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Metodologia Da Pesquisa Acao Michel Thiollent

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Academic year: 2021

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O objetivo deste livro consiste em

apresentar os principais temas

metodológicos da pesquisa-ação, enquanto

alternativa aplicável em diferentes áreas de

conhecimento e de atuação, tais como

educação, comunicação, organização e

outras.

O livro inicia discutindo os princípios gerais

da metodologia, entre os quais são

destacadas as formas de raciocínio,

argumentação e diálogo entre

pesquisadores ememb.ros :representativos

da situação investigada; a

seguir,

contém um

roteiro prático para conceber e organizar

uma pesquisa; no final, o autor indaga as

condições de aplicação em cada área

específica.

METODOLOGI

A PESQUISA-

Ç-,,,~t

(2)

··:;·~:,:~~d--METODOLOGIA

DA PESQUISA-AÇÃO

(3)

CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação Câmara Brasileira do Livro, SP Thiollent, Michel,

1947-T372m Metodologia da pesquisaação / Michel Thiollent. -São Paulo : Cortez : Autores Associados, 1986.

(Coleção temas básicos de pesquisa-ação). Bibliografia.

1. Metodologia 2. Pesquisa 3. Pesquisa - Meto-dologia 4. Pesquisa social I. Título.

85-1118

17. e 18. 17. 18. 17. e 18. índices para catálogo sistemático: 1. Metodologia 001.42 (17. e 18.) 2. Metodologia da pesquisa 001.42 (17. e 18.) 3. Pesquisa 001.4 (17.) 001.43 (18.) 4. Pesquisa : Metodologia 001.42 (17. e 18.J CDD-001.42 -001.4 -001.43 -300.72

5. Pesquisa social : Ciências sociais 300. 72 ( 17. e 18. J

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-"Temas

básicos de ... "

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-2.ª edição

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EDITORA@ AUTORES ASSOCIADOS

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METODOLOGIA DA PESQUISA-AÇÃO - Michel Thiollent

Conselho editorial: Antônio Joaquim Severino, Casemiro dos Reis Filho, Dermeval Saviani, Gilberta S. de Martino J annuzzi, Joel Martins, Maurício Tragtenberg, Miguel de La Puente, Milton de Miranda, Moacir Gadotti e Walter E. Garcia.

Produção editorial: José Garcia Filho Revisão: Sueli Bastos

Supervisão editorial: Antonio de Paulo Silva Capa: Gerônimo Oliveira

Ilustração de Capa: Paulo Leite

Segunda edição - Janeiro 1986

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do autor e dos editores

Copyright

©

by Michel Thiollent Direitos para esta edição

i CORTEZ EDITORA - AUTORES ASSOCIADOS Rua Bartira. 387 - tel.: (011) 864-0111

05009 - São "Paulo - SP IMPRESSO NO BRASIL 1986

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... . 7 CAPITULO I ESTRATÉGIA DE CONHECIMENTO 13 1 . Definições e objetivos . . . 14 2 . Exigências científicas . . . 20 3. O papel da metodologia . . . 24

4. Formas de raciocínio e argumentação . . . 27

5 . Hipóteses e comprovação . . . 32

6. Inferências e generalização . . . 36

7. Conhecimento e ação . . . 39

8 . O alcance das transformações . . . 41

9. Função política e valores . . . 43

CAPfTULO II CONCEPÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA . . . 47

1 . A fase exploratória . . . 48

2. O tema da pesquisa . . . 50

3. A colocação dos problemas . . . 53

4. O lugar da teoria . . . 54

5. Hipóteses . . . 56

6. Seminário . . . 58

7. Campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa . . . 60

8 . Coleta de dados . . . 64

9. Aprendizagem . . . 66

10. Saber formal/saber informal . . . 67

11 . Plano de ação . . . 69

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CAPfTULO III ÁREAS DE APLICAÇÃO 73 1 . Educação . . . 7 4 2. Comunicação· ... 2 • • • • • • • 3 . Serviço Social ... . 4. Organização e sistemas ... .

5 . Desenvolvimento rural e difusão de tecnologia ... . 6 . Práticas políticas ... . 7 . Conclusão ... . CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA ... . 76 80 82 87 90 94 97 106

INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste em apresentar e discutir vários temas relacionados com a metodologia da pesquisa social, dando particular destaque à pesquisa-ação, enquanto linha de pesquisa associada a diversas formas de ação coletiva que é orientada em função da reso-lução de problemas ou de objetivos de transformação.

Hoje em dia, no Brasil e noutros países, a linba da pesquisa-ação tende a ser aplicada em diversos campos de atuação: educação, comu-nicação, organização, serviço social, difusão de tecnologia rural, mili-tância política ou sindical, etc. No entanto, a pesquisa-ação ainda está em fase de discussão e não é objeto de unanimidade entre cientistas sociais e profissionais das diversas áreas.

Em muitos lugares, continuam prevalecendo as técnicas ditas convencionais que são usadas de acordo com um padrão de observação positivista no qual se manifesta uma grande preocupação em torno da quantificação de resultados empíricos, em detrimento da busca de compreensão e de interação entre pesquisadores e membros das situa-ções investigadas. Essa busca é justamente valorizada na concepção da pesquisa-ação. Todavia, queremos deixar bem claro que esta linha de pesquisa não é única e não substitui as demais. O estudo de sua metodologia é apenas um tópico entre os diferentes tópicos da meto-dologia das ciências sociais.

Um dos aspectos sobre os quais não há unanimidade é o da pró-pria denominação da proposta metodológica. As expressões "pesquisa participante" e "pesquisa-ação" são freqüentemente dadas como sinô· nimas. A nosso ver, não o são, porque a pesquisa-ação, além da parti-cipação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, edu-cacional, técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de pesquisa participante. Seja como for, consideramos que pesquisa--ação e pesquisa participante procedem de uma mesma busca de alter-nativas ao padrão de pesquisa convencional. Não estamos propensos

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a atribuir muita importância aos "rótulos". Mediante a aplicação dos princípios metodológicos aqui em discussão, achamos que outro modo de designação possa ser cogitado, mas ainda não o encontramos.

A pesquisa-ação. e a pesquisa participante estão ganhando grande audiência em vários meios sociais. Ainda é cedo para se ter uma avaliação da amplitude e dos resultados realmente alcançados. Do lado oposto, alguns partidários da metodologia convencional vêem na pes-quisa-ação e na pesquisa participante um grande perigo, o do rebaixa-mento do nível de exigência acadêmica. Como veremos mais adiante, existem efetivos riscos e exageros na concepção e na organização de pesquisas alternativas: abandono do ideal científico, manipulação polí-tica, etc. Nosso desafio consiste em mostrar que tais riscos, que tam-bém existem em outros tipos de pesquisa, são superáveis mediante um adequado embasamento metodológico.

