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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA PROPOSTA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PLANETA

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UMA PROPOSTA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PLANETA

ENVIRONMENTAL EDUCATION:

A PROPOSAL FOR THE SUSTAINED DEVELOPMENT OF THE PLANET

Michele Amaral Dill Goi*

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger**

RESUMO

No presente artigo tratar-se-á, dentro da questão mais ampla e polêmica que é a crise do meio ambiente, da Educação Ambiental. Com a evolução da ciência e da tecnologia, principalmente, o homem superou a dependên- cia que tinha em relação ao meio ambiente no qual estava inserido e come- çou a dominá-lo, explorando ilimitadamente os seus recursos que são limi- tados, e, dessa forma, acarretou a crise ambiental. A Conferência de Esto- colmo (1972) alertou os Estados quanto ao fato de que a política do “de- senvolvimento a qualquer preço”, a longo prazo, é insustentável. Posterior- mente, a Rio-92 adotou o desenvolvimento sustentável como meta a ser perseguida para solucionar os problemas ambientais. Porém, tanto a cons- cientização quanto o desenvolvimento sustentável, só no plano teórico, sem prática correspondente, são precários diante da gravidade da crise do meio ambiente. Diante disso, aponta-se a Educação Ambiental Crítica como um instrumento estratégico fundamental para a sustentabilidade do planeta, uma vez que essa promove a conscientização acompanhada de mobilização.

Palavras-chave: Crise ambiental; Desenvolvimento sustentável; Educação ambiental.

ABSTRACT

In the present article it will be discuss, inside of the widest subject and con troversy that it is the crisis of the environment, of the Environmental

* Mestranda em Desenvolvimento na UNIJUÍ. Rua do Comércio, 3000, Bairro Universitário, 98700-000, Ijuí-RS, Brasil. Bolsista da CAPES. E-mail: goiekreling@terra.com.br.

** Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora do Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas. Pesquisadora do CNPq e FAPERGS. Correspon- dência para / Correspondence to: Rua Félix da Cunha, 412, Centro, 96010-000, Pelotas-RS, Brasil.

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Education. With the evolution of the science and of the technology, mainly, the man overcame the dependence that had in relation to the en- vironment in which was inserted and it began to dominate him, exploring ilimitadamente its resources that are limited, and, in that way, it carted the environmental crisis. The Conference of Stockholm (1972) alerted the States for the fact that the politics of the “development at any price”, long term, are unsustainable. Later, the Rio-92 adopted the maintainable development as a goal to be pursued to solve the environmental problems. However, as much the understanding as the maintainable development, only in the theoretical plan, without corresponding practice, they are precarious front to the gravity of the environment crisis. Before that, the Critical Environ- mental Education is pointed as a fundamental strategic instrument for the sustainability of the Planet, once this promotes the understanding accom- panied of mobilization.

Keywords: Environmental crisis; Intainable development; Vironmental education.

INTRODUÇÃO

A crise ambiental, que ameaça a existência do homem e do planeta, tornou-se, a partir da segunda metade do século XX, uma preocupação de ordem mundial.

Nesse período, houve um crescente número de conferências, sob a égide da Orga- nização das Nações Unidas (ONU), produções científi cas e literárias a respeito do assunto e a adequação da legislação ambiental, inclusive da brasileira, em busca de soluções aos problemas ambientais. Com a virada do milênio o assunto não se esgotou; ao contrário, a experiência e a maturidade adquirida possibilitam anali- sar a problemática ambiental com um olhar mais crítico e centrado na origem das causas e nas consequências, sendo forte a ideia de Educação Ambiental Crítica para o desenvolvimento sustentável do planeta.

É sobre esse contexto que desafi amos refl etir. Para tanto, dividimos o presente artigo em duas partes, a saber: a crise da vida sobre o planeta e a busca pelo desen- volvimento sustentável e Educação Ambiental para a sensibilização das consciências.

Assim, no primeiro ponto, analisam-se os caminhos que levaram à crise ambiental atual, destacando-se que a raiz do problema reside no modelo de cresci- mento ilimitado, a partir de uma base de recursos limitados. Em seguida, estuda-se a Conferência de Estocolmo (1972), que, diante da crise ambiental, buscou cons- cientizar os Estados de que os problemas que afetam o meio ambiente são graves e globais. E, a partir dessa conscientização, enfoca-se o desenvolvimento susten- tável, que foi defi nido pela Rio-92 como meta a ser perseguida na direção da re- solução da problemática ambiental, mas que até hoje não se consolidou.

