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A pergunta que se coloca é por que é que os economistas acham que têm uma resposta para tudo

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Academic year: 2021

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Introdução

A pergunta que se coloca é por que é que

os economistas acham que têm

uma resposta para tudo

A

economia é uma disciplina com má reputação. A incom-petência dos economistas em prever crises económicas é geralmente vista como um dos fatores na origem do sofrimen-to que estas criam (no entansofrimen-to, ninguém culpa os médicos por não anteciparem as doenças dos seus pacientes). Mas, apesar da opinião negativa generalizada em relação aos economistas, também haverá poucas áreas do saber nas quais tantos amado-res se considerem habilitados para opinar e apamado-resentar soluções como na economia. A recente crise, por maus motivos, trouxe de novo a economia para o centro das atenções e, consigo, o habitual grupo de pessoas que se consideram habilitadas a comentar questões económicas.

Um dos principais desafios da economia é que muitos dos seus resultados contrariam o senso comum ou são contra-intuitivos. Peguemos em dois exemplos: o salário mínimo e o horário máximo de trabalho. O senso comum diz-nos que aumentos do salário mínimo beneficiam os mais pobres e que reduções do horário de trabalho criarão mais emprego, já que as empresas serão obrigadas a contratar mais trabalhadores para produzir o mesmo. Na realidade, o efeito de um aumento no salário

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mínimo pode ser o de empurrar trabalhadores mais pobres para o desemprego. Um dos mais antigos exemplos de imposição de salário mínimo é o da África do Sul. O salário mínimo foi imposto na África do Sul em 1923, com o intuito velado de atirar os trabalhadores menos instruídos, os negros, para o desemprego, por forma a não retirarem emprego aos brancos (especialmente no sector mineiro). No entanto, qualquer um poderia ter defendido a imposição do salário mínimo com o discurso exatamente oposto: «É preciso aumentar o salário mínimo para dar aos trabalhadores negros um nível de vida decente.» Obviamente, a esmagadora maioria dos que defendem aumentos do salário mínimo não tem o mesmo tipo de intenções que o regime do apartheid, o que não quer dizer que os efeitos não sejam os mesmos: atirar os mais pobres, menos experientes e menos capacitados para o desemprego.

Um segundo exemplo é a falácia de que a redução do horário de trabalho cria emprego, tendo isto ocorrido recentemente em França. No ano 2000, o Governo socialista francês reduziu o horário semanal de trabalho de 39 para 35 horas, apontando como grande vantagem a criação de mais emprego. A lógica, aparentemente sólida, era de que se cada trabalhador trabalhasse menos quatro horas, as empresas seriam obrigadas a recrutar mais trabalhadores para completar o mesmo serviço. Para as mentes menos treinadas na área da economia, uma tal solução parecia fazer sentido. A esmagadora maioria dos economistas teria defendido que a medida fazia pouco sentido, sendo baseada na falácia de que existe uma quantidade fixa de trabalho. Mas a lei agradava a trabalhadores e desempregados de forma igual, que não conseguiam adivinhar os seus efetivos resultados. Pouco surpreendentemente, a lei não só não teve os efeitos desejados como prejudicou a produtividade da economia, acabando por ser flexibilizada anos mais tarde.

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Outro dos problemas com a disciplina económica é o facto de os efeitos positivos e negativos de algumas medidas de caráter económico apenas se fazerem sentir num prazo longo de tempo. Por exemplo, é provável que quem desenhou o atual sistema de Segurança Social não tenha pensado no que aconteceria quando as mulheres deixassem de ter o mesmo número de filhos que tinham nos anos 60. Mesmo que tivesse pensado nos efeitos, o mais certo era que os ignorasse, afinal de contas só seriam sentidos uma geração mais tarde e seriam um problema para outros governantes. Já os benefícios foram sentidos imediatamente: centenas de milhares de pessoas (eleitores) passaram a receber reformas para as quais não tinham descontado o suficiente. Não seria muito complicado fazer contas e concluir que assim que a população começasse a envelhecer o sistema entraria em colapso. Mas esse colapso aconteceria apenas muito mais tarde, estando demasiado longe das preocupações imediatas de quem pensou o sistema. Um dos mais famosos economistas, John Maynard Keynes, definiu o desprezo pelos efeitos de longo prazo de forma sublime: «No longo prazo estamos todos mortos.»