Com o desenvolvimento de suas exigências metodológicas, as propostas de pesquisa alternativa (participante e ação) poderão vir a desempenhar um importante papel nos estudos e na aprendizagem dos pesquisadores e de todas as pessoas ou grupos implicados em situações problemáticas. Um dos principais objetivos dessas propostas consiste em dar aos pesquisadores e grupos de participantes os meios de se tornarem capazes de responder com maior eficiência aos problemas da situação em que vivem, em particular sob forma de diretrizes de ação transformadora. Trata-se de facilitar a busca de soluções aos problemas reais para os . quais os procedimentos convencionais têm pouco contribuído. Devido à urgência de tais problemas (educação, informação, práticas políticas, etc.), os procedimentos a serem esco-lhidos devem obedecer a prioridades estabelecidas a partir de um diagnóstico da situação no qual os participantes tenham voz e vez. Para evitarmos alguns equívocos quanto ao real alcance da pes-quisa-ação, limitaremos a sua pertinência à faixa intermediária entre o que é geralmente designado com nível microssocial (indivíduos, pequenos grupos) e o que é considerado como nível macrossocial (sociedade, movimentos e entidades de âmbito. nacional ou interna-cional). Essa faixa intermediária de observação corresponde a uma grande diversidade de atividades de grupos e indivíduos no seio ou à margem de instituições ou coletividades. Entre as principais ativi-dades consideradas, encontramos tudo o que é comumente designado como educação, trabalho, comunicação, lazer, etc. Tal como a enten-demos, a pesquisa-ação não trata de psicologia individual e, também, não é adequada ao enfoque macrossocial. Nas condições atuais, como proposta bastante limitada, não se conhecem exemplós de pesquisa--ação ao nível da sociedade como um todo. E apenas um instrumento de trabalho e de investigação com grupos, .instituições, coletividades 8

de pequeno ou médio porte. Contrariamente a certas tendências da pesquisa psicossocial, os aspectos sócio-políticos nos parecem ser mais pertinentes que os aspectos psicológicos das "relações interpessoais". Na abordagem da interação social, aqui adotada, os aspectos sócio--políticos são freqüentemente privilegiados. O que não quer dizer que a realidade psicológica e existencial seja desprezada.

Do ponto de vista sociológico, a proposta de pesquisa-ação dá ênfase à análise das diferentes formas de ação. Os aspectos estruturais da realidade social não podem ficar desconhecidos, a ação só se mani-festa num conjunto de relações sociais estruturalmente determinadas. Para analisar a estrutura social, outros enfoques, de caráter mais abrangente, são necessários.

Os temas e problemas metodológicos aqui apresentados são limi-tados ao contexto da pesquisa com base empírica, isto é, da pesquisa voltada para a descrição de situações :concretas e para a intervenção ou a ação orientada em função da resolução de problemas efetiva-mente detectados nas coletividades consideradas. Isto não quer dizer que estejamos desprezando a pesquisa teórica, sempre de fundamental importância. Mas precisamos começar por um dos lados possíveis e escolhemos o lado empírico, com observação e ação em meios sociais delimitados, principalmente com referência aos campos constituídos e designados copio educação, comunicação e organização. Não nos parece haver incompatibilidade no fato de progredir na teorização a partir da observação e descrição de situações concretas e no fato de encarar situações circunscritas a diversos campos de atuação antes de se ter elaborado um conhecimento teórico relativo à sociedade como um todo. Entre esses diversos níveis de análise, não nos parece haver dedução do geral ao particular nem indução do particular ao geral. Trata-se de estabelecer um constante vaivém no qual privilegia-mos aqui os níveis mais acessíveis ao pesquisador principiante.

Embora privilegie o lado empírico, nossa abordagem nunca deixa de colocar as questões relativas aos quadros de referência teórica sem os quais a pesquisa empírica - de pesquisa-ação ou não - não faria sentido. Essas questões são vistas como sendo relacionadas ao papel da teoria na pesquisa e como contribuição específica dos pesquisa-dores nos discursos que acompanham o desenrolar da pesquisa, levando a uma deliberação acerca dos argumentos a serem levados em conta para estabelecer as conclusões.

Nos dias de hoje, embora haja muitas pesquisas em diversas áreas de conhecimento aplicado, sente-se a falta de uma maior segu-rança em matéria de metodologia quando se trata de investigar situa-ções concretas. Além disso, no plano teórico, a retórica sem controle corre solta. Há um crescente descompasso entre o conhecimento usado 9

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na resolução de problemas reais e o conhecimento usado apenas de modo retórico ou simbólico na esfera cultural. A linha seguida pelos partidários da pesquisa-ação é diferente: pretendem ficar atentos às exigências teóricas e práticas para equacionarem problemas relevantes dentro da situação social.

* * *

De acordo com a concepção ·didática deste livro, o conteúdo é organizado em temas, cada um sendo apresentado de modo conciso. A nossa seleção dos temas corresponde às respostas a diferentes per-guntas que sempre são formuladas nas discussões sobre a pesquisa--ação de que temos participado no Brasil desde 1975. Muitas dessas perguntas nos foram sugeridas por alunos e professores de ciências sociais e de outras disciplinas na ocasião . de cursos, conferências ou seminários em várias universidades e por pesquisadores encontrados na realização de diversas consultorias. Em si próprio o "roteiro" pro-posto não pretende ser a solução de todos os problemas.

Os temas escolhidos foram agrupados em três capítulos: 1. Estratégia de conhecimento.

2. Concepção e organização da pesquisa. 3. Áreas de aplicação.

No Capítulo I estão reunidos alguns temas gerais da estratégia de conhecimento, enfatizando o papel da metodologia no controle das exigências científicas e a natureza argumentativa das formas de racio-cínio que operam na concepção da pesquisa-ação. A formulação das hipóteses (ou diretrizes), sua comprovação, as inferências e generali-zações não são apenas baseadas em dados e regras estatísticas. No conjunto do processo da investigação e da ação, a argumentação (ou a deliberação) desempenha um papel fundamental. Além disso, as implicações políticas e valorativas devem ficar sob o ·controle dos pesquisadores.

No Capítulo II apresentamos uma série de temas relacionados com a concepção e a organização prática de uma pesquisa-ação. São destacadas questões vinculadas à fase exploratória, o diagnóstico, a escolha do tema, a colocação dos problemas, o lugar da teoria e das hipóteses, a função do seminário no qual se reúnem os pesquisadores e os demais participantes, a delimitação do campo de observação empí-rica, os problemas de amostragem e de representatividade qualitativa, a coleta de"dados, a aprendizagem, o cotejo do saber formal e do saber informal, a elaboração de planos de ação e, finalmente, a divul-gação dos resultados.

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No Capítulo III apresentamos como temas as diversas áreas de aplicação da pesquisa-ação, em particular educação, comunicação, serviço social, organização, tecnologia rural e práticas políticas. Em cada uma dessas áreas são discutidas algumas das especificidades da abordagem proposta. Indicamos problemas a serem resolvidos e po-tencialidades a serem aproveitadas em futuras pesquisas.

Em conclusão, são retomadas sinteticamente importantes questões relacionadas com as condições intelectuais e práticas do desenvolvi-mento da pesquisa-ação enquanto estratégia de conhecidesenvolvi-mento voltada para a resolução de prqblemas do mundo real.

Nossos agradecimentos são dirigidos aos professores Menga Lüdke, Edil Paiva, Newton A. P. Bryan, Doraci Fernandes, Moacir Gadotti, Luis Roberto Ferreira da Costa, Anamaria Fadul, Carlos Eduardo Lins da Silva, Walter Garcia e aos demais colegas que nos têm encorajado, nos últimos anos, no desenvolvimento da nossa reflexão sobre as alter-nativas metodológicas em diferentes áreas de conhecimento e atuação. Este trabalho é dedicado a Vania e François Jérôme.