No segundo ponto, o objeto de estudo é especifi camente a Educação Am- biental, enquanto premissa fundamental à sustentabilidade do planeta. Assim,

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inicia-se a abordagem pela evolução do conceito de Educação Ambiental no mun- do e, na sequência, analisa-se a Educação Ambiental Tradicional, que amiúde tem sido precária, em oposição à Educação Ambiental Crítica, que se acredita a única capaz de consolidar novos paradigmas rumo à sustentabilidade do planeta. Ao fi nal desse ponto, em que pese tal política não ter sido implementada, aborda-se o caráter crítico da Política Nacional de Educação Ambiental brasileira, pela aná- lise da Lei n. 9.795/99, enfatizando a Educação Ambiental no ensino formal e no não formal.

E, por derradeiro, apresentam-se algumas modestas considerações fi nais acer- ca do tema proposto.

A CRISE DA VIDA SOBRE O PLANETA E A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Os caminhos da crise ambiental

Para entender a atual crise ambiental é necessário fazer uma retrospectiva dos fatos e, nesse sentido, o renomado defensor do meio ambiente Milaré1 afi rma que podemos falar de três tempos: “tempos geológicos, tempos biológicos e tem- pos históricos”.

À luz teórica desse autor, entende-se que os tempos geológicos estão distan- ciados da atualidade por bilhões de anos, que são tempos remotos, justifi cando-se, assim, a insufi ciência de registros que possibilitem hoje conclusões precisas sobre as origens e as etapas de formação do nosso planeta.

Já os tempos biológicos não são tão remotos, uma vez que existem há dezenas ou centenas de milhões de anos, porém não mais há bilhões como os tempos geo- lógicos. E é nos tempos biológicos que são identifi cados registros da vida, sendo que a partir daí marca-se a evolução do hábitat planetário. As transformações produzidas no planeta nesse momento aconteceram lenta e continuamente, à mercê das causas físicas naturais.

Por sua vez, os tempos históricos são mais recentes e caracterizam-se pela identifi cação da presença da espécie humana nos ecossistemas naturais e pela ocupação do espaço, o que ocorreu há milhões de anos, porém, ainda hoje, os cientistas não conseguem precisar a idade do homem nessa Terra e as várias trans- formações que ocorreram ao longo da evolução. Sabe-se, no entanto, que nos tempos históricos, diferentemente dos tempos biológicos, as modifi cações do pla- neta ocorreram (e continuam ocorrendo), principalmente pela intervenção hu- mana e de forma cada vez mais acelerada.

1 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e ampl.

São Paulo: RT, 2005. p. 48.

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Acontece que, durante muitos séculos, “o homem exerceu uma relação de dependência com o meio ambiente em que estava inserido, ou seja, ele se subme- tia à natureza e também se contentava com o que ela oferecia”2. Em outras palavras, na pré-história o homem se contentava em retirar da natureza os recursos neces- sários para sua subsistência e de sua família, por meio da caça e da pesca, basica- mente. Além disso, como havia abundância de recursos naturais em relação ao pequeno número de habitantes existentes no planeta à época, as transformações provocadas na natureza pela atividade humana não eram signifi cativas.

Mas, aos poucos, o homem passou a dominar a natureza e, dessa forma, segundo Morin:

A pré-história não se extinguiu, foi exterminada. Os fundadores da cul- tura e da sociedade Homo sapiens foram vítimas de um genocídio defi ni- tivo perpetrado pela própria humanidade que progrediu, assim, no parricídio. [...] Numa formidável metamorfose sociológica, as pequenas sociedades sem agricultura, sem Estado, sem cidade, sem exército dão lugar a cidadelas, reinos e impérios de várias dezenas de milhares depois de centenas de milhares e milhões de sujeitos, com agricultura, cidades, Estado, divisão do trabalho, classes sociais, guerra, escravatura, e mais tarde religiões e grandes civilizações.

A história é o aparecimento, o crescimento, a multiplicação e a luta de morte dos Estados entre si; é a conquista, a invasão, a sujeição, e é a re- sistência, a revolta, a insurreição; são as batalhas, ruínas, golpes de Estado e conspirações; é a expansão do poderio e da força, a desmesura do poder;

é o reino terrífi co de grandes deuses sedentos de sangue; é a sujeição em massa e o massacre em massa; é a edifi cação de palácios, templos, pirâ- mides grandiosas, é o desenvolvimento das técnicas e das artes; é o apa- recimento e o desenvolvimento da escrita; é o comércio por mar e por terra das mercadorias e depois das ideias também, aqui e ali, uma men- sagem de piedade e de compaixão, aqui e ali um pensamento que inter- roga o mistério do mundo3.

A partir daí, gradativamente, o homem “dominou os mares, conquistou no- vas terras, desenvolveu a ciência e a técnica, inventou a máquina, construiu a fá- brica e gerou uma civilização caracterizada pelo incremento econômico e tecno- lógico”4. Para tanto, agiu sobre os meios físicos, ocasionando transformações importantes no meio ambiente, na maioria negativas.

2 BACHELET, Michel. Ingerência ecológica. Direito ambiental em questão. Tradução de Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 100.

3 MORIN, Edgar. Terra-pátria. Tradução de Anne Brigitte Kern. 2. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 12.

4 MILARÉ, op. cit., p. 430.

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Nota-se então que, ao longo da História, o homem desenvolveu uma visão antropocêntrica5, enaltecendo-se como o ator principal no palco planetário e relegando à natureza papel meramente coadjuvante (oposição homem/natureza).

A natureza passou a ser vista como um instrumento à disposição do homem na busca pela satisfação de suas necessidades, especialmente aquelas de cunho eco- nômico, pois um grande equívoco da humanidade é associar qualidade de vida somente com riqueza material, sendo que qualidade de vida está também vincu- lada à qualidade da água que se bebe, do ar que se respira, dos alimentos que se consome e à saúde que se obtém por meio desse conjunto.

Vieira observa que foi na Modernidade (Revolução Científi ca) que a oposição homem-natureza se completou, e foi no século XIX (Revolução Industrial) que essa ideia se consagrou:

A oposição homem-natureza encontrou, porém, sua formulação máxima na fi losofi a cartesiana, que colocava o homem como sujeito e a natureza como objeto. O homem passava a ser o senhor e mestre da natureza.

A concepção cartesiana infl uencia profundamente a maneira de pensar o mundo que está na base da revolução científi ca e tecnológica do ociden- te nos últimos séculos, e que alcançará sua máxima expressão na Revo- lução Industrial, a qual, por sua vez, aprofundará ainda mais o antago- nismo homem-natureza, englobados ambos em uma visão cósmica como partes do universo6.

Nessa perspectiva, Foladori7 complementa: “Com a Idade Moderna, em torno dos séculos XVII e XVIII, e como resultado do avanço das ciências e sua divulgação [...] a natureza começa a ser reordenada e explorada de forma cres- cente. A natureza se dessacraliza e a ideia de progresso substitui as antigas con- cepções cíclicas”.

E, em paralelo à dominação do homem sobre a natureza, à evolução da ciên- cia e da tecnologia (industrialização), ocorreu o aumento demográfi co generali- zado e foram surgindo, cada vez mais, novas e inúmeras necessidades ao homem que, para supri-las, explorou (e continua explorando) predatoriamente os recur- sos naturais. Isso acarretou o aumento das taxas de consumo, principal fator do esgotamento dos recursos naturais, e agravou ainda mais a problemática ambiental.

5 “ANTROPOCENTRISMO: mentalidade que, em suas refl exões e ações, refere toda a realidade ao ser humano, entendendo que os interesses humanos estão acima de qualquer outro interesse”

(JUNGES, José Roque. Ética ambiental. São Leopoldo: Unisinos, 2004. p. 111).

6 VIEIRA, Liszt. Fragmentos de um discurso ecológico. São Paulo: Gaia, 1990. p. 16.

7 FOLADORIapud GUIMARÃES, Mauro. Sustentabilidade e educação ambiental. In: CUNHA, S.

B.; GUERRA, A. J. T. (Org.). A questão ambiental. Diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Ber- trand Brasil, 2003. p. 88.

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Portanto, devido ao padrão de consumo exacerbado inaugurado pelo homem (e para consumir precisa produzir), a natureza não consegue repor seus recursos com a mesma velocidade com que este os explora, além do fato de que grande quantidade dos mais variados tipos de resíduos são lançados na natureza.

Nota-se que as demandas de produção e consumo do homem são infi nitas enquanto os recursos da natureza fi nitos. Esse é justamente o campo em que Milaré8, e também outros autores, identifi ca a raiz da crise ambiental: “Tudo de- corre de um fenômeno correntio, segundo o qual os homens, para satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, que são ilimitadas, disputam os bens da na- tureza, por defi nição limitados”.

Em outras palavras, o homem, acreditando que os recursos naturais fossem inesgotáveis, buscou, incessantemente, o progresso econômico e tecnológico como sua fonte de enriquecimento e felicidade e, infelizmente, acabou acarretando a crise ambiental atual. “Por conta disso, em todo o mundo – e o Brasil não é ne- nhuma exceção –, o lençol freático se contamina, a água se escasseia, a área fl o- restal diminui, o clima sofre profundas alterações, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada, abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o planeta”9.

Assim, fi ca demonstrado que houve uma mudança signifi cativa na relação homem-natureza, pois a relação que nos primórdios era de dependência do homem sobre a natureza passou a ser extremamente destrutiva, haja vista que a conquista da natureza resultou na degradação do meio ambiente.

Diante dessa crise ambiental, a partir da segunda metade do século XX co- meçou a surgir uma nova compreensão sobre o relacionamento do homem com a natureza, destacando-se, nesse sentido, o papel da Conferência das Nações Uni- das sobre o Meio Ambiente Humano (1972). De qualquer forma, o século XXI é marcado por uma crise ambiental nunca antes vista na História da humanidade, consolidando uma sociedade de risco. Para Maurice Strong10, Secretário-Geral da Conferência de Estocolmo e da Rio 92, “do ponto de vista ambiental o planeta chegou quase ao ponto de não retorno. Se fosse uma empresa estaria à beira da falência, pois dilapida seu capital, que são os recursos naturais, como se eles fossem eternos. O poder de autopurifi cação do meio ambiente está chegando ao limite”.

Isso signifi ca que, por uma questão de vida ou morte, está na hora de o homem se convencer de que os recursos naturais são limitados, por isso não podem ser explorados ilimitadamente, e buscar salvaguardar o meio ambiente para as pre- sentes e futuras gerações.

8 MILARÉ, op. cit., p. 49.

9 Ibid, p. 50.

10 MAURICE STRONGapud MILARÉ, op. cit., p. 50.

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A Conferência de Estocolmo e o despertar global sobre a problemática ambiental

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano foi rea- lizada de 5 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo (Suécia), razão pela qual é mais conhecida como Conferência de Estocolmo. Participaram desse evento represen- tantes de 113 países, 19 órgãos intergovernamentais e 400 outras organizações intergovernamentais e não governamentais. A Conferência de Estocolmo foi inicialmente motivada pela preocupação dos países industrializados na década de 1960 com a degradação ambiental causada pelo seu modelo de crescimento eco- nômico e progressiva escassez de recursos naturais.

Diante desse cenário, a Conferência de 1972 ocorreu para, assim como a Con ferência da Biosfera11, conscientizar os Estados de que a crise ambiental é global e grave, bem como analisar os problemas ambientais que afetam o planeta e propor ações corretivas. “A conferência, disse Maurice Strong na abertura, lan- çaria ‘um novo movimento de libertação’ para emancipar os seres humanos dos perigos ambientais produzidos por eles mesmos”12.

A Conferência de Estocolmo, na verdade, foi uma continuação da Conferên- cia da Biosfera, haja vista que

algumas iniciativas atribuídas a Estocolmo foram, em alguns casos, so- mente expansões de temas levantados em Paris. Alguns dos fundamentos intelectuais de Estocolmo refl etiam os de Paris e algumas dentre as reco- mendações eram comuns a ambas as conferências. A diferença real reside no fato de que, enquanto Paris se voltou para os aspectos científi cos dos problemas ambientais, Estocolmo se preocupou com questões políticas, sociais e econômicas mais amplas13.

Porém, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano causou uma repercussão pública e política muito maior do que a Conferência da Biosfera, sendo “considerada um marco histórico e político internacional, decisi- vo para o surgimento de políticas de gerenciamento do ambiente [...]”, conforme o entendimento de Dias14. Foi a partir de Estocolmo que a temática ambiental

11 Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científi cas para Uso e Conserva- ção Racionais dos Recursos da Biosfera – realizada de 1º a 13 de setembro de 1968, em Paris, sob a coordenação da Unesco.

12 McCORMICK, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Tradução de Marco Antonio Esteves da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992. p. 105.

13 McCORMICK, op. cit., p. 99.

14 DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e práticas. 8. ed. São Paulo: Gaia, 2003.

p. 36.

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emergiu em nível internacional, ou seja, as questões referentes ao meio ambiente passaram a ser uma preocupação de ordem mundial.

Além disso, Soares15 observa que, logo após a Conferência da Biosfera, em 3 de dezembro de 1968, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma recomendação, encaminhada pelo Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), no sentido de que, tão logo fosse possível, deveria ser convocada uma Conferência Interna- cional sobre o Meio Ambiente Humano. A partir daí, seguiram-se, por quatro anos, reuniões preparatórias à Conferência de Estocolmo, destacando-se a reali- zação de um Painel de Peritos em Desenvolvimento e Meio Ambiente, celebrado na cidade de Founex, em 1971, com especialistas de todo o mundo, o qual culmi- nou com a elaboração do Relatório de Founex, considerado instrumento funda- mental para consolidar conceitos que seriam posteriormente discutidos na Con- ferência de 1972. Em geral, as discussões nas reuniões preparatórias consistiram no embate proteção ambiental versus crescimento econômico.

Assim, já nos bastidores do evento de 1972, enquanto os países desenvolvidos (industrializados), conscientes da problemática ambiental (em grande parte pro- duto do seu crescimento econômico), defenderam a proteção do meio ambiente, sendo que alguns chegaram inclusive a propor uma política do “crescimento zero”, os países em desenvolvimento foram terminantemente contra e defenderam o

“crescimento econômico a qualquer preço”. Como consequência, a Conferência de Estocolmo foi marcada pelo confl ito entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

Os terceiro-mundistas entendiam que não era justo que as nações industria- lizadas, já enriquecidas às custas da degradação ambiental, quisessem, agora, impor restrições ambientais ao crescimento das nações pobres. Para esses países superar a miséria econômica era seu objetivo primeiro, mesmo que, para isso, o meio ambiente tivesse que ser subjugado. A proteção ambiental era vista, pelos países em desenvolvimento, como um entrave ao seu crescimento econômico.

Entre os países que pregavam a tese do “crescimento econômico a qualquer custo” estava o Brasil. Nas palavras de Dias:

Para espanto do mundo, representantes do Brasil pedem poluição, dizen- do que o país não se importaria em pagar o preço da degradação ambien- tal desde que o resultado fosse o aumento do PNB (Produto Nacional Bruto). Um cartaz anuncia: Bem-vindos à poluição, estamos abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrições. Temos várias cidades que

15 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. São Paulo: Manole, 2003.

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receberiam de braços abertos a sua poluição, porque o que nós queremos são empregos, são dólares para o nosso desenvolvimento16.

De fato, por um lado, naquele momento, o Brasil alcançou níveis elevados de crescimento econômico, mas, por outro lado, como resultado da política do

“crescimento a qualquer custo”, a natureza revoltou-se e começou a dar sinais de que seus recursos são fi nitos. Os dados, segundo o estudo Diagnóstico de deserti- fi cação no Brasil e o jornal O Estado de S. Paulo, obrigam a refl etir:

Manchas sinistras de desertifi cação já aparecem no pampa gaúcho, na região noroeste do Paraná, no nordeste e em vários pontos da Amazônia.

O país continua perdendo em média 18,6 km² de área verde por ano, segundo relatório sobre desenvolvimento sustentável divulgado em 19 de junho de 2002 pelo IBGE. O Estado de São Paulo, economicamente o mais rico da Federação, perde, a cada ano, no processo de erosão, 190 milhões de toneladas de terra; a poluição produzida pelas fábricas de Cubatão, apesar dos avanços no controle de emissões, fruto da ação enérgica e pioneira do Ministério Público, abriu grandes ravinas na Serra do Mar, que ainda grita por socorro e ameaça desabar sobre o polo pe- troquímico e os habitantes daquela cidade17.

Diante das tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, a Con- ferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano buscou trazer uma nova percepção das questões ambientais aos países em desenvolvimento, tentan- do demonstrar que para proteger o meio ambiente não é preciso estagnar o cres- cimento econômico, mas, sim, observar os limites dos recursos naturais nesse processo, e que o progresso a qualquer custo, a longo prazo, não é sustentável.

Mas, apesar da tentativa, muitas nações pobres mantiveram a percepção proteção ambiental versus crescimento econômico. A China, por exemplo, apoiou os países menos desenvolvidos, conforme o discurso de Tang Ke, chefe da delegação chi- nesa na Conferência: “cada país tem o direito de defi nir seus próprios padrões e políticas ambientais à luz de suas próprias condições, e nenhum país, qualquer que seja, pode solapar os interesses dos países em via de desenvolvimento sob o pretexto de proteger o ambiente”18.

De qualquer forma, a Conferência de Estocolmo culminou com a elaboração de uma Declaração, um Plano de Ação e uma Resolução sobre aspectos fi nancei- ros e organizacionais no âmbito da ONU, além da criação do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.

16 DIAS, op. cit., p. 36.

17 Apud MILARÈ, op. cit., p. 51.

18 McCORMICK, op. cit., p. 107.

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A Declaração, denominada Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Am- biente Humano19, visava ser um guia, uma referência global, na defi nição dos prin cípios mínimos dos Estados para a preservação e melhoria do ambiente hu- mano e não cláusulas de cumprimento obrigatório. A referida Declaração foi composta de Preâmbulo com sete pontos e mais 26 Princípios, sendo que esses últimos, na ótica de McCormick, podem ser agrupados da seguinte forma:

1) os recursos naturais deveriam ser resguardados e conservados, a capa- cidade da terra de produzir recursos renováveis deveria ser mantida e os recursos não renováveis deveriam ser compartilhados.

2) O desenvolvimento e a preocupação ambiental deveriam andar jun- tos e deveria ser dada toda a assistência e incentivo aos países menos desenvolvidos no sentido de promover uma administração ambiental racional (esse grupo tinha o propósito de tranquilizar os países menos desenvolvidos).

3) Cada país deveria estabelecer seus próprios padrões de administração ambiental e explorar recursos como desejasse, mas não deveria colocar em perigo outros países. Deveria existir cooperação internacional voltada para o melhoramento ambiental.

4) A poluição não deveria exceder a capacidade do meio ambiente de se recuperar e a poluição dos mares deveria ser evitada.

5) Ciência, tecnologia, educação e pesquisa deveriam ser utilizadas para promover a proteção ambiental20.

Houve, no entanto, muitas discordâncias acerca dos Princípios da Declaração, salvo quanto ao Princípio sobre o Fornecimento de Informações Referentes às Atividades Nacionais que teriam a possibilidade de surtir efeitos além das frontei- ras. Além disso, o mais importante é que, por unanimidade entre os doutrinadores, a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano é considerada um documento tão relevante quanto a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1945), no tocante ao direito internacional e também à diplomacia dos Estados.

O Plano de Ação, por sua vez, estabeleceu 109 recomendações mundiais para o meio ambiente. Essas recomendações estavam divididas em três categorias:

avaliação ambiental (Plano Vigia), gestão ambiental e medidas de apoio. Entre as medidas de apoio, “a Recomendação n. 96 da Conferência reconhece o desenvol- vimento da Educação Ambiental como o elemento crítico para o combate à crise ambiental do mundo”21.

19 Publicada no Brasil com o título Uma terra somente.

20 McCORMICK, op. cit., p. 110.

21 DIAS, op. cit., p. 36.

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Por último, o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Pnuma) é um órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU, composto de um conselho de administração de 58 membros, delegados de Estados e de um secretariado, integrado por 181 administradores internacionais, com sede em Nairóbi (Quênia).

Na ótica de McCormick22, mesmo com limitações e defi ciências, a criação do Pnuma foi “o produto tangível de Estocolmo”.

Após 1972, como refl exo da Conferência de Estocolmo, foram adotados inú- meros tratados e convenções multilaterais, entre outros fenômenos, visando à proteção ambiental, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Para exem- plifi car, pode-se citar o Brasil, que embora, a princípio, tenha defendido na Con- ferência o crescimento econômico a qualquer custo, na viagem de retorno ao país, a delegação que o representou naquele evento conseguiu do governo federal um decreto criando a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), a qual inicia ria suas atividades em janeiro de 1974. A Sema foi criada com o objetivo de “promo- ver intensamente o esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, visando à conservação do meio ambiente”23.

Contudo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Huma- no marcou a tomada de consciência dos Estados em relação à crise ambiental, mas, ao revés, em que pese a elaboração da Declaração de Estocolmo, do Plano de Ação, a criação do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e os tratados e convenções que surgiram a partir de 1972, a Conferência não repercu- tiu em mobilização dos Estados na busca pela proteção ambiental. Nesse diapasão, a professora Barbara Ward24, que assinou juntamente com René Dubos a obra Uma terra somente, resultado do relatório ofi cioso do evento de Estocolmo, ob- servou que a “ação [dos governos] raramente cumpriu suas promessas. Para um número crescente de questões ambientais, a difi culdade não está em identifi car o remédio, pois o remédio é agora bem compreendido. Os problemas estão enrai- zados na sociedade e na economia – e, por fi m, na estrutura política”.

Logo, apesar da importância da Conferência de Estocolmo para a evolução do ambientalismo internacional, principalmente no que tange à conscientização de que a crise ambiental é global e grave, faz-se imprescindível que, além disso, os Estados tenham ações no sentido de pragmatizar a proteção ambiental. Esse fato, em última análise, depende de uma reestruturação do Estado, de um novo para- digma de desenvolvimento, em que o planejamento econômico não esteja disso-

22 McCORMICK, op. cit., p. 111.

23 ANTUNES apud LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Cidadania, educação e informação ambiental. Elementos relevantes no estado de direito ambiental. In: LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo (Coord.). Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 326.

24 BARBARA WARDapud McCORMICK, op. cit., p. 109.

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ciado do ambiental e do social, isto é, desenvolvimento sustentável ou ecodesen- volvimento. Essa forma de desenvolvimento passou a ser tida como meta somen- te a partir do Rio-92, como estudaremos a seguir.

O novo paradigma: desenvolvimento sustentável

O precursor da ideia de desenvolvimento sustentável foi o norte-americano Gifford Pinchot, engenheiro fl orestal e primeiro chefe do serviço de fl orestas dos Estados Unidos, no século XIX. Gifford era contra “o desenvolvimento a qualquer custo” e, como frisa A. Diegues25, “defendia a conservação dos recursos naturais apoiado em três princípios básicos: ‘o uso dos recursos naturais pela geração presente, a prevenção do desperdício e o desenvolvimento dos recursos naturais para muitos e não para poucos cidadãos’”.

No debate ofi cial, o desenvolvimento sustentável foi introduzido, enquanto estratégia viável de combate à crise ambiental global, pelo Relatório de Founex (1971) e pela Conferência de Estocolmo (1972) e, posteriormente, foi repetido nas demais conferências sobre meio ambiente.

Também na década de 1970, merecem evidência, nessa perspectiva de desen- volvimento sustentável, as colaborações de Maurice Strong e Ignacy Sachs. Strong, em 1973, apresentou o conceito de ecodesenvolvimento, com o objetivo de adequar o crescimento econômico das áreas rurais dos países subdesenvolvidos à gestão racional dos recursos naturais. Mais tarde, Sachs, apoiado por Strong, estendeu o conceito de ecodesenvolvimento às áreas urbanas26. Porém, em geral o termo

“ecodesenvolvimento” é aceito como sinônimo de desenvolvimento sustentável, inclusive por Sachs27: “Quer seja denominado ecodesenvolvimento ou desenvol- vimento sustentável [...].”

Ainda, avançando seus estudos sobre ecodesenvolvimento, o economista Sachs28 aponta o tripé sobre o qual se consolida o ecodesenvolvimento: “equidade social, prudência ecológica e efi ciência econômica”, o que signifi ca que para o ecode- senvolvimento ou desenvolvimento sustentável se realizar, as ações precisam ser socialmente justas, ambientalmente corretas e economicamente viáveis. Em última análise, no processo de desenvolvimento sustentável, com o mínimo de utilização dos recursos naturais, deve-se obter o máximo de lucro e distribuí-lo de forma equânime entre os membros da sociedade.

25 A. Diegues apud GIANSANTI, Roberto. O desafi o do desenvolvimento sustentável. In: FURLAN, Sueli Ângelo; SCARLATO, Francisco (Coord.). 5. ed. São Paulo: Atual, 1998. p. 9.

26 Id.

27 SACHS apud GUIMARÃES, op. cit., p. 94.

28 SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente.

Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel: Fundação do Desenvolvimento Adminis- trativo, 1993. p. 7.

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Posteriormente, conforme as considerações feitas por Soares29, em 1985, a ONU, por meio de Assembleia Geral, atribuiu ao Programa das Nações Unidas so bre o Meio Ambiente a tarefa de reexaminar os principais problemas do meio ambiente e do desenvolvimento do mundo, bem como de elaborar soluções pos- síveis projetadas até o ano 2000 e subsequentes. Para executar essa tarefa, estabe- leceu-se uma Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, sendo que o Brasil estava representado nesse colegiado pelo professor Paulo Nogueira Neto.

Em 1987, a Comissão Mundial apresentou à Assembleia Geral da ONU o re- sultado do seu trabalho, o Relatório Brundtland30, no qual estava inserido o con- ceito de desenvolvimento sustentável, nos seguintes termos: “[...] processo de mudança em que o uso de recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais concretizam o poten- cial de atendimento das necessidades humanas do presente e do futuro [...]”31. Em outras palavras, desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das presentes gerações, respeitando os limites do meio ambiente de maneira a garantir os recursos naturais necessários às gerações vindouras. Com a elaboração desse conceito, o Relatório Brundtland marcou o reconhecimento efetivo do desen- volvimento sustentável como um instrumento contra a degradação ambiental.

Nagendra Singh32 afi rma que com o Relatório Brundtland “o desenvolvimen- to sustentável veio a ser tido não só como um conceito, mas como um princípio do direito internacional contemporâneo”. O professor doutor Dias33 complemen- ta que o Relatório Brundtland “foi considerado um dos documentos mais impor- tantes da década e até nossos dias constitui uma fonte de consulta obrigatória para quem lida com as questões ambientais”, e ainda alerta que “deveria sê-lo também para os economistas, políticos, industriais, planejadores, enfi m, para os responsá- veis pela tomada de decisões nos programas de desenvolvimento”.

Na sequência dos fatos sobre o tema proposto, realizou-se no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, a famosa Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), mais conhecida como Eco-92 ou Rio-92, também denominada Cúpula da Terra, em que fi cou demonstrado que o modelo de desenvolvimento vigente não era sustentável e, por essa razão, na Declaração do Rio, foi adotado, como uma meta, o desenvolvimento sustentável, no sentido

29 SOARES, op. cit.

30 Publicado no Brasil com o título Nosso futuro comum.

31 Apud SOARES, op. cit., p. 55.

32 NAGENDRA SINGH apud TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 166.

33 DIAS, op. cit., p. 44.

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de tentar passar do conceito à ação. Para tanto, nomeou-se a Agenda 21 como um Plano de Ação e a Educação Ambiental como mecanismo estratégico na busca pelo desenvolvimento sustentável.

A Declaração do Rio utilizou a expressão “desenvolvimento sustentável” “em onze dos seus vinte e sete princípios”34. Assim, a título de exemplo, o Princípio 4 da referida Declaração35 estabelece que: “Para alcançar o desenvolvimento susten- tável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvol- vimento e não pode ser considerada isoladamente deste”. Dito de outra maneira, para alcançar o desenvolvimento sustentável não podem ser realizados planeja- mento econômico e planejamento social apartados do planejamento ambiental, isto é, o meio ambiente e o desenvolvimento devem ser enfocados em conjunto. Por- tanto, seguindo essa lógica, é equivocada a compreensão de que a proteção ambien- tal é um obstáculo para o desenvolvimento, pois, ao contrário, andam juntos.

Infelizmente, nesse início do século XXI, apesar do campo de trabalho do desenvolvimento sustentável ter sido muito bem preparado, em 1971 pelo Rela- tório Founex, em 1972 pela Conferência de Estocolmo, em 1987 pelo Relatório Brundtland, em que foi elaborado o conceito de desenvolvimento sustentável, pela Rio-92, em que o desenvolvimento sustentável passou a ser meta, e mais os estu- dos valiosos de Ignacy Sachs e Maurice Strong sobre o assunto, o modelo de de- senvolvimento que impera tem sido alvo de muitas críticas, principalmente porque, embora com roupagem de sustentável, continua servindo aos interesses dos segmentos dominantes da sociedade.

Ocorre que, como a crise ambiental chegou no quintal das casas, o discurso hegemônico não teve mais como esconder tal problemática e, por esse motivo, precisou, no entender de Guimarães:

se apropriar do signifi cado de sustentabilidade para trazê-lo adequada- mente à sua compreensão de desenvolvimento, afeito à lógica instrumen- tal da sociedade moderna – capitalista, urbana, fi nanceira, industrial, globalizada. Essa proposta de desenvolvimento sustentável, de caráter reformista, reconhece o problema, mas propõe soluções seguindo a mes- ma lógica vigente36.

Milaré compartilha do mesmo entendimento de Guimarães, conforme a conclusão que apresenta:

Contudo, o desenvolvimento sustentável, por enquanto, é apenas um conceito, uma formulação de objetivos, e tem sido incluído, cada vez mais,

34 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed. ampl. São Paulo:

Saraiva, 2005. p. 27.

35 Apud MILARÉ, op. cit., p. 53.

36 GUIMARÃES, op. cit., p. 90.

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na retórica desenvolvimentista, nos discursos dos que pregam o cresci- mento econômico constante. É um novo instrumento de propaganda para velhos e danosos modelos de desenvolvimento. Por isso, o desenvol- vimento sustentável corre o risco de tornar-se uma quimera37.

Assim, fi ca exaustivamente demonstrada a difi culdade de o desenvolvimento sustentável ultrapassar as fronteiras da teoria e adentrar na esfera prática, visando solucionar a crise ambiental atual. No entanto, muitos autores, como José Rubens Morato Leite, Edis Milaré, Mauro Guimarães, Leonardo Boff e Paulo de Bessa Antunes, entre outros, apostam na Educação Ambiental como um instrumento estratégico na busca pela concretização do desenvolvimento sustentável, pois qualquer desenvolvimento que pretenda ter sustentabilidade, a longo prazo, ne- cessariamente precisa começar pelo desenvolvimento humano.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A SENSIBILIZAÇÃO DAS CONSCIÊNCIAS Evolução do conceito de educação ambiental no mundo

A Educação Ambiental surgiu em decorrência da preocupação do homem com a crise do meio ambiente que ameaça a qualidade da existência, e, em última análise, a própria existência, das presentes e futuras gerações. Nesse sentido, Dias38 informa que, em 197039, “iniciou-se o uso da expressão environmental education (educação ambiental) nos Estados Unidos, a primeira nação a aprovar a Lei sobre Educação Ambiental (EE Act)”, sendo que, nessa época, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN)

defi niu a Educação Ambiental como um processo de reconhecimento de valores e classifi cação de conceitos voltado para o desenvolvimento de habilidades e atitudes necessárias à compreensão e apreciação das inter-re- lações entre o homem, sua cultura e seu entorno biofísico40.

Em 1972, Mellows apresentou o seguinte conceito de Educação Ambiental:

“[...] processo no qual deveria ocorrer um desenvolvimento progressivo de um senso de preocupação com o meio ambiente, baseado em um completo e sensível entendimento das relações do homem com o ambiente à sua volta”41. Ao que pa- rece, nesse momento da História, o principal objetivo da Educação Ambiental era somente alertar os homens sobre os problemas do meio ambiente.

37 MILARÉ, op. cit., p. 55.

38 DIAS, op. cit., p. 34.

39 Ano em que já estavam acontecendo as reuniões preparatórias para a Conferência de Estocolmo, a qual signifi cou o marco da tomada de consciência dos Estados sobre a problemática ambiental.

40 DIAS, op. cit., p. 98.

41 MELLOWS apud DIAS, op. cit., p. 98.

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No fi nal da mesma década, em 1977, realizou-se em Tbilisi (Geórgia) a Pri- meira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, a qual é considerada uma referência na evolução da Educação Ambiental, pois foi a mola propulsora para que a Educação Ambiental passasse a ser uma proposta pedagó- gica de fato, visando transformar a maneira de o homem pensar, agir e viver, e, dessa forma, fazê-lo um defensor das causas ambientais.

Nas décadas de 1980 e 1990, com o avanço da consciência ambiental, a Edu- cação Ambiental cresceu e se tornou um instrumento indispensável para o desen- volvimento sustentável do planeta42. É nessa linha a sugestão de Leonardo Boff43:

