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Telas-janelas - gestos de resistência contra a violência de gênero : a "zona" como o lugar do (im)possível = Screens-windows - resistance gestures against gender violence: the zone as the place of the (im)possible

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Academic year: 2021

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CRISTINA BARRETTO DE MENEZES LOPES

TELAS-JANELAS - GESTOS DE RESISTÊNCIA CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÊNERO: a zona como o lugar do (im)possível

SCREENS-WINDOWS - RESISTANCE GESTURES AGAINST GENDER VIOLENCE: the zone as the place of the (im)possible

CAMPINAS 2019

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TELAS-JANELAS - GESTOS DE RESISTÊNCIA CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÊNERO: a zona como o lugar do (im)possível

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Artes Visuais.

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA CRISTINA BARRETTO DE MENEZES LOPES E ORIENTADA PELO PROF. DR. HERMES RENATO HILDEBRAND

CAMPINAS 2019

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CRISTINA BARRETTO DE MENEZES LOPES

ORIENTADOR: PROF. DR. HERMES RENATO HIDEBRAND

MEMBROS

1. PROF. DR. (ORIENTADOR) - HERMES RENATO HILDEBRAND 2. PROF(A). DR(A). - SYLVIA HELENA FUREGATTI

3. PROF(A). DR(A). -. CHRISTINE PIRES NELSON DE MELLO 4. PROF(A). DR(A). - CAROLINA DIAS DE ALMEIDA BERGER 5. PROF(A). DR(A). - MARIA DE FÁTIMA MORETHY COUTO

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Disencontra-sertação/Teencontra-se e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Seria muito injusto citar alguns/as e me esquecer de outros/as. Mas também não posso finalizar essa etapa da minha vida sem agradecer as pessoas que me inspiraram e me acompanharam nessa jornada. Deixo aqui então alguns agradecimentos especiais àqueles e àquelas que compartilharam de forma mais presente esse trecho percorrido: minhas filhas Carolina e Gabriela - sempre companheiras na escuta e na partilha - ao meu filho Rafael, que mesmo longe é presença constante no meu coração, e ao Paulão, que escreve essa história de vida comigo a quatro mãos.

Também deixo aqui registrado meu mais sincero agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de estudos de Doutorado que contribuiu para essa pesquisa acontecer.

Agradeço às queridas amigas e parceiras Mirian Rother, Karine Batista e Mariana Salvador por tudo o que inspiram e especialmente, à Natasha Marzilack, pela escuta generosa e pelos conselhos pontuais em momentos decisivos. Ao Leonardo Steinberg por me apresentar ao prazer dos aéreos e me iniciar pacientemente na forma do movimento - isso me fez entender melhor toda essa pesquisa; ao Professor Almir Almas pelas leituras essenciais e aos colegas do LabArteMídia (Laboratório de Arte, Mídia e Tecnologias Digitais) do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e ao Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da USP - do qual fiz parte - pela acolhida e diálogos. Agradeço ainda ao Jair Luiz, à Tamires Roccatti, Jéssica Rodrigues e Ana Nischimoto pela prontidão no estúdio e nas experimentações; à querida professora Maria José Oliveira Costa pelo apoio enquanto coordenadora do Curso de Produção Audiovisual da UniMetrocamp e à Professora Sylvia Furegatti do Instituto de Artes da Unicamp, que me recebeu em suas aulas e me inspirou caminhos com indicações preciosas. Agradeço à querida Mayara Vivian, que é fonte de inspiração por tudo o que é e que abraçou a revisão desta tese nos momentos finais e à Veridiana Vacarelli, pelas respirações em tempos de opressão.

Agradeço ainda a Ana Piu, Andressa Santos, Camila Godoy, Milena Leite, Simone Negreiros e Rafael Shikamura pela contribuição na realização das projeções da intervenção “Telas-Janelas - Gestos de resistência contra a violência de gênero: a zona como lugar do (im)possível”. Por acreditar em mim, deixo registrado um agradecimento especial ao meu orientador, Professor Hermes Renato Hildebrand.

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há tanto tempo, ressoa através de mim.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Esta pesquisa teórico-prática tem como finalidade a criação de um dispositivo para projeção audiovisual utilizando janelas como telas. Partindo da pergunta “onde estão as imagens?”, formulada pela filósofa francesa Marie-José Mondzain, este projeto busca trazer para o campo do visível, elementos da ordem do sensível. A metodologia envolveu a análise de obras de quatro artistas que trabalham com projeções públicas em espaços urbanos: Krzysztof Wodiczko, Roberta Carvalho, Elisa Laraia e John Hulsey. Inspirado nessas obras e em diálogo com outras formas de cinema, este trabalho ainda propõe uma experimentação focada no tema da violência de gênero através da projeção de gestos de resistência como possibilidade de combate à violência doméstica. A experimentação associa ao conceito de khôra - traduzido por Mondzain como zona - a ideia de janelas como telas e projeta nesse espaço vídeos-gestos produzidos durante a pesquisa: “O grito”, “Mãos Dadas” e “Não é minha revolução, se eu não puder dançar”.

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SCREENS-WINDOWS - RESISTANCE GESTURES AGAINST GENDER VIOLENCE: the

zone as the place of the (im)possible

This theoretical-practical research aims the creation of a device for audiovisual projection using windows as screens. Starting from the question "where are the images?", formulated by the French philosopher Marie-José Mondzain, this project seeks to make visible elements of the order of the sensitive. The methodology involved the analysis of works by four artists who work with public projections in urban spaces: Krzysztof Wodiczko, Roberta Carvalho, Elisa Laraia and John Hulsey. Inspired by these works and in dialogue with other forms of cinema, this research proposes an experimentation focused on the theme of gender violence through the projection of resistance gestures as a possibility to fight domestic violence. The experimentation associates the concept of

khôra - translated by Mondzain as zone – and the idea of windows as screens and projects in these

space videos-gestures produced during the research: "The Scream", "Hands Given" and "It is not my revolution, if I cannot dance ".

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Figura 1. Fragmento da projeção "Movie-Drome", de Stan VanDerBeek, 1963. ... 18

Figura 2. A Machine to see with, 2010... 28

Figura 3. Buscando Al Sr. Goodbye, 2009 ... 30

Figura 4. Buscando Al Sr. Goodbye, 2009 ... 30

Figura 5. Cine-Cicletada na Cinemateca Brasileira, 2013... 31

Figura 6. Mobile Experimental Cinema, 2001 – 2010. ... 32

Figura 7. Hiroshima Projection, Hiroshima, Japão (1999) ... 39

Figura 8. Tijuana Projection,Tijuana, México (2001) ... 39

Figura 9. Homeless Projection, Quebec, Canadá (2014). ... 40

Figura 10. "Pretérito do Presente" – Belém-PA (2005) ... 45

Figura 11. "Symbiosis" - 1a experiência Symbiosis (2007) ... 46

Figura 12. "Mauá Remixes" - Festival Visualismo, Rio de Janeiro (2015) ... 48

Figura 13. "Mauá Revmixes" - Festival Visualismo, Rio de Janeiro (2015) ... 49

Figura 14. Teia, Lençois - BA (2015) ... 50

Figura 15. "Private Conversation” (2005-2017) ... 51

Figura 16. "Private Conversation” (2005-2017) ... 52

Figura 17. "72 hours" - 2010 ... 53

Figura 18. "72 hours" - 2010 ... 55 Figura 19. Registro da gravação do depoimento de Simone Negreiros, 2017 ... 62

Figura 20. QR Code 01 - Telas-Janelas, 2017 ... 63

Figura 21. Projeção Delfino Cintra, 2017... 64

Figura 22. The Scream, 1983 - Edvard Munch ... 67

Figura 23. O grito - Kit Menezes, 2018 ... 68

Figura 24. Three Woman - Bill Violla, 2008 ... 69

Figura 25. Mãos Dadas, 2018 - Kit Menezes ... 70

Figura 26. Mariana Salvador, 2018 ... 72

Figura 27. Andressa Santos, 2018 ... 72

Figura 28. Ana Piu, 2018 ... 73

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INTRODUÇÃO ... 14

1 CINEMA E DISPOSITIVO ... 22

2 CINEMA LOCATIVO: INTERAÇÃO E INTERVENÇÃO ... 34

2.1 Krzysztof Wodiczko ... 38 2.1.1- Hiroshima Projection ... 40 2.1.2 - Tijuana Projection... 42 2.1.3 - Homeless Projection ... 43 2.2 - Roberta Carvalho... 43 2.2.1 Pretérito do Presente ... 44 2.2.2. Symbiosis ... 45 2.2.3 Mauá Remixes ... 47 2.2.4 Teia ... 49 2.3 Elisa Laraia ... 50 2.3.1 Private Conversation... 50 2.4- John Hulsey ... 52 2.4.1 - 72 hours ... 53

