CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL
A DEGLUTIÇÃO ONTEM E HOJE
MÉRCIA Mª A. PINTO
FORTALEZA
1999
CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL
A DEGLUTIÇÃO ONTEM E HOJE
Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade Oral Orientadora: Mirian Goldenberg
MÉRCIA Mª A. PINTO
FORTALEZA
1999
“A memória é seletiva, a lembrança diz respeito ao passado mas se atualiza sempre a partir de um ponto presente. As lembranças não são falsas ou verdadeiras, simplesmente contam o passado através dos olhos de quem o vivenciou”.
AGRADECIMENTOS
A todos os meus amigos que cooperaram tão gentilmente na
elaboração deste trabalho;
À Estephânia Silveira, Ana Lúcia Bizarria, Denise Klein, Roxane
Alencar, Patrícia Tavares e Vládia Figueiredo, um agradecimento
especial, pelo companheirismo;
RESUMO
O trabalho fonoaudiológico na área de motricidade oral, por
muitos anos, foi voltado para a deglutição. A deglutição era a “vilã” dos
problemas oclusais. Todo desvio nessa função era considerado
patológico e o paciente encaminhado à fazer mioterapia.
Através de estudos científicos muitos aspectos mudaram na
visão dos autores no que diz respeito à deglutição.
O objetivo deste trabalho foi entender essa transformação,
através de um levantamento bibliográfico, com o propósito de
compreender melhor a importância da deglutição para o sistema
sensório-motor oral, favorecendo o trabalho clínico.
É importante observar que, a deglutição considerada como uma
das funções mais importantes do sistema estomatognático, atualmente é
vista como conseqüência de outras funções ou de alterações orgânicas. O
conhecimento do processo dessa mudança pode levar o profissional a
SUMMARY
For many years the phonoaudiologist’s work in oral motricity was
turned to deglutition. Deglutition was the villain of occlusion problems. All
deviations in this function was considered pathologic and patients were led
to myotherapy.
Many scientific studies have changed many aspects of the
author’s sight about deglutition.
This study was undertook by making e literature review. Its
objective were to understand this major change and to comprehend better
the deglutition’s importance for the oral-motor-sensorial-system, then
helping the clinical care.
It is important to point out that deglutition is considered one of
the most significant functions of the stomatogmatic system, now viewed as
a consequence of other functions or organic alterations. The recognition of
this changing process can lead the practitioner to reevaluate his clinical
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO... 8 2. DISCUSSÃO TEÓRICA... 10 2.1. História... 10 2.2. Definição... 12 2.3. Anátomo-fisiologia... 132.3.1. Mudanças de pressão durante a deglutição... 15
2.4. Desenvolvimento... 16 2.5. Alterações... 17 2.6. Considerações atuais... 19 2.6.1. Tratamento... 21 2.6.2. Deglutição X Má oclusão... 22 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 23 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 25
1 – INTRODUÇÃO
Um dos temas que mais preocupa e causa discussão na
Fonoaudiologia na área de motricidade oral, é a deglutição.
Durante anos a deglutição foi protagonista das alterações que
envolvem o sistema sensório-motor-oral. Os dentistas acreditavam que as
alterações oclusais eram causadas pelo pressionamento lingual nos
dentes no ato de engolir, e encaminhavam seus pacientes a fazerem
terapia fonoaudiológica para tratarem do problema de deglutição. Os
fonoaudiólogos por sua vez, desenvolviam sua terapia, baseada em
exercícios, objetivando a retirada da língua entre os dentes durante a
deglutição. Muitos aspectos mudaram quanto ao enfoque da avaliação e
terapêutico. Atualmente a deglutição ainda faz parte do elenco principal,
porém vista sob outras lentes. Lentes da ciência atual, do fonoaudiólogo
cientista.
