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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS EM ESPECIE. 1

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DIREITOS E GARANTIAS

FUNDAMENTAIS EM ESPECIE

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 4

DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE ... 5

Proibição da tortura (art. 5.º, III) ... 10

Liberdade da manifestação de pensamento (art. 5.º, IV e V) ... 11

AÇÕES CONSTITUCIONAIS ... 47

Habeas corpus (art. 5.º, LXVIII) ... 47

Mandado de segurança (art. 5.º, LXIX) ... 51

Habeas data (art. 5.º, LXXII) ... 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 72

REFERÊNCIAS ... 74

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INTRODUÇÃO

Uma das mais expressivas conquistas nos últimos tempos foi à garantia de direitos fundamentais aos cidadãos, frente ao próprio Estado. Nesse ponto, Lourival Vilanova esclarece o assunto da seguinte forma:

“É uma conquista do Estado de Direito, do Estado Constitucional em sentido estrito (Verfassugsstaat), a fixação dos direitos reputados fundamentais do indivíduo, e a enumeração das garantias para tornar efetivos tais direitos, quer em face dos particulares, quer em face do Estado mesmo”. (VILANOVA, Lourival. Proteção Jurisdicional dos direitos numa sociedade em desenvolvimento, Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, p. 43, 1970).

Saiu-se assim, daquela ideia, um tanto quanto pacífica, de que os Estados e os entes públicos encontravam-se em nível superior àquele ocupado pelos indivíduos. Sagrou-se a liberdade do indivíduo e a limitação ao poder do Estado.

Hoje, o “Estado de Direito” é aquele que, juntamente com os cidadãos, respeita e obedece as leis e as decisões judiciais.

Essa proteção jurídica para com os direitos fundamentais iniciou-se no século XVII, com o advento do constitucionalismo. Ou seja, somente através das Constituições é que se passou a disciplinar o exercício do direito público.

E, a Constituição brasileira não foi diferente. A exemplo de inúmeras Constituições atuais traz em seu corpo inúmeros textos referentes aos direitos fundamentais do Homem e suas garantias, que limitam a ação do Estado, e também, colocam-se a garantir o mínimo de exigências para que todos possam viver e desenvolver livremente suas atividades lícitas.

Inúmeros são os direitos e garantias fundamentais assegurados, tanto individual quanto coletivamente, em nossa Carta Magna. Como exemplo, temos a garantia da igualdade perante a lei, a inviolabilidade da propriedade privada, a liberdade de consciência, a liberdade de ir e vir, a liberdade de associação, a propriedade, a legalidade, a anterioridade tributária etc. Essas garantias são direcionadas à proteção do indivíduo, e ao mesmo tempo são proibições ao Estado de lesar aquele, por meio de leis, atos administrativos e decisões judiciais.

São verdadeiros direitos subjetivos, constitucionalmente garantidos a todo e qualquer cidadão, concernentes à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º), oponíveis a qualquer pessoa, inclusive ao Estado.

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Neste ponto, Celso Antonio Bandeira de Mello, fez as seguintes considerações:

“Convém recordar que o Estado de Direito é a consagração jurídica de um projeto político. Nele se estratifica o objetivo de garantir o cidadão contra intemperanças do Poder Público, mediante prévia subordinação do poder e de seus exercentes a um quadro normativo geral e abstrato cuja função precípua é conformar efetivamente a conduta estatal a certos parâmetros antecipadamente estabelecidos como forma de defesa dos indivíduos”. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Controle judicial dos atos administrativos, Revista de Direito Público, São Paulo, n. 65, p. 27 s. d.).

A atividade estatal deve se desenvolver em atenção aos parâmetros delineados pelo ordenamento jurídico, e dessa forma, deve respeitar os direitos fundamentais das pessoas assegurados no texto constitucional.

Nossa Constituição prevê que o Estado, por qualquer de seus Poderes, deve reconhecer e garantir os direitos fundamentais, considerando-os invioláveis, fazendo com que sejam por todos respeitados, incluindo as pessoas jurídicas (de direito público e privado) e os particulares.

O direito à vida, liberdade, propriedade, profissão, associação, reunião, dentre outros são direitos fundamentais amparados pela Carta Cidadã de 1988.

E, não de forma exaustiva, mas com a atenção peculiar que é devida, serão abordados alguns direitos fundamentais em espécie.

DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE

Direito à vida (art. 5.º, caput)

a) Desdobramentos:

O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5.º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.

Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em

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caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir a cláusula pétrea do art. 60, § 4.º, IV, lembrando, ainda, a doutrina moderna que impede, ainda, a evolução reacionária ou o retrocesso social, e, nesse sentido, não admitiria a previsão da pena de morte, nem mesmo diante da manifestação do poder constituinte originário.

O segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, garantindo - se as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis etc.

b) Direito à vida — célula -tronco, aborto, eutanásia

Um dos grandes temas que ainda está em pauta no STF é o do aborto, a ser analisado na ADPF n. 54 na qual se discute a anencefalia (matéria pendente de julgamento pelo STF).

Para esta análise, temos que definir quando começa a “vida” segundo a interpretação do STF, sem exprimir, nesse momento, juízo de valor pessoal, ético, filosófico, ou religioso, até porque, nesse último caso, o Brasil é um país laico (art.