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Capítulo 1

ESTRATÉGIA DE CONHECIMENTO

Neste capítulo são apresentados temas gerais da estratégia de conhecimento que é própria à orientação metodológica da pesquisa--ação tal como a concebemos. Após uma discussão acerca das defini-ções e dos objetivos, apresentamos uma série de exigências necessárias à manutenção da pesquisa-ação no âmbito das ciências sociais. Em seguida é descrito o papel da metodologia como sendo o de conduzir a pesquisa de acordo com as exigências científicas. Procurando mostrar algumas das especificidades da pesquisa-ação no plano das formas de raciocínio, indicamos que a natureza argumentativa (ou deliberativa) dos procedimentos está explicjtamente reconhecida, contrariamente à concepção tradicional da pesquisa, na qual são valorizados critérios lógico-formais e estatísticos. Desenvolvendo este ponto de vista, pro-curamos mostrar como é possível estabelecer um vínculo entre, de um lado, o raciocínio hipotético e as exigências de comprovação, e, por outro lado, as argumentações dos pesquisadores e participantes. Mostramos que a concepção das hipóteses não deve ser confundida com a elaboração de testes de hipótese, que é apenas uma técnica estatística de aplicação restritiva, o que nes permite repensar as ques-tões relacionadas com inferências e generalizações de um modo que não se limita ao campo das técnicas estatísticas. Essas questões são também abordadas por intermédio dos recursos da argumentação, de modo particularmente adequado no contexto da pesquisa-ação, onde as interpretações da realidade observada e as ações transformadoras são objetos de deliberação. Em seguida são apresentadas algumas reflexões introdutórias acerca do tema do relacionamento entre co-nhecimento e ação. Procuramos especificar o alcance das ações ou das transformações consideradas na pesquisa sem criar falsas expec-tativas ao nível da sociedade. Terminamos o nosso "roteiro" da

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tégia de conhecimento por urna curta discussão sobre as suas impli-cações políticas e valorativas.

1. DEFINIÇÕES E OBJETIVOS

Entre as diversas definições possíveis, daremos a seguinte: a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com urna ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisad~res e os participantes representativos da situação ou do problema estao en-volvidos de modo cooperativo ou participativo.

Este tipo de definição deixa provisoriamente en; aberto. a qu~s­

tão valorativa, pois não se refere a urna pre~etermu~ada one.nt~~ao

da ação ou a um predeterminado grupo .socia~ Mmtos pa:trdan~s

restringem a concepção e o uso da pesqmsa-açao a uma onentaçao de acão emancipatória e a grupos sociais que pertencem às classes popu'rares ou dominadas. Nesse caso, a pesquisa-ação é vista corno forma de engajamento sócio-político a serviço da causa das classes populares. Esse engajamento é cons~itutivo .d~ urna b~a parte d~s

propostas de pesquisa-ação e pesqmsa participante, tais. corno sao conhecidas na América Latina e em outros países do Terceiro Mundo. No entanto, a metodologia da pesquisa-ação é igualmente discutida em áreas de atuacão técnico-organizativa com outros tipos de com-promissos sociais 'e ideológicos, entre os quais destaca-se o compro-misso de tipo "reformador" e "participativo", tal como no caso das pesquisas sócio-técnicas efetuadas segundo uma orientação de "demo-cracia industrial", principalmente em países do Norte da Europa.

Embora seja precária a distinção entre os aspectos valorativos e os aspectos propriamente metodológicos ao nível de ,u~ processo de investigação, consideramos que a estrutura metodologica da p~s­ quisa-ação dá lugar a uma grande diversidade de prop~stas de pesqmsa nos diversos campos de atuação social. Os valores vigentes em cada sociedade e em cada setor de atuação alteram sensivelmente o teor das propostas de pesquisa-ação. Assim, existe urna grande div~rsi­ dade entre as propostas de caráter militante, as propostas informativas e conscientizadoras das áreas educacional e de comunicação e, final-mente, as propostas "eficientizantes" das áreas organizacional e tecno-lógica. Certos autores recusam a possibilidade de designar essas pro-postas. tão diversas por um mesmo vocábulo.

Abordaremos questões metodológicas gerais tentando dar conta desta diversidade de propostas.

Ao nível das definições, uma questão freqüentemente discutida é a de saber se existe uma diferença entre pesquisa-ação e pesquisa

participante (Thiollent, 1984 a: 82-103). Isto é urna questão de termi-nologia acerca da qual não há unanimidade. Nossa posição consiste em dizer que toda pesquisa-ação é de tipo participativo: a partici-pação das pessoas implicadas nos problemas investigados é absolu-tamente necessária. No entanto, tudo o que é chamado pesquisa par-ticipante não é pesquisa-ação. Isso porque pesquisa parpar-ticipante é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado numa metodologia de observação participante na qual os pesquisadores estabelecem relações comunicativas com pessoas ou grupos da situação investigada com o intuito de serem melhor aceitos. Nesse caso, a participação é sobre-tudo participação dos pesquisadores e consiste em aparente identifi-cação com os valores e os comportamentos que são necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado.

Para que não haja ambigüidade, uma pesquisa podé ser quali-ficada· de pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além disso, é preciso que a ação seja uma ação não-trivial, o que quer dizer uma ação problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida.

Entre as ações encontradas, algumas são de tipo reivindicatório, por exemplo, no contexto associativo ou sindical. Em certos casos, trata-se de ações de caráter prático dentro de uma atividade coletiva, por exemplo, o lançamento de um jornal popular ou de outros meios de difusão no contexto da animação cultural. Num contexto organi-zacional, a ação considerada visa freqüentemente resolver problemas de ordem aparentemente mais técnica, por exemplo, introduzir uma nova tecnologia ou desbloquear a circulação da informação dentro da organização. De fato, por trás de problemas desta natureza há sempre uma série de condicionantes sociais a serem evidenciados pela investigação.

Na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas. Sem dúvida, a pesquisa-ação exige uma estrutura de relação entre pesquisadores e pessoas da situação investigada que seja de tipo participativo. Os problemas de aceitação dos pesquisadores no meio pesquisado têm que ser resolvidos no decurso da pesquisa. Mas a participação do pesquisador não qualifica a especificidade da pes-quisa-ação, que consiste em organizar a investigação em torno da concepção, do desenrolar e da avaliação de uma ação planejada. Nesse sentido, pesquisa-ação e pesquisa participante não deveriam ser con-fundidas, embora autores tenham chamado pesquisa participante concepções de pesquisa-ação que não se limitam à aceitação dos

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esquisadores no meio pesquisado, como no ca~o de si~ples ''.o?ser-p

~

t' · t " A participação dos pesquisadores e explicitada

vacao par 1c1pan e . . . , .

de~tro da situação de investigação, com os cuidados neces~ano~ para ue haja reciprocidade por parte das pessoas e grupo.s 1mphcad~s

~esta

situacão. Além disso, a participação

~os

pesquisadores nao deve cheg;r a substituir a atividade própria dos grupos e suas iniciativas.

Em geral, a idéia de pesquis~-ação encont_ra. um conte;-to f~vo~ rável quando os pesquisadores nao q~~rem hm1ta: s.uas mvestJg~

ções aos aspectos acadêmicos e burocratJcos da. ma10na das p~sq~~­ sas convencionais. Querem pesquisas nas quais as pessoas .lIDP i-cadas tenham algo a "dizer" e a "~a~er". Não se trat~ de simples levantamento de dados ou de relator10s a serem arquivados. Com a pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados.

Nesta perspectiva, é necessário definir com precisão: ~e um lado qual é a acão quais são os seus agentes, seus obiet~vos e obstáculos e, por, outro lado, qual é a exigência de conhec11:1ento a ser produzido em função dos problemas encontrados na açao ou entre os atores da situação.

Resumindo alguns de seus principais aspectos, cons.idera~os que a pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da pesquisa social na qual:

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a) há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada; · b) desta interação resulta a ordem de prioridade dos pr~blemas

a serem pesquisados e das soluções a serem encammhadas sob forma de ação concreta;

c) 0 objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e

sim pela situação social e p~los !'roblemas de diferentes naturezas encontrados nesta s1tuaçao;

d) 0 objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo

menos, em esclarecer os problemas da situação observada; e) há, durante 0 processo, um acom~anhai;iento das decisões,

das ações e de toda a atividade mtencional dos atores da situação;

f) a pesquisa não se limita a uma forma d~ ação (risco de aticvismo): pretende-se aumentar o conhecimento d~~ ~e~; quisadores e o conhecimento ou o "nível de consciencia das pessoas e grupos considerados.

A configuração de uma pesquisa-ação depende dos seus obje-tivos e do contexto no qual é aplicada. Vários casos devem ser distinguidos.

Num primeiro caso, a pesquisa-ação é organizada para realizar os objetivos práticos de um ator social homogêneo dispondo de sufi-ciente autonomia para encomendar e controlar a pesquisa. O ator é freqüentemente uma associação ou um agrupamento ativo. Os pes-quisadores assumem os objetivos definidos e orientam a investigação em função dos meios disponíveis.

Num segundo caso, a pesquisa-ação é realizada dentro de uma organização (empresa ou escola, por exemplo) na qual existe hierar-quia ou grupos cujos relacionamentos são problemáticos. A pesquisa pode vir a ser utilizada por uma das partes em detrimento dos interesses das outras partes. Nesse caso, o relacionamento dos pes-quisadores com os grupos da situação observada é muito mais com-plicado do que no caso precedente, tanto no plano ético quanto no· plano da prática da pesquisa. Considera-se, no plano ético, que os pesquisadores da linha da pesquisa-ação não podem aceitar tra- · balhar em pesquisas manipuladas por uma das partes nas organi-zações, em particular por aquela que está mais vinculada ao poder. Após uma fase de definição dos interessados na pesquisa e das exigências dos pesquisadores, se houver possibilidade de conduzir a pesquisa de um modo satisfatoriamente negociado, os problemas de relacionamento entre os grupos serão tecnicamente analisados por meio de reuniões no seio das quais todas as partes deverão estar representadas.

Num terceiro caso, a pesquisa-ação é organizada em meio aberto, por exemplo, bairro popular, comunidade rural, etc. Nesse caso, ela pode ser desencadeada com uma maior iniciativa por parte dos pesquisadores que, às vezes, devem se precaver de possíveis inclinações "missionárias", sempre propícias à perda do mínimo· de objetividade que é requerido na pesquisa. Freqüentemente a pes-quisa é organizada em função de instituições exteriores à comuni-dade. Os pesquisadores elucidam os diversos interesses implicados.

Na prática, os três casos que distinguimos algumas vezes se apresentam sob forma mesclada. Seja como for, a atitude dos pes-quisadores é sempre uma atitude de "escuta" e de elucidação dos vários aspectos da situação,. sem imposição unilateral de suas con-cepções próprias.

Na fase de definição da pesquisa-ação, uma outra condição necessária consiste na elucidação dos objetivos e, em particular, da relação existente entre os objetivos de pesquisa e os objetivos de 17

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ação. Uma das especificidades da pesquisa-ação consiste no relacio-namento desses dois tipos de objetivos:

a) Objetivo prático: contribuir para o melhor equacionamento possível do problema considerado como central na pesquisa, com levantamento de soluções e proposta de ações corres-pondentes às "soluções" para auxiliar o agente (ou ator) na sua atividade transformadora da situação. É claro que este tipo de objetivo deve ser visto com "realismo", isto é, sem exageros na definição das soluções alcançáveis. Nem todos os problemas têm soluções a curto prazo.·

b) Objetivo de conhecimento: obter informações que seriam de difícil acesso por meio de outros procedimentos, aumen-tar nosso conhecimento de determinadas situações (reivin-dicações, representações, capacidades de ação ou de mo-bilização, etc.).

A relação existente entre esses dois tipos de objetivos é vana-vel. De modo geral considera-se que com maior conhecimento a

ação é melhor conduzida. No entanto, as exigências cotidianas da prática freqüentemente limitam o tempo de dedicação ao conheci-mento. Um equilíbrio entre as duas ordens de preocupação deve ser mantido.

Como complemento à discussão dos objetivos da pesquisa-ação, podemos indicar casos nos quais o objetivo é sobretudo "instrumen-tal"; isto acontece quando a pesquisa tem um propósito limitado à resolução de um problema prático de ordem técnica, embora a técnica não seja concebida fora do seu contexto sócio-cultural de geração e uso. Encontramos outras situações nas quais os objetivos são voltados para a tomada de consciência dos agentes implicados na atividade investigada. Nesse caso, não se trata apenas de resol-ver um problema imediato e sim desenvolresol-ver a consciência da cole-tividade nos planos político ou cultural a respeito dos problemas importantes que enfrenta, mesmo quando não se vêem soluções a curto prazo como, por exemplo, nos casos de secas, efeitos da pro-priedade fundiária, etc. O objetivo é tornar mais evidente aos olhos dos interessados a natureza e a complexidade dos problemas consi-derados.

Finalmente, existe uma outra situação, quando o objetivo da

pesquisa~ação é principalmente voltado para a produção de conhe-cimento •que não seja útil apenas para a coletividade considerada na investigação local. Trata-se de um conhecimento a ser cotejado com outros estudos e suscetível de parciais generalizações no estudo

de problemas sociológicos, educacionais ou outros, de maior alcance. A enfase pode ser dada a um dos três aspectos: resolucão de pro-blemas, tomada de consciência ou produção de conhecim;nto. Muitas vezes, a pesquisa-ação só consegue alcançar um ou outro desses três aspectos. Podemos imaginar que, com maior amadurecimento meto-dológico, a pesquisa-ação, quando bem conduzida poderá vir a

alcançá-los simultaneamente. '

Uma última questão freqüentemente abordada consiste na dife-rença que existe entre a pesquisa-ação e a pesquisa convencional. ~uma pesquisa c?r:vencional não há participação dos pesquisadores ]Unto com os usuanos ou pessoas da situação observada. Além disso, sempre ~á uma grande distância entre os resultados de uma pesquisa

conv~nc10nal e as ?ossívei~ decisões ou ações decorrentes. Em geral tal tipo de pesqmsa se msere no funcionamento burocrático das instituições. Os usuários não são considerados como atores. Ao nível da pesquisa, o usuário é mero informante, e ao nível da acão ele é ~ero executor. Esta concepção é incompatível com a da p;squisa--açao, sempre pressupondo participação e ação efetiva dos interes-sados. Podemos acrescentar que, na pesquisa social convencional são privilegiados os aspectos individuais, tais como opiniões, atitu'. des, motivações, comportamentos, etc. Esses aspectos são geralmente captados por meio de questionários .e entrevistas que não permitem que se tenha uma visão dinâmica da situacão. Não há focalizacão da pesquisa na dinâmica de transformação desta situação

nu~a

outra situação desejada. Ao contrário, pela pesquisa-ação é possível estudar dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação. Por exemplo, no campo industrial, é o caso quando se trata de transformar uma forma de organização do trabalho individualmente segmentada e rotinizada numa forma de organização com grupos dispondo de auto-nomia e flexibilidade na execução do trabalho. De modo geral, a observação do que ocorre no processo de transformação abrange problemas de expectativas, reivindicações, decisões, ações e é reali-zada ~través de reuni?es ~ seminários nos quais participam pessoas

de diversos grupos 1mphcados na transformacão. As reuniões e seminário.s podem .sei; alimentados por informaçõ~s obtidas·em grupos de pes9.msa especializados por assuntos e também por informações provementes de outras fontes, inclusive - quando utilizáveis -aquelas que foram obtidas por meios convencionais: entrevistas documentação, etc. Este tipo de concepção pode ser aplicado

n~

caso do estudo de inovações ou de transformações técnicas e sociais nas organizações e também nos sistemas de ensino.