2.5.2 - Without Hands, No Work/Sin Manos, No Hay Obra (2016) ... 54

3 TELAS-JANELAS - A ZONA COMO O LUGAR DO IMPOSSÍVEL ... 56

3.1 Trajetória e processo ... 57

3.2 Figuras de resistência - O gesto ... 65

3.2.1 Gesto 1 - O Grito ... 66

3.2.2 Gesto 2 - Mãos-dadas ... 68

3.2.3 Gesto 3 - A Dança ... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 78

APÊNDICE 1 - Material explicativo com a proposta do projeto - frente ... 83 APÊNDICE 2 - Material explicativo com a proposta do projeto - interior ... 84 APÊNDICE 3 - Material explicativo com a proposta do projeto impresso ... 85

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INTRODUÇÃO

A investigação que dá origem a este trabalho parte da pergunta “onde estão as imagens?”, formulada no curso “A zona das imagens”, ministrado pela filósofa Marie-José Mondzain no Museu de Arte do Rio de Janeiro, em novembro de 2013.1 Logo no início da fala, a filósofa

diferencia o termo operações imagéticas da palavra imagens. Quando fala em operações imagéticas, Mondzain explica que faz referência a uma forma de se abordar um tipo de imagem mais associada a figuras que trazem as ideias de liberdade e resistência e ressalta que optou por usar esse termo em oposição a palavra imagens - mais relacionada ao consumo e à economia. A proposta de Mondzain é compreender como as operações imagéticas podem contribuir como referência na construção do indivíduo e serem percebidas como uma opção às ideias de persuasão e de ilusão, presentes nas milhares de imagens que chegam ao indivíduo através dos meios de comunicação de massa e das redes sociais. Foi depois de conhecer o pensamento da filósofa francesa e a partir do diferencial entre operações imagéticas e imagens que a presente pesquisa se desenvolveu. A proposta partiu de uma busca por operações imagéticas e do desafio de provocar o surgimento da khôra - outro conceito que a filósofa desenvolve no seu trabalho - como um espaço de projeção.

Em seu curso, Mondzain propõe separar a ideia de imagem – mais vinculada ao uso comercial, controlado pelas figuras de dominação -, da ideia de operações imagéticas, que, ao contrário, pertencem ao sujeito e estão atreladas a uma zona de indeterminação, permitindo a formação de figuras de resistência e o reconhecimento de uma humanidade compartilhada. Para a filósofa, em um mundo onde os atentados mais violentos à liberdade passam pelas indústrias de comunicação e de informação, é preciso pensar como é possível libertar as forças revolucionárias da imagem, como pensar a imagem em sua potência de rebelião. É inserida em uma zona de indeterminação que as operações imagéticas recuperam e democratizam a força das imagens e transformam esse espaço em uma zona de alegria. Nesse sentido, trabalhar com a ideia de operações imagéticas é abrir esse campo que confere a todos a força de transformar o mundo.

1O curso, disponível em vídeo, está dividido em três aulas: Aula 1: Uma homenagem política ao carnaval, disponível

em https://www.youtube.com/watch?v=6dcDpyp0UE0; Aula 2: Onde estão as imagens? Uma questão de zona, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MUcawRerIpk; e Aula 3: Representar o povo? Uma questão de

zona e de idiotas?, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-OA8let5JAA. Não fiz o curso

presencialmente, foi durante a pesquisa que encontrei as aulas online e a fala da filósofa Marie-José Mondzain imediatamente me chamou a atenção por dialogar diretamente com este trabalho.

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Mas como dar visibilidade a elas? Em que lugar, em que espaço podemos ver gestos de resistência em contraposição às figuras a que damos crédito, que validam cotidianamente, através da televisão e de outras plataformas midiáticas, valores que já não se sustentam em suas singularidades?

Como tema para o desenvolvimento da proposta desta pesquisa, optou-se pela violência de gênero. O trabalho envolveu trazer para o campo do visível, imagens que se encontram no campo do sensível a partir do imaginário que se estabeleceu nessa discussão.

Levantes feministas marcam o início do século XXI em diferentes países. Mulheres de diversas etnias, identidades, culturas, idades e corpos se organizam na luta pela defesa da autonomia, pelo fim das violências - física, psicológica, material e simbólica -, pela igualdade de condições trabalhistas e por maior participação política. No Brasil, o Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015) mostra que dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% desses casos o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. O estudo aponta também que 27,1% das ocorrências aconteceram nas residências das vítimas, ou seja, a casa é um local de alto risco para as mulheres.

A presença significativa de jovens feministas em mobilizações recentes, organizadas principalmente por meio de redes, é uma característica que marca a segunda década do século 21 e afirma a importância da visibilidade para o fortalecimento dessa luta.

Nesse contexto, a ideia de zona - termo traduzido da palavra grega khôra por Mondzain – dialoga diretamente com a proposta desta pesquisa que busca criar um espaço que permita provocar o desvelamento de imagens em locais abertos e acessíveis, utilizando janelas como telas para projeções em espaços públicos.

Restrito ao campo do audiovisual, a proposta desta pesquisa buscou referências estéticas no cinema - um território extenso, formado por experiências que incluem desde filmes exibidos em salas convencionais (com tela em oposição ao projetor e poltronas dispostas em fileiras) até instalações audiovisuais e projeções pensadas especificamente para galerias e/ou locais abertos.

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Dentro desse campo, a investigação buscou obras que desafiaram o modelo predominante de produções moldadas a partir da ideia de uma forma-cinema2 ou efeito-cinema,3 consolidado

como modo de produção e de distribuição industrial norte-americana desde o início do século XIX, como uma alternativa ao modelo tradicional e dominante, que coloca o espectador em estado de fragilidade, mais propenso a acreditar na ilusão do que é mostrado na tela.

Apesar dessa dominância, outras formas de se fazer cinema - mais restritas ao campo das artes e do universo underground - indicaram potencialidades para a imagem em movimento: das rupturas relacionadas ao espaço (projeções em galerias, museus ou na rua), do suporte (filme sem projeção, projeção sem filme) ou, ainda, possibilidades discursivas (cinema não-narrativo, videoarte), o espectro de possibilidades de manipulação do audiovisual se desdobrou e se expandiu.

O artista e pesquisador André Parente observa que

[o] cinema, na condição de sistema de representação, não nasce com sua invenção técnica, pois leva cerca de uma década para se cristalizar e se fixar como modelo. Como o livro contemporâneo, ele é um dispositivo complexo que envolve aspectos arquitetônicos, técnicos e discursivos - por si só, cada um destes é um conjunto de técnicas - todos eles voltados para a realização de um espetáculo que gera no espectador a ilusão de que está diante dos próprios fatos e de acontecimentos representados (PARENTE, 2009, p. 22).

Conduzido por Baudry (1983) e Parente (2007, 2008, 2009), o recorte proposto nesta pesquisa se volta para o campo das projeções que estabelecem um diálogo com a ideia de operações

imagéticas. Se, na década de 20, a relação entre o cinema e as artes plásticas influenciou o

desenvolvimento da linguagem cinematográfica a partir do dadaísmo, do surrealismo e de outras vanguardas artísticas, aproximando o audiovisual de outras manifestações, dos anos 60 em diante, esse diálogo vai se desenvolver em diferentes direções. Nesse contexto, surge o conceito cinema expandido.