Será que a deglutição é realmente a mais importante função
estomatognática? O que será que aconteceu na história da
Fonoaudiologia na área da mioterapia? A deglutição é causa ou
conseqüência dos problemas oclusais? Seu tratamento é efetivo? O que
os grandes cientistas pensam atualmente a respeito do assunto?
Estas são perguntas que com certeza envolvem os fonoaudiólogos.
Com este trabalho pretendo mostrar através da história, as
mudanças ocorridas no campo da deglutição.
chegar à interpretações clínicas, condutas e prognósticos mais efetivos.
Padovan (1997) observa que desde a década de 60 muitos
métodos mioterápicos foram criados e estavam voltados basicamente
para a reeducação da deglutição.
Marchesan & Krakauer (1995) enfatizam que o trabalho
fonoaudiológico restringiu-se à função da deglutição por muitos anos, e
alertam que o ato de engolir pode não ser o ponto principal, e sim ser
conseqüência do mau funcionamento de outras funções tais como a
mastigação e a respiração.
Por que a deglutição era tão importante para o sistema
sensório-motor- oral? O que mudou no pensamento dos autores? O qe
novas pesquisas revelam? Estas questões justificam meu interesse em
desenvolver este trabalho.
No decorrer do tempo, com o avanço da ciência, ocorrem
evoluções que mudam a sistemática da conduta terapêutica.
É necessário, na verdade, uma retomada histórica frente as
mudanças que estão acontecendo na área de motricidade oral,
principalmente no que se refere à deglutição.
Pode-se assim manter profissionais atualizados, estimulados à
pesquisa e busca de novos conhecimentos, conscientes que a teoria é
provisória, assim como a prática clínica.
Mostrarei opiniões de diversos autores na tentativa de ampliar o
conhecimento dos profissionais, favorecendo um crescimento
técnico-científico.
Espero que com este estudo, a deglutição seja esclarecida e
2 - DISCUSSÃO TEÓRICA
2.1 História
O estudo da motricidade oral iniciou-se com os problemas de
deglutição a partir da década de 50, quando os dentistas passaram a
relacionar movimento dentário com a força que a língua exercia sobre os
dentes no ato da deglutição.
Straub (1960), citado por Hanson & Barret (1995) apresentou
sua teoria do “Mau Funcionamento da Língua” descrevendo a deglutição
“pervertida”, ou seja, a deglutição com interposição lingual anterior. O
autor contratou um terapeuta da fala para ensinar aos seus pacientes
como engolir corretamente.
Os ortodontistas se preocupavam com a posição da língua no
ato de engolir, por acreditarem que causava recidivas em seus pacientes
já tratados e corrigidos ortodonticamente. A partir de então métodos
mioterápicos foram criados, tendo como motivo principal a reeducação da
deglutição, como considerou Padovan (1997).
Diversos autores, como Ferraz (1984), passaram a ver as
alterações de deglutição como uma das principais etiologias da má
oclusão.
Os ortodontistas há muitos anos já encaminham seus pacientes
anomalia e o encaminhamento eram feitos pelo ortodontista, ficando o
fonoaudiólogo responsável apenas pela terapêutica em si, voltada para
eliminação do padrão de deglutição incorreto.
A deglutição inadequada recebeu diversos nomes como
pervertida, desviada, revertida, infantil ou visceral, porém, o único que
sobreviveu foi o de deglutição atípica, como lembra Hanson (1993).
Todo desvio na deglutição que fugisse ao considerado padrão
era visto como patológico. O paciente então, era encaminhado a fazer
tratamento fonoaudiológico com o objetivo de eliminar diretamente a
interposição da língua no ato de deglutição.
A terapia baseava-se somente na sintomatologia: a língua que
se interpunha entre os dentes durante a deglutição.
Os pacientes eram diagnosticados como deglutidores atípicos e
ficavam meses e até anos em tratamento fonoaudiológico. A terapia era
centrada em exercícios de língua, lábios, bochechas, palato mole e
mandíbula, assim afirma Marchesan (1989). A autora enfatiza, ainda, que
o trabalho limitava-se ao desenvolvimento da propriocepção do tônus
muscular e da mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios e posteriormente
à adequação das funções de sucção, mastigação, deglutição e fala.
