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Dança Pós-Moderna Americana

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Academic year: 2022

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Dança Pós-Moderna Americana

Os pós-modernos americanos: “Dizer não importa o quê, se exprimir fora do código”1-2

(retirado do livro de Michèle Febvre “Danse Contemporaine et Théâtralité”, Paris: Editions Chiron, 1995.)

Os anos 60 e 70: Nova Iorque, Judson Church, Grand Union, lugares e um movimento (aquele que se move). Incontornável período durante o qual vão se dedicar a redefinir a dança os coreógrafos mais marcantes dessa geração: Yvonne Rainer, Steve Paxton, Trisha Brown, David Gordon, Deborah Hay e tantos outros.

As conquistas de Cunningham concernentes ao espaço não serão apagadas nem a autonomia da dança, nem tampouco a sua relação com a música e com o tempo: esse ensinamento é algo sobre o qual se opor e se basear, mas nos manteremos longe de sua virtuosidade sentida como herança aristocrática. Não devemos nos esquecer também que a “modern dance” continua bastante presente na cena nova-iorquina e que a nova geração de criadores dessa “post-modern dance” não se reconhece em absoluto nessas danças dramatizadas, mas sim muito mais nas propostas da comunidade artística das artes visuais, do teatro, do cinema e da música, que se reúne em torno de projetos multimídia ou formula novas estratégias de composição (já anunciadas nos anos 50), estratégias que contrariam a linearidade, a continuidade, a representação, a figuração, em favor de estruturas sem lógica, da simultaneidade, da justaposição e da repetição.

São postos em questão a permanência do objeto de arte, o “savoir faire” (saber-fazer) do artista assim como a especificidade de cada área.

O início da estética da negação na dança3, afirmada por Yvonne Rainer em seu célebre manifesto do “Não”, o qual engloba em sua negação o todo da dança e do espetáculo do passado: “Não ao espetáculo, não à virtuose, não às transformações e à mágica e ao faz- de-conta, não ao glamour e à transcendência da imagem da estrela, não ao heróico, não ao anti-heróico, não ao imaginário trash, não ao envolvimento do performer ou do espectador, ao estilo, não ao exagero, não à sedução do espectador pelos desejos do ator, não à extravagância, não à emoção provocada ou sentida”.4

Fazer tabula rasa, recomeçar do zero: O que é dança, o que é um corpo? O espaço? O tempo? Quem dança? Onde dança? Para quem?

As produções desse período não serão homogêneas, é certo, mas elas terão em comum o desejo de desconstruir os códigos da dança e do espetáculo, de se distanciar de todas as tradições, de repensar o corpo que dança da concepção elitista, quer dizer, corpo reservado ao povo eleito dos dançarinos, garantidores e portadores do Ideal instituído.

1 Em referência irônica a Pierre Legendre que afirma que toda dança constrói sempre um corpo legal conforme à lei e que “ninguém saberia dizer o que quer que fosse, nem se expressar fora do código”. La passion d’être un autre, op.

cit., pág. 83.

2 Para este assunto eu me refiro à reedição do livro de Sally Banes, Terpsichore in Sneakers, Middletown, Connecticut, Wesleyan University Press, 1987.

3 The Aesthetics of Denial : termos empregados por Sally Banes para qualificar a concepção da dança de Yvonne Rainer. BANES, Sally, Terpsichore in Sneakers.

4 RAINER, Yvonne, Work 1961-1973, Nova Iorque, New York University Press, 1974, pág. 51.

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Trata-se de se desfazer das técnicas extra-cotidianas e das virtuoses normatizadas que distanciam o corpo real, em favor de uma gestualidade impregnada de prosaismo, sem ênfase, e presente nas situações extraídas da vida de todos os dias; sem a preocupação de refazê-las, mas sim simplesmente de fazê-las. Movimentos ordinários para ações ordinárias. Realizar tarefas em um tempo real, isto é, sem lhes trabalhar o desenvolvimento. Realizar aqui, agora, sem efeito de re-presentação. Ao contrário do movimento restaurado, pelo menos na intenção de que fala Richard Schechner. Sair dos locais convencionais em favor dos sótãos, dos parques, dos telhados de Manhattan, para confrontar os corpos com um outro olhar, com outras geometrias; “passar assim à cena, mas também às ruas, aos telhados, não importa a que lugar, era pensar a dança como companheira, sentir que ela vinha até aqui como um conviva. Era, bastante precisamente, dançar na proximidade de um outro, lá onde os corpos estão mesmo coexistindo sem necessariamente se desfigurar ou se nomear”.5

Subtrair da dança, a coreografia, e do movimento subtrair a dança... como ainda o diz hoje em dia Jean-Claude Gallotta. Se fundir no anonimato dos corpos, reivindicar a sua

“ordinariedade”. Qualquer movimento pode ser movimento da dança; é a era dos “ready- made” gestuais, à la Duchamp. Eu sou um bailarino, então o que quer que eu faça, será dança. Vocês todos podem dançar, a dança pertence a todos. “Paraíso agora” e “de tênis” e de camiseta; o corpo que dança se redescobre em sua banalidade; o seio está livre, o pêlo não é mais obsceno e caminhar torna-se novamente o primeiro passo de dança...

Em outro canto, a onda californiana de “body-awareness” (consciência corporal) descamba “gentilmente” para as danças comunitárias: novas cerimônias para um novo mundo (Ann Halprin, Simone Forti, Deborah Hay) onde se apropriam os rituais Suffi ou indianos, onde se redescobre as alegrias regressivas de se arrastar ou de andar de quatro. O espírito de Esalen adoça os hábitos em um contínuo feliz entre a arte e a vida.

De um lado, os reencontros com uma corporeidade “primitiva” funcional e “natural”: sentir o seu corpo, estar à escuta do outro, sentir o seu cheiro, tocá-lo, apagar a distância, entrar em relação corporal: pegar, empurrar, puxar, rolar sobre, cair sobre o corpo do outro, contrabalancear os pesos, utilizar as forças naturais do corpo para se levantar, se carregar, se sustentar. De maneira exemplar o contato-improviso de Steve Paxton reinscreve o corpo que dança em sua espontaneidade, em seus élans “naturais”, torna igual a relação entre os sexos (uma mulher pode carregar um homem). Reencontrar os impulsos de um corpo anterior às palavras, longe delas, sem representação aparente, tomado pelo simples desejo de fazer, de gozar de si e do outro, sem ter de se conformar com uma técnica tipo “espartilho” que impede a liberdade de movimento. Dar de novo à energia corporal solta a sua capacidade de gerar o movimento, de circular no corpo e entre os corpos atentos ao que os move. É o que não pára de fazer ainda Trisha Brown, cuja fluidez gestual se desenrola em uma abundância quase barroca e como se o corpo fosse percorrido infatigavelmente por pulsões internas anárquicas e sutis, despertando o movimento lá onde nós não o esperamos. Como um sonho do corpo.

5 DOBBELS, Daniel, “Le politique inaperçu”, La danse au défi, op. cit., pág. 31.

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“Para os coreógrafos pós-modernos dos anos 60 e 70, “natural” (...) significa ação não desvirtuada para efeitos teatrais, esvaziada de excesso de emoção, referência literária e cujo ritmo próprio não foi manipulado”.

Fazer o “natural” através do emprego de não-dançarinos para re-introduzir uma corporeidade individual e social distante dos corpos conformes dos dançarinos, mas também para reafirmar um ideal igualitário e democrático e levar em conta uma cultura somática ao mesmo tempo socializada e diferenciada, inscrita na história, com todos os seus desvios, sua falta de jeito, suas singularidades. O inverso do corpo de balé o qual não se pode ser lido a não ser como uma encenação do ideal. Trata-se, ao contrário, de um recenseamento do humano em sua disparidade, o que não renega, a propósito, a dança atual, de Pina Bausch a Jean-Claude Gallotta, retomando essa diversidade na fronteira entre a ficção e o real.

Paralelamente a essa busca de um “natural” do corpo que dança e no seu prolongamento paradoxal, se situa uma forma de minimalismo, um trabalho quase obsessivo de análise, decupagem, de abstração corporal e espaço-temporal que encontrará a sua expressão maior nas peças de Lucinda Childs de pós anos 70. Aqui o tempo é contado literalmente, e o espaço é claramente desenhando por uma dança reduzida a simples deslocamentos em linha reta, em círculo ou meio-círculo, nos quais os pés parecem roçar o chão; essa dança se volta sobre si mesma, se faz e se desfaz sem parar, nas seqüências repetitivas de formas e ritmos sub-repticiamente alteradas e que não esgotam nunca a sua diferença; o corpo é portador dessa fria indiferença matemática, desencarnada, atemporal, distante na aparência de qualquer intrusão do biológico ou do subjetivo, uma dança pura, leve, quase mística, que nos força à contemplação e distancia qualquer veleidade de fazer sentido. Dança auto-reflexiva que não sabe nada sobre o que ela é.

Pura efetuação onde o “natural” costeia o sobrenatural. A Athikté de “A alma e a dança”.

Essa que nós não tocamos.

O trabalho analítico anunciado nos anos 60 em relação às estruturas de composição se radicaliza ainda mais à partir dos anos 70, e Childs constitui uma das referências das mais exemplares e maiores desse tipo de trabalho. Repetições, inversões, fórmulas codificadas de uma parte; e de outra, pesquisa gestual, um pouco no espírito de Cunningham o qual brincava com as possibilidades do corpo. Pôr o corpo à prova propondo-lhe situações incongruentes ou encadeamentos não habituais. Por exemplo, Trisha Brown em Accumulation”, apresenta durante 55 min, 30 movimentos acumulados (1; 1,2; 1,2,3; 1,2,3,4; etc) e cada seqüência de acumulações é repetida 4 vezes em ângulos diferentes. Em outros momentos ela complica ainda mais a tarefa ao contar, ao mesmo tempo em que dança, os problemas que ela encontra enquanto dança!