19, I, CF/88).

O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5.º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, privado de vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.

A proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, conforme visto, está prevista no art. 84, XIX. Assim, é vedada a sua instituição, sob pena de se ferir a cláusula pétrea do art. 60, § 4.º, IV.

Também, entendemos que o poder constituinte originário não poderia ampliar as hipóteses de pena de morte (nem mesmo uma nova Constituição) tendo em vista o princípio da continuidade e proibição ao retrocesso. Isso quer dizer que os direitos fundamentais conquistados não podem retroceder.

Afastamo -nos, portanto, da ideia de onipotência do poder constituinte.

Canotilho observa que o poder constituinte “... é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como

‘vontade do povo’”. Fala, ainda, na necessidade de observância de princípios de Justiça (suprapositivos e supralegais) e, também, dos princípios de direito

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internacional (princípio da independência, princípio da autodeterminação, princípio da observância de direitos humanos — neste último caso de vinculação jurídica, chegando a doutrina a propor uma juridicização e evolução do poder constituinte).

Avançando, como desdobramento da ideia de vida digna, a Constituição garante as necessidades vitais básicas do ser humano e proíbe qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis etc.

Nesse contexto, o STF teve que enfrentar a definição do conceito de vida, no julgamento da ADI 3.510 que tratava da análise do art. 5.º da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança).

Em 20.04.2007 foi realizada a primeira audiência pública à luz da Lei n.

9.868/99, objetivando pluralizar o debate e dar maior legitimidade à decisão.

Os argumentos do PGR eram no sentido de que a Lei de Biossegurança violava o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, sendo que a vida humana começa a partir da fecundação.

Desde o ajuizamento da ADI (03.05.2005) até a solução final (29.05.2008) foram mais de 3 anos e o STF entendeu, por votação bastante apertada, 6 X 5, que as pesquisas com célula -tronco embrionária, nos termos da lei, não violam o direito à vida.

Os Ministros vencidos propunham a observância de outras condicionantes além daquelas do art. 5.º da Lei, o que chegou a ser considerado como indevida essa ingerência, sob pena de se violar o princípio da separação de “poderes”.

O Ministro Relator, Carlos Ayres Britto, entendeu tratar -se de um “bem concatenado bloco normativo” fixado pela lei, destacando -se o procedimento:

a) para fins de pesquisa e terapia;

b) somente em relação às células -tronco embrionárias;

c) apenas aquelas fertilizadas in vitro;

d) embriões inviáveis ou congelados há pelo menos 3 anos;

e) consentimento dos genitores;

f) controle por comitê de ética em pesquisa;

g) proibição da comercialização.

Além disso, segundo interpretação do Relator, o texto, ao tratar de “dignidade da pessoa humana” (art. 1.º, III), “direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, “b”), “livre exercício dos direitos... individuais” (art. 85, III), “direitos e garantias individuais” (art.

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60, § 4.º, IV), estaria se referindo a direitos do indivíduo -pessoa, já nascido (cf. Inf.

508/STF).

Nesse ponto, deixamos, com o máximo respeito, a nossa crítica, pois não nos parece tenha o texto deixado de destinar esses direitos e garantias para o nascituro, que, segundo o Relator, de fato, tem proteção legal, como o art. 2.º do CC; art. 9.º, § 7.º, da Lei de Transplantes (Lei n. 9.434/97); arts. 124 -126 do CP (aborto).

Segundo o Relator, o zigoto seria o embrião em estágio inicial, pois ainda destituído de cérebro. A vida humana começaria com o surgimento do cérebro que, por sua vez, só apareceria depois de introduzido o embrião no útero da mulher.

Assim, antes da introdução no útero não se teria cérebro e, portanto, sem cérebro, não haveria vida.

A constatação de que a vida começa com a existência do cérebro (segundo o STF e sem apresentar qualquer análise axiológica ou filosófica) estaria estabelecida, também, no art. 3.º da Lei de Transplantes, que prevê a possibilidade de transplante depois da morte desde que se constate a morte encefálica. Logo, para a lei, o fim da vida estaria previsto com a morte cerebral e, novamente, sem cérebro, não haveria vida e, portanto, nessa linha, o conceito de vida estaria ligado (segundo o STF) ao surgimento do cérebro.

Outro argumento utilizado foi a ideia de dignidade da pessoa humana e paternidade responsável, lembrando o art. 226, § 7.º.

De fato, o Estado não pode, constitucionalmente, restringir a quantidade de filhos por casal. A Constituição, contudo, determina o dever de orientação em relação ao planejamento familiar.

Dessa forma, afirmou o Ministro Relator, se não se define o número de filhos, feita a fertilização in vitro o casal pode optar pela quantidade de embriões a serem introduzidos no útero. Se eventualmente não quiserem introduzir todos, os embriões poderão ser congelados.

E se o casal não tiver como congelar (até porque isso gera custo)?

Respondeu outro Ministro, indagando: serão os embriões jogados como lixo hospitalar? Então, que se admita a pesquisa, dentro dos critérios éticos fixados na lei e consagrando a ideia de uma sociedade fraterna (preâmbulo e art. 3.º, I, além da ideia de direitos de 3.a dimensão), objetivando a cura das pessoas com doenças degenerativas (e nos parece que, nesse ponto, bastante acertada a decisão).

