• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Teresinha Maria Mocellin

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Teresinha Maria Mocellin"

Copied!
243
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Teresinha Maria Mocellin

O mal-estar no ensino religioso:

localização, contextualização e interpretação.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Teresinha Maria Mocellin

O mal-estar no ensino religioso:

localização, contextualização e interpretação.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora

como exigência parcial para obtenção do

título de Doutor em Ciências da Religião

pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, sob a orientação do Prof.

Doutor José J. Queiroz.

(3)

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

(4)

A transformação é de longo curso mas é preciso acreditar e sonhar que ela é possível*.

(5)

AGRADECIMENTOS

Muitos interlocutores, amigos, pesquisadores, colegas, construíram comigo o caminho da pesquisa e da argumentação, o que permitiu dar a esta tese o rigor que une ciência e vida. O meu agradecimento a todos embora deva citar, de modo especial.

Ao Prof. Dr. José J. Queiroz que na dedicação dos grandes orientadores percorreu comigo os meandros do ensino religioso, e dele aprendi que a sabedoria é dom que emerge da generosidade e amizade que dão sustentação ao processo de aprendizagem.

Ás irmãs Catequistas Franciscanas da Província “Imaculado Coração de Maria” pelo carinho e amizade que nos une.

Ao Prof. Dr. Enio José da Costa Brito, interlocutor atento às minhas construções e dúvidas, oferecendo sugestões, indicando leituras para a melhoria do trabalho.

Ao Prof. Dr. João Décio Passos por compartilhar seus conhecimentos observações e sugestões, que contribuíram com a articulação e gestão desta Tese.

(6)

Aos professores Doutores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião da PUC/SP, que abriram caminhos e estabeleceram desafios.

Ao ADVENIAT pelas condições oferecidas para viabilizar a realização desta pesquisa.

Agradeço especialmente ao Dr. Fabiano Mocellin pelo apoio incondicional.

Ao Prof. Sergio Luiz A. Ijaille pelo incentivo e ajuda no processo de gestar e tornar realidade a pesquisa de campo.

Aos colegas Antonio Francisco da Silva e Teodoro Hanicz que me incentivaram a prosseguir confiante.

Aos meus queridos familiares pelo carinho e constante incentivo que sempre fui agraciada.

Aos membros da Banca Examinadora por compartilhar seus conhecimentos com sugestões e observações.

Ao Grupo de Pesquisa “Pós-Religare” partícipes de minha trajetória em busca de conhecimento.

Á secretária Andréia de Souza pela disponibilidade e gentileza no atendimento.

Á Karoline e Igor pelo carinho, ternura e empréstimo do nome.

(7)

RESUMO

Esta tese pretende analisar o ensino religioso nas escolas públicas, na

atualidade brasileira. Parte do pressuposto de que haja um mal-estar relativo a

essa disciplina. Essa metáfora, oriunda da área da saúde, aparece, em muitos

discursos, como algo difuso no ensino religioso. Fazer uma radiografia para

localizá-lo foi o objetivo principal do trabalho. Como preâmbulo, apontam-se as

raízes históricas desse mal- estar. A raiz remota, na catequese dos índios e

negros escravos e os conflitos que gerou nos evangelizadores e nos

evangelizados. A raiz próxima, no advento da República, a separação entre Igreja

e Estado e os conflitos decorrentes. O laicismo da era republicana, a principio,

alijou a disciplina do espaço público. Depois, graças à pressão da Igreja Católica,

ela foi readmitida, sempre, porém, em caráter facultativo para o aluno. A pesquisa

localizou vários focos de mal-estar. Eles se concentram, especialmente, na

legislação e sua aplicação, devido à sua imprecisão e ambigüidade. Depois, a

formação dos docentes para a disciplina é a outra maior incidência do mal-estar.

Estas duas situações foram analisadas no último capítulo da tese. O suporte

teórico das analises é a filosofia da práxis de Gramsci.

PALAVRAS CHAVES: ensino religioso, pós-modernidade, lei, formação

(8)

ABSTRACT

This thesis aims to analyze the religious teaching in the contemporary

Brazilian public schools. The point of departure is the diffused feeling of malaise in

this teaching. Malaise is a metaphor from health area that appears as something

diffused in many speeches. The main purpose of the theses is to make a

radiography in order to localize this feeling of malaise. As a preamble, some

historical roots were indicated. The remote root was the catechism of Indians and

Negroes and the conflict it rose in the Gospel preachers and in the receivers of the

Christian message. The proximate root was the coming of the republican regime

and the separation between the Church and the State. The republican laicization

put the religious teaching out of public schools. Afterwards, by the pressure of the

Church, it was readmitted but always as optional for the students. The research

localized many focus of malaise. They are concentrated mainly in the law and his

application because of its permanent ambiguity. The teachers´ formation was

pointed out as the second cause of malaise. Analyses were made on these two

situations. The theoretical bases of the analyses was the Gramsci`s philosophy of

praxis.

KEYWORDS: Religious teaching, post-modernity, law, teachers´ formation,

(9)

ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE Associação Brasileira de Educação

ACR Acadêmicos Ciências da Religião

AEC Associação de Educação Católica

ANDE Associação Nacional de Educação

ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior

CBE Conferência Brasileira de Educação

CDC Código de Direito Canônico

CELAM Conferência Episcopal Latino-americano

CF Constituição Federal

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNE Conselho Nacional de Educação

CONER Conselho Nacional de Ensino Religioso

CONERE Congresso Nacional de Ensino Religioso

CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

CORER Conselho Regional de Ensino Religioso

CP Conselho Pleno

CR Ciências da Religião

CRN Conferência dos Religiosos do Brasil

D.O.E. Diário Oficial do Estado

D.O.U. Diário Oficial da União

DNC Diretrizes Nacionais Curriculares

ER Ensino Religioso

ERE Educação Religiosa Escolar

FONAPER Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso

LDB Lei de Diretrizes e Bases da educação

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional

(10)

MEC Ministério da Educação e Cultura.

OFM Ordem dos Frades Menores

PCNER Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso

PPP Plano Político Pedagógico

PUC Pontifícia Universidade Católica

PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

REB Revista Eclesiástica Brasileira

SEE Secretaria de Estado da Educação

SC Santa Catarina

UCRE Unidade de Coordenação Regional de Educação

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNC Universidade do Contestado

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O ensino religioso na escola ... 96

Figura 2 – A influência do ensino religioso na família ... 97

Figura 3 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso na escola ... 98

Figura 4 – Conteúdos discutidos nas salas de ensino religioso...99

Figura 5 – O ensino religioso na vida dos alunos... 100

Figura 6 – O ensino religioso na vida da comunidade... 101

Figura 7 – Influência do ensino religioso na família... 102

Figura 8 – Quem mais influenciou a formação do aluno para a vida ... 103

Figura 9 – Aspectos positivos e negativos do ER discutidos em sala de aula ... 104

Figura 10 – O ensino religioso na vida do estudante ... 105

Figura 11 – Mapa do Brasil: Estados onde obtivemos dados sobre o ER ... 110

Figura 12 – Conteúdo programático do ensino religioso ... 111

Figura 13 – Aceitação na grade curricular... 112

Figura 14 – Recursos pedagógicos disponíveis ... 113

Figura 15 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos... 114

Figura 16 – Realização profissional... 115

Figura 17 – Problemas no ensino religioso ... 116

Figura 18 – Percepção do mal – estar no ensino religioso... 117

Figura 19 – Cumprimento da lei ... 118

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 16

CAPÍTULO I – O ENSINO RELIGIOSO NO BLOCO HISTÓRICO COLONIAL, IMPERIAL E REPUBLICANO: a gêneses de uma crise histórica... 34

1.1 - O pacto entre Igreja e Estado, no Bloco Histórico Colonial e Imperial... 39

1.2 – As conseqüências da aliança. Os Jesuítas, a Catequese, o Índio e o Negro: primeiro cenário de mal-estar ... 42