2A Forma Cinema é um modelo de representação nascido em torno de 1910 e que tem relação com uma série de

experiências articuladas a um tipo de subjetividade que emerge no século XIX e pode ser detectada em várias manifestações estéticas como a pintura neoclássica, os dispositivos imagéticos – fantasmagorias, dioramas, panoramas, fotografia estereoscópica – o romance de Balzac e de Dickens – com suas novas técnicas no delineamento dos personagens, das ações, do espaço e do tempo –, as passagens parisienses – predecessor dos shoppings atuais - o

flanêur de Baudelaire, que se tornou o personagem por excelência das viagens imóveis. (PARENTE, 2007). 3Segundo Jean-Louis Baudry (1983), o dispositivo cinematográfico compreende efeitos específicos produzidos pelo

cinema sobre o espectador. É o que o autor denomina de “efeito cinema”. Estes efeitos englobam o conjunto de como o filme é projetado diante do espectador de uma forma técnica (câmera, moviola, projetor, sala escura, assentos, etc.). Nesse modelo o espectador fica fragilizado e se torna vítima da ilusão: ele confunde a própria representação com a realidade.

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Quando dizemos cinema expandido queremos dizer consciência expandida. Cinema expandido não refere-se a filmes de computador, vídeo de fósforos, luzes atômicas ou projeções esféricas. Cinema expandido não é um filme em tudo: assim como a vida, é um processo de se tornar unidade permanente do homem histórico para manifestar a sua consciência para fora da mente, para a frente dos olhos. Não se pode mais se especializar em uma única disciplina e espero, sinceramente, expressar uma visão clara de suas relações no ambiente. Isso é especialmente verdadeiro no caso das redes intermídia de cinema e televisão, que agora funcionam, nada mais nada menos, como o sistema nervoso da humanidade (YOUNGBLOOD, 1970, p.41).

É a partir desse momento que alguns artistas e cineastas, como Andy Warhol (Empire, 1964) e Jonas Mekas (Walden, 1969; Reminiscências de uma Viagem para a Lituânia,1972), passam a apresentar outras potencialidades da imagem em movimento através de diferentes possibilidades de explorar o cinema para além das salas de cinema ou do cinema narrativo clássico.

A histórica projeção em uma cúpula construída especialmente para o filme Movie-Drome4

em 1963 - projeto idealizado por Stan VanDerBeek - é outra importante contribuição para as experiências que marcaram essa história paralela do cinema para além da forma-cinema, como observa Parente5 (2007), estimulando espectadores e espectadoras a estabelecerem uma relação mais ativa com a proposta audiovisual da obra.

4 No projeto Movie-Drome (1965), Stan VanDerBeek propõe multiprojeções no interior de uma grande cúpula de

alumínio de 180 graus (aproximadamente 15 metros de diâmetro e 8 metros de altura), erguida sobre uma plataforma suspensa a cerca de três metros do chão. O acesso, feito por baixo do piso, permitia que, ao entrar em seu interior, o espectador tivesse um campo de visão horizontal circular, de 360 graus de toda a extensão sobre a qual as imagens eram projetadas. As exibições no interior do Movie-Drome utilizavam vários projetores de 16mm dispostos em

superfícies giratórias, que permitiam mover o foco de luz em diferentes direções. Segundo Roberto Moreira Cruz (2018), essas imagens projetadas eram associadas a outras projeções de slides, efeitos de iluminação e de sons previamente gravados, trazendo outras possibilidades de fruição do audiovisual.

5A Forma Cinema, para Parente (2007), é o que se observa no cinema convencional, ou seja, apenas uma forma

particular de cinema que se tornou hegemônica, um modelo estético determinado histórica, econômica e socialmente. Trata-se de um modelo de representação: “forma narrativa-representativa-industrial” (PARENTE, A. 2007, p. 4).

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Figura 1. Fragmento da projeção "Movie-Drome", de Stan VanDerBeek, 1963.

Fonte: http://www.medienkunstnetz.de/assets/img/data/2202/bild.jpg.

Muitas outras projeções também reafirmaram a potencialidade do cinema em ambientes diversos - imersivos, museus, espaços públicos. Dentro desse recorte e explorando para além do que propôs Youngblood (1970), essas experimentações recebem denominações variadas: live

cinema, performance-cinema, performance-audiovisual, audiovisual-locativo, VJing, videomapping e locative cinema são alguns deles.

Considerando essas ideias, esta investigação propõe um segundo recorte focado em propostas que envolvem projeções em espaços públicos. Obras exibidas em museus ou galerias como a videoarte, a vídeo-instalação, ou o cinema de museu, não entrarão neste trabalho. Interessa aqui imagens móveis, temporárias e moldáveis, projetadas em superfícies disformes. Essas imagens, ao serem libertadas de um suporte, ampliam suas possibilidades para além dos moldes retangulares das telas e experimentam novas formas e tamanhos. Refiro-me especificamente a projetos como The Tijuana Projection (2001), do artista Krzysztof Wodiczko, ou The Limousine

Project (1991)6, obra do artista catalão Antonio Muntadas. Tanto Wodiczko, ao abordar a violência

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praticada contra mulheres na fronteira entre o México e os Estados Unidos7, quanto Muntadas, que usa as janelas de um automóvel para exibir de forma inusitada imagens de propagandas, manchetes e slogans políticos pelas ruas de Nova York, agregam ao seu trabalho uma provocação específica que envolve um comprometimento político: Wodiczko, a violência de gênero e os problemas com relação a imigração enfrentados naquela região, e Muntadas, uma crítica ao culto exacerbado dos valores presentes em uma sociedade capitalista.

Seguindo essa linha de trabalho, esta pesquisa identificou outros jovens artistas que utilizam projeções em espaços públicos com a intenção de apontar a urgência de olhar para determinados temas. Nos Estados Unidos, John Hulsey alerta para o processo de despejo protagonizado por um banco alemão em um bairro de Boston com o projeto 72 hours (2010); na Itália, Elisa Laraia busca romper com a fronteira entre o público e o privado em Private Conversation (2005-2017); e no Brasil, Roberta Carvalho, em Symbiosis (2007), resgata questões culturais, históricas e sociais relacionadas à Amazônia através de projeções em vegetação nativa e paisagens locais.

Algumas obras dos e das artistas citados/as acima são apresentadas nesta pesquisa como indicativos de uma tendência de utilização do espaço em relação a outras configurações que alteram a percepção da imagem quando em relação direta com as especificidades do entorno e do repertório individual dos/as transeuntes. A escolha desses trabalhos se deu pela proximidade com a proposta de execução da experiência Telas-janelas e pelos temas, que também dialogam diretamente com a ideia de projeção trabalhada neste projeto. Isso inclui uma experimentação pensada a partir desse processo de migração da imagem audiovisual não somente para outras telas, limitadas pelos próprios dispositivos onde são acessadas, mas também para fora dos quadros, na paisagem.

O cinema que se expande para além das salas transforma provisoriamente seu entorno. Artistas adicionam camadas ao espaço incluindo informações específicas da localização na própria narrativa, como a belenense Roberta Carvalho, que utiliza árvores como suporte para suas projeções no projeto Symbiosis ou Michele Teran, em Buscando Al Sr. Goodbar, realizado em Murcia, na Espanha, que apresenta uma proposta narrativa desenvolvida a partir das coordenadas de longitude e latitude de vídeos publicados no Youtube.

Para Mondzain (1995, p.15), “l’[i]mage n’est pas dans l’espace, elle a à voire avec le

temps”8. É na paisagem que a diversidade de experiências aponta para um campo de passagem

7O fato dessa abordagem ter sido realizada por um homem ao invés de uma mulher é objeto de questionamento, mas

não pode ser critério para ignorar a importância da obra deste artista na arte contemporânea.

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onde o cinema passa a fazer parte do entorno. Há um deslocamento: já não se trata da paisagem no cinema, mas do cinema na paisagem.

Agregado a ideia desse cinema que transita para outros espaços, o lugar onde as projeções acontecem passa a ser um elemento da própria narrativa. Esse olhar invertido se aproxima da ideia de extramoldura, proposta por Anne Cauquelin (2007):

[é] por esta janela que me dou conta da paisagem. Ela está enquadrada pelos montantes de madeira que recortam dois lados paralelos no tecido contínuo do exterior. Assim a janela é usada como suporte que envolve as questões da paisagem, em relação a percepção do lugar no espaço geral, e da poética, ou seja, a imaginação extramoldura (p.137).