Os ciclos eleitorais em democracia aprofundam ainda mais o problema. Não só os governantes não pensam no efeito que as suas decisões têm nas gerações seguintes, como tendem a menosprezar, ou ignorar voluntariamente, os efeitos que terão na legislatura seguinte. A multiplicação de esquemas catastróficos para a economia no longo prazo (dívida pública, PPP, condições favoráveis de reforma) mas que garantem benefícios políticos imediatos, leia-se votos, é bem o reflexo deste problema.

É muito fácil culpar os políticos por estes problemas. Mas esta culpabilização é só parcialmente justa. A verdade é que não vivemos em ditadura: os políticos são eleitos e têm incentivos a defender aquilo que os seus eleitores desejam que eles defendam. O facto de grande parte das decisões económicas serem tomadas

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por governantes, eleitos por pessoas que por sua vez percebem pouco de economia, faz com que estes erros provenientes do senso comum se repitam infinitamente. Políticos honestos que não defendam as falácias em que o seu eleitorado acredita não ganham eleições. Serão poucos aqueles que entenderão se um governante lhes disser que não aumentará o salário mínimo para defender os pobres, ou que não diminuirá o horário de trabalho para proteger o bem-estar dos trabalhadores, mesmo que esse seja o real efeito. Serão também poucos aqueles que não preferem um político que «faça obra», independentemente dos custos futuros que essas obras virão a ter.

A comunicação social e o sistema de educação também não ajudam. Algumas das pessoas mais capazes do país, que comentam, escrevem e formam opinião, ignoram completamente a área económica. Tal não os impede de emitir a sua opinião sobre vários assuntos económicos, na ilusão de que o senso comum ou as suas convicções ideológicas são suficientes para o fazer. Ao comentarem esses assuntos sem conhecimento de causa, não só não ajudam a esclarecer as principais falácias económicas, como acabam por contribuir para a sua reprodução entre a opinião pública. É confrangedor para um economista, nos tempos que correm, assistir a alguns dos mais respeitados espaços de debate televisivo, tal a quantidade de erros e falácias que ajudam a espalhar.

Por não entenderem a ciência económica, muitas pessoas tendem também a subestimar as áreas nas quais a análise económica pode ser útil. O raciocínio económico – que mais não é que a aplicação da lógica e a tentativa de julgar os efeitos dos incentivos e barreiras à ação humana – pode ser aplicado a áreas tão distantes como a saúde, a educação, a corrupção, a justiça ou a segurança. Quando alguém tenta, em vão, aplicar raciocínio económico a problemas destas áreas, aparece inevitavelmente

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alguém (normalmente um sociólogo) a exclamar, exaltado, «As pessoas não são números», no equivalente moderno do membro do clero na Idade Média a gritar a um cientista que «As pessoas não são átomos!».

A boa notícia é que não é preciso tirar um curso de Economia para escapar a estas falácias, apenas estar consciente delas. Também não é necessário ser economista para entender como o raciocínio económico pode dar resposta a tantas questões relativas a outras áreas da sociedade.

Foi com isto em mente que decidimos escrever este livro. Nestas páginas tentaremos responder a algumas das perguntas mais comuns sobre o país para as quais a economia tem uma resposta, mesmo que parcial. Iremos também esclarecer algumas das falácias mais comuns sobre a economia que se ouve repetidamente na comunicação social e nos discursos políticos. Um tema presente em quase todos os capítulos deste livro é a atual crise económica em Portugal, as suas origens e os seus efeitos. Esta crise económica foi em grande parte resultado de um conjunto de más decisões tomadas por governantes, incentivados por um eleitorado que ignorava os reais efeitos dessas decisões. Evitar a sua repetição no futuro passa, em muito, pela clarificação das falácias que conduziram a essas decisões.

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