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2. EXIGÉNCIAS CIENTÍFICAS

Entre os partidários da pesquisa-ação e da pesquisa partici-pante é freqüente o clima de suspeita para com teorias, métodos e outros elementos valorizados pelo espírito científico. Às vezes che-ga-se a muita participação e a pouco conhecimento. A nosso ver, na pesquisa-ação se devem manter algumas condições de pesquisa e algumas exigências de ·conhecimento associadas ao ideal científico que, contrariamente a uma certa opinião corrente, não se confunde com o positivismo ou qualquer outra circunstancial ideologia da ciência.

No contexto da animação e difusão cultural em meio operário, D. Charasse mostra que a pesquisa-ação é insuficiente quando "des-provida do questionamento próprio à pesquisa científica" (Charasse,

1983: 133-40). Tal experiência não passa de uma compilação sem enriquecimento da informação. Além disso, quando não há inter-rogação acerca do papel dos pesquisadores intervenientes, há risco de manipulação. É preciso evitar, de um lado, o tecnocratismo e o academicismo e, por outro, o populismo ingênuo dos animadores. A nosso ver, um grande desafio metodológico consiste em fun-damentar a inserção da pesquisa-ação dentro de uma perspectiva de investigação científica, concebida de modo aberto e na qual "ciên-.cia" não seja sinônimo de "positivismo", "funcionalismo" ou de

outros "rótulos".

Como visto no item precedente, na pesquisa-ação existem obje-tivos práticos de natureza bastante imediata: propor soluções quando for possível e acompanhar ações correspondentes, ou, pelo menos, fazer progredir a consciência dos participantes no que diz respeito à existência de soluções e de obstáculos.

No contexto organizacional, onde há nítida divisão entre diri-gentes e dirigidos, é claro que a pesquisa-ação pode ficar repleta de ambigüidades e seu alcance pode ser limitado de modo utilitarista por parte dos dirigentes ao colocarem problemas de seu exclusivo interesse como prioritários, independentemente de sua relevância científica, eventualmente muito fraca, tal como no caso dos estudos

de "liderança". ·

Quando se trata de pesquisa-ação voltada para os problemas da coletividade, como por exemplo a organização do trabalho em mutirão, o acesso à escola ou à moradia, os objetivos práticos con-sistem em-fazer um levantamento da situação, formular reivindica-. ções e açõesreivindica-. São objetivos práticos voltados para se encontrar uma

"saída" dentro do contexto. As soluções imediatas são selecionadas 20

em função de diferentes critérios correspondentes a uma definição dos interesses da coletividade.

Todos esses objetivos práticos não devem nos fazer esquecer que a pesquisa-ação, como qualquer estratégia de pesquisa, possui também objetivos de conhecimento que, a nosso ver, fazem parte da expectativa científica que é própria às ciências sociais.

São muito variáveis os pontos de vista de diferentes autores acerca do grau de sintonia da pesquisa-ação com a idéia de ciên-cia. Podemos até encontrar autores e pesquisadores comprometidos com pesquisa-ação e pesquisa participante que perderam de vista a idéia ou o "ideal" das ciências sociais, ou da ciência em geral. A ação ou a participação, em si próprias, seriam suficientes. Conheci-mento e ação, ciência e saber popular estariam fundidos numa só atuação. Não haveria mais lugar autônomo para a ciência que, no caso, seria apenas considerada como produto tipicamente "acadê-mic~", '_'positivista", "ocidental" e "decadente". A pesquisa-ação não prec1sana prestar contas à ciência e às suas instituições.

A nosso ver, este ponto de vista é exagerado e perigoso. Alguns aspectos da crítica ao sistema convencional da pesquisa científica (academicismo, dependência institucional, unilateralidade da inter-pretação, etc.) são muito pertinentes. Mas isto não deve nos fazer abrir mão das idéias de ciência e de racionalidade, sem as quais sempre há riscos de "recaídas" no irracionalismo que, tanto no passado como no presente, foi associado ao obscurantismo e às

ma-nipulações de toda ordem. ·

Hoje em dia não existe um padrão de cientificidade universal-mente aceito nas ci~ncias sociais. O positivismo e o empiricismo, que prevalecem na literatura do mundo anglo-saxão, são contestados inclusive nos seus centros de origem. Podemos optar por instrumentos de pesquisa não aceitos pela maioria dos pesquisadores de rígida for-mação à moda antiga, sem por isso abandonar a preocupação científica.

_ Embora se)~ incompatível com a metodologia de experimenta-çao em laboratono e com os pressupostos do experimentalismo (neu-tralidade e não-interferência do observador, isolamento de variáveis) etc.), a pesquisa-açãá não deixa de ser uma forma de experimentaJ ção em situação real, na qual os pesquisadores intervêm ·conscien-temente. Os participantes não são reduzidos a cobaias e desempe-nham um papel ativo. Além disso, na pesquisa em situação real, as variáveis não são isoláveis. Todas elas interferem no que está sendo observado. Apesar disso, trata-se de uma forma de experi-mentação na qual os indivíduos ou grupos mudam alguns aspectos da situação pelas ações que decidiram aplicar. Da observação e da

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avaliação dessas ações, e também pela evidenciação dos obstáculos encontrados no caminho, há um ganho de informação a ser captado e restituído como elemento de conhecimento.

Consideramos que a pesquisa-ação não é constituída apenas pela ação ou pela P?rticipação. Com ela é necessário produzir conheci-mentos, adquirir experiência, contribuir para a discussão ou fazer avancar o debate acerca das questões abordadas. Parte da informa-ção gerada é divulgada, sob formas e por meios apropriados, no seio da população. Outra parte da informação, coteja?a com resul-tados de pesquisas anteriores, é estruturada em conhecimentos. Estes são divulgados pelos canais próprios às ciências sociais (revistas, congressos, etc} e também por meio de canais próprios a esta linha de pesquisa.

Achamos que a pesquisa-ação deve ficar no âmbito das ciências sociais, podendo inclusive ser enriquecida pelas contribuições de outras linhas compatíveis (em particular, linhas metodológicas con-centradas na análise da linguagem em situação social) (Thiollent, 1981: 81-105). Os pesquisadores da linha "pesquisa-ação" que negam seu papel próprio estão em situação paradoxal: pesquisar sem ser pesquisador. Além disso, o descontrole da atividade de pesquisa deixa margem a todas as formas de manipulação e de aproveita-mento para fins particulares.

A manutenção da pesquisa-ação dentro do conjunto das exi-gências científicas tem que ser melhor explicitada. As exiexi-gências consideradas são diferentes daquelas que são comumente aceitas de acordo com o padrão convencional de observação, no qual há total separação entre observador e observados, total substituibilidade ~os pesquisadores e quantificação da informação colhida na observaçao, enquanto princípios de objetividade. Tais princípios observacionais pertencem ao espírito científico; porém, não são os únicos ~ não 1se aplicam em todas as áreas com o mesmo grau de necessidade. Sem abandonarmos o espírito científico, podemos conceber dispo-sitivos de pesquisa social com base empírica nos quais, em vez de separação, haja um tipo de co-participação dos pesquisadores e das pessoas implicadas no problema investigado. A substituibilidade dos pesquisadores não é total, pois o que cada pesquisador observa e interpreta nunca é independente da sua formação, de suas experiên-cias anteriores e do próprio "mergullio" na situação investigada. Em lugar de substituibilidade, a condição de objetividade pode ser parcialmente respeitada por meio de um controle metodológico do processo""investigativo e com o consenso de vários pesquisadores acerca do que está sendo observado e interpretado. Por sua vez, a quantificação é sempre útil quando se trata de estudar fenômenos

cujas dimensões e variações são significativas e quando existem ins-trumentos de medição aplicáveis sem demasiado artificialismo. Mas a quantificação, aparentemente mais precisa do que qualquer avalia-ção subjetiva, é freqüentemente uma ilusão. Em muitos casos a descrição verbal minuciosa, a apreciação em escalas "grosseiras" do tipo forte-fraco, grande-médio-pequeno, aumento-diminuição, etc., são suficientes para satisfazer os objetivos da pesquisa. Tais aprecia-ções são factíveis no processo de pesquisa-ação e, inclusive, com recursos de procedimentos argumentativos para se chegar ao con-senso dos participantes em torno das mesmas.