1.2.1 – A invasão e a missão ... 45

1.2.2 – A cultura nativa nos parâmetros eurocêntricos ... 46

1.2.3 – A violação da cultura indígena ... 49

1.2.4 – O mal-estar do evangelizador ... 56

1.2.5 – O estigma e a ressurreição do índio... 62

1.3 – A catequese do negro e os conflitos ... 65

1.3.1 – Os conflitos na vida dos negros no Brasil ... 65

1.3.2 – A catequese das crianças negras ... 67

1.3.3. – O código religioso... 68

1.3.4 – Nem tudo se perdeu. A cultura afro-brasileira e a revanche do oprimido ... 71

1.4 – O Bloco Histórico Republicano e as raízes do mal-estar do ensino religioso na atualidade ... 73

1.4.1 – Passagem do domínio senhorial para a burguesia agrária ... 73

1.4.2 – A cultura, a filosofia e a política... 74

(13)

CAPÍTULO II – O ENSINO RELIGIOSO NA ATUALIDADE: o desconforto e o

mal-estar revelados nos dados da pesquisa... 81

2.1 – A entrevista semi-estruturada ... 82

2.2 – Questionário Fechado: Descrição dos dados, os números e os gráficos. 96 2.2.1 – Questionário: Pais de alunos do ensino fundamental ... 96

2.2.2 – Questionário: Diretores de escolas estaduais do Ensino Fundamental ... 98

2.2.3 – Questionário: Estudantes do ensino fundamental ... 102

2.2.4 – Interpretação dos dados do questionário fechado ... 106

2.3 – Questionário Misto: Descrição dos dados, os números e os gráficos .... 110

2.3.1 – Estados onde obtivemos dados sobre o ensino religioso ... 110

2.3.2 – Ensino religioso... 111

2.3.3 – Aceitação na grade curricular ... 112

2.3.4 – Recursos pedagógicos disponíveis... 113

2.3.5 – A receptividade do ensino religioso na vida dos alunos... 114

2.3.6 – Realização profissional ... 115

2.3.7 – Mal-estar no ensino religioso ... 116

2.3.8 – Pontos que merecem atenção especial ... 117

2.3.9 – Legislação aplicável ... 118

2.3.9.1 – Pontos que indicam crises no ensino religioso ... 119

2.3.10 – Interpretação dos dados do questionário misto ... 120

2.4 – Questionário aberto: interpretação dos dados ... 122

2.5 – Pontos de maior convergência... 123

2.5.1 – As explicações da Nova LDB ao ensino religioso ... 124

(14)

CAPÍTULO III – A LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO RELIGIOSO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: dois tópicos de maior incidência do mal-estar... 129

3.1 – A legislação brasileira: fonte da história do ensino religioso e do seu

mal-estar ... 129

3.1.1 – O ensino religioso no sistema legal do Bloco Histórico Colonial e

Imperial: 1500-1889 ... 135

3.1.2 – O ensino religioso e a estrutura legal do Bloco Histórico

Republicano (1889-1988)... 140

3.1.2.1 – A laicidade do Estado ... 142

3.1.2.2 – O ensino religioso na Constituição de 1967... 147

3.1.3 – O ensino religioso na estrutura legal após o retorno do Estado

de Direito: de 1888 até nossos dias ... 150

3.1.3.1 – Os indicativos da Carta Magna para a democratização da

Educação... 152

3.1.3.2 – A Carta Magna e o ordenamento do ensino religioso ... 152

3.1.3.3 – A trajetória da atual LDB... 154

3.1.3.4 – Luzes e Sombras da Nova Lei sobre o ensino religioso .. 158

3.1.3.4.1 - Luzes ... 159

3.1.3.4.2 - Sombras... 162

3.2 – A formação do professor de ensino religioso: uma ausência e uma

exigência repetidas vezes apontadas na pesquisa ... 169

3.2.1 – A epistemologia e a formação do professor: mapeando

concepções ... 171

3.2.2 – A formação contínua do professor em seu trabalho... 174

3.2.3 – As reformas educacionais e as implicações na formação do

professor de ensino religioso ... 176

3.2.4 – Fatores de pressão da mudança social sobre a formação

(15)

3.2.5 – A reavaliação da formação docente perante as mudanças

sociais ... 179

3.2.5.1 – A formação docente e a ética ... 182

3.2.6 – A formação e os saberes do professor em seu trabalho ... 184

3.2.6.1 – Competência profissional... 187

3.2.7 – A práxis pedagógica e a formação docente ... 191

CONCLUSÃO ...196

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 206

ANEXOS ... 221

ANEXO 1- Entrevista semi-estruturada sobre o ensino religioso ... 222

ANEXO 2 – Questionário para pais de estudantes do ensino fundamental ... 223

ANEXO 3 – Questionário para diretores de escolas estaduais do ensino fundamental...224

ANEXO 4 – Questionário para estudantes do ensino fundamental... 225

ANEXO 5 – Questionário misto para professores de ensino religioso em nível nacional ... 226

ANEXO 6 – Questionário de perguntas abertas... 230

ANEXO 7 – Carta de princípios: FONA PER... 231

ANEXO 8 – DECRETO Nº 19.941 – de 30 de abril de 1931 ... 233

ANEXO 9 – PARECER Nº 97/99...235

(16)

INTRODUÇÃO.

Existe o passado para compreender O amanhã que se organiza hoje E o futuro como projeto

Nóvoa, 1998.

O meu particular interesse para pesquisar e sistematizar o mal-estar no

ensino religioso não partiu de um momento único e significativo. Foi no percurso

da minha própria trajetória de vida, acadêmica e profissional atuando no campo

da educação que pude vivenciar muito de perto momentos de amplos debates

nos quais o ensino religioso foi tema de grandes polêmicas que retratam sua

crise.

No trabalho de direção de colégio realizado na década de 80, tive

oportunidade de ouvir não só professores de educação religiosa escolar1, mas

também, professores das outras áreas de ensino e constatar de perto a

necessidade de mergulhar mais profundamente no sentido de estudar, analisar,

alterar conceitos, para atender aos desafios da então educação religiosa escolar

que se apresentava, com roupagens diversas, aos apelos histórico-culturais.

Designada para coordenar o ensino religioso na 13ª Unidade de

Coordenação Regional de Itajaí SC, em escolas de treze municípios do Estado,

vivenciei momentos chaves da vida do ensino religioso, tomando contato com a

situação de pluralismo religioso que requeria um passo além do trabalho

ecumênico. Nesse sentido, desenvolvi uma pesquisa sobre Ecumenismo e Pluralismo na educação religiosa escolar em Santa Catarina. Essa pesquisa foi

realizada no Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, nos meados da década de 90.

Naquele curso, participei de intensas discussões de teorias e posições

filosóficas e ideológicas sobre meu tema de pesquisa, com ênfase no direito à

diferença no desenvolvimento da capacidade de respeito e de construção das

1

(17)

identidades dos sujeitos do ensino religioso. Defendi a dissertação de Mestrado

em 1995.

Em seguida, fui convidada pela Secretaria de Estado da Educação Ciência

e Tecnologia do Estado de Santa Catarina, para integrar o grupo de elaboração

da proposta curricular de Ensino Religioso no Estado de Santa Catarina. Naquela

ocasião fui desafiada a me defrontar mais profundamente com a questão do

múltiplo, do plural, do diverso, do diferente, das discriminações, dos preconceitos.

Pude vivenciar, muito de perto, momentos chave da vida do ensino religioso no

Estado, o que foi para mim experiência e ocasião de colocar em prática os

conhecimentos adquiridos no Mestrado.

As questões que foram surgindo na minha trajetória, prenderam minha

atenção como pesquisadora e educadora. Não via claro como e o que, mas meu

desejo era produzir novos conhecimentos, mergulhar mais profundamente no

estudo, no sentido de proceder a uma análise pormenorizada da localização,

contextualização e interpretação desse desconforto.