Indiscriminadamente estes eram os passos para o atendimento
terapêutico.
Os fonoaudiólogos apenas executavam os exercícios, ou
seja, faziam um trabalho puramente técnico.
Bianchini (1995) relata que, por não entender a razão pela qual
alguns pacientes apresentavam sucesso na terapia
−
enquanto outros fracassavam, embora executando exercícios de forma esmerada−
foibuscar respostas num diagnóstico mais específico e embasado em
teorias de áreas afins.
Marchesan (1994) considera que a partir desta perspectiva, a
Fonoaudiologia, na área da mioterapia, deu um grande passo. Uma luta
árdua iniciou-se para saber o que cada linha da Ortodontia tinha como
proposta, além de estudos sobre crescimento crânio-facial e suas
variações. A autora explica ainda que o conhecimento dos conceitos,
descrições, definições de outras áreas correlatas à Fonoaudiologia, além
do conhecimento da morfofisiologia do indivíduo orientam a terapia
fonoaudiológica. O fonoaudiólogo não é mais aquele profissional que faz
exercícios iguais para todos os indivíduos.
O conhecimento certamente aumentou trazendo novas visões a
respeito das alterações de deglutição. Deve-se retomar conceitos e
definições para que se compreenda o processo de mudança referente a
esta função..
2.2 Definição
A deglutição tem como principal função a propulsão do
alimento da boca para o estômago. Douglas (1994) define a deglutição
como o ato de engolir, isto é, o transporte do bolo alimentar ou de
líquidos, da cavidade oral até o estômago.
É uma atividade neuromuscular muito complexa, que pode ser
iniciada conscientemente, o que se completa mediante a integração no
sistema nervoso central de impulsos aferentes e eferentes organizados no
2.3 Anátomo-fisiologia
A deglutição faz parte do sistema estomatognático, o qual age
conjuntamente envolvendo as estruturas anatômicas que o compõe.
Participam da deglutição estruturas ósseas como o
maxilar, a mandíbula, a coluna cervical e o osso hióide; estruturas
cartilaginosas como as cartilagens da laringe; estruturas musculares como
a língua e mais 31 pares de músculos, principalmente os supra-hioideos,
como o digástrico e o estilo-hioideo, e os infra-hioideos e por fim as
estruturas neurais como 6 pares cranianos e os nervos cervicais assim
explica Macedo Filho (1998).
O processo da deglutição é programado e executado por
refinado controle neuromuscular, com mecanismos de controle cortical e
do tronco cerebral. Caracteriza-se por uma sucessão de fenômenos
interrelacionados, durando de 3 a 8 segundos. Possui três fases: a
oral, a faríngea e a esofágica, como refere Douglas (1994).
A fase oral pode ser considerada a partir da apreensão do
alimento ou da sucção do alimento líquido na cavidade oral. Inclui o
preparo eficiente do alimento para ser deglutido.
Estando pronto, o bolo alimentar é deslocado para um canal
transversal no dorso da língua. Os lábios se aproximam e os músculos
temporal, masséter e pterigóideo medial estabilizam a mandíbula. A ponta
da língua eleva-se e encosta-se contra a papila retroincisal e face palatina
dos incisivos superiores. Em seguida sua parte anterior pressiona o
contração do milo-hioideo, produz-se elevação maciça da parte anterior
da língua, deslizando o bolo alimentar para trás, seguindo um plano
inclinado determinado pela posição da língua. Estes são os movimentos
ondulatórios da língua que guiam o bolo alimentar para trás. Finalmente, a
parte posterior da língua dirige-se em sentido oposto e para cima
seguidamente. O músculo milo-hioideo está contraído juntamente com os
músculos estiloglosso e palatoglosso. A pressão exercida pelo bolo
alimentar nos pilares anteriores da faringe, na base da língua e palato
mole, determina a geração de impulsos nervosos que, por via aferente,
dão inicio à ação reflexa da deglutição que faz parte da fase faríngea.
A segunda fase da deglutição, a faríngea, é involuntária na qual
os músculos supra-hioideos, faríngeos, laríngeos e linguais se contraem.
A faringe se alonga ao mesmo tempo que há parada respiratória. O bolo
alimentar, ao passar da boca para a faringe, atravessa a circunferência
orofaríngea, que regula a passagem de partículas de grande tamanho não
trituradas satisfatoriamente na mastigação. A fim de impedir que o
alimento se direcione para as vias respiratórias superiores, a orofaringe é
fechada a partir da nasofaringe, pela elevação do palato mole e pela
aproximação da parede posterior da faringe. O osso hióide e a laringe se
movem para cima e para frente pela contração do músculo genio-hioideo,
o que provoca o rebaixamento da epiglote, fechando a entrada da laringe.
Com a constrição faríngea o esfíncter esofágico superior
(músculo cricofaríngeo), que em situação de repouso permanece fechado
para impedir a entrada do ar no esôfago, relaxa-se, abrindo-se para a
passagem do bolo. O músculo milo-hioideo também se relaxa, o osso
hióide desce e a laringe volta à sua posição original. Abre-se a glote,
faríngea. Movimentos peristálticos deslocam o bolo alimentar do esfíncter
esofageano ao estômago, constituindo-se assim, a terceira fase da
deglutição que é inconsciente e involuntária.
Durante todas as fases da deglutição, o bolo alimentar é
empurrado por uma onda de pressão positiva desde a boca até o
estômago.
2.3.1 Mudanças de pressão durante a deglutição
O espaço oronasofaringeano, quando está equilibrado,
possui uma pressão subatmosférica em seu interior.
Aragão (1995) explica que após algum tempo de inspiração e
expiração nasal, a pressão atmosférica do meio ambiente invade a Matriz
Funcional Oronasofaringeana, ou seja, o espaço oronasofaringeano,
revertendo a pressão no interior da mesma. No momento em que ocorre a
mudança de pressão de negativa para positiva inicia-se uma deglutição.
Bradley (1981) concorda quando afirma que, ao iniciar-se a
seqüência da deglutição, a pressão na boca e faringe é próxima a da
atmosférica. O autor enfatiza ainda que o alimento se move através da
boca, faringe e esôfago por ação de uma pressão positiva e para que isto
ocorra é imprescindível o vedamento labial.
Aragão (1995) conclui esclarecendo que a deglutição é o
fenômeno que ocorre para manter a pressão subatmosférica do sistema
estomatognático, já que a cada ato de engolir, a pressão negativa na
Portanto existe um ciclo: pressão negativa intra-oral
à
inspiração/ expiração nasalà
pressão positiva intra-oralà
deglutiçãoà
pressão negativa intra-oral.2.4 Desenvolvimento
A deglutição inicia-se na vida intra-uterina. A partir da 12ª
semana de gestação o feto já apresenta esboços de deglutição, porém,
só por volta da 32ª semana é que será efetiva, quando ocorre a
coordenação entre sucção e deglutição. O bebê passa então a deglutir o
líquido amniótico, contribuindo no equilíbrio de seu volume.
A deglutição é reflexa nos primeiros meses de vida com
controle no tronco cerebral e está intimamente relacionada, em
termos funcionais, à respiração e sucção. Passa a ser voluntária à
medida que outras funções aparecem como a mastigação, que é
uma ação voluntária e controlada corticalmente, como considera Alltmann
(1990).