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Outros argumentos poderiam ser lembrados, como o direito à saúde (arts.

196- 200) e o incentivo ao desenvolvimento e à pesquisa científica (arts. 218 - 219).

Assim, sem considerar o aspecto moral, ético ou religioso, tecnicamente, em relação ao aborto do feto anencefálico, desde que se comprove, tecnicamente, por laudos médicos, com 100% de certeza, que o feto não tem cérebro e não há perspectiva de sobrevida, nessa linha de desenvolvimento, o STF, para seguir a lógica do julgamento anterior, teria que autorizar a possibilidade de interrupção da gravidez pela gestante.

Naturalmente, a decisão terá que ser da família e da gestante, pois, ponderando interesses, como, tecnicamente, não se teria vida por falta de cérebro (apenas tecnicamente falando), deveria prevalecer a dignidade da gestante em conduzir uma gravidez que sabe sem perspectiva de sobrevida. A dor e o sofrimento psicológicos devem ser avaliados exclusivamente pela gestante, se constatada essa realidade.

O que terá que ser bem -definido é a certeza da inexistência de cérebro e, assim, a inexistência de sobrevida. A decisão caberá à gestante com o apoio do Estado e de junta médica e multidisciplinar.

Nessa linha, dentro da ideia de vida digna, a eutanásia ganha destaque, pois o direito à vida quer significar, também, o direito de viver com dignidade.

A eutanásia passiva vem adquirindo vários defensores (o desligamento das máquinas de doentes em estágio terminal, sem diagnóstico de recuperação), assim como o suicídio assistido. Alguns falam que a eutanásia ativa (o Estado — médico

— provocando a morte) seria homicídio.

O tema está lançado e precisa ser mais bem desenvolvido pela sociedade, inclusive em audiências públicas.

A ideia de bom -senso, prudência e razoabilidade deve ser considerada.

A vida deve ser vivida com dignidade. Definido o seu início (tecnicamente pelo STF), não se pode deixar de considerar o sentimento de cada um. A decisão individual terá que ser respeitada. A fé e esperança não podem ser menosprezadas e, portanto, a frieza da definição não conseguirá explicar e convencer os milagres da vida.

Há situações que não se explicam matematicamente e, dessa forma, a

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radicalismo não levará a lugar algum. A Constituição garante, ao menos, apesar de ser o Estado laico, o amparo ao sentimento de esperança e fé que, muitas vezes, dá sentido a algumas situações incompreensíveis da vida.

Proibição da tortura (art. 5.º, III)

Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, sendo que a lei considerará crime inafiançável a prática da tortura (art.

5.º, XLIII). A Lei n. 9.455/97 integrou a referida norma constitucional, definindo os crimes de tortura.

Conforme jurisprudência do STF, “o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.

O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (HC 89.429, Rel. Min. Cármen Lúcia, j.

22.08.2006, DJ de 02.02.2007).

Nesse sentido, devemos destacar a SV n. 11/2008, com a seguinte redação:

“só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Outro tema importante diz respeito à análise da recepção da chamada Lei da Anistia (Lei n. 6.683/79) pelo novo ordenamento, levado ao STF pela OAB na ADPF n. 153, que pretendia fosse anulado o perdão dado aos policiais e militares acusados de praticar atos de tortura, durante o regime militar, e que encontrava respaldo no art. 1.º da referida lei, com a seguinte redação:

“É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02.09.61 e 15.08.79, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público,

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aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”.

O STF, por 7 X 2, entendeu como não admitida a revisão jurisdicional da Lei da Anistia, sustentando ter sido “... uma decisão política assumida naquele momento o momento da transição conciliada de 1979. A Lei n. 6.683 é uma lei - medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada. A Lei n. 6.683/1979 precede a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes — adotada pela Assembleia Geral em 10.12.1984, vigorando desde 26.06.87 — e a Lei n. 9.455, de 07.04.1997, que define o crime de tortura; e o preceito veiculado pelo art. 5.º, XLIII, da Constituição — que declara insuscetíveis de graça e anistia a prática da tortura, entre outro crimes — não alcança, por impossibilidade lógica, anistias anteriormente à sua vigência consumadas. A Constituição não afeta leis -medida que a tenham precedido” (ADPF 153).

Liberdade da manifestação de pensamento (art. 5.º, IV e V)

A Constituição assegurou a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Caso durante a manifestação do pensamento se cause dano material, moral ou à imagem, assegura -se o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização.

a) Delação anônima

Em interessante julgado, o Min. Celso de Mello entendeu não ser possível a utilização da denúncia anônima, pura e simples, para a instauração de procedimento investigatório, por violar a vedação ao anonimato, prevista no art. 5.º, IV.

Em seu voto ele declara que “(...) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como

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sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o crimen falsi, p. ex.). Nada impede, contudo, que o Poder Público (...) provocado por delação anônima — tal como ressaltado por Nélson Hungria, na lição cuja passagem reproduzi em meu voto

— adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, com prudência e discrição, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo -se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas” (Inq. 1.957, Rel. Min.

Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, j. 11.05.2005).