Os debates em torno de questões pertinentes ao ensino religioso

realizadas em várias instâncias como fórum, encontros, simpósios, congressos,

cursos, e nas acessorias à educadores e aulas que eu ministrava aos alunos de

Ciências da Religião em nível Estadual, tornaram-se importantes para fazer

aflorar a pluralidade de concepções e posições referentes à disciplina.

As discussões referentes ao ensino religioso envolvem não só professores

e alunos, mas, também, outros segmentos da sociedade civil, diretores de escola,

pais de alunos, e diferentes Igrejas. Em todas as discussões e debates sempre

surge uma questão: algo não vai bem no ensino religioso, mas não se sabe definir

o que não funciona e o por quê.

As reuniões do CORER2 e CONER3, das quais participo, são espaços onde

esta problemática se faz sentir, embora também seja recorrente em outras

instâncias, como encontros, cursos, congressos, simpósios, nos quais pude

constatar que o ensino religioso se torna objeto de críticas em debates de

diferentes naturezas e diversas procedências.

2

CORER- Conselho Regional de Ensino Religioso.

3

(18)

Em leituras preliminares, fui percebendo que o ensino religioso percorreu

um longo e sinuoso caminho, cujo primeiro passo foi dado com o trabalho de

catequese e “evangelização dos gentios”, e em seguida dos negros, à época da

colonização do Brasil. Mais tarde, o ensino religioso passou a ser contemplado

em sucessivas legislações brasileiras.

Um dos fatores que parece ser o gerador das situações de desconforto

estaria na Lei que implementa o ensino religioso no currículo do ensino

fundamental nas escolas públicas.

Assim reza o Artigo 33, com a redação dada pela Lei Federal nº 9.475/97:

“o ensino religioso de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”

* § 1º - “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores”

* § 2º - “os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”

A implantação dessa Lei e suas exigências, não puseram fim ao mal-estar.

Aliás se agravou. As lamentações sobre o ensino religioso afloram. Assim por

exemplo no Congresso Manifestações Religiosas no Mundo Contemporâneo: Interfaces com a Educação realizado em São Leopoldo RS, no período de

11-13/09/02; aparecem inúmeras criticas referentes ao ensino religioso a partir dos

temas abordados nas conferências.

O mesmo aconteceu no III Congresso Nacional de Ensino Religioso – CONERE; Identidade pedagógica do Ensino Religioso: memória e perspectivas” realizado em Florianópolis SC, nos dias 03-05 de novembro de 2005. Ao tentar

ressignificar o ensino religioso a uma proposta relacionada à política religiosa

escolar e ao sistematizar a reflexão da caminhada do ensino religioso

empreendida até os dias atuais, os debates revelaram que a situação de

(19)

No III Fórum Social Mundial: Um outro mundo é possível, realizado entre os dias 23 e 28 de janeiro de 2003, em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do

Sul, foi revelada uma certa inquietação referente ao ensino religioso.

Também no IX Seminário de Capacitação Docente para Ensino Religioso: Ciências da Religião e Ensino Religioso em diálogo, realizado na PUC/SP, nos

dias 03 e 04 de outubro de 2006, afloraram inúmeras queixas sobre a atual

situação do ensino religioso, a partir dos dispositivos da Nova Lei.

Do mesmo modo, no I Encontro do GT Nacional de História das Religiões e das Religiosidades/ANPU, Maringá Paraná, nos dias 07-10 de maio de 2007, no

simpósio temático Pós-Modernidade e Religião. Os Limites e as Possibilidades da linguagem no campo religioso, que teve como proponente o professor José J.

Queiroz e o Grupo Pós-Religare-Modernidade e Religião-PUC/SP, houve painéis

em que afloraram inúmeras queixas sobre a atual situação do ensino religioso.

Os debates freqüentes em nível nacional nos mostram que a problemática

não é exclusiva de um Município ou de um Estado. Trata-se de uma crise ampla e

por isso não é fácil delimitar seu espaço para análise. São lamentações

generalizadas que miram os mais variados aspectos da disciplina, a falta de

clareza sobre a sua natureza, o seu conteúdo, os seus resultados, queixas

freqüentes e esparsas revelando mais incertezas que firmeza nessa área.

Percebi, pois, tratar-se de um desconforto geral, e isso vem me intrigando

de longa data. Por isso, com uma boa dose de coragem, após consultar colegas,

coordenadores de disciplina, professores e o orientador, resolvi entrar nesse tema

e transformá-lo em objeto de pesquisa.

Que título daria a esse tema?

No Grupo de Pesquisa Pós-Religare/Pós-Modernidade e Religião, uma das leituras que me chamou atenção, quando buscava entender a condição atual em

que estamos inseridos como pessoas, e como professores, caracterizada por

Jean-François Lyotard como Condição Pós-moderna4, foi a obra de Zygmunt

4

(20)

Bauman, O mal-estar da Pós-Modernidade5.

Daí a inspiração do título genérico do

meu trabalho: O mal-estar6 no ensino religioso.

Após descobrir o título genérico - “O mal-estar no ensino religioso” -, passei

a me perguntar se haveria estudos e pesquisas que me auxiliassem, pelo menos

como ponto de partida, na tarefa de investigar o mal-estar nessa disciplina.

Um ligeiro levantamento bibliográfico mostrou-me que, embora o assunto

seja debatido por vários segmentos da sociedade, há uma ausência de pesquisas

específicas sobre o tema. O que há são estudos que tratam do ensino religioso

sob outros enfoques, como sua caracterização, especificidade e natureza.

Wolfgang Gruen, no resumo técnico de seu livro, revela que o assunto vem

sendo debatido por educadores, políticos e autoridades religiosas; nem sempre,

porém, com a devida clareza no que se refere às premissas do debate. Muitos

ainda argumentam a partir de um modelo superado de ensino religioso7.

Para o autor, à escola cabe proporcionar sistematicamente ao educando

vivências, informações e reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude dinâmica

de abertura ao que constitui o sentido de sua existência em comunidade e a

encaminhar, deste modo, a organização responsável do seu projeto de vida.

Visa-se, portanto, ajudar o aluno a formular existencialmente e em profundidade o

questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente informada,

responsável, engajada8 .

João Décio Passos, no texto Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas, tece considerações sobre os desafios mútuos entre

Ciências da Religião e Ensino Religioso. O autor discute a identidade pedagógica

do ensino religioso, descarta os modelos catequéticos e teológicos e, nesse

embate, defende a relevância das Ciências da Religião e da singularidade de

aproximação dos estudos científicos sobre a religião. Ele situa no ensino religioso

5

A obra Zygmunt BAUMAN, O mal-estar da Pós-Modernidade, estabelece nexos diretos com O

mal-estar da civilização de Sigmund FREUD, no qual o autor faz uma rigorosa reflexão sobre as ansiedades modernas.

6

O sentido literal de mal-estar encontra-se no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, que o define como “um estado de inquietação, de aflição mal definida, ansiedade, insatisfação, situação embaraçosa, constrangimento”. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 1820.

7

Cf. Wolfgang GRUEN. O Ensino religioso na escola, resumo técnico.

8

(21)

a raiz da problemática epistemológica e reconhece o valor teórico, social e

pedagógico do estudo da religião para a formação do cidadão9.

Anísia de Paulo Figueiredo discorre, em sua Dissertação, sobre a

problemática dessa disciplina que dá origem a determinadas situações conflitivas,

as quais reforçam as tendências de sua exclusão. Segundo os argumentos da

pesquisadora, não se constata, na prática, que o ensino religioso seja disciplina

do sistema público de ensino assumido pelo mesmo sistema, ainda que tenha

sido excluída a expressão “sem ônus para os cofres públicos”. Com raras

exceções, o Estado tem assumido o ônus da formação continuada dos

profissionais para o exercício dessa disciplina. Em geral, transfere essa

responsabilidade às entidades religiosas interessadas que, por sua vez, detêm o

controle da situação, mas não dispõem de recursos humanos e financeiros para

isso10.