Para a autora, a noção de paisagem está relacionada à arte do enquadramento e da composição. Há uma seleção, uma intervenção humana, ao se escolher um recorte de mundo que é priorizado em detrimento de outras possibilidades. Mas também, para ela, é preciso indagar: o que é que constitui a moldura - além do artifício da janela - para que uma paisagem seja vista como tal? A ideia de extramoldura designa algo que não se revela de imediato, mas que é elemento constitutivo da moldura.

Neste trabalho, o conceito de extramoldura é inserido como elemento nas projeções que ocorrem em espaços públicos: as imagens incorporam as referências do local e acrescentam à obra informações do entorno. A paisagem deixa de ser extra, mistura-se à imagem da tela e passa a fazer parte dela.

É importante lembrar que aqui, a percepção da paisagem também depende de diversos elementos que dizem respeito ao repertório individual de cada um/a. Nesse sentido, ao ser inserida na paisagem, a narrativa cinematográfica alcança outras possibilidades potencialmente conceituais. Nesta proposta, trata-se de se abordar a questão da violência contra mulheres a partir do local onde grande parte delas ocorre: a casa, o espaço doméstico.

E é aqui que o conceito de zona (khôra), presente no título desta pesquisa e que compõe a hipótese que orientou esta tese, passa a fazer sentido. Utilizado por Marie-José Mondzain, o conceito é apresentado através de um percurso que tem origem no Carnaval, enquanto espaço-tempo de transgressão, até chegar ao ápice da Revolução. A ideia de zona aparece como um não-lugar – porque não é físico e está mais próximo a ideia de tempo – do impossível.

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O encontro com Marie-José trouxe para este projeto a possibilidade de fazer emergir esse lugar: o lugar da resistência, o lugar da zona (khôra), que permite a criação e a inscrição de formas sensíveis no espaço dos corpos e também no tempo da história.

Este texto descreve o percurso dessa busca e apresenta a experiência de revelar imagens possíveis como resposta à pergunta “onde estão as imagens?”, de forma didática. Organizado em três partes, foi reservada à primeira uma breve retrospectiva histórica que aponta rupturas propostas por artistas que se contrapõem à forma institucionalizada do cinema enquanto dispositivo em sua constituição mais popular: câmera, projetor, sala escura, assentos, etc. A segunda parte traz um recorte mais específico em obras de artistas contemporâneos que exploram a ideia de um cinema livre, moldável a qualquer superfície, um cinema que se aproxima da ideia das operações

imagéticas proposta por Mondzain. Finalmente, a terceira parte deste trabalho, trata do

desenvolvimento da intervenção poética “Telas-janelas - Gestos de resistência contra a violência de gênero: a zona como lugar do (im)possível”.

As projeções experimentadas em espaços públicos convidam as pessoas que transitam nos locais escolhidos a perceberem uma outra realidade. Neste trabalho busca-se, através de imagens que valorizam o gesto, provocar a subversão a uma ordem impositiva e dominadora que utiliza dispositivos para orientar comportamentos, direcionar desejos e ordenar modos de ser. “Telas-Janelas - Gestos de resistência contra a violência de gênero: a zona como lugar do (im)possível” propõe experimentar breves momentos de constituição de zonas temporárias de compartilhamento onde seja possível libertar as figuras de resistência presentes no imaginário de cada um/uma de nós.

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1 CINEMA E DISPOSITIVO

Não é possível falar de um cinema que não aconteça na sala de cinema, sem passar pelo cinema expandido. O termo cinema expandido foi utilizado pela primeira vez no início dos anos 60 para designar novas maneiras de se produzir e de se exibir filmes em diálogo com outras formas de manifestação artística. Stan Vanderbeek usou esse termo no manifesto "Culture: Intercom and

Expanded Cinema - A proposal and Manifesto", de 1966, para abranger outras experiências

estéticas que utilizavam imagens e movimento.

Gostaria de compartilhar com vocês uma visão que tive sobre filmes. Esta visão diz respeito ao uso imediato de imagens em movimento - ou o cinema expandido, como uma ferramenta para a comunicação mundial ... e abre o futuro do que eu gosto de chamar de

‘Ethos- Cinema’ (VANDERBEEK, 1966)9.

Quatro anos depois, em 1970, Gene Youngblood também usa o conceito de cinema expandido ao lançar Expanded Cinema. Segundo Arlindo Machado (2010, p. 66), Youngblood usa o termo para amplificar a ideia de um cinema realizado com outros suportes - "[...] arte do

movimento, televisão e vídeo também passam a ser cinema, assim como a multimídia". Para

Machado (2010), essa ideia de expansão de suportes acabou ganhando novos contornos e o conceito passou a ser empregado também para descrever um cinema que se expande para outros espaços.

Mas para André Parente (2007), o termo “cinema expandido” não é suficiente para abranger as diversas possibilidades experimentadas durante os últimos 110 anos. Para ele, há momentos diversos na história do cinema e o cinema expandido corresponde a apenas um deles.

Ao longo da história do cinema temos não apenas experiências esparsas, mas cinco momentos fortes (cinema do dispositivo, cinema experimental, arte do vídeo, cinema expandido, cinema interativo) que se notabilizam por grandes transformações e experimentações quanto ao dispositivo cinematográfico, sobretudo depois do pós-guerra (PARENTE, 2007, p.6).

9“I should like to share with you a vision I have had concerning motion pictures. This vision concerns the immediate use of motion pictures…. or expanded cinema, as a tool for world communication… and opens the future of what I like to call ‘Ethos-Cinema’" (VANDERBEEK, 1966, p.1, tradução nossa) Disponível em:

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Em “Cinema em trânsito: do dispositivo do cinema ao cinema do dispositivo”, Parente (2007) faz um reflexão sobre o modo como as novas mídias estão transformando o cinema em suas dimensões primordiais - arquitetônicas, tecnológicas e discursivas –, e sobre como essas experiências criam novos deslocamentos ou pontos de fuga em relação ao modelo de representação instituído. Para o autor, a noção de dispositivo permite repensar o cinema, evitando-se divisões e determinismos tecnológicos, históricos ou estéticos. Parente (2007) acredita que, ao contrário do que faz o cinema dominante, muitas obras cinematográficas reinventam a organização sala escura-projetor-filme, ora multiplicando as telas, ora explorando outras durações e intensidades, ora transformando a arquitetura da sala de projeção ou ainda provocando outras relações com os espectadores.

Hoje, cada vez mais, quando se fala das transformações em curso no cinema, somos levados a problematizar o dispositivo no que diz respeito a seus aspectos conceituais, históricos e técnicos. Por outro lado, assistimos claramente ao processo de transformação da teoria cinematográfica, de uma teoria que pensa a imagem não mais como um objeto, mas como acontecimento, campo de forças, sistema de relações que coloca em jogo diferentes instâncias enunciativas, figurativas e perceptivas da imagem. (PARENTE, 2007, p. 3).

Raymond Bellour (1997) observa que não é mais possível se pensar o cinema, a fotografia e a pintura de forma pura e, nesse sentido, ao invés de se conceber os meios individualmente, ele se detém nas passagens que se operam entre as mídias analógicas e digitais. Bellour (1997) estabelece o conceito "entre-imagens", que prevê que o que interessa é o que há entre um meio e outro.

O ‘entre-imagens' é o espaço de todas essas passagens. Um lugar físico e mental, múltiplo. Ao mesmo tempo muito visível e secretamente imerso nas obras; remodelando nosso corpo interior para prescrever-lhes novas posições, ele opera entre as imagens, no sentido muito geral e sempre particular dessa expressão (BELLOUR, 1997, p. 15).

Novas categorias passam a ser utilizadas para se definir outras formas de trabalho com a imagem audiovisual. O pesquisador e teórico francês Philippe Dubois (2004) propõe a o termo "cinema de exposição" para definir o cinema que sai da sala escura e se desloca para galerias e exposições de arte, em direção a um lugar mais próximo das artes visuais.