Liberdade de consciência, crença e culto (art. 5.º, VI a VIII)

a) Regras gerais

Assegura -se a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre -exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Nesse sentido, ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir -se de obrigação legal a todos imposta (como o serviço militar obrigatório, nos termos do art. 143, §§ 1.º e 2.º) e recusar -se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

A prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva é assegurada nos termos da lei.

Partindo dessa premissa, achamos interessante apontar alguns de seus desdobramentos:

ensino religioso nos Colégios;

feriados religiosos;

casamento perante autoridades religiosas;

transfusão de sangue nas “testemunhas de Jeová”;

curandeirismo;

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fixação de crucifixos em repartições públicas, dentre outros tantos;

imunidade religiosa;

guarda sabática.

Na jurisprudência do STF, o tema passou a ser analisado quando se questionou sobre a obrigatoriedade ou não da expressão “sob a proteção de Deus”

no preâmbulo das Constituições estaduais.

Como se sabe, desde o advento da República (Decreto n. 119 -A, de 07.01.1890), existe separação entre Estado e Igreja, sendo o Brasil um país leigo, laico ou não confessional, não existindo, portanto, qualquer religião oficial da República Federativa do Brasil. Apesar dessa realidade, a CF/88 foi promulgada

“sob a proteção de Deus”, conforme se observa no preâmbulo do texto de 1988.

Todas as Constituições pátrias, exceto as de 1891 e 1937, invocaram a

“proteção de Deus” quando promulgadas. Em âmbito estadual essa realidade se repetiu, com exceção do Estado do Acre. Referida omissão foi objeto de questionamento no STF pelo Partido Social Liberal. O STF, definindo a questão, além de estabelecer e declarar a irrelevância jurídica do preâmbulo, assinalou que a invocação da “proteção de Deus” não é norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual (ADI 2.076 -AC, Rel. Min. Carlos Velloso).

Concluindo, o preâmbulo não tem relevância jurídica, não tem força normativa, não cria direitos ou obrigações, não tem força obrigatória, servindo, apenas, como norte interpretativo das normas constitucionais. Por essas características e, ainda, por ser o Estado brasileiro laico, podemos afirmar que a invocação à divindade não é de reprodução obrigatória nos preâmbulos das Constituições Estaduais e leis orgânicas do DF e dos Municípios.

Partindo dessa interpretação, o art. 5.º, VI, CF/88, enaltece o princípio da tolerância e o respeito à diversidade.

Conforme anota José Afonso da Silva, “na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir à qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo”.

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Nesse contexto, outro dia, um aluno em uma palestra indagou: “professor, então, será que não seria possível eu fumar muita maconha, mas muita maconha mesmo, professor, e, quando estiver já bem fora de mim, eu cheiraria muita cocaína e, assim, em estado de êxtase, encontraria Deus, o meu Deus, professor?”.

Foi quando respondemos trazendo um caso concreto que havia sido noticiado: uma pessoa, em verdadeiro ritual, orientado por uma vidente e alegando crença religiosa, havia sacrificado crianças recém -nascidas para oferecer o sangue à “divindade”.

Então perguntei ao aluno: será que, assim como cheirar cocaína ou fumar maconha, poderia aquela pessoa ter praticado o homicídio?

Não há dúvida de que o direito fundamental da liberdade de crença, da liberdade de culto e suas manifestações e prática de ritos não é absoluto. Um direito fundamental vai até onde começa outro e, diante de eventual colisão, fazendo -se uma ponderação de interesses, um deverá prevalecer em face do outro se não for possível harmonizá -los.

É claro que, na primeira situação, a liberdade de culto não pode justificar o consumo de droga ilícita, assim como, no segundo exemplo, o homicídio, com todas as suas qualificadoras está configurado.

O tema é extremamente palpitante e vários outros desdobramentos podem ser estudados.

b) Ensino religioso nos colégios

O art. 210, § 1.º, estabelece que o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Dessa forma, determinada escola não poderá reprovar aluno pelo fato de não frequentar a aula de ensino religioso. Conforme visto, o ensino religioso será de matrícula facultativa e, em nosso entender, muito embora o texto fale apenas em

“escola pública”, o entendimento, em razão na natureza do ensino, deve ser também entre os particulares.

c) Feriados religiosos

Avançando, lembramos que, quando da vinda do Papa Bento XVI, no ano de 2007, para o Brasil, buscava -se declarar 11 de maio, dia da canonização de Frei Galvão, feriado religioso.

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A matéria foi bastante discutida no Congresso Nacional e, ao final, a Lei n.

11.532, de 25.10.2007, sem conotação religiosa, acabou instituindo o dia 11 de maio como o Dia Nacional do Frei Sant’Anna Galvão, passando referida data a constar oficialmente no calendário histórico -cultural brasileiro e, assim, não se reconhecendo, em razão da laicidade, o feriado religioso.

Um outro aluno me perguntou: “mas como ficam os feriados religiosos que já constam de nosso calendário?”. A única saída para este questionamento é afirmar o seu caráter histórico -cultural, respondi.

d) Casamento perante autoridades religiosas

O casamento é civil e gratuita a celebração (art. 226, § 1.º).

O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei (art. 226, § 2.º).