Lilian Blanck de Oliveira, no texto Curso de formação de professores, levanta uma interrogação perturbadora quanto aos profissionais da área da

Teologia, que reivindicam para si a tarefa de formar os profissionais para atuarem

no ensino religioso. Identificam-se aqui algumas limitações: por mais científicos

que sejam os estudos, pesquisas e sistematizações teológicas, eles serão

confessionais e/ou elaborados a partir de um olhar e de uma abordagem

confessional; nesse caso, não atendem na sua totalidade às perspectivas e

conteúdos que a legislação nacional requer para a docência dessa disciplina do

currículo escolar brasileiro11 .

As obras abordadas legitimam o objeto da análise em questão, uma vez

que apontam para situações de desconforto e remetem para um estudo geral e

sistemático que apresente uma radiografia desse descontentamento difuso,

mediante um levantamento amplo e metodologicamente consistente dos fatores

que provocam essa crise generalizada.

9

Cf. João Décio PASSOS. Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas. In.Luzia SENA (org) Ensino Religioso e formação docente, p.21-44.

10

Cf. Anísia de Paulo FIGUEIREDO. Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do ensino religioso nas escolas e suas relações conflitivas como disciplina ‘sui generis’, no interior do sistema público de ensino, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, p. 80.

11

Lílian Blanck de OLIVEIRA, et al. Curso de formação de professores, In: Luzia SENA (Org.),

(22)

A amplidão da problemática não permite contemplar todos os desafios. Por

isso, fiz um recorte ao título genérico, com o acréscimo de um título específico

para perceber quais os dados suficientes para se chegar à compreensão do

objeto como um todo. Neste sentido, como delimitação desta pesquisa - conforme

se depreende do próprio título e subtítulo: O mal-estar do ensino religioso: localização, contextualização e interpretação -, expresso a intenção de localizar o

mal-estar mediante uma ampla pesquisa de campo. Nesse contexto, devido à

polissemia do conceito, uso a metáfora “mal-estar” para agrupar a generalizada

crise que vem de longa data.

Para estabelecer a dimensão da crise, recorro a essa metáfora da “área

clínica”, que indica o trabalho do médico, quando um paciente se queixa de vários

distúrbios. Ele prescreve uma tomografia geral para captar os vários pontos onde

se localizam os mal-estares, depois individualiza os pontos mais graves que

precisam ser tratados e sobre eles procede o trabalho de contextualizá-los e

diagnosticá-los mediante o histórico geral do paciente. Também este trabalho

pretende seguir por caminho semelhante.

O uso dessa metáfora ilustra os caminhos do objeto: situar o mal-estar do

ensino religioso e circunscrever os vários aspectos, buscando pontos de maior

evidência que, pela radiografia geral, se apresentam como os mais graves e,

sobre eles, elaborar um trabalho de contextualização e interpretação.

Entretanto, a metáfora do doente e dos procedimentos clínicos vale apenas

em parte para o objeto de estudo.

Primeiro, porque o levantamento a ser feito pretende revelar não só a

doença ou o mal-estar. Embora seja esta a intenção principal, a localização do

mal-estar implica descobrir, também, aspectos saudáveis da disciplina e de sua

prática.

Em segundo lugar, também não é totalmente válida a metáfora, pois não se

pretende oferecer receitas ou tratamentos para os vários sintomas de desconforto

que aparecem ao longo da pesquisa.

Seguindo a metodologia adotada, em um primeiro momento farei o

levantamento geral dos sintomas e, ao lado deles, da parte saudável, ou dos

pontos positivos. No final, o panorama geral será afunilado para apontar apenas

(23)

estes, aliás sobre dois deles, proceder-se-á a uma contextualização e

interpretação.

Definido o objeto e seus limites, várias indagações despontam:

Qual seria o elemento, ou elementos que acarretam essa crise

generalizada? Em que situações da prática do ensino religioso é possível localizar

indícios de mal-estar? Quais as situações em que ele aparece com maior

incidência? Quais seriam as causas e o sentido destas situações que polarizam

as contradições e as queixas quando se trata do ensino religioso?

Ao tentar responder aos problemas levantados pelo tema escolhido como

objeto de estudo, a primeira hipótese converge para a existência de um mal-estar

generalizado. Porem, além dos aspectos negativos, acredita-se que seria possível

encontrar pontos saudáveis.

A segunda hipótese é a de que haveria situações no ensino religioso que

apresentam uma incidência maior de problemas e contradições. Esses pontos de

agravamento seriam decorrências da situação mais ampla da conjuntura histórica,

social e cultural dialética ou conflitiva da sociedade brasileira, na qual se insere o

ensino religioso e a legislação que o rege.

Tais hipóteses realmente acenam para a existência de problemas que

cercam o ensino religioso. A regulamentação constitucional provocou uma

celeuma entre duas correntes antagônicas: a que admite o ensino religioso como

elemento integrante do sistema escolar, e a que lhe recusa tal condição. Em

ambas existem ambigüidades

O olhar contextual e analítico deste trabalho passa pelo caminho teórico da

concepção dialética da história, da sociedade e das instituições.

Segundo a visão gramsciana, expressa principalmente nos Cadernos do Cárcere, a humanidade progride por sucessões de blocos históricos12, iniciando

12

(24)

por aqueles que, no Ocidente, constituíram as sociedades anteriores à civilização

greco-romana. Em seguida, houve a dominação econômica, política e cultural do

sistema greco-helenístico, sucedido pelo bloco histórico romano, que perdurou até

a Idade Média.

A Idade Média foi suplantada pelo bloco burguês ou capitalista, que

predomina até hoje. Dentro deste último, surgiram rebeliões e contestações que

chegaram até a erigir alternativas constituídas pelas sociedades comunistas.

No âmbito desses grandes blocos surgem blocos regionais com suas

peculiaridades sem, entretanto, romper a hegemonia do poder dominante. Por

exemplo, no seu tempo, Gramsci apontava, na Itália, a existência de dois grandes

blocos, o Meridional, pobre e subdesenvolvido, e o Setentrional, rico e

desenvolvido. Nesse bloco, exerce o poder a classe que domina a estrutura

econômica.

Atualmente, após a queda do comunismo, o Ocidente está sob o poder

econômico, político e cultural do capitalismo neo-liberal, de caráter nitidamente

mercadológico e globalizado.

O bloco histórico burguês capitalista é constituído, segundo Gramsci, pela

sociedade civil e pela sociedade política. No campo civil estão as instituições

econômicas governamentais e culturais. O campo político é constituído pelo poder

coercitivo, que garante a unidade do bloco histórico. O cimento da sociedade civil

é a ideologia ou a visão de mundo burguesa ou capitalista, sustentada pelas

instituições culturais, cujos órgãos principais são os meios de comunicação, as

instituições escolares e a Igreja ou o poder religioso.

Todas essas instituições têm a função de abrigar, consolidar, conservar e

transmitir a visão de mundo ou a ideologia que garante o consenso e a submissão

das classes subalternas. Enquanto perdura a consensualidade, a classe

dominante mantém a hegemonia econômica, cultural e política.

Entretanto, no quadro consensual, há constantes, reiterados e duros

conflitos entre dominantes e subalternos. O conflito penetra também o âmago da

classe dominante. Muitas vezes são os intelectuais que ameaçam romper. Outras

vezes é o poder religioso que busca contestar o poder do Estado burguês e luta

por independência e até pela supremacia, como ocorreu na Idade Média.

Para evitar as rupturas, o poder dominante burguês recorre a alianças,

(25)

adquirem um status privilegiado e, o poder religioso, por meio de alianças e concordatas, é contemplado com isenções, subsídios ou favorecimentos. Assim

se mantém a estrutura de poder.

No entanto, sob a superfície consensual persistem conflitos e mal-estares

nem sempre resolvidos, em razão de que o subalterno não é mero objeto de

consenso e submissão. Ele tem sua cultura e seus meios de ação que lhe são

peculiares. Não é simples negatividade. Ele chega muitas vezes a interagir e até a

contagiar aquele que exerce o poder hegemônico. Acordados com essa reflexão,

nos apoiamos na concepção gramsciana da história e da sociedade como

referencial para analisar o ensino religioso no Brasil13.