Nessas novas exposições reinventa-se a tela múltipla (desdobrada, triplicada, em linha oblíqua, em paralelo, em frente e verso), projeta-se na luz ou em objetos que não se

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reduzem a superfícies planas, põe-se o filme numa cadeia infinita (entramos e saímos, ou melhor, passamos na hora e no ritmo que quisermos), experimentam-se novas posturas dos espectadores (de pé, sentado, deitado, móvel), explora-se a duração da projeção (breve, muito breve, muito longa, infinita) (DUBOIS, 2004, p. 28).

Considerando-se a abertura desse extenso campo de possibilidades audiovisuais, foi necessário definir um recorte para esta pesquisa. Assim, parte-se de uma proposta organizada em categorias para classificar experiências que estabelecem relações entre a imagem e o lugar onde são apresentadas. Trata-se de projeções criadas por artistas e coletivos que estão diretamente associadas às potencialidades do cinema e seus possíveis desdobramentos a partir do local onde acontecem, ou seja, do espaço físico com todas as suas camadas e vestígios do tempo. Essa classificação resultou aqui na utilização do termo “cinema locativo”, que se desdobrou em duas categorias: intervenção e interação.

A ideia de uma narrativa audiovisual que atrela a imagem ao lugar da projeção acontece a partir de uma proposta construída com informações que se relacionam com o espaço, não somente de produção, mas também de exibição e de acontecimento. A projeção no cinema convencional se caracteriza por um dispositivo específico cujo efeito básico consiste na produção da impressão de realidade em seu conjunto - câmera, moviola, projetor - associada às condições de projeção - sala escura, projeção feita por trás e imobilidade do espectador - a ideia do cinema como uma máquina de simulação se estabelece. Baudry (1983) usa a metáfora da caverna de Platão para entender a posição em que o espectador se encontra quando está assistindo a um filme, ou seja, imóvel, a mercê do que é mostrado a ele.

A disposição dos diferentes elementos - projetor, "sala escura", tela -, além de reproduzir de um modo bastante impressionante a mise-en-scene da Caverna, cenário exemplar de toda transcendência e modelo topológico do idealismo, reconstrói o dispositivo necessário ao desencadeamento do estádio do espelho, descoberto por Lacan (BAUDRY, 1983, p. 395).

Parente (2007) também observa que o cinema está associado à ideia de

[…] um espetáculo que envolve pelo menos três elementos distintos: uma sala de cinema, uma projeção de uma imagem em movimento e um filme que conta uma história em aproximadamente duas horas (p. 3).

Esse dispositivo cinema funciona a partir de três dimensões diferentes que convergem: a arquitetura da sala, herdada do teatro italiano; a tecnologia de captação e de projeção e a forma

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narrativa, estética ou discurso da transparência, que os filmes do início do século XX adotaram, em particular, o cinema de Hollywood. Mas há também os cinemas que se desenvolvem paralelamente a esse modelo, funcionando como contraponto: o cinema experimental, o vídeo experimental, o cinema expandido e o cinema interativo, que permitem rupturas ao modelo, tanto em relação à narrativa quanto em relação ao espaço de exibição.

A ideia da localização como elemento da experiência do cinema já estava presente em propostas de simulação do real que vão desde os populares Hale's Tours, nos quais eram exibidos os Phantom Ride (filmes registrados em película com a câmera posicionada à frente de veículos em movimento como trens, carros e metrôs), em um espaço único e em diálogo com o conteúdo, ainda no início do século XX, até algumas experiências envolvendo cinema interativo em exposições, galerias e performances audiovisuais.

De acordo com Santos (2007, p. 180-181), a ideia desse cinema que dialoga com o espaço foi adaptada de uma invenção de Willian J. Keefe, que utilizou vagões de trem se movimentando em trilhos circulares enquanto eram exibidas imagens de filmes de paisagens, simulando uma viagem. George C. Hale, que trabalhava como bombeiro em Kansas City, comprou a patente da ideia em 1904 e a adaptou. Os Hales Tours de George não só eram exibidos dentro de vagões de trens como também funcionavam como salas temáticas. George também instalou mecanismos de reprodução do áudio dos vagões em movimento que simulavam os sons dos sacolejos dos veículos. A ideia fez sucesso nos Estados Unidos e foi disseminada através de parques de diversão que atravessaram a fronteira, chegando ao Canadá. Os programas de cinema eram trocados semanalmente, oferecendo a ilusão de viagens ferroviárias que apresentavam paisagens de diferentes partes do mundo.

Outro cineasta do início do século que experimentou um cinema fora do dispositivo sala-escura foi Sergei Eisenstein (2002). O diretor realizou seu primeiro curta-metragem para ser exibido durante sua estreia como diretor da peça O Sábio. O filme O diário de Glumov (1923) foi produzido em forma de paródia dos cine-jornais da época e inserido no espetáculo através de um projetor que um dos atores carregava e exibia durante a apresentação.

A partir dos anos 60, com o lançamento das câmeras de vídeo portáteis, as possibilidades de captação, registro, manipulação e exibição de vídeos se expandem. A imagem eletrônica passa a oferecer características específicas de trabalho com o audiovisual, como transmissão em tempo real, interferência direta na imagem e uma mobilidade muito superior aos

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dos equipamentos cinematográficos disponíveis na época. Em 1965, durante a visita do Papa Paulo VI à Catedral de San Patrício, em Nova York, Nam June Paik não só filmou a movimentação do local como exibiu, horas depois, no famoso Café Au Go Go, sob o nome de Eletronic Video

Recorder, as imagens captadas. A obra é considerada hoje como um marco do nascimento da

videoarte: ela traz uma proposta de ação que seria impossível com câmeras de cinema, já que só revelação do filme inviabilizaria a exibição do registro em um tempo tão curto e de forma tão crua.10

Outras experiências importantes para a história da arte eletrônica foram realizadas por Paik em parceria com o engenheiro Shuya Abe e por integrantes do Grupo Fluxus, como Wolf Vostell, que já incluía aparelhos de televisão em seus trabalhos desde 1958.

‘German View from the Black Room Cycle’. Um pedaço de lenha queimado com arame

farpado e recortes de jornais sobre o exército soviético e a organização militar da polícia da Alemanha Oriental evocam associações com a situação política da época e a existência de dois estados alemães. A série ‘Black Room’ é composta por três montagens de objetos. A seção ‘German View’ apresenta um aparelho de TV embutido com programa em execução, além de arame farpado, jornais, ossos e um brinquedo infantil (MEDIA KUNST NETZ, sem data, tradução nossa.)11

Algumas décadas depois, já nos primeiros anos do século XXI, os dispositivos móveis e a diversidade de aparelhos com opções de registro, edição e compartilhamento de conteúdo, ampliou potencialmente as possibilidades de experiências no audiovisual.

Ao discutir essas novas ferramentas de produção, Parente (2007) compreende o vídeo como uma tecnologia que expande a ideia do audiovisual. Essa nova tecnologia não se dá como um objeto, mas como um espaço a ser vivido, experimentado, explorado.

Hoje, o cinema como espaço a ser vivido se aproxima de outras experiências narrativas que mesclam teatro, games, narrativas em áudio e experiências espaciais. O pesquisador do Departamento de Estudos Literários e Humanísticos do MIT, Michael Epstein12 (2009) criou o

10Catálogo do 11° Videobrasil) ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "11° Festival Internacional de Arte

Eletrônica Videobrasil ": de 12 a 17 de novembro de 1996. p. 44 a 46, São Paulo, SP. 1996

11German View from the Black Room Cycle». A burnt piece of wood with barbed wire, and newspaper cuttings about

the Soviet Army and the military organization of the East German police force evokes associations with the political situation of the time and the existence of two German states. The 'Black Room' series is made up of three object montages. The 'German View' section features a built-in TV set with programme running, as well as barbed wire, newspapers, bones and a children's toy” (MEDIA KUNST NETZ, Wolf Vostell, «German View from the Black Room Cycle», 1958 – 1963, tradução nossa. Disponível em: http://www.medienkunstnetz.de/works/deutscher-ausblick/. Acesso em 05 jan. 2017)

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termo “narrativas terrestres”, ou terratives para se referir a modalidades narrativas que só se realizam através de dispositivos móveis. O autor cita os Alternate Reality Games (ARG)13, entre

outras experiências narrativas dessa modalidade, como o trabalho do grupo alemão Rimini

Protokoll, realizado em 2005, que acontecia a partir de uma caça ao tesouro através da cidade de

Berlim, e o projeto "Call Cutta”,14 definido como "Mobile Phone Theatre", que oferecia um

percurso pela cidade de Berlim em forma de narrativa, guiada por um/a operador/a de call center, localizado na cidade de Calcutá.