“Tratava-se menos”, segundo Scarpetta, ‘de produzir espetáculos do que de proceder a um gesto analítico, [...] de isolar os elementos até então homogeneizados, de expô-los em sua nudez abstrata (em sua “pureza”), de lhes interrogar, de levá-los ao limite”6. Desvelar a dança mostrando os processos que a fazem nascer, fazer o inventário das possibilidades corporais ao longo de um percurso de nômade - pois não havia, no final das contas, um ponto a alcançar, mas sim espaços para atravessar ou para criar, para ir

6 SCARPETTA, Guy, L’Impureté, Paris, Editions Grasset, 1985, pág. 187.

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mais além ainda. Seguir “o destino do movimento”, como o diz tão bem Daniel Dobbels, sua mobilidade incessante. A menos que esse percurso seja apenas um retorno permanente e indefinido de uma corporeidade que não cessa de tomar a si mesma por sujeito/objeto.

A corrente pós-moderna, mesmo em suas renúncias extremas (ausência de movimento7), provocou uma reviravolta na atividade coreográfica ao valorizar um corpo multi-direcional, ao “des-ordenar” as partes do corpo, ao fazer a sua própria energia agir, ao legitimar os corpos profanos, ao recuperar toda forma de motricidade, ensinada ou cotidiana, do circo ou da rua, sem os hierarquizar, em uma espécie de bricolagem exploratória e de espaços incertos - mesmo também aqueles que a tecnologia autoriza.

Compreendemos melhor assim a busca hoje em dia de uma Karine Saporta, que batiza por conta própria um “novo virtuosismo”8, fundamentada a partir dos “dons de movimento”

próprios de cada bailarino; virtuosismo a ser encontrado fora dos aprendizados normatizados da tradição e pelo prazer pagão de pôr o seu corpo em jogo e de inventar seu próprio sistema.

No curso do período inicial da corrente pós-moderna (1962-66, aproximadamente), houve então uma proliferação de experiências de todas as espécies, freqüentemente próximas da Performance, onde tudo da dança anterior foi “destruído” em favor de um jogo livre de apresentação do movimento, dos corpos e de suas ações, dos objetos e de seus lugares.

Por volta do fim dos anos 60 e início dos 70, essa contestação inicial vai se orientar para um trabalho sistemático sobre as estruturas de composição e de movimento de acordo com as formas minimalistas em ação nas artes visuais ou na música, roçando por vezes no tratamento “pedagógico”; de fato, os coreógrafos, às vezes, dão a impressão de procurar explicar o seu trabalho, ou pelo menos torná-lo legível, desmontando e mostrando o processo de criação, assim como, igualmente, se dedicando a revelar como se faz a produção de sentido pela justaposição de elementos.9 Retorno último da dança sobre ela mesma e, ao mesmo tempo, desejo de se compartilhar um segredo - o qual não é mais um segredo uma vez que o mágico nos entrega os seus “truques”. Desconstruir o sentido depois de ter desconstruido a dança, o mesmo combate. Reflexo anti-ilusionista e meta-linguagem criada para “aprender” a perceber. O que nós encontraremos em prática na dança atual. (Sem dúvida, eu sei muito bem que toda dança já é discurso sobre ela mesma, mas aqui ela o é duplamente; este aprofundamento se torna agora um dos sistemas privilegiados do fazer coreográfico).

Durante esse período heróico persistiam, no entanto, bolsos de “expressão”, veleidades de representação, porém as obras se propunham muito mais no espírito de Performance, freqüentemente auto-biográficas ou contestadoras de um poder, em formas que tomam cuidado com o real e o verdadeiro, sem transvestimento, sem dramatização e sem ficção,

7 Convenhamos, no entanto, que a imobilidade reinvindicada, uma vez que ela é a de um corpo vivo, é uma forma de o apresentar como capaz de começar a dançar; além disso, não se mover é ainda regular uma energia; todo dançarino sabe que a imobilidade não é senão aparência, um outro estado do corpo que dança.

8 Ver a esse respeito o seu artigo “Les nouvelles virtuosités”, La danse au défi, op. cit., pág. 114-118.

9 Em One Act Play, David Gordon, ao mesmo tempo que mexia os seus braços para cima e para baixo em velocidades diferentes, ele pronunciava a palavra “work” (trabalho) com entonações variadas, deixando perceptíveis as mudançasdo sentido de acordo com o contexto. Uma espécie de curso prático de semiologia !

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sem naturalismo expressivo também; enfim, na mesma linha que o trabalho sobre o movimento: desenvolto (casual) e ordinário. Algo como uma constatação, nada mais, longe dos savoir-faire (Saber-fazer) do metiê (de ator, de dançarino, de videasta, etc).

Referências

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