Portanto, se, não existe religião oficial e se a liberdade de crença religiosa está assegurada, afirma-se que o casamento em centro espírita ou mesmo em templo, catedral, sinagoga, terreiro, casa religiosa, enfim, o casamento celebrado por líder de qualquer religião ou crença tem o mesmo efeito civil do casamento realizado na religião católica, aplicando -se, por consequência, o art. 226, § 2.º.

O STF ainda não enfrentou o tema. Contudo, existem importantes julgados proferidos por Tribunais de Justiça, como o da Bahia (MS n. 34.739 -8/2005) e o do Rio Grande do Sul (AC 70003296555 — 8.ª C. Cív. — Rel. Des. Rui Portanova — j.

27.06.2002) no sentido de dar o correto efeito civil.

e) Transfusão de sangue nas testemunhas de Jeová

Avançando a análise, não deve ser reconhecido o crime de constrangimento ilegal (art. 146, § 3.º, I, CP) na hipótese das testemunhas de Jeová se estiver o médico diante de urgência ou perigo iminente, ou se o paciente for menor de idade, pois, fazendo uma ponderação de interesses, não pode o direito à vida ser suplantado diante da liberdade de crença, até porque a Constituição não ampara ou incentiva atos contrários à vida.

Conforme noticiado pela Assessoria de Comunicação Social do TRF1, no julgamento do Agravo de Instrumento 2009.01.00.010855 -6/GO (26.02.2009), o Desembargador Federal Fagundes de Deus “... registrou que no confronto entre os princípios constitucionais do direito à vida e do direito à crença religiosa importa

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constitucional — interpretada na sua visão teleológica. Isso posto, exemplificou o magistrado que a legislação infraconstitucional não admite a prática de eutanásia e reprime o induzimento ou auxílio ao suicídio. Dessa forma, entende o magistrado que deve prevalecer ‘o direito à vida, porquanto o direito de nascer, crescer e prolongar a sua existência advém do próprio direito natural, inerente aos seres humanos, sendo este, sem sombra de dúvida, primário e antecedente a todos os demais direitos’”.

f) Curandeirismo

O art. 284 do Código Penal tipifica o exercício do curandeirismo, que é crime contra a saúde pública:

prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;

usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

fazendo diagnósticos.

O tema ainda não chegou ao STF, mas, conforme vem sendo decidido por alguns tribunais estaduais, em casos concretos e específicos, não estará configurado o crime se a promessa de cura decorrer de crença religiosa e dentro de um contexto individual de razoabilidade.

g) Crucifixos em repartições públicas

Outro ponto bastante polêmico foi a questão dos crucifixos em repartições públicas.

Como admiti-los diante da regra de ser o Brasil um país leigo, laico ou não confessional? A única saída, que vem sendo adotada por algumas decisões (cf.

Pedidos de Providências n. 1344, 1345, 1346 e 1362/CNJ, no âmbito do Judiciário), é a ideia de se tratar de símbolo cultural e não religioso.

O entendimento, reconhecemos, não se mostra convincente, tanto é assim que uma das determinações do novo Presidente do TJ/RJ, em sua posse em 03.02.2009, foi a retirada dos crucifixos e a desativação da capela.

h) Imunidade religiosa

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Avançando, estabelece o art. 150, VI, “b”, a denominada imunidade religiosa ao estabelecer, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, a vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios de instituir impostos sobre templos de qualquer culto (devendo o assunto ser aprofundado no direito tributário).

Essa regra se mostra bastante relevante, pois impede que o Estado utilize, eventualmente, de seu poder de tributar para embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos ou igrejas (art. 19, I).

Conforme estabeleceu o STF, “a imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas’. O § 4.º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas ‘b’ e ‘c’ do inciso VI do art. 150 da CF...” (RE 325.822, Rel.

p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, j. 15.12.2002, Plenário, DJ de 14.05.2004).

Isso posto, surge a questão ainda pendente no STF: a maçonaria tem imunidade tributária religiosa?

Segundo o voto do Min. Ricardo Lewandowski, “... a maçonaria é uma ideologia de vida e não uma religião, assim, a entidade não poderia ser isenta de pagar o IPTU. Segundo ele, a prática maçom não tem dogmas, não é um credo, é uma grande família. ‘Ajudam -se mutuamente aceitando e pregando a ideia de que o homem e a humanidade são passíveis de melhoria, aperfeiçoamento. Como se vê é uma grande confraria que antes de mais nada prega e professa uma filosofia de vida, apenas isso’, disse” (Notícias STF, de 13.04.2010 pendente. Cf., também, Inf. 582/STF).

i) Guarda sabática

Outro ponto polêmico é a obrigatoriedade ou não de o Estado ter que designar data alternativa para realização de concursos públicos, quando a data da prova tiver sido fixada em dias que devam ser guardados, como acontece com os Adventistas do Sétimo Dia (sábado — dia de repouso e de culto) e os Judeus (Shabat — do pôr do sol da sexta -feira até o pôr do sol do sábado).

O tema está para ser aprofundado pelo STF no julgamento da ADI 3.714, ajuizada em 20.04.2006 pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de

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sabática” se houver alegação de motivo de crença religiosa (convém lembrar que apesar da referida lei ter sido totalmente vetada pelo Governador do Estado de São Paulo, a Assembleia Legislativa derrubou o veto, restabelecendo o ato normativo) (matéria pendente de julgamento pelo STF).