Nessa zona de intersecção, entre o cinema que acontece na sala de cinema e as projeções que se realizam foram dela, é possível perceber diferentes experiências com o audiovisual e com as narrativas associadas ao espaço real. O projeto Nine Lives, concebido e realizado pelo artista e cineasta Scott Hessels, em 2008, inclui a localização do espectador como disparador do conteúdo disponível:

O sistema é um novo trabalho de arte e mídia de Scott Hessels lançado como um aplicativo de código aberto que roda em qualquer sistema de GPS em telefones móveis ou PDA.

GPS Film cria uma nova forma de experiência de visualização de um filme utilizando o

lugar e o movimento do espectador para revelar a história (HESSELS, 2008, n. p., tradução nossa)15.

Desenvolvido com estudantes de arte e engenharia da Nanyang Technological

University de Cingapura, Nine lives fez parte de uma experiência que propunha o desenvolvimento

da narrativa atrelado ao espaço geográfico. O convite informava que o filme seria visto por meio de um dispositivo móvel com GPS (palm top ou smartphone), que permitiria o acesso a um fragmento fílmico, disponibilizado de acordo com o posicionamento geográfico do usuário na cidade, neste caso, Cingapura. A narrativa foi construída de modo que, mesmo assistindo a trechos isolados, o filme mantivesse um sentido, já que a construção das histórias permitia interligações. A sinopse definia a narrativa como uma história fragmentada, onde cada um dos bairros vizinhos era cenário para o desenvolvimento da trama. O roteiro do filme baseia-se na proposta de se

13O primeiro registro de um game dentro desse conceito é o Majestic, de 2001.

14Disponível em: http://www.rimini-protokoll.de/website/en/project_143.html. Acesso em 02 jan. 2017.

15“[...] a new way of watching a movie that’s based on the viewer’s location. The system is a new media artwork from

Scott Hessels and is released as an open source application that runs on any GPS enabled mobile phone or PDA. GPS Film invents a new form of filmviewing experience by using the place and movement of the viewer to reveal the story” (HESSELS, 2008). Disponível em: http://www.dshessels.com/artworks/gpsfilm/about.html. Acesso em: 23 nov. 2016.

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explorar as possibilidades de diferentes montagens: a interferência do interator,16 neste trabalho,

estava associada a uma escolha geográfica, que moldava a estrutura narrativa. Além disso, para que o filme rodasse, era necessário estabelecer um diálogo com o dispositivo, que intermediava as informações referentes ao espaço, ou seja, considerava-se a influência da localização do usuário para o desenvolvimento da história.

Outro projeto que utiliza os conceitos cinema e localização foi apresentado pelo coletivo inglês de artistas Blast Theory. A Machine to see with está mais próxima a ideia de um jogo, mas, de acordo com seus idealizadores, trata-se de um filme. A narrativa começa quando o usuário/espectador/ator, ao efetuar sua inscrição via web e disponibilizar seu número de celular, concorda em fazer parte da trama. A partir daí ele/ela passa a receber chamadas e mensagens indicando as ações que deve realizar. O usuário/ator/atriz é o principal personagem desse filme que envolve roubo e perseguição misturando missões secretas e alta adrenalina.

Figura 2. A Machine to see with, 2010

Fonte: http://www.blasttheory.co.uk/projects/a-machine-to-see-with/.

O projeto, descrito pelo grupo como cinema locativo, propõe que a cidade seja utilizada como espaço cinematográfico e leva em consideração a maneira como as telas podem ser inseridas no ambiente urbano, através de projeções ou levadas pelas pessoas (por meio dos smartphones, por

16Segundo Murray (2001), o espectador comum passa a ser um interator quando pode realizar ações significativas e

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exemplo). A Machine To See With foi um projeto desenvolvido pela Comissão Locativa de Cinema ZER01, uma rede de arte e tecnologia, em parceria com o New Frontiers do Festival de Sundance e o Instituto Banff New Media no The Banff Centre. O trabalho foi desenvolvido através de uma residência do Blast Theory no Banff New Media Institute e tem como proposta colocar os participantes dentro de um filme enquanto atravessam a cidade. Após a estreia em San Jose, nos Estados Unidos, o trabalho foi apresentado no Festival de Cinema de Sundance em janeiro de 2011 e no Festival de Verão de Banff em julho de 2011.

Trata-se de cinema. Nós pensamos a cidade como um espaço cinematográfico e consideramos como telas podem ser inseridas nas ruas ou carregadas por elas. Nossa abordagem foi pensar nossos olhos como as telas em si: como Chris Hedges diz em The

Empire of Illusion, “nós tentamos ver a nós mesmos passando pela nossa vida como uma

câmera nos veria, conscientes de como nos mantemos, como nos vestimos o que nós dizemos. Nós inventamos filmes que tocam em nossas cabeças”. Um dos pontos de partida foi Made In USA, de Jean-Luc Godard, e o romance do qual ele roubou a história, The

Jugger, de Richard Stark. O livro é um clássico noir. Godard usou a história como um

trampolim para um comentário sobre a guerra do Vietnã, misturando violência inútil com a política contemporânea. O título do trabalho é retirado do roteiro de Godard para Pierrot

Le Fou, no qual o personagem de Jean Paul Belmondo diz: ‘meus olhos são a máquina

com que eu vejo’.17

Também trabalhando com questões relacionadas ao espaço, a artista canadense Michelle Teran explora a interação entre narrativa audiovisual, vídeos locais e mobilidade. Seu projeto Buscando al Sr. Goodbar (2009)18 propõe um ônibus como lugar de projeção de vídeos disponíveis no YouTube e relacionados ao seu percurso através de um cruzamento de dados entre

Google Earth e YouTube, durante um passeio pela cidade de Murcia, na Espanha. Em pontos

pré-determinados, a audiência tem liberdade de sair do ônibus e visitar os locais e os autores dos vídeos postados no YouTube.

O processo de Teran envolve a disponibilidade de dados: sempre que um determinado vídeo divulga as coordenadas geográficas de onde foi filmado decodifica-se essas coordenadas com o uso do programa Google Earth e de um software especial de mapeamento.

17 Disponível em: https://www.blasttheory.co.uk/projects/a-machine-to-see-with/ 18 Disponível em: http://www.ubermatic.org/?p=225. Acesso em: 30 set. 2018.

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Figura 3. Buscando Al Sr. Goodbye, 2009

Fonte: http://www.ubermatic.org/?p=225.

O ônibus pode ser seguido pelo aplicativo do Google, enquanto os vídeos do YouTube são exibidos no próprio ônibus. Ao entrar no espaço geográfico onde os vídeos foram produzidos, ocorre um encontro íntimo entre os criadores de vídeos e o público.

Figura 4. Buscando Al Sr. Goodbye, 2009

. Fonte: http://www.ubermatic.org/?p=225. Acesso em: 10 jul. 2018.

A ideia, segundo a artista, é trazer ações cotidianas da cidade que passam despercebidas para o público local: um jovem que toca piano, um grupo de amigos bêbados que cantam juntos, um homem que ensina árabe, duas pessoas que se apaixonam. Nicolas Bourriaud (2008, p.12, tradução nossa) observa que “o artista habita as circunstâncias que o presente lhe oferece para

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transformar o contexto de sua vida (sua relação com o mundo sensível ou conceitual) em um universo duradouro”.19

Durante esta pesquisa, outros projetos com recorte no audiovisual associados a localização puderam ser observados. O trabalho do artista mexicano Fernando Llanos,20 que utiliza dispositivos acoplados ao seu corpo para produzir e exibir vídeos como o "Videoman",21 e o da

dupla de artistas americanos Ben Moren e Daniel Dean, que criou o Mobile Experimental Cinema,22

uma plataforma projetada para compartilhar trabalhos que envolvam storytelling, mobilidade, cinema, projeção, tecnologia celular, som e performance; ou ainda a Cine-Cicletada, que acontece em São Paulo desde 2012 com bicicletas e projeção ao ar livre em tempo real; mostram a diversidade de experiências ainda relativamente desconhecidas realizadas por jovens artistas nessa área.