No primeiro capítulo da presente tese, ele aparece integrando uma das

atividades essenciais da Igreja Católica, a catequese ou evangelização do índio e

do negro, conseqüência da aliança entre o catolicismo e o governo português.

Apesar de integrada no poder colonial, a catequese reflete um dos

aspectos da dialética da colonização, assinalada por Alfredo Bosi em Dialética da Colonização. A ação catequética encerra um agudo conflito entre o missionário e

o colonizador, caracterizado pelo desconforto e o mal-estar que a evangelização

provoca em ambos os envolvidos nesse processo: missionário e evangelizado.

No bloco histórico do Império, que sucede ao Colonial, o conflito e o

mal-estar persistem, pois a religião pactua com a negação da cultura do índio e do

negro. Este último assume, então, formas de resistência, criando a religiosidade

afro-brasileira.

O catolicismo romanizado cria obstáculos à cultura religiosa popular e

busca implantar os modelos de cultos vindos da Europa. Esses conflitos são

analisados com muita propriedade por Pedro A. Ribeiro de Oliveira, em Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no

Brasil.

O ensino religioso, sob a forma de catequese e evangelização, no âmbito

do Bloco Histórico Imperial, vai criando impasses e desconfortos que são os

preâmbulos dos impasses da atualidade.

13

Como fonte para esta síntese do pensamento gramsciano usamos as obras de Gramsci:

(26)

Findo o Império e proclamada a República, o Estado se declara laico. No

Bloco Histórico Republicano rompe-se o pacto com a Igreja Católica. O ensino

religioso, nessa nova conjuntura, passa por várias vicissitudes e crises, que

desembocam nas insatisfações com repercussões no momento presente.

As crises do ensino religioso no Bloco Colonial e Imperial serão apontadas

no capítulo primeiro.

O amplo panorama de mal-estar na atualidade e sua localização é objeto

do segundo capítulo.

Já o capítulo terceiro lançará um olhar analítico sobre dois pontos de

desassossego que incidem sobre o ensino religioso.

A análise da crise generalizada que aflige o ensino religioso na atualidade

exige um conjunto de recortes em razão de sua complexidade, polemicidade,

amplidão e importância. Neste sentido, na pesquisa de campo foram usados

quatro procedimentos metodológicos, a saber: entrevista semi-estruturada,

questionário fechado, questionário misto e questionário aberto, aplicados em seis

momentos. Essa dinâmica serviu de recorte à realidade empírica a ser estudada.

A entrevista semi-estruturada14, (Anexo Nº 01) foi utilizada como primeiro

procedimento no trabalho de campo. O fato de ter sido realizada uma entrevista

individual com perguntas abertas nos permitiu levantar dados, referente ao

desassossego do ensino religioso na atualidade.

No decorrer da entrevista, buscamos identificar pontos chaves do ensino

religioso que interessam ao nosso tema. As entrevistas foram gravadas e

posteriormente transcritas.

Sua forma de realização foi individual, todavia, nela podemos encontrar o

reflexo da dimensão coletiva. Os informantes abordaram livremente o tema

proposto, guiados por perguntas previamente formuladas para servir como ponto

14

(27)

de apoio e roteiro. Assim, partimos de um questionário previamente formulado15 ,

com perguntas que permitissem ao entrevistado responder livremente sobre o

tema proposto. Os respondentes foram informados antecipadamente da finalidade

da pesquisa e das possíveis repercussões do processo investigativo. As

informações que procuramos obter estão inseridas num jogo progressivo, em que

cada momento é uma conquista pela possibilidade de extrapolar ao que foi

perguntado.

O envolvimento compreensivo permitiu criar laços de amizade, bem como

compromisso de retorno dos resultados alcançados, e a possibilidade de novos

diálogos. Essa forma de articulação propiciou amplo campo de dados e de

informações.

No início da entrevista, o informante foi comunicado da temática da

pesquisa e do dispositivo legal que orienta o ensino religioso, mediante

apresentação da Lei Nº 9.394/96, com a nova redação do art. 33 (LDB nº

9.475/97).

A pesquisa em forma de entrevista foi realizada com três professores que

exercem, no cotidiano, a dinâmica de interação com a disciplina de ensino

religioso, portanto, profissionais da área de ensino religioso que atuam no ensino

fundamental de escolas públicas.

A limitação em apenas três informantes se deu não só pela extensão dos

depoimentos mas, sobretudo, pelo trabalho dos entrevistados, profissionais que

15

(28)

atuam em situações específicas, o que nos permitiu obter informações das

diversas realidades.

Um dos participantes é profissional habilitado, efetivado na função com

carga horária de 30 horas aula, residente numa cidade de médio porte, com

possibilidade de aprimoramento profissional.

O segundo, é professor com formação voltada para o ensino religioso

(Ciências da Religião) e pós-graduação nessa área. É efetivo no Estado e atua

em três escolas de diferentes realidades.

O último participante, um profissional não habilitado, atua como contratado

em duas escolas de pequeno porte.

Os entrevistados exigiram o anonimato, por isso, os nomes citados no

corpo desta tese são pseudônimos.

As entrevistas foram realizadas nas próprias residências dos informantes,

fazendo com que eles, em seu ambiente doméstico, tivessem a tranqüilidade para

expressar suas idéias, menos preocupados com o tempo e mais disponíveis para

o diálogo. Elas giraram em torno de uma questão geral: “Como você vê o Ensino

Religioso?”. Essa questão foi desdobrada em onze perguntas específicas, no

intuito de focalizar um conjunto de campos significativos de mal-estares que

permeiam o ensino religioso na atualidade.

Realizadas em outubro de 2004, as entrevistas forneceram dados que

serviram para aprofundar, posteriormente, os pontos levantados através de outras

técnicas de coleta, como questionário fechado, questionário misto e questionário

aberto. Foi utilizada a técnica de gravação que, ao meu entender, captaria de

forma mais fiel o andamento das entrevistas, adentrando não só no universo da

experiência do ensino religioso no cotidiano, mas em emoções e ressentimentos.

As entrevistas se revestiram de características especiais, pois trabalhar

com ensino religioso significa trabalhar com algo relativo a seres humanos e com

eles mesmos em seu próprio processo de trabalho e de vida.

As entrevistas foram transcritas e registradas em fichário, com perguntas

numeradas de um a onze, com páginas seqüenciadas, sendo que a cada um dos

entrevistados foi destinado um fichário particular.

Dada a complexidade do tema, foi necessário o uso de outros instrumentos

(29)

mais informações através do questionário fechado16

, aplicado em vários

momentos à pessoas de diferentes segmentos da sociedade, todas vinculadas à

área de ensino religioso: pais, diretores de escola e alunos do curso fundamental.

A garimpagem para detectar esse mal-estar exigiu uma abordagem em sua

multidimensionalidade que englobou a legislação, o posicionamento das

instituições de ensino frente às orientações legais, os conteúdos programáticos, a

grade curricular, os recursos pedagógicos, a valorização do docente, o salário, a

formação específica, a carga horária, o material de suporte pedagógico

específico, o plano político-pedagógico, os objetivos que respondem à diversidade

do ensino religioso e a disponibilidade de professores com formação específica

em Ciências da Religião.

Como encaminhamentos práticos, foram elaborados três questionários

específicos, sendo um para os pais de alunos com duas questões (Anexo Nº 02),

um questionário para diretores de escolas estaduais com quatro questões (Anexo

Nº 03) e um questionário para estudantes do ensino fundamental com quatro

questões (Anexo Nº 04).

Com esses instrumentos, buscamos ampliar nossa percepção na

localização dos problemas que provocam crise no ensino religioso, tendo

presentes as informações obtidas nas entrevistas. A metodologia adotada para a

coleta de dados nesse novo procedimento é a quantitativa. Trata-se,

evidentemente, de uma quantificação imperfeita17

, uma amostragem parcial, em

um segmento constituído por vinte e três (23) pais de alunos do curso

fundamental, trinta (30) diretores de escolas estaduais e cinqüenta e dois (52)

alunos do curso fundamental das escolas estaduais, estes com idade entre 11 e

13 anos.