A questão foi retomada, no julgamento da STA 389,39 que buscava a suspensão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) marcado para os dias 5 e 6 de dezembro de 2009.

O STF, por maioria, manteve o dia da prova e não fixou dia alternativo, até porque, no Edital, havia a possibilidade de pedido de “atendimento a necessidades especiais” e a prova poderia ser realizada no mesmo dia, após as 18h, devendo os candidatos, contudo, apresentarem-se com os demais, ficando isolados e aguardando para a realização da prova.

O STF, naquele momento, entendeu que a previsão regimental era suficiente e, então, não determinou a designação de dia alternativo (vencido o Min. Marco Aurélio).

Essa tem sido à saída de alguns concursos que permitem a realização da prova após as 18h do sábado, mas exigem que os candidatos permaneçam isolados e no local, devendo se apresentar no dia marcado para todos.

O tema ainda vai ser definido pelo STF, mas, ante o risco de provas com graus distintos e possíveis favorecimentos de um lado ou do outro, parece que essa tem sido a melhor alternativa, qual seja, todos se apresentarem no mesmo dia e haver a necessidade de se aguardar em local isolado, pelo menos em uma análise inicial.

Liberdade de atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação. Indenização em caso de dano (art. 5.º, IX e X)

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Veda -se a censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220, § 2.º), porém, apesar da liberdade de expressão acima garantida, lei federal deverá regular as diversões e os espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

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Deverá, outrossim, estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão

que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente (art. 220, § 3.º, I e II).

Se, durante as manifestações acima expostas, houver violação da intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas, será assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação (art. 5.º, X).

Dois temas importantes foram decididos pelo STF:

ADPF 130 — “Lei de Imprensa” — j. 30.04.2009: o STF entendeu que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) não foi recepcionada pelo novo ordenamento, eis que marcada por aspectos não democráticos;

ADI 4.451 — “Lei Eleitoral sobre o Humor” j. 02.09.2010: o STF entendeu, referendando a liminar do Min. Ayres Britto, que o art. 45, II e III e §§ 4.º e 5.º da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições) violam a liberdade de imprensa, já que o humor pode ser considerado imprensa. Referidos dispositivos afrontam, também, a plena liberdade de informação jornalística, nos termos do art. 220, § 1.º, CF/88.

Ainda, a manifestação, mesmo que seja pelo humor, não pode ser restringida, já que ela instrumentaliza e permite o direito de crítica, de opinião (mérito pendente de julgamento pelo STF). Nesse sentido:

“A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto em período não eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais. Se podem as emissoras de rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam partidos políticos, pré -candidatos e autoridades em geral, também podem fazê -lo no período eleitoral. Processo eleitoral não é estado de sítio (art.

139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a Constituição toma como fato gerador de ‘restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei’ (inciso III do art.

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139)” (ADI 4.451 -MC -REF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 02.09.2010, Plenário, DJE de 1.º.07.2011).

Intimidade e vida privada e o sigilo bancário (art. 5.º, X)

De acordo com o art. 5.º, X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Passemos a analisar, então, o importante tema da intimidade e da vida privada e a quebra de sigilo bancário.

O STF entendeu a necessidade de autorização judicial para a quebra do sigilo bancário no julgamento do RE 389.808 (Rel. Min. Marco Aurélio, j. 15.12.2010, Plenário, DJE de 10.05.2011).

A discussão surgiu em razão de comunicado feito pelo Banco Santander a determinada empresa, informando que a Delegacia da Receita Federal do Brasil, partindo de mandado de procedimento fiscal e com base na LC n. 105/2001, havia determinado àquela instituição financeira a entrega de informações sobre movimentação bancária da empresa durante o período de 1998 a julho de 2001.

Diante dessa notícia, a empresa buscou o Judiciário e, após várias medidas, a decisão final veio ao STF que, no caso concreto, estabeleceu a necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário, por se tratar de verdadeira cláusula de reserva de jurisdição, não tendo, portanto, o Fisco esse poder.

Em seu voto, o Min. fala em um verdadeiro “‘estatuto constitucional do contribuinte’ — consubstanciador de direitos e limitações oponíveis ao poder impositivo do Estado”, destacando -se, no caso, o direito à intimidade e à privacidade.

Celso de Mello afirma, ainda, que as garantias não são absolutas. Aliás, nenhum direito e garantia fundamental é absoluto, devendo, na hipótese de colisão, ser feito juízo de ponderação.

Portanto, para eventual quebra de sigilo bancário, é imprescindível “... a existência de causa provável, vale dizer, de fundada suspeita quanto à ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público. Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e de inaceitável opressão do indivíduo pelo Poder Público, a ‘disclosure’ das

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contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo não pode converter - se num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral”.

E, ao final, conclui o Ministro Celso de Mello: “... entendo que a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPI’s (CF, art. 58, § 3.º), pressupõe, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporá à instituição financeira o dever de fornecer, seja à administração tributária, seja ao Ministério Público, seja, ainda, à Polícia Judiciária, as informações que lhe tenham sido solicitadas”.

Assim, podemos esquematizar:

possibilidade de quebra do sigilo bancário: o Poder Judiciário e as CPIs, que têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (cf.

aprofundamento no item 9.8.3.13);

não podem quebrar o sigilo bancário, devendo solicitar autorização judicial:

Administração Tributária, Ministério Público e a Polícia Judiciária.