Figura 5. Cine-Cicletada na Cinemateca Brasileira, 2013

Fonte: http://okrafilmes.com/okra/cine-cicletada.

19“El artista habita las circunstancias que el presente le ofrece para transformar el contexto de su vida (su relación con el mundo sensible o conceptual) en un universo duradero” (BORRIAUD, 2008, p.12).

20Disponível em: http://www.fllanos.com/videoman/revision_videoman.pdf. Acesso em: 17 nov 2016. 21Projeto que o artista desenvolveu entre os anos de 2001 e 2010.

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Figura 6. Mobile Experimental Cinema, 2001 – 2010.

Fonte: http://www.benmoren.com/is/mobile-experiential-cinema-mpls/.

O projeto dos artistas norte-americanos Ben Moren e Daniel Dean disponibiliza um site23 onde estão hospedadas cinco obras realizadas entre 2011 e 2013 dentro desse conceito: Can You See It? (2013), exibido no Weisman Art Museum (WAM) como parte das comemorações da

festa de aniversário de 20 anos da instituição; Untitled (2013), incorporado ao acervo permanente do WAM, e Secret City (2013); The Parade (2012) e Second Bridge is Wider But Not Wide Enough (2011), todos os três selecionados para o Northern Spark Festival.

Em Can You See It?,24 o diálogo aconteceu diretamente com pessoas que visitaram o museu. Os visitantes receberam um mapa ilustrado à mão com informações sobre o prédio e os seus arredores. Esse mapa funcionava como um guia visual para estimular a descobertas de narrativas ocultas naquele espaço. Foram colocados marcadores iluminados em locais dentro das galerias e no exterior e cada marcador solicitava o envio de mensagens de texto com uma palavra específica (por exemplo, "legado") para um número de telefone. Dentro de alguns segundos, o participante recebia um telefonema e alguém falava com essa pessoa por um curto período de tempo. A voz descrevia onde o participante estava, como se estivesse observando-o. Também orientava a investigar cuidadosamente o espaço e os objetos particulares próximos de modo que

23Disponível em: http://www.benmoren.com/is/mobile-experiential-cinema-mpls. Acesso em: 24 jul. 2018.

24O registro está disponível no por portal eletrônivo Vimeo.. Disponível em: https://vimeo.com/80703242 Acesso em:

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cada participante fosse estimulado a pensar criticamente sobre arte, arquitetura e legado pessoal, entre outros temas.

Em Untitled, a proposta partiu da provocação para um percurso atento. O dispositivo móvel que cada visitante levava, além de conduzir a visita, apresentava situações que só podiam ser visualizadas no aparelho.

Secret City, The Parade e Second Bridge is Wider But Not Wide Enough, outros três

trabalhos realizados pela dupla de artistas, seguiam a mesma ideia narrativa - um mix de game, cinema e teatro que leva o interator a visitas guiadas envolvidas por pequenas surpresas durante o percurso.

Assim como nessas obras, muitas outras experiências na mesma direção têm sido realizadas. No Brasil, o Festival Arte.mov25 – Festival Internacional de Arte em Mídias Móveis -, que aconteceu entre 2006 e 2012 em várias capitais patrocinado pela empresa Vivo, trouxe para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Belém palestras, workshops e o intercâmbio entre artistas de todo o mundo, que trocaram informações e exibiram diferentes experiências pensando o audiovisual e a mobilidade. Um dos curadores desse festival, o artista visual Lucas Bambozzi, também desenvolve projetos que envolvem propostas artísticas estabelecendo-se diálogos entre imagem, espaço e localização.

Esta pesquisa busca experimentar esse cinema que estabelece diálogos com o entorno e que atenda tanto a questões locais - relacionadas ao espaço, às memórias do lugar e ao contexto físico - quanto políticas e sociais - que dizem respeito a convivência e a resistência.

25Registros em vídeo do festival podem ser acessados a partir do portal eletrônico Vimeo. Disponível em:

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2 CINEMA LOCATIVO: INTERAÇÃO E INTERVENÇÃO

Com a popularização dos dispositivos móveis de comunicação e de localização e com o surgimento do que se convencionou chamar de mídia locativa ou locative mídia - expressão proposta em 2003 por Karlis Kalnins -,26 muitos artistas passaram a incorporar esses dispositivos

em seus trabalhos. No Brasil, o professor e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA), André Lemos (2006, p.1), define o termo mídia locativa como “um conjunto de tecnologias e processos infocomunicacionais, cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar específico”.

Trata-se de processos de emissão e recepção de informação a partir de um determinado local. Lemos (2006) ainda separa as mídias locativas em duas categorias: analógicas e digitais. Uma placa informando um local pode ser considerada uma mídia locativa. Ela contém informação agregada a uma localidade mas é estática e limita-se a dizer o que é aquele lugar. Já as mídias locativas digitais, além de informarem o local, agregam outras possibilidades de comunicação, como características físicas do espaço e alterações em tempo real. São compostas por dispositivos de comunicação sem fio, como GPS, telefones celulares e laptops e funcionam através de redes Wi-Fi, bluetooth e etiquetas de identificação por rádio frequência (RFID, do inglês

Radio-Frequency IDentification). Nas artes, propostas desenvolvidas relacionando o local à obra podem

ser encontradas desde o início do século XX nos espaços criados pelo artista alemão Kurt Schwitters,27 nas intervenções geográficas de Robert Smithson a partir do conceito de land art,28

e, mais recentemente, na ideia de site-specific, introduzida por artistas minimalistas em meados dos anos 60 que buscavam repensar as relações entre a obra, o lugar e o espectador.

Com uma pesquisa mais voltada às relações entre a paisagem construída (arquitetura) e a prática artística, a arte site-specific, que ganha visibilidade na década de 1960, é realizada em função de um determinado espaço e leva em consideração as suas características físicas e as suas dinâmicas sociais.

26 The term 'locative media' was coined by Karlis Kalnins as a “test-category” for processes and products coming from

the Locative Media Lab, an international network of people working with some of the technologies above. Although place-based arts have long and rich histories (GALLOWAY; WARD, 2006, n. p., tradução nossa).

27O primeiro de seus três grandes trabalhos de ocupação espacial, datado de 1923, foi chamado, primeiramente, Die Kathedrale des Erotischen Elends (Catedral da Miséria Erótica), e depois batizado como Merzbau, que é o mesmo

que 'casa Merz'.

28Land Art é uma corrente artística iniciada no final da década de 1960 que utiliza espaços e recursos naturais. Seu

início está no Movimento Minimalista que surge na década de 1950, apoiado na ideia de que a arte deve existir por si mesma, livrando-se de todo e qualquer subjetivismo que possa vir a lhe impor sentido.

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Podemos, assim, construir uma definição para site-specific medida pela reunião de elementos estéticos, não predominantemente visuais, já acomodados numa linha de pensamento fenomenológica, que atuam dentro de um campo de tensão das informações que interessam ao artista explorar. Esse campo pode se constituir por valores sociais encontrados na comunidade que se estabelece naquele lugar escolhido, em sua história, ou mesmo em seus aspectos arquitetônicos e urbanísticos mais atuais, relevantes em suas condições físicas ativadas pela incisão do projeto artístico (FUREGATTI, 2007, p. 51).

Nesta pesquisa, a investigação está muito próxima do conceito de site-specific mas o recorte permanece restrito ao campo do audiovisual. Para manter esse recorte, será utilizado o termo locative cinema - ou cinema locativo, inspirado no trabalho do coletivo Blast Theory, citado anteriormente - com a intenção de se identificar trabalhos que apresentam como características principais o diálogo com o espaço em que ocorrem, considerando-se os valores sociais e os aspectos arquitetônicos e urbanísticos, e a mobilidade.

A utilização do termo cinema locativo vem suprir uma necessidade: identificar trabalhos do campo do audiovisual mais complexos do que outros, definidos a partir do que se convencionou chamar de cinema (exibidos em uma sala escura com espectadores imóveis posicionados diante da tela onde o filme é projetado) ou live cinema (projetado em tempo real a partir de composições criadas e exibidas em espaços públicos ou alternativos através de softwares que utilizam sensores e outros dispositivos de áudio e vídeo) ou, ainda, cinema de exposição (um cinema mais relacionado ao campo das artes, exibido em museus e galerias). Os trabalhos citados nesta pesquisa não caberiam em nenhuma das categorias mencionadas. Krauss (1984), ao discutir a evolução da escultura para se pensar o conceito de site specific, alerta para o perigo de um colapso quando uma categoria já não é suficiente para abarcar uma grande diversidade.

Havíamos pensado em utilizar uma categoria universal para autenticar um grupo de singularidades; mas esta categoria, ao ser forçada a abranger um campo tão heterogêneo, corre perigo de entrar em colapso (KRAUSS, 1984, p.131).

Assim, o termo cinema locativo será utilizado aqui como definidor de um grupo de trabalhos que pode agregar experimentações audiovisuais situadas em uma zona de bordas, com variações em uma escala que vai do diálogo com as mídias locativas até intervenções em espaços públicos. Essa escala é definida a partir da relação de proporção possível de se estabelecer com a obra em determinado espaço através do dispositivo utilizado e pode acontecer de duas maneiras: 1. projeções em espaços públicos, acessíveis a qualquer transeunte ou 2. projeções restritas a

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pessoas que tenham acesso a dispositivos de comunicação acoplados com GPS. O espaço, tanto em uma quanto em outra situação, é de fundamental importância.

Milton Santos (2004) observa, a partir de uma perspectiva humanista, que

O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente. Isto é, o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representativa de relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções (p. 153).

O cinema que se propõe para esses espaços é potencializado por memórias que passam, inevitavelmente, a integrar a narrativa. É uma provocação para olhar o lugar para além da sua fisicalidade.

Christine Mello (2009)29, observa que o espaço está permeado por conflitos e embates

entre diferentes formas de apreensão da realidade:

[o] espaço em sua forma híbrida é um tipo de espaço que provoca uma densidade de intersecções comunicacionais, coloca em conflito estados móveis e imóveis, amplia a noção de lugar e paisagem, a noção de espaço público e privado, e, por consequência, coloca em xeque o estatuto do sujeito e da percepção (p. 5).

A proposta de se denominar produções situadas no campo específico de um cinema que se desenvolve atrelado ao espaço como cinema locativo, parte da necessidade de se pensar lugares para além da ideia de paisagens cenográficas e olhar com mais atenção para produções que utilizam as informações do local como parte da obra. Nesse sentido, a diversidade de experiências envolvendo audiovisual, espaço e mobilidade estabelece uma nova organização. Propomos, então, dividir esse cinema locativo em duas subcategorias:

a) Cinema locativo-interação: para abranger obras cujo acesso acontece de forma individual, via smartphone ou outro dispositivo móvel, como o projeto GPS Film “Nine Lives” de autoria de Kenny Tan e Scott Hessels (2008), e “The machine to see with”, projeto desenvolvido pelo coletivo inglês Blast Theory (2008), cuja principal característica é o alto nível de interatividade do receptor/interator para o desenvolvimento da narrativa;

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b) Cinema locativointervenção: que envolve projeções em diferentes superfícies -naturais ou construídas - integradas à paisagem local e que potencializam a obra a partir das referências associadas ao lugar. Nessa categoria, é possível observar diversas experiências caracterizadas pela mobilidade, tanto da projeção quanto do interator/espectador, seja através de um veículo (bicicleta, automóvel, ônibus ou até mesmo o próprio corpo do artista em deslocamento): The Tijuana Projection (2001) de Krzysztof Wodiczko; The Limousine Project (1991-1992), de Antonio Muntadas; Videoman, de Fernando Lhanos (2001-2010); Buscando Al Sr.

Goodbar (2012), de Michelle Teran; Symbiosis (2007), da artista visual belenense Roberta

Carvalho; Trip (2014), da dupla VJ Suave; Private Conversation (2005-2017), da italiana Elisa Laraia e 72 hours (2010), de John Hulsey, são apenas alguns exemplos.

Esta pesquisa pautou como foco de interesse as possibilidades do cinema locativo-intervenção: um cinema livre, possível de acontecer em qualquer lugar e de ser percebido por qualquer pessoa.

Antes de prosseguir, é importante observar como a ideia de novas formas de cinema tem se expandido para outras possibilidades estéticas além da modalidade hegemônica (cinema narrativo, restrito à sala escura e à projeção em uma tela). O cinema que se move e alcança as ruas, seja através de projeções em espaços públicos ou acesso via smartphones, permite que novos públicos se formem e que outras experiências aconteçam. Nesse sentido, os trabalhos citados apontam para uma arte ativista, militante, política, que estimula uma atenção a discursos e dispositivos que provavelmente não seriam notados sem essa provocação.

Hal Foster (2005) analisa, a partir de uma conferência de Walter Benjamin em 1934, em Paris, no Instituto de Estudos do Fascismo, o lugar do artista. Naquele momento, diversos artistas assumiram posições políticas - tanto à esquerda quanto à direita - em apoio ou contra as grandes transformações que marcaram o início do século XX. O contexto não permitia ficar impassível: era preciso tomar partido, mas em qual lado? E, definido o lado, qual deveria ser o papel do artista? É também essa necessidade de posicionamento e de decisão acerca do lugar em que se colocar que orientam esse projeto. Toda a narrativa parte de um lugar e é de um lugar que me é muito caro que parto para a proposta que apresento: é na condição de mulher que me coloco como artista e apresento “Telas-Janelas – a zona como lugar do impossível: gestos de resistência contra violência de gênero”.

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Para melhor compreensão dos alicerces dessa pesquisa, foram selecionados quatro dos/as artistas mencionados na categoria que definimos aqui como cinema locativo-intervenção. Os critérios adotados para a escolha desses artistas foram as afinidades com relação ao desenvolvimento desta pesquisa e sua relevância no campo das artes, tanto política quanto estética. A proximidade temática dos trabalhos selecionados também foi determinante na relação das obras utilizadas como referencial aqui. Como será possível perceber nos próximos tópicos, os projetos desses quatro artistas abordam questões relacionadas à violência contra minorias e situações de opressão. A igualdade de gênero - duas mulheres e dois homens - foi outro fator que levou ao recorte proposto.

2.1 Krzysztof Wodiczko

A biografia de Krzysztof Wodiczko, polonês, nascido em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, é indissociável de sua obra. O artista passou a infância e a adolescência testemunhando a ocupação de seu país pela União Soviética, sendo que essa vivência se revelou uma forte influência em todo o seu trabalho. Em 1977, imigrou para o Canadá e, seis anos depois, para os Estados Unidos, onde desenvolveu projetos que apresentam suas reflexões e apontam para questões diretamente ligadas à xenofobia, ao preconceito e à normalização da violência. Sua formação em desenho industrial permitiu que ele trabalhasse com propostas que se cruzam nos campos da arte com a tecnologia. As referências de Wodiczko para esta pesquisa estão diretamente relacionadas ao seu trabalho com projeções de slides e vídeos em grande formato, em fachadas de monumentos e edifícios, combinadas a ações públicas, políticas e efêmeras. Atualmente, o artista vive e trabalha em Nova Iorque, onde atua como professor residente da disciplina Art, Design and

Public Domain, na Universidade de Harvard.

Destaca-se aqui três projetos de sua autoria que envolvem projeções em grande escala realizadas para espaços públicos: Hiroshima Projection (Figura 7), obra realizada pelo artista na cidade de Hiroshima, no Japão, em 1999, como parte do aniversário do bombardeio da cidade durante a Segunda Guerra Mundial; Tijuana Projection (Figura 8), que tem como tema a violência contra mulheres em uma região de fronteira entre o México e os Estados Unidos, e

Homeless: Place des Arts Montreal, obra mais recente do artista, realizada em Quebec, no

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Fonte: https://art21.org/read/krzysztof-wodiczko-hiroshima-projection/.

Figura 8. Tijuana Projection,Tijuana, México (2001)

Referências

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