Essa forma de investigar teve por objetivo ampliar os dados, suscitando

novas questões e novas informações. Essa dinâmica investigativa foi realizada na

primeira quinzena de dezembro de 2004.

16

O questionário fechado possibilita obter respostas padronizadas. São apresentadas ao entrevistado um conjunto de alternativas para que o mesmo escolha o que melhor representa a sua situação ou ponto de vista. Emília P CUNHA, et al. Metodologias de investigação em educação, http:// www.jcpaiva.net/getfile. Acesso em 11/03/08.

17

(30)

Constatamos que os dados obtidos nos instrumentos de sondagem

anteriores não eram suficientes para estabelecermos conclusões e, em

decorrência disso, a complexidade do tema exigiu melhor aprofundamento do

objeto de pesquisa.

Retornamos, pois, à fase de coleta de dados para adicionar mais

informações. O referido questionário, no entanto, não foi suficiente para detectar o

desassossego no ensino religioso.

Para obter mais informações, aplicamos um questionário misto18 (Anexo Nº 05) com respostas abertas e fechadas, a professores de ensino religioso de

quinze Estados do Brasil, por ocasião do 3º Congresso Nacional de Ensino

Religioso – CONERE; 13ª Sessão do Fórum Nacional Permanente de Ensino

Religioso – FONAPER; 3º Seminário Catarinense de Ensino Religioso, e 1º

Seminário de Ensino Religioso das Escolas Confessionais de Santa Catarina. O

referido questionário foi aplicado durante os citados eventos, realizados em

Florianópolis, Santa Catarina, no período de 03 a 05 de novembro de 2005.

As entrevistas referidas acima foram realizadas com cinqüenta e seis (56)

professores de diversas regiões brasileiras, mais especificamente dos Estados do

Rio Grande do Sul, Amapá, Pará, Maranhão, Paraná, Paraíba, Ceará, São Paulo,

Santa Catarina, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro

e Espírito Santo.

Para justificar o número de cinqüenta e seis (56) professores, nos

apoiamos em Ijaille19

e Pinheiros20

, que entendem ser este um número ideal para

se obter uma amostragem confiável.

18

O questionário misto se apresentou ao entrevistado com questões do tipo resposta aberta e resposta fechada. Emília P CUNHA, et al Metodologias de investigação em educação, http://

www.jcpaiva.net/getfile. Acesso em 11/03/08.

19

Sergio Luiz Alessi IJAILLE é pós graduado em Engenharia Econômica e Mestre em Desenvolvimento Organizacional.

20

(31)

O instrumento de pesquisa, questionário misto, com questões objetivas e

uma subjetiva, foi aplicado a professores de ensino religioso em âmbito nacional,

por entendermos que o atual mal-estar do ensino religioso é uma problemática de

raiz e, portanto, envolve toda a Nação.

Após olhar atentamente para os dados obtidos nos cinco momentos da

pesquisa, julgamos conveniente buscar maior certeza quanto aos resultados

coletados anteriormente.

Devido às dissensões apresentadas nas respostas dos vários instrumentos

de pesquisa, buscamos em um questionário aberto21, (Anexo Nº 0 6) um complemento ao nosso trabalho exploratório, com uma sondagem com sete (7)

profissionais especializados em Ciências da Religião, docentes efetivos na área

de ensino religioso da rede estadual de Santa Catarina. Essa pesquisa foi

realizada no mês de maio de 2006.

O referido instrumento de pesquisa, mesmo que em pequenos lampejos,

permitiu detectar uma gama de situações que provocam desassossego no ensino

religioso no cotidiano da sala de aula e da disciplina.

A compreensão desse espaço de pesquisa não se resolve apenas por meio

de um domínio técnico. É indispensável uma base teórica para podermos olhar os

dados dentro de um quadro de referência que nos permita ir além do que nos está

sendo mostrado.

Portanto, outra forma investigativa adotada para a nossa pesquisa básica

foi a bibliográfica, que nos permitiu articular conceitos e nos colocar em contato

com autores envolvidos em seus horizontes de interesse. Nessa perspectiva, para

compor o quadro teórico, isto é, a visão dialética da história e da sociedade, foram

usados como fonte bibliográfica primária os textos de Gramsci, publicados nos Cadernos do Cárcere, e os trabalhos de estudiosos do pensamento gramsciano,

como Hugues Portelli, em Gramsci e o Bloco Histórico e Gramsci e a Questão Religiosa.

Na análise dos conflitos e do mal-estar que envolveu o Ensino Religioso no

Bloco Histórico Colonial, Imperial e Republicano, foram utilizadas obras de

21

(32)

autores que têm uma visão dialética da história. Nossa ênfase maior foi para os

textos de Bosi (1994); Azzi (1987 e 1977); Pedro A. Ribeiro de Oliveira (1985);

Sérgio Buarque de Holanda (1972); Thomas E. Skidmore (1998); Enio J. Costa

Brito (2007); Mary Del Priore (2004); Florestan Fernandes (1960); Maria Helena

Capelato (1980); Pedro Calmon (1937); Vera M. Peroni (2003) e Antonio Joaquim

Severino (1986).

As análises do mal-estar referentes à legislação sobre o Ensino Religioso

tiveram como norte as obras de autores que focalizam a nossa legislação em

geral e a que regula o Ensino Religioso sob o prisma dialético, a exemplo de

Carlos Jamil Cury (2000); Francisco Cordão (2006); Pedro Demo (2004);

Dermerval Saviani (2004); Anísia de Paula Figueiredo (1999), entre outros.

A análise do mal-estar referente à formação do professor de ensino

Religioso recorreu a autores que interpretam a educação também sob o prisma

dialético, tais como: Paulo Freire (1996); José J. Queiroz (2006a); Wolfgang

Gruen (1995); João Décio Passos (2006); MauriceTardif (2002); Enio José da

Costa Brito (2005); José M Esteve (1999); Francisco Ibernon (2000) e Moacir

Gadotti (2001). Também nos reportamos ao referencial da complexidade de

Edgar Morin, em seu trabalho. Educação e a complexidade do ser e do saber (2002).

Tais procedimentos elucidaram, na questão analisada, pontos críticos do

ensino religioso, dois dos quais constituíram a temática do capitulo terceiro desta

tese. Permanecem como incógnita outros pontos críticos revelados na pesquisa

de campo e que entram em cena também no período analisado, o que constitui

elementos de análise para estudos posteriores.

O presente estudo se articula em três capítulos. No Capítulo I – O Ensino Religioso no Bloco Histórico Colonial, Imperial e Republicano: a gênese de uma crise histórica, nossa pretensão foi a de elaborar uma retrospectiva histórica da

ação evangelizadora e catequética do período Colonial e do regime Imperial que

nos permitisse buscar o início do fio condutor da problemática de hoje.

Esse capítulo tem por objetivo fazer uma retrospectiva histórica das

situações que desencadearam o mal-estar do Ensino Religioso como disciplina

curricular das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.

(33)

panorama dos pontos de conflito e desconforto que cercam o Ensino Religioso na

atualidade. Ao final do capítulo há uma aglutinação dos pontos nevrálgicos que

constituem o mal-estar no ensino religioso.

Como o objeto desta pesquisa é indicar os pontos de conflito que incidem

sobre o ensino religioso, não fixamos nosso olhar nos dados positivos. Para efeito

de análise e discussão, selecionamos dois pontos de mal-estar que apareceram

com mais freqüência nas entrevistas e nos questionários, pois essa incidência, ao

nosso ver, indica que eles constituem os pontos mais graves que afetam a saúde

da referida disciplina.

No Capítulo III – A legislação sobre o ensino religioso e a formação dos professores: dois tópicos nevrálgicos que constituem o mal-estar, começamos assinalando o percurso do ensino religioso nas sucessivas leis brasileiras e a

forma como esses regulamentos jurídicos possibilitaram sua configuração como

disciplina curricular a ser seguida pela totalidade da Nação. Em seguida

focalizamos as luzes e as sombras que envolvem a atual legislação federal sobre

o ensino religioso. Finalizamos o capítulo com a análise da formação do professor

indicada na pesquisa como causa das insatisfações que permeiam o ensino

(34)

CAPÍTULO I - O ENSINO RELIGIOSO NO BLOCO HISTÓRICO COLONIAL, IMPERIAL E REPUBLICANO: a gênese de uma crise histórica.

Antes de indicarmos, no segundo capítulo, o grande panorama dos pontos

de conflito e desconforto que cercam o ensino religioso na atualidade,

pretendemos elaborar uma retrospectiva histórica, que permita buscar o início do

fio condutor da problemática atual, na ação evangelizadora e catequética do

período Colonial e do regime Imperial.

O presente capítulo tem por objetivo detectar os primórdios históricos que

desencadearam a crise do mal-estar do ensino religioso como disciplina curricular

das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.

No contexto atual, é sabido e patente que o ensino religioso é uma questão

de profundo teor polêmico, que o próprio senso comum dos envolvidos nessa

área constata por diferentes ângulos. Essa pluralidade conflitiva repercute no

cotidiano da escola, no professor da disciplina e nos alunos, inviabilizando um

bom desempenho do ensino religioso em instituições educacionais.

Antes de iniciarmos nosso trabalho, cabe lembrar alguns fatos que o

procederam. Ao pensarmos no plano geral da pesquisa, nos deparamos com

duas possibilidades. A primeira, era começar pela situação de desconforto do

ensino religioso na atualidade para, em um segundo momento, perguntarmos

pelas matrizes históricas do diagnóstico. A segunda, iniciar com o histórico que

gerou a situação de mal-estar atual, quando se trata do ensino religioso nas

escolas.

Optamos por iniciar pelas raízes históricas consoante à nossa posição

teórica pela qual as manifestações do conhecimento, da cultura, das relações

educacionais têm seu fundamento no ser social e este é radicalmente histórico.

É a história do social que envolve as relações entre Igreja e Estado no

Brasil e constitui a base para se compreender as relações educacionais conflitivas

que envolvem o ensino religioso na atualidade.

Iniciar pelas raízes históricas é uma decorrência de nossa posição

preliminar de analisar os fatos pela categoria gramsciana de “blocos históricos”22.

22

(35)

Analisaremos essa retrospectiva lançando um olhar para a Colônia, o Império e a

República, compreendidos como três grandes Blocos Históricos nos quais Estado

e Igreja ora são parceiros ora entram em conflito na trama constituída pela luta

ideológica e pelos embates em busca da hegemonia.

Neste sentido, veremos, sob a ótica gramsciana, que os jesuítas, no

processo da colonização brasileira, detentores do conhecimento e da educação,

atuavam como intelectuais orgânicos do Estado, não obstante alguns conflitos e

contradições. De certa forma, ministrando o monopólio ideológico23, a religião,

agia como força social e política e asseguravam a hegemonia do poder colonial.

Encaminhar a reflexão a partir de uma retrospectiva histórica é, sem

dúvida, relevante para se entender a radiografia da complexa realidade atual do

ensino religioso, pois ela se apresenta em um imaginário prático constituído

desde a Colônia e que foi assumindo perspectivas diferentes ao longo da história,

mas mantendo as mesmas correlações de força atuantes em suas origens.

Na memória histórica da catequese jesuítica do período colonial do Brasil,

buscamos a matéria-prima do processo ideológico que nos serve de indicativo

dos principais elementos que nos permitem aproximar da problemática pela qual

passa o ensino religioso nos dias atuais.

Ao longo da história, este ensino recebeu atenção especial de pensadores

renomados em razão da complexidade24

que o cerca, característica das

incertezas em torno de sua identidade conceitual e epistemológica.

Essa realidade complexa já se reflete na dialética25

e, ao mesmo tempo, na

dialogia26

entre os subalternos (índios e negros) da Colônia e do Império e o poder

dominante mediado pela prática evangelizadora e catequética da Igreja Católica.

23

Gramsci concebe a ideologia enquanto "uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, nas atividades econômicas e em todas as manifestações da vida intelectual e coletiva". Antonio GRAMSCI. A concepção dialética da História, p. 16.

24

O termo complexidade aqui não é usado no sentido comum de “complicado”. O complexo, em oposição ao linear significa que as realidades devem ser encaradas não mais como portadoras de certezas absolutas, pois não mais se definem pelo pensamento disjuntivo. Não são isto ou aquilo, mas congregam em si o todo nas partes e as partes no todo, o que implica uma dialética (os conflitos) e ao mesmo tempo uma dialogia (acordos, pactos e ações comuns) Cf. Cleide ALMEIDA e Izabel PETRAGLIA (org), Estudos de complexidade, p.16.

25

Por dialética aqui entendemos a concepção que a este conceito atribui Gramsci, como já foi estabelecido na introdução, no item relativo ao suporte teórico da pesquisa.

26

(36)

As partes envolvidas nessa trama refletem tanto o confronto quanto o

encontro de culturas diferentes que constituíram uma das experiências mais

marcantes da humanidade, a descoberta e a colonização do Novo Mundo. Tanto

o europeu quanto os nativos, os negros e a Igreja saíram profundamente

modificados desses encontros e desencontros.

O mundo europeu trazia às terras brasileiras um desejo de busca, de

conquista e colonização. Frente à cultura do nativo e, mais tarde, do negro, o

velho mundo atuou segundo as concepções da própria cultura. Isto produziu a

ambivalência da realidade sincrética que se desenvolveu no novo solo,

surpreendentemente diferente da cultura européia.

Ser índio, negro, branco, ou de qualquer outra raça, determinava as

oportunidades sociais no país. Esta constelação étnico-cultural se configurava,

muitas vezes, como fronteira de dominação e exclusão. Mas a supremacia do

branco, do estado burguês e da elite racista, que se perpetuava no poder desde a

invasão colonial, nunca foi total e absoluta, pois, nos três blocos históricos, o

dominado sempre conquistou espaços e fez valer sua cultura27 .

É interessante observar que as produções sobre as fontes do século XVI,

sobretudo quando tratam de analisar as relações entre índios e brancos,

expressam-se, na maioria das vezes, de modo a enfatizar o "espanto" dos

europeus com os índios, buscando acentuar e construir uma dualidade radical

entre estes povos, como se fosse este valor que inaugurasse estas relações.

A "animalização" e a "demonização” dos índios pelos portugueses foi uma

tentativa de afirmar o ego europeu, isto é, hierarquizar as diferenças, impondo sua

cultura e ideologia.

Podemos afirmar que as fronteiras étnicas-culturais não são naturais nem

fatais, mas historicamente construídas a partir de interesses econômicos, culturais

e ideológicos. Nesse contexto, o índio28 e o negro eram colocados no papel de

destinatários, ou seja, manipulados, para acreditarem nas crenças e assumirem

PETRAGLIA, Sete idéias norteadoras da relação educação e complexidade. In: ALMEIDA e ETRAGLIA ( Org.) Estudos da complexidade. p. 29.

27

Cf. Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 36.

28

O termo índio nasceu de um engano histórico: ao desembarcar na América, o navegador Cristóvão Colombo chamou seus habitantes de índios, pois pensava ter chegado às Índias. Outras designações para o habitante da América pré-colombiana: aborígine, ameríndio, autóctone, brasilíndio, gentio, íncola, “negro da terra”, nativo, bugre, silvícola, etc. O termo índio designa quem habitava e ainda habita as terras que receberiam o nome de América.

. Acesso 22/10/06.

(37)

os “valores” impostos pelos colonizadores, pela força das armas e pela catequese

realizada pelos religiosos, estes últimos, com a missão de divulgar a verdade

absoluta, e portanto, não aceitavam coexistir com outras verdades.