Por todo o exposto, a tendência do STF (e se aguarda o julgamento da ACO 1.271, que retoma a análise dos poderes da CPI estadual matéria pendente) é permitir, conforme visto nos precedentes citados e como já vinha julgando, a quebra do sigilo bancário não somente pelo Judiciário como, também, pela CPI (sendo que, nesse caso, haveria transferência de sigilo, devendo a CPI e seus integrantes responsabilizarem-se pela manutenção do sigilo, só podendo utilizar as informações nos limites de sua atuação e nos termos da lei e da Constituição, sob pena de serem responsabilizados).

Inviolabilidade domiciliar (art. 5.º, XI)

“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”; ou seja, sem o consentimento do morador só poderá nela penetrar:

por determinação judicial:40 somente durante o dia;

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em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro:

poderá penetrar sem o consentimento do morador, durante o dia ou à noite, não necessitando de determinação judicial.

O que deve ser entendido por dia ou noite? Concordamos com Alexandre de Moraes que o melhor critério seria conjugar a definição de parte da doutrina (6 às 18h) com a posição de Celso de Mello, que utiliza um critério físico -astronômico: a aurora e o crepúsculo.

E o que devemos entender por casa? Segundo a doutrina e a jurisprudência, casa abrange não só o domicílio, como também o escritório, oficinas, garagens etc.

(RT 467/385), ou, até, os quartos de hotéis. Vejamos:

“Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5.º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de ‘casa’ revela -se abrangente e, por estender - se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4.º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5.º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (invito domino), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar -se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF)” (RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03.04.2007, DJ de 18.05.2007).

Sigilo de correspondência e comunicações (art. 5.º, XII)

“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” Vejamos:

sigilo de correspondência: como regra, o sigilo de correspondência é inviolável, salvo nas hipóteses de decretação de estado de defesa e de sítio, que poderá ser restringido (arts. 136, § 1.º, I, “b”, e 139, III). Podemos observar, também, que esse direito não é absoluto e poderia, de acordo com a circunstância do caso

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concreto, ser afastado, por exemplo, na interceptação de uma carta enviada por sequestradores.

A suposta prova ilícita convalida -se em razão do exercício da legítima defesa;

sigilo das comunicações telegráficas: também inviolável, salvo nas hipóteses de decretação de estado de defesa e de sítio, que poderá ser restringido (arts. 136, § 1.º, I, “c”, e 139, III);

sigilo bancário (comunicação de dados): no tocante ao sigilo bancário, o art. 38 (parcialmente recepcionado) da Lei n. 4.595/64, que foi recepcionada pela CF/88, com status de lei complementar (art. 192, caput), permitia a quebra do sigilo bancário por: autorização judicial, determinação de CPI (art. 58, § 3.º), ou requisição do Ministério Público (art. 129, VI), para objeto de investigação criminal. Referido dispositivo legal foi expressamente revogado pela LC n. 105, de 10.01.2001, que passou a disciplinar as regras sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Além das regras anteriores, o art. 6.º da referida lei, inovando, permitiu às autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente, devendo o resultado dos exames, as informações e os documentos ser conservados em sigilo, observada a legislação tributária. Mencionada regra foi regulamentada pelo Decreto n. 3.724, de 10.01.2001, cujo art. 1.º, § 1.º, estabelece que o procedimento de fiscalização somente terá início por força de ordem específica denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da Secretaria da Receita Federal, ressalvado o disposto nos §§ 3.º e 4.º do aludido artigo. O art. 4.º, § 1.º, do decreto estabelece, ainda, que a requisição será formalizada mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) e será dirigida, conforme o caso, ao: a) Presidente do Banco Central do Brasil, ou a seu preposto; b) Presidente da Comissão de Valores Mobiliários, ou a seu preposto; c) presidente de instituição financeira, ou entidade a ela equiparada, ou a seu preposto; d) gerente de agência. O que se percebe, então, pela nova regra, é a quebra de sigilo bancário pela própria Receita Federal,

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dispensando -se o requerimento ao Poder Judiciário, o que, em nosso entender, fere o art. 5.º, X e XII, sendo a aludida lei indiscutivelmente inconstitucional, atribuindo um direito não estabelecido pelo constituinte originário. (CUIDADO: o tema está sendo discutido nas ADIs 2.859 -6, 2.406, 2.389, 2.386, 2.397 e 2.390). Contudo, conforme visto no item 14.10.8, o STF declarou a necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário (RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, j.

15.12.2010, Plenário, DJE de 10.05.2011), tratando -se, assim, de cláusula de reserva de jurisdição. A CPI, por si, também poderá quebrar o sigilo bancário, devendo haver transferência de sigilo;

quebra de sigilo e Ministério Público: na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito — CPMI dos Correios, entendeu o STF como ilegal o pedido de quebra feito diretamente pelo MP. Assim, estabeleceu que a prova utilizada pelo MP tem de vir de CPI ou de autorização do juiz (Inq. 2.245, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j.