A deglutição infantil caracteriza-se pela interposição da
língua no ato de engolir. Petrelli (1994) explica que a criança ao deglutir
impulsiona a língua para frente para criar selamento anterior para a
deglutição. Felício (1994) concorda ao afirmar que a língua interpõe-se
à maxila e à mandíbula na deglutição infantil para promover a
estabilização mandibular permitindo a atuação mais eficiente dos
músculos supra-hióideos para elevar o osso hióide.
É importante observar que a interposição lingual na deglutição
medida que o espaço intra oral aumenta a língua acomoda-se dentro da
cavidade oral. Marchesan & Junqueira (1998) esclarecem que o
crescimento diferencial entre língua e cavidade bucal presente na criança
justificam esta interposição lingual. As autoras relatam, ainda, que a
língua segue a curva de crescimento dos tecidos de origem neural do
corpo crescendo de forma estável chegando ao seu tamanho máximo aos
oito anos de idade. Já a mandíbula cresce mais lentamente atingindo um
platô entre oito e doze anos de idade. A língua, a maxila e a mandíbula só
terão uma relação de tamanho equilibrado quando se completar o
crescimento ósseo-muscular.
Portanto a maneira de deglutir acompanha o crescimento infantil,
respeitando a anátomo-fisiologia do indivíduo.
2.5 Alterações
Irei me deter somente à fase oral da deglutição devido esta ser
a questão deste trabalho.
Como comentado anteriormente, a fase oral diz respeito ao
preparo do alimento para ser deglutido e a propulsão deste da cavidade
bucal à faringe.
Neste momento há participação efetiva e conjunta de várias
estruturas como: lábios, língua, mandíbula, maxila, dentes, palato e
receptores existentes na boca. Qualquer intercorrência em uma destas
estruturas poderá afetar diretamente a deglutição.
Quando há alteração no processo de deglutição na fase oral
Alltmann (1990) define deglutição atípica como o
pressionamento da língua contra a superfície lingual dos dentes incisivos
e caninos ou a protrusão desta entre os dentes da arcada superior e
inferior durante o repouso e o ato de engolir. A autora considera ainda
que qualquer desvio do padrão normal adulto de deglutição caracteriza a
deglutição atípica.
Petrelli (1994) descreve que, na deglutição atípica, a ponta da
língua é pressionada entre os incisivos, podendo seus bordos laterais
também penetrar entre os pré-molares e molares.
Ferraz (1984) aponta como características de deglutição atípica:
pressionamento atípico da língua; participação da musculatura perioral;
movimentos de cabeça durante a deglutição; alteração na articulação de
fonemas; língua volumosa, alargada; cuspir ou acumular saliva nos cantos
da boca; baba noturna; dificuldades de deglutir pílulas e dificuldades
de deglutir com os lábios separados. Alltmann (1990) concorda e
acrescenta que a deglutição atípica envolve todas as alterações
musculares e funcionais dos órgãos fonoarticulatórios que a ela se
associam tais como alteração das posturas labial, lingual e mandibular;
alteração da motricidade dos órgãos fonoarticulatórios; inadequação da
força muscular de lábios, língua, bochechas e músculos elevadores
da mandíbula e respiração bucal. Já Marchesan (1989) explica que
existem motivos para a deglutição estar alterada que podem ser:
amígdalas hipertróficas levando a protrusão da língua; palato estreito e
sem condições de um bom ajuste da língua; o palato é alto dificultando o
contato com a língua; a força insuficiente da língua para juntar o alimento
e se acoplar contra o palato; o hábito infantil persiste; a anatomia do
mordida aberta anterior; o indivíduo é portador de má-oclusão dentária
tipo classe II; a arcada é pequena; o paciente está em fase de dentição
mista com troca de dentes. A autora justifica que a atipia ocorre em
decorrência de problemas anteriores.
Há polêmica a respeito do termo deglutição atípica para
alterações de deglutição já que nem sempre trata-se de uma atípia e sim
de uma adaptação às possibilidades funcionais do indivíduo.
2.6 Considerações atuais
O sistema estomatognático identifica um conjunto de estruturas
bucais que desempenham funções comuns
−
lábios, língua, bochechas, palato duro, véu palatino, dentes, maxila e mandíbula agem através decontrole neuromuscular realizando as funções orais na qual a deglutição
está incluída. Tomé, Farret & Jurach (1996) consideram que o
desempenho da deglutição está diretamente relacionado às estruturas
anatômicas.
O complexo sensório motor oral age conjuntamente e qualquer
alteração em uma das estruturas leva a modificações no
funcionamento de todo o sistema. Padovan (1997) relata que as funções
são dependentes da mesma neuromusculatura, elas se interrelacionam
e, estando uma alterada as outras apresentam incidências patológicas.
Será que realmente são sinais patológicos ou é a única maneira
do sistema funcionar, já que o mesmo age integradamente? Sabe-se
atualmente que, na presença de uma alteração, mínima que seja, as
estruturas modificam seus padrões de funcionalidade para viabilizar todo
sistema estomatognático deve ser avaliado como um conjunto de
estruturas que é capaz de realizar funções adaptando-se às mudanças
existentes. Portanto a deglutição pode estar adaptada à alterações
que o indivíduo possa apresentar, como problemas orgânicos ou mau
funcionamento de outras funções, como a respiração e a mastigação.
Petrelli (1994) considera que na presença de uma mordida
aberta anterior o paciente irá impulsionar a língua para frente a fim de
deglutir. Afirma ainda que quando os incisivos superiores estão muito
protruidos em relação aos incisivos inferiores, a deglutição ocorre com
uma interposição de lábio inferior numa tentativa de selar anteriormente a
cavidade bucal. Entende-se por isso um mecanismo normal e único
possível de ser realizado.
Pode-se a partir deste raciocínio questionar o que é
normalidade: Existe padrão normal de deglutição, já que indivíduos com
alterações anatômicas fazem adaptações para conseguir deglutir?
Os parâmetros de normalidade passaram a ser revistos.
Bianchinni (1995) explica que indivíduos diferentes com faces distintas,
possuem características peculiares que não deveriam ser confundidas
com atipias. A autora demonstra ainda que para cada tipo crânio-facial,
existe musculatura e funcionalidade diferentes. Portanto, a maneira de
deglutir vai depender do que o indivíduo apresenta.
Lembrando um pouco a respeito da fisiologia da deglutição,
observa-se que na fase oral é necessário um eficiente preparo do
alimento para que se realize a posteriorização do mesmo para a faringe.
É fundamental ainda a respiração nasal para que ocorra a mudança de
alimento da boca até o estômago. Se o indivíduo não consegue
realizar uma boa mastigação a deglutição poderá ficar alterada, assim
como se o indivíduo não possuir respiração nasal prejuízos à deglutição
poderão acontecer.
Na literatura encontra-se referências sobre este raciocínio.
Jabur (1996) afirma que quando a mastigação é feita de maneira
ineficiente o indivíduo deglute o alimento em partículas maiores, alterando
a deglutição. Köhler, Köhler & Köhler (1996) referem que indivíduos com
respiração bucal, por estarem com a boca aberta constantemente,
desviam a língua em sua posição de repouso e movimentação. Marchesan
& Krakauer (1995) enfatizam que a deglutição pode estar alterada em
decorrência do mau funcionamento de outras funções, como a mastigação
e a respiração, e que trabalhando de forma correta tanto a respiração
quanto a mastigação, a deglutição pode adequar-se por si só.
O tratamento para a deglutição então, vai depender das
condições anatômicas do sujeito e do funcionamento de outras funções.
2.6.1 Tratamento
A compreensão e interpretação dos fatores que causam as
alterações de deglutição, são fundamentais para direcionar qual o
caminho terapêutico mais adequado.