A fé significava a aceitação da ordem instituída por Deus. Isso permite

pensar que a catequese foi muito importante para a dominação dos índios e para

a ocupação das terras pelos portugueses. Essa complexidade, ao mesmo tempo

que condena o índio “sem rosto” à exploração e dominação, exige realizar uma

crítica à cultura hegemônica.

Nessa perspectiva, consideramos um dos autores que forneceu elementos

mais adequados para a compreensão deste desassossego, Antonio Gramsci. Ele

nos possibilita compreender como se teciam as tramas dessas relações sociais,

tendo em vista a catequese preponderantemente hegemônica dos jesuítas.

Dentro dessa realidade, Gramsci distingue a função repressiva inerente a

toda organização e a função ideológica que consiste na visão de mundo dos

dominantes e dos dominados. Referindo-se à Igreja como aparelho ideológico,

Gramsci argumenta que ela detém um poder político no próprio interior da

organização civil que, em certas épocas, alcança um verdadeiro monopólio

ideológico.29. Assim aconteceu na Idade Média cristã e no Bloco Colonial

brasileiro. Já no Bloco Imperial e Republicano, entra em crise o monopólio

ideológico da Igreja pela irrupção da ideologia liberal e laica.

Na análise gramsciana, a Igreja (os influentes religiosos) figura como

agente no processo hegemônico. Seus conceitos são chaves de compreensão da

trajetória da Igreja, no que diz respeito a sua inserção social e também suas lutas

pela hegemonia. Gramsci realizou valiosos estudos sobre essa questão,

especialmente sobre o papel e a função orgânica dos Jesuítas. Suas elaborações

teóricas são importantes instrumentos para compreender o processo hegemônico

colonial, no qual a religião assumiu o papel de identidade social.

Nessa análise, os estudos de Raimundo Campos, referentes ao período

colonial, acrescentam uma visão contextualizada. Segundo o autor:

29

(38)

Nessa época, viver fora do contexto de uma religião parecia impossível, pois a religião era uma forma de identidade, de inserção num grupo social, numa irmandade ou confraria, ou até mesmo no mundo. Por isso, a colonização dos povos indígenas não se deu apenas porque o nativo era força de trabalho a ser explorada, mas também, os índios, segundo parecer do colonizador, “não tinham conhecimento algum de seu Criador, nem das coisas do Céu”30.

Esta mentalidade foi essencial para caracterizar a presença da Igreja como

ideologia religiosa. Não foi retórica a afirmação de D. João III, ao escrever a Mem

de Sá: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que se convertesse a

nossa fé católica”31

. Esta postura trouxe sérios mal-estares para os nativos

obrigados a se submeterem à imposição colonizadora.

Esse conjunto de situações apresenta justificativas de ordem histórica,

cultural e ideológica que perduram na atualidade, como constata-se também na

pesquisa de Campos, embora com conotações diferentes, conforme a mudança

dos conflitos. As implicâncias dessa ideologia repercutem como se tivessem

criado um certo “inconsciente coletivo”.

O Segundo Capítulo deste estudo desenha a realidade no ensino religioso

atualmente. Essa realidade nos faz acreditar que as crises do ensino religioso

contemporâneo não são naturais nem factuais; são historicamente construídas já

na catequese dos Jesuítas, que não significou apenas uma questão de autoridade

religiosa, mas um exercício de poder ideológico, o poder hegemônico da ideologia

católica.

Embora, na atualidade, o poder hegemônico da ideologia católica não mais

se impunha, o ensino religioso, como veremos, ainda é um palco que reflete o

embate entre a hegemonia religiosa da Igreja e a “heresia” introduzida pelo

laicismo.

A cultura colonizadora, autodefinida como superior, longe de assimilar a

contribuição dos indígenas e dos africanos escravizados, não só os espoliou do

potencial de sabedoria, como em parte, relegou sua cultura. Conhecer essa

história pode nos ajudar a encontrar o fio condutor do emaranhado desassossego

do ensino religioso na atualidade.

30

Raimundo CAMPOS, História do Brasil, p. 43.

31

(39)

1.1 - O pacto entre Igreja e Estado, no Bloco Histórico Colonial e Imperial.

No período do descobrimento do Brasil vigorava em Portugal uma estreita

união entre Igreja e Estado, caracterizada pelo regime de padroado32. Essa

ligação rendeu ao Estado português uma série de concessões e licenças que

acabaram por fortalecê-lo e moldar a mentalidade através da qual se fez a

catequese no Brasil.

Pedro A. R. de Oliveira, em seus estudos sobre o Catolicismo no Estado senhorial, argumenta que a união entre Igreja e Estado permite que o aparelho eclesiástico exerça o papel de órgão público na organização da sociedade civil,

conferindo aos indivíduos o reconhecimento social de seu estado civil mediante o

batismo, o matrimônio e o funeral religioso. Nesse contexto, entende-se que a

religião atravessa toda a existência social do indivíduo33

. Estes postulados foram

polemizados no Bloco Histórico Republicano, como lembra Oscar Lustosa, em

seus estudos sobre a Igreja católica nesse período34 .

32

Para MOURA, o padroado é a outorga, pela Igreja de Roma, de certo grau de controle sobre a Igreja local, ou nacional, a um administrador civil, em apreço por seu zelo, dedicação e esforços para difundir a religião, e como estímulo para futuras “boas obras”. Laércio Dias de MOURA,

Educação católica no Brasil, p.57.

Segundo Hugo FRAGOSO a palavra padroado, geralmente, significa direito de protetor, adquirido por quem fundou ou dotou uma igreja. Direito de conferir benefícios eclesiásticos. Nos textos historiográficos, o termo Padroado se refere aos direitos concedidos à Coroa Portuguesa pela Igreja Católica nos territórios de domínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A partir de então, no Reino Português, o Rei passou a ser também o patrono e protetor da Igreja, com as seguintes obrigações e deveres: a) Zelar pelas Leis da Igreja; b) Enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; c) Sustentar a Igreja nestas terras. O Rei tinha também direitos do Padroado, que eram: a) Arrecadar dízimos (poder econômico); b) Apresentar os candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um poder político muito grande, pois, nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele. Hugo FRAGOSO, A Igreja na formação do Estado liberal. In: José Oscar BEOZZO, (org.). História da Igreja no Brasil,

Tomo 2, p. 185.

33

Pedro A. Ribeiro de OLIVEIRA, A Religião e Dominação de classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil, passim.

34

Imagem

Figura 1 – O ensino religioso na escola.
Figura 2 – A influência do ensino religioso na família.
Figura 3 – Aspectos positivos e negativos do ensino religioso   na escola.
Figura 4 – Conteúdos discutidos nas aulas de ensino religioso.
+7

Referências

Documentos relacionados

Não é admissível que qualquer material elétrico não tenha este tipo de verificação, ainda mais se tratando de um produto para uso residencial... DI SJ UN TO RE S RE SI DE NC IA

Atendendo a que decorreram entretanto sensivelmente 6 meses desde a entrada em funções do novo Governo, o qual tem já de resto um Orçamento de Estado aprovado e em

• Classificação geral das aves (ecologia, hábitos alimentares, migração, comportamento, ossos) Da antiguidade clássica ao Renascimento.. Racionalidade empírica

Ferdinand de Saussure e as Normas terminológicas com o intuito de expor a importância da intersecção destas “disciplinas” para o sub-domínio da Ciência da Informação

Queiroz, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Oscar Calavia Sáez, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Renato Amado Peixoto, Universidade Federal do

Por meio dos resultados apresentados na Tabela 5, percebe-se que na sua predominância, as empresas analisadas nesta pesquisa obtiveram maior incidência na mudança de política, das 113

Queiroz, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Oscar Calavia Sáez, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Renato Amado Peixoto, Universidade Federal do

À Professora Leila Barbara, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), que tem compartilhado conosco seu vasto conhecimento e sua experiência com a pesquisa e