28.08.2007, DJ de 09.11.2007 —, dada a sua importância, recomendamos a leitura).

sigilo fiscal (comunicação de dados): no tocante ao sigilo fiscal, faculta -se à administração tributária identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (art. 145, § 1.º). Assim, deve haver expressa individualização do investigado e objeto da investigação e a indispensabilidade dos dados em poder da Receita Federal. De acordo com o art. 198, caput, do CTN, em regra, deve ser precedida de autorização judicial, sendo, portanto, expedida por solicitação de CPI e Ministério Público. Além dessas situações, destacamos a LC n. 104, de 10.01.2001, que, trazendo novidade à regra existente e alterando o CTN, agora permite a divulgação pela Fazenda Pública por simples solicitação de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, havendo a necessidade de ser comprovada a instauração de regular processo administrativo, com o objetivo de investigar o sujeito passivo. Essa nova regra, todavia, pelos mesmos motivos acima expostos, entendemos inconstitucional. Resta aguardar o posicionamento do STF sobre o assunto. Conforme visto, seguindo o entendimento do STF no julgamento do RE 389.808, a tendência é se afirmar também a necessidade de autorização judicial para a quebra ou em razão de ato de CPI;

sigilo das comunicações telefônicas: a quebra será permitida nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer e para fins de investigação criminal ou

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instrução processual penal. Assim, o procedimento deverá seguir as regras traçadas pela Lei n. 9.296/96, sob pena de constituir prova obtida por meio ilícito (art. 5.º, LVI).

habeas corpus: “O habeas corpus é medida idônea para impugnar decisão judicial que autoriza a quebra de sigilos fiscal e bancário em procedimento criminal, haja vista a possibilidade destes resultarem em constrangimento à liberdade do investigado (...)” (AI 573.623, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 31.10.2006, Inf. 447/STF).

Liberdade de profissão (art. 5.º, XIII)

A Constituição assegura a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Trata - se, portanto, de norma constitucional de eficácia contida, podendo lei infraconstitucional limitar o seu alcance, fixando condições ou requisitos para o pleno exercício da profissão.

É o que acontece com o Exame de Ordem (art. 8.º, IV, da Lei n. 8.906/94), cuja aprovação é um dos requisitos essenciais para que o bacharel em direito possa inscrever-se junto à OAB como advogado e que, inclusive, foi declarado constitucional pelo STF no julgamento do RE 603.583 (Rel. Min. Marco Aurélio, j.

26.10.2011, Plenário, Inf. 646/STF e item 12.5.3, desse trabalho).

Outro tema interessante está relacionado à exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão. Em 17.06.2009, por 8 X 1, o STF derrubou esse requisito (cf. RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17.06.2009, Plenário, DJE de 13.11.2009 e item 19.7.1).

Cabe observar que tramita no SF a PEC n. 33/2009 que, com algumas ressalvas, passa a exigir o diploma de jornalista (matéria pendente). Assim, no momento da leitura, checar se referida PEC foi aprovada.

Finalmente, o STF entendeu que a profissão de músico não exige a inscrição em conselho de fiscalização, deixando claro essa necessidade apenas quando houver potencial lesivo na atividade. A regra, portanto, é a liberdade e, ademais, a atividade de músico encontra garantia na liberdade de expressão, enquanto manifestação artística (cf. RE 414.426, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 1.º.08.2011, Plenário, DJE de 10.10.2011).

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Liberdade de informação (art. 5.º, XIV e XXXIII)

É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Trata -se do direito de informar e de ser informado.

Completando tal direito fundamental, o art. 5.º, XXXIII, estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Regulando o acesso a informações previsto no art. 5.º, XXXIII, destacamos a Lei n. 12.527, de 18.11.2011, com vacatio legis de 180 dias.

Dentro do tema da liberdade de informação, pedimos vênia para citar interessante decisão do Ministro Gilmar Mendes: “... Trata -se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, ‘a’, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado: ‘Administrativo. Constitucional. Concurso público. Exame psicotécnico. Sigilo e irrecorribilidade do resultado. 1. A Constituição afasta de pronto o caráter sigiloso das decisões administrativas, em primeiro lugar porque a todos é assegurado o direito de exigir do órgão público o esclarecimento de situação de interesse pessoal, além do que é assegurada qualquer informação que seja do exclusivo interesse do cidadão, salvo quando o sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado... A possibilidade de interpretação errônea de dados psicológicos, eis que a Psicologia não é uma ciência absoluta em termos de fixação dos aspectos inerentes à personalidade e condições emocionais do indivíduo, não permite a ausência de possibilidade de reapreciação dos atos administrativos’. Alega –se violação aos artigos 1.º; 2.º; 5.º, XXXV, LIV, LV, LXIX; 18;

37, caput e I; e, 93, IX, da Carta Magna. Esta Corte firmou entendimento segundo o qual o exame psicotécnico não pode ter critério sigiloso, sob pena de infringir o princípio da publicidade. Nesse sentido o RE 342.074, 2.ª T., Rel. Maurício Corrêa, DJ 17.09.2002, assim ementado:

‘EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. Constitucional.

Concurso público. Exame psicotécnico. Exame psicotécnico com caráter eliminatório. Avaliação realizada com base em critérios não revelados. Ilegitimidade do ato, pois impede o acesso ao Poder Judiciário, para conhecer de eventual lesão

Referências

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