Marchesan & Junqueira (1998) consideram que, antes de
qualquer terapia é fundamental sempre lembrar-se da normalidade, que
sofre variações de acordo com a idade e que é dependente das
características anatômicas encontradas e da observação de outras
enfatizando que deve-se procurar a real causa da alteração e suas
implicações, delimitar a melhor época para o tratamento
fonoaudiológico e suas possíveis limitações, discutir e trabalhar
juntamente com outros profissionais e efetivar se realmente o trabalho é
necessário.
A partir de um bom diagnóstico pode-se ter um tratamento mais
efetivo voltado para a causa e não somente para o sintoma respeitando
sempre as limitações do indivíduo, e suas reais possibilidades
terapêuticas.
2.6.2 Deglutição X Má oclusão
Afinal, a deglutição causa realmente má-oclusão?
Tomé, Farret & Jurach (1996) compreendem que não é
propriamente a função inadequada da língua que conduz a
malformação dentária, e sim a posição incorreta de repouso.
Medeiros (1997) também acredita que alterações de oclusão são
causadas muito mais pela postura incorreta de repouso da língua do que
pela deglutição alterada. O autor explica que a duração da força da língua
em contato constante com os dentes parece ser fator mais importante do
que no movimento da deglutição, que é intermitente. Está de acordo com
o que expõe Van Der Linden (1990), que a duração total diária do toque
da língua contra os dentes no ato de engolir não passa de dez minutos,
sendo assim muito pouco para produzir movimento nos dentes.
É relevante observar esta visão atualizada a respeito da
deglutição para que se possa ter um trabalho mais objetivo e adequado às
3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resolvi estudar a respeito da deglutição, por ser um tema
bastante discutido e até hoje incompreendido na Fonoaudiologia.
Há mais de 30 anos vários pesquisadores e cientistas vêm se
dedicando ao estudo das relações existentes entre a presença das
más-oclusões dentárias e as alterações de deglutição. Retomando à história,
a deglutição era o principal aspecto visto pelos dentistas e pelos
fonoaudiólogos. Atualmente sabe-se que a deglutição não é o ponto
principal para que se inicie uma terapia fonoaudiológica. Porém, a
quantidade de pacientes que surgem para ser atendidos devido
apresentar uma “deglutição atípica”, mesmo apresentando condições
anatômicas desfavoráveis, é muito grande. É importante apresentar aos
profissionais tanto da Odontologia como da Fonoaudiologia as mudanças
ocorridas a respeito da deglutição.
Ocorreram várias transformações, o conhecimento aumentou. A
consciência dessas modificações, com certeza, vai ajudar o profissional a
acompanhar a evolução científica, favorecendo um trabalho atualizado
e efetivo.
A fonoaudiologia buscou conhecimentos de outras áreas,
enriquecendo e orientando seu trabalho em relação à definição de
conceitos e descrições, demonstrando que tratar apenas do sintoma da
deglutição alterada sem olhar a causa pode levar a terapia ao completo
fracasso. Admite-se então, que o diagnóstico é o aspecto fundamental par
Os estudos realizados promoveram uma verdadeira revolução
nos conceitos e condutas que envolvem a deglutição. O que era
patologia passou a ser sintoma, a atipia virou adaptação, a função
considerada inadequada transformou-se em característica normal,
peculiar para cada tipo de indivíduo. Como conseqüência, o tratamento
também se modificou, estando atualmente voltado para a eliminação da
etiologia da alteração da deglutição.
Observa-se realmente que muita coisa mudou em decorrência de
estudos aprofundados a respeito da anatomia, fisiologia, crescimento
crânio-facial, neurologia, além de uma leitura crítica a respeito de
alterações em relação a maneira de deglutir, fazendo-se então uma
revisão nos conceitos de patologia e normalidade.
As mudanças exigem uma ruptura com aspectos já solidificados
e que tendem a perpetuar-se. Sabe-se que pode ser difícil fazer esta
quebra, porém, espero que este estudo favoreça à reflexão destes
paradigmas, levando os profissionais a andarem em favor das
4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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