimes.

A criminologia nasce sob uma ótica positivista e se caracteriza como ciência que busca controlar os fatos e para isso os determina de forma rígida sob aspectos patológicos e psicológicos que identificariam os “sujeitos normais” diferentes dos “sujeitos criminosos”. A partir disso o objeto é o homem “delinquente” e, portanto observável, e não o delito em si (BARATTA, 2002).

Sob outra perspectiva, a escola liberal clássica trata o crime dentro do livre arbítrio e de responsabilização moral dos sujeitos e suas escolhas, sob essa ótica não há diferenças entre os sujeitos. Nesse sentido a pena não objetivava trabalhar e mudar o delinquente e sim proteger a sociedade de seus atos e agir buscando a contra motivação dessas práticas. (BARATTA, 2002)

Mas por muito tempo não se cogitava e ainda com atuais resistências, na tese de que a miséria urbana, a pobreza e a criminalidade estão enraizadamente ligadas. Frederick Engels em sua publicação datada de 1845, A situação da classe

trabalhadora na Inglaterra13 traz pela primeira vez essa tese que se evidencia com a

Revolução Industrial de que a miséria de que tratamos somada a opressão sobre a pobreza formam a “grande força motriz” da criminalidade (Guimarães, 1981). É fruto de escolhas feitas por quem as direciona em termos de rumos sociais e da humanidade, a pobreza é constante, mas possui manifestações variáveis a depender de determinado período histórico e grau da exploração da força de trabalho.

O crime, associado à miséria dos sujeitos, para além de outros determinantes, passa a ser alternativa á própria condição de vida, de pobreza e como forma de subsistência sua e de sua família. Segundo Guimarães (1981) o crime aparece como alternativa aos processos de êxodo rural, massificação das cidades, consequências da Revolução Industrial que não deram conta do modo como os

12 Cesare Lombroso considera o delito como ente natural, patológico e determinado por causas hereditarias, desenvolve sua obra em 1876, L´uomo Delinquente, “um fenômeno necessário como o nascimento, a morte, a concepção”. (BARATTA, 2002)

13 ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. (tradução: Rosa Camargo Artigas e Reginaldo Forti). São Paulo: Global, 1985.

(34)

grandes centros urbanos se estruturaram e na garantia dos direitos de toda a população. Ainda que inseridos em práticas ilegais e, portanto informais de trabalho, atendem a suas necessidades reais de vida.

A pobreza passa a ser entendida como questão moral e individual dentro do discurso do exercício da liberdade de cada um e de escolha frente suas decisões, independente dos diferentes pontos de partida nos quais passam os estratos sociais. Segundo Batista (2011) há aqui um processo de “internalização” da pobreza como fator de responsabilidade e “fracasso pessoal”. A família dita desestruturada recebe o ônus da responsabilização pela situação de seus membros, partindo de uma perspectiva moral e de um núcleo familiar ideal a ser atingido, e quando esse processo falha passa-se a justificar as profundas ausências do Estado.

Para Netto (2006), a individualização dos problemas sociais, sua remissão à problemática singular dos sujeitos é um elemento constante, com desdobramentos variáveis no enfrentamento da questão social em tempos de monopólio. Nesse sentido, as saídas encontradas para a problemática social se desdobram em torno de um viés que prioriza ações que partem da necessidade de modificação das características pessoais e comportamentos morais dos indivíduos.

Partindo dessa perspectiva, o “problema” ou a questão, identificado como responsabilidade individual somente poderá ter como respostas, ou formas de enfrentamento, saídas individuais. De onde surgem às atividades filantrópicas e focalizadas que buscam educar os indivíduos e suas coletividades “para o trabalho”, “como educar seus filhos”, “normas de medicalização e higiene”, “normas de convivência e sociabilidade”, numa concepção que os exclui como possuidores de direitos, autonomia, história, cultura e capacidade de viver em sociedade.

Esse processo contribui em termos de reprodução de um sistema, para o não reconhecimento dos sujeitos e coletivos enquanto classe social dominada, enquanto igualmente explorados e com barreiras cotidianas de superação dessa condição socioeconômica, histórica e cultural que partem e são consequência de uma mesma estrutura. Diante disso, o que ocorre é um processo inverso onde à busca por melhores condições de vida através do trabalho e a garantia de direitos individuais aparece como único caminho a tão sonhada ascensão social e econômica.

Referências

Documentos relacionados

A Embriaguez não acidental, é a que o agente assume o risco e o faz mesmo assim, ingerindo álcool, ou outras substâncias que tiram seu discernimento temporariamente.

φ ME SL - Valores obtidos por COSTA (1984) com vínculo elástico e sem lintéis. A importância da rigidez ao empenamento neste tipo de estrutura é evidenciada pelo gráfico da

The objectives of this course include: Provide the students with knowledge about names, actions, side effects and contraindications of drugs used in the treatment of diseases in

É no bojo das contradições históricas da infância e adolescência no Brasil que se explicitam os avanços e direitos legalizados com o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, o

Assim, as escolhas de consumo são alteradas de acordo com a subjetividade de cada pessoa e essas, por sua vez, se traduzem em uma forma de comunicação que impacta os demais

27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. São penalmente inimputáveis os

No Brasil, a atual onda de violência é o envolvimento de menores nos crimes de grande repercussão vêm retomando a discussão pela redução da maioridade penal. Segundo

A Pastoral do Menor no Brasil Organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) historicamente emprenhada na promoção da vida de crianças e adolescentes,