Por ser muito mais dialógico do que o dispositivo de observa-ção convencional, o dispositivo da pesquisa-aobserva-ção pode parecer menos preciso e menos objetivo. Relativizando essas noções, podemos con-siderar que elas não são, por isso, necessariamente perdidas de vista pelos pesquisadores. A discussão e a participação dos pesquisadores e dos participantes em diversas estruturas coletivas (seminários, gru-pos, etc.) não são, em si próprias, nocivas à objetividade. A falta de objetividade também pode existir nos modos de relacionamento burocrático dos pesquisadores convencionais. O caráter burocrático do relacionamento pode ser observado entre os pesquisadores prin-cipais confinados em gabinetes -e os pesquisadores (ou entrevistado-res) que atuam no campo empírico e, também, entre estes últimos e os indivíduos escolhidos como informantes em função da amos-tragem. Os pesquisadores principais raciocinam em gabinete na base

de uma grande quantidade de informações quantitativas obtidas pelos procedimentos rotineiros. Nessas condições, a qualidade e a objetividade do raciocínio não são necessariamente superiores. Na pesquisa ativa há um constante questionamento, sempre é preciso argumentar a favor ou contra determinadas apreciações e interpre-tações. Seu aspecto coletivo pode ser fonte de manipulações. Sob controle metodológico, há também condições de uma constante auto-correção, sempre melhorando a qualidade e a relevância das obser-vações.

Em si, a intercomunicação entre observadores e pessoas e gru-pos implicados na situação e também a restituição do papel ativo a todos os participantes que acompanham as diversas fases ·da pes-quisa não constituem infrações ao "código" da ciência, quando este é entendido de modo plural, em particular no plano metodológico. A compreensão da situação, a seleção dos problemas, a busca de soluções internas, a aprendizagem dos participantes, todas as características qualitativas da pesquisa-ação não fogem ao espírito científico. O qualitativo e o diálogo não são anticientíficos. Reduzir a ciência a um procedimento de processamento de dados

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quantifica-dos corresponde a um ponto de vista criticado e ultrapassado, até mesmo em alguns setores das ciências da natureza.

Do ponto de vista científico, a pesquisa-ação é um.a proposta metodológica e técnica que oferece subsídios para orgamzar a pes-quisa social aplicada sem os excessos da postura convencional ao nível da observação, processamento de dados, experimentação, etc. Com ela se introduz urna maior flexibilidade na concepção e na aplicação dos meios de investigação concreta.

Além disso, podemos considerar que, internamente ao processo de pesquisa-ação, encontramos qualidades que não estão pre~entes

nos processos convencionais. Por exemplo, podemos captar mfor-mações geradas pela mobilização coletiva em torno de ações con-cretas que não seriam alcançáveis nas circunstâncias da observação passiva. Quando as pessoas estão fazendo· alguma coisa relacionada com a solução de um problema seu, há condição de estudar este problema num nível mais profundo e realista do que n~ nível opi-nativo ou representativo no qual se reproduzem apenas imagens m-dividuais e estereotipadas.

Outra qualidade da pesquisa-ação consiste no fato de que as populações não são consideradas corno ignorantes e desinteressadas. Levando a sério o saber espontâneo e cotejando-o com as "expli-cações" dos pesquisadores, um conhecimento descritivo e crítico é gerado acerca da situação, com todas as sutilezas e nuanças que em geral escapam aos procedimentos padronizados. Com a divulgação de informação dentro da população, com o processo de aprendizagem dos pesquisadores e dos participantes, com o eventual treinamento de pessoas "leigas" para desempenharem a função de pesquisadores é possível esperar a geração de urna massa de informação signifi-cativa, aproveitando um amplo concurso de competências diversas.

3. O PAPEL DA METODOLOGIA

A partir da concepção anteriormente esboçada, podemos con-siderar que, na organização . e na conduta de urna pesquisa-ação, a metodologia das ciências sociais tem um importante papel a desem-penhar. Esta afirmação é contrária a uma opinião difundida em certos meios acadêmicos, segundo a qual a pesquisa-ação é um tipo de atividade escolhida por pesquisadores que não entendem de meto-dologia e nem querem se submeter às suas exigências. Todavia, tais pesquisadores existem e, a nosso ver, prejudicam a imagem de sua própria atividade.

Para"-evitarmos certas confusões, precisamos redefinir o que é a metodologia e especificar seu papel. Uma das perguntas

freqüen-24

temente formuladas é a seguinte: a pesquisa-ação é um método? Uma técnica? Urna metodologia? Esta pergunta parece estar ligada à im-precisão relativa ao uso desses três termos, não somente no campo da pesquisa-ação, mas também no contexto geral das ciências sociais. Existe uma confusão terminológica que podemos analisar como sendo urna confusão entre, de um lado, o nível da efetiva aborda-gem da situação investigada com métodos e técnicas particulares e, por outro lado, o "rnetanível", constituído pela metodologia enquanto instância de reflexão acerca do primeiro nível. Esta distinção existe sob forma genérica como distinção entre informação e meta-infor-mação ou conhecimento e metaconhecimento. Podemos distinguir o nível do método efetivo (ou da técnica) aplicado na captação da informação social e a metodologia como metanível, no qual é deter-minado corno se deve explicar ou interpretar a informação colhida.

A metodologia é entendida como disciplina que se relaciona com a epistemologia ou a filosofia da ciência. Seu objetivo consiste em analisar as características dos vários métodos disponíveis, avaliar suas capacidades, potencialidades, limitações ou distorções e criticar os pressupostos ou as implicações de sua utilização. Ao nível mais aplicado, a metodologia lida com a avaliação ·de técnicas de pes-quisa e com a geração ou a experimentação de novos métodos que rerneteni aos modos efetivos de captar e processar informações e resolver diversas categorias de problemas teóricos e práticas da inves-tigação. Além de ser uma disciplina que estuda os métodos, a meto-dologia é também considerada corno modo de conduzir a pesquisa. Neste sentido, a metodologia pode ser vista corno conhecimento geral e habilidade que são necessários ao pesquisador para se orientar no processo de investigação, tornar decisões oportunas, selecionar con-ceitos, hipóteses, técnicas e dados adequados. O estudo da metodo-logia auxilia o pesquisador na aquisição desta capacidade. Associado à prática da pesquisa, o estudo da metodologia exerce uma impor-tante função de ordem pedagógica, isto é, a formação do estado de espírito e dos hábitos correspondentes ao ideal da pesquisa científica.

À luz do que precede, a pesquisa-ação não é considerada como metodologia. Trata-se de um método, ou de urna estratégia de pes-quisa agregando vários métodos ou técnicas de pespes-quisa social, com os quais se estabelece urna estrutura coletiva, participativa e ativa ao nível da captação de informação. A metodologia das ciências sociais considera a pesquisa-ação como qualquer outro método. Isto quer dizer que ela a toma como objeto para analisar suas quali-dades, potencialiquali-dades, limitações e distorções. A metodologia ofe-25

(15)

rece subsídios de conhecimento geral para orientar a concepção da pesquisa-ação e controlar o seu uso.

Como estratégia de 'pesquisa, a pesquisa-ação pode ser vista como modo de conceber e de organizar uma pesquisa social de fina-lidade prática e que esteja de acordo com as exigências próprias da ação e da participação dos atores da situação observada. Neste processo, a metodologia desempenha um papel de "bússola" na ativi-dade dos pesquisadores, esclarecendo cada uma das suas decisões por meio de alguns princípios de científicidade. Uma pesquisa con-cebida sem esse tipo de exigência corre o risco de se limitar a uma simples reprodução de lugares-comuns e de encobrir manipulações por parte de quem "fala mais alto" nas situações observadas. O fato de manter na pesquisa-ação algum tipo de exigência metodológica e científica não deve ser interpretado como "cientificismo", "positi-vismo" ou "academicismo". É apenas um elemento de defesa contra as ideologias passageiras e contra a mediocridade do senso comum. O papel da metodologia consiste também no controle detalhado de cada técnica auxiliar utilizada na pesquisa. Como já indicamos, a pesquisa-ação, definida como método (ou como estratégia de pes-quisa), contém diversos métodos ou técnicas particulares em cada fase ou operação do processo de investigação. Assim, há técnicas para coletar e interpretar dados, resolver problemas, organizar ações, etc. A diferença entre método e técnica reside no fato de que a segunda possui em geral um objetivo muito mais restrito do que o primeiro. Seja como for, podemos considerar que, no desenvolvi· menta da pesquisa-ação, os pesquisadores recorrem a métodos e técnicas de grupos para lidar com a dimensão coletiva e interativa da investigação e também técnicas de registro, de processamento e de exposição de resultados. Em certos casos os convencionais ques-tionários e as técnicas de entrevista individual são utilizados como meio de informação complementar. Também a documentação dispo-nível é levantada. Em certos momentos da investigação recorre-se igualmente a outros tipos de técnicas: diagnósticos de situação, reso-lução de problemas, mapeamento de representações, etc. Na parte "informativa" da investigação, técnicas didáticas e técnicas de divul-gação ou de comunicação, inclusive audiovisual, também fazem parte dos recursos mobilizados para o desenvolvimento da pesquisa-ação. Nesse quadro geral, o papel da metodologia consiste em avaliar as condições de uso de cada uma das técnicas. As características de cada método ou de cada técnica podem interferir no tipo de inter-pretação cdos dados que produzem. É conhecido, em particular, o fato de que as técnicas de entrevistas ou outras técnicas de origem · psicológica podem contribuir, quando usadas inadequadamente, para

"psicologizar" a realidade social ou cultural observada (Thiollent,

1980 a).

A preocupação metodológica dos pesquisadores permite apontar esses riscos e criar condições satisfatórias para uma combinação de técnicas apropriadas aos objetivos da pesquisa. Mesmo quando as distorções introduzidas pelo uso das técnicas não podem ser cor-rigidas, a simples evidenciação metodológica da sua existência já constitui um aspecto altamente positivo, podendo inclusive ser apro-veitado na avaliação qualitativa do grau de objetividade alcançado.

Além do controle dos métodos e técnicas, o papel da metodo-logia consiste em orientar o pesquisador na estrutura da pesquisa: com que tipo de raciocínio trabalhar? Qual o papel das hipóteses? Como chegar a uma certeza maior na elaboração dos resultados e interpretações? Essas são algumas questões controvertidas que abor-daremos agora.

4. FORMAS DE RACIOCÍNIO E ARGUMENTAÇÃO

Numa pesquisa sempre é preciso pensar, isto é, buscar ou com-parar informações, artiéular conceitos, avaliar ou discutir resultados, elaborar generalizações, etc. Todos esses aspectos constituem uma estrutura de raciocínio subjacente à pesquisa. Na linha convencional, os pesquisadores valorizam, na estrutura de raciocínio, sobretudo re-gras lógico-formais e critérios estatísticos que nem sempre respeitam na prática. Na linha alternativa as formas de raciocínio são muito mais flexíveis. Ninguém pretende enquadrá-las em rígidas regras for-mais. No entanto, tais formas de raciocínio não excluem recursos hipo-tético's, inferenciais e comprobatórios e também incorporam compo-nentes de tipo discursivo ou argumentativo a serem evidenciados. Esses aspectos são raramente abordados na literatura sobre pesquisa-ação ou pesquisa participante. A nosso ver, eles precisam ser analisados para se chegar a uma clara demarcação, no plano cognitivo, entre pesquisa convencional e pesquisa alternativa. Esta demarcação não deve ser vista como oposição entre dois mundos separados. Os problemas tra-dicionais do raciocínio (hipóteses, inferências, etc.) encontram apenas soluções diferentes. As soluções próprias à pesquisa alternativa mere-cem ser melhor conhecidas e ampliadas, para que ela possa superar muitas das confusões que lhe são atribuídas.

Devido aos seus objetivos específicos e ao seu conteúdo social, a proposta de pesquisa-ação está muito afastada das preocupações meto-dológicas relacionadas com a formalização ou com as questões de ló-gica em geral. Porém algumas questões subsistem. Parece-nos evidente que a lógica formal clássica, com suas formulações binárias (verdade/

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falsidade, terceiro excluído, etc.), é de pouca valia para dar conta de conhecimentos cujas características são principalmente informais e obti-das em situação comunicativa (ou interativa). Além disso, entre os partidários das alternativas metodológicas há uma ampla condenação da antiga posição segundo a qual tudo o que não se enquadra na lógica tradicional estaria fora do conhecimento científico rigoroso, coe-rente, etc.

Hoje em dia, independentemente da "linha alternativa", existe uma pluralidade de lógicas e de abordagens argumentativas que dão conta de raciocínios informais e de suas expressões em linguagem co-mum. Noutros termos, o que antigamente era considerado como de-vendo estar excluído da ciência por falta de "coerência" ou de "clareza" lógica, hoje em dia é potencialmente resgatável. A pesquisa não perde a sua legitimidade científica pelo fato dela estar em con-dição de incorporar raciocínios imprecisos, dialógicos ou argumen-tativos acerca de problemas relevantes. Tal incorporação supõe muito mais do que recursos lógicos: a metodologia deve incluir no seu registro o estudo cuidadoso da linguagem em situação e, com isto, o pesquisador não precisa temer a questão da imprecisão. Processar a informação e o conhecimento obtidos em situações interativas não constitui, em si mesmo, uma infração contra a ciência social.

Alguns detratores da pesquisa-ação (e da pesquisa participante) - e, em certos casos, alguns de seus partidários - divulgam a idéia segundo a qual tal orientação de pesquisa não teria lógica, nem estru-tura de raciocínio, não haveria hipóteses, inferências, enfim, seria sobretudo uma questão de sentimento ou de vivência. Como já foi sugerido, achamos este ponto de vista equivocado, sobretudo quando são partidários da "linha alternativa" que o defendem. Não há pes-quisa sem raciocínio. Quando não queremos pensar, raciocinar, co-nhecer algo sobre o mundo circundante, é melhor não pretendermos pesquisar. Além disso, quando queremos interferir no mundo preci-samos de conceitos, hipóteses, estratégias, comprovações, avaliações e outros aspectos de uma atividade intelectual.

É necessário descrever alguns aspectos da estrutura de racio-cínio subjacente à pesquisa-ação. A dificuldade está no fato de que não se trata de uma estrutura lógica simples, enquadrável em poucas fórmulas conhecidas. Tal estrutura contém momentos de raciocínio de tipo inferencial (não limitados às inferências lógicas e estatísticas) e é moldada por processos de argumentação ou de "diálogo" entre vários interlocutores. O objetivo da análise (ou descrição) desta estru-tura cognitiva não é mero jogo formalista. Não se trata de chegar a ui:na formalização lógica nem a um cálculo de proposições ou à ma-. nipulação de variáveis simbolicamente representadasma-. O principal

obje-28

tivo consiste em oferecer ao pesquisador melhores condicões de com-preensão, decifração, interpretação, análise e síntese d~ "material" qualitativo gerado na situação investigativa. Este "material" é essen-cialmente feito de linguagem, sob formas de simples verbalizações, imprecações, discursos ou argumentações mais ou menos elaboradas. A significação do que ocorre na situação de comunicação estabelecida pela investigação passa pela compreensão e a análise da linguagem em situação. Um mínimo de conhecimento nesse setor é necessário para que o pesquisador não caia em ingenuidades. Por exemplo, se desconhecesse a natureza discursiva do que está sendo produzido, o pesquisador poderia não enxergar as "jogadas" argumentativas dos vários parceiros e, finalmente, tomar o que é dito como simples e fiel expressão da "realidade" ou da "verdade".

No processo investigativo, a argumentação se manifesta de modo particularmente significativo no decorrer das deliberações relativas à

interpretação dos fatos, das informações ou das ações dos diferentes atores da sit~ação.

A argumentação, no nosso contexto, designa várias formas de raciocínio que não se deixam enquadrar nas · regras da lógica con-vencional e que implicam um relacionamento entre pelo menos dois interlocutores, um deles procurando convencer o outro ou refutar seus argumentos. Esta discussão adquire uma forma de diálogo, que pode ser de caráter construtivo quando os interlocutores buscam con-juntamente as soluções. A forma pode também ser "destrutiva" quando houver polêmica, caso em que um dos interlocutores pretende des-truir os argumentos do outro. De acordo com a teoria de C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca (1976), os processos argumentativos levam em conta a presença - real ou imaginária - de um auditório sobre o qual se. exercem influências e cujas reações são capazes de fortalecer ou de enfraquecer as posições de um ou outro interlocutor a respeito de um determinado assunto.

Como se sabe, na antigüidade grega o raciocínio próprio à argu-mentação era designado pela noção de "dialética". Esta noção tem sido utilizada em outros contextos com definições muito diferentes a partir do século XIX, marcado pelo hegelianismo e pelo marxismo. No seu sentido antigo, a noção de dialética permitia salientar o ca-ráter crítico dos raciocínios articulados em situacões de discussão ou de debates, com vários graus de polemicidade ~m torno de ques-tões controvertidas.

. Do poi;ito de vista científico tradicional, os processos

argumen-'.ªtl~o.s _da .lmguage;n ordinária são repletos de ambigüidades e, logo, mut1l!zave1s como n~s'.rume,ntos de raciocínio rigoroso. Após ter pre-valecido durante vanos seculos, esse ponto de vista tende a ser

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substituído por um outro, ainda em discussão ao nível filosófico, segundo o qual a racionalidade da lógica formal é rigorosa, porém não permite dar conta das "sutilezas", "funções" e "flutuações" das interações argumentativas, discursivas ou dialógicas.

Além do mais, alguns filósofos atuais consideram que a argu-mentação está presente inclusive nas formas superiores de raciolidade. Segundo V. Descambe, assistimos ao "reconhecimento da na-tureza argumentativa do que os filósofos chamam razão e cujo uso não é evidentemente limitado às ciências exatas, nem às outras ciên-cias, encontra-se tanto nas diversas transações humanas como na de-liberação prática" (Descambe, 1984).

No contexto específico da pesquisa social, que consideramos aqui, a noção de argumentação pode chegar a substituir a tradicional noção de "demonstração". Esta última exige um grau maior de formalização ou de axiomatização que é muito difícil, raramente alcançável em ciência social e praticamente impossível em pesquisas de finalidade prática. Embora objeto de discussão, a noção de demonstração ainda faz sentido em matemática, lógica e ciências exatas nas quais o arca-bouco matemático é muito desenvolvido. A matematizacão das ciên-cias, sociais ainda é muito precária e freqüentemente ~ão passa de uma formulação estatística do processamento de dados empíricos. Na própria interpretação qualitativa dos resultados quantitativos sempre há aspectos argumentativos (ou deliberativos) para dar sentido ao que se pretende em função de objetivos científicos (descrição objetiva, comprovação, etc.) e, algumas vezes, extracientíficos (justificar uma situação, enfraquecer um adversário, influenciar o "auditório"). No entanto, é preciso fazer algumas ressalvas. Se toda forma de razão é discussão, isto não quer dizer que todas as discussões sejam expres-são da razão. Muito pelo contrário. Dentro da discusexpres-são que acom-panha a pesquisa, a busca da racionalidade deve ser um constante objetivo dos pesquisadores. O que exige, como já foi sugerido, um determinado tipo de precauções metodológicas e a minimização dos aspectos extracientíficos.

A teoria da argumentação diz respeito aos procedimentos ou re-gras de constituição dos debates públicos, das deliberações jurídicas e das discussões em diversos campos de atuação, inclusive o das ciências sociais, quando concebidas num quadro não positivista. Se-gundo C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, a teoria da argumentação não se enquadra na lógica formal e se limita ao conhecimento apro-ximativo. Escrevem eles: "O domínio da argumentação é ô do veros-similhante;, do plausível, do provável, na medida em que este último escapa às certezas do cálculo" (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1976: · 1). Em vez da estrutura lógico-formiil, .há na investigação social o

re-conhecimento de um processo argumentativo. Tal tipo de investigação não é do tipo das ciências exatas e abandonou qualquer veleidade de sê-lo. Com isso se procura reconhecer o valor cognoscitivo do processo argumentativo (ou deliberativo). Abandonou-se também a idéia se-gundo a qual haveria um único tipo de comprovação séria: a com-provação observacional e quantificada das ciências da natureza. Não se pretende fazer previsões a partir de cálculos numéricos. Trata-se apenas de previsões argumentadas, estabelecendo qualitativamente as condições de êxito das ações e avaliando subjetivamente a probabi-lidade de tal ou qual acontecimento, o que, de fato, não está aquém da nossa atual capacidade de antecipação em matéria de assuntos sociais.

A abordagem metodológica que é específica ao que designamos pela noção de pesquisa-ação apresenta muitas características que são próprias aos processos argumentativos. Tais processos se encontram explicitamente na explicação e nas interpretações em ciências sociais e, a nosso ver, desempenham um claro papel no caso dos métodos alternativos em pesquisa social.

Aplicando algumas noções da perspectiva argumentativa ao caso particular da pesquisa-ação, podemos notar que os aspectos argu-mentativos se encontram:

a) na colocação dos problemas a serem estudados conjuntamente por pesquisadores e participantes;

b) nas "explicações" ou "soluções" apresentadas pelos pesquisa-dores e que são submetidas à discussão entre os participantes;

c) nas "deliberações" relativas à· escolha dos meios de ação a serem implementados;

d) nas "avaliações" dos resultados da pesquisa e da correspon-dente ação desencadeada.

Observamos q_ue no decorrer do processo de investigação os aspec-tos argumentativos, presentes nas formas de raciocínio, são articula-dos principalmente em situações de discussão (ou de "diálogo") entre pesquisadores e participantes. Discussão é diferente de debate, pois esta última noção remete a situações nas quais os interlocutores de-fendem posições geralmente incompatíveis. No caso da discussão, os pesquisadores e participantes efetivos estabelecem uma "comunidade de espíritos" ou um "vínculo intelectual". No entanto, isto não exclui que de vez em quando haja também elementos de polêmica. Além disso, a "comunidade de espíritos" não precisa ser de natureza reli-giosa. Não se trata de fazer os participantes aderirem a dogmas prees-tabelecidos, como no caso da atividade de grupos religiosos ou de grupúsculos políticos sectários. E apenas uma questão de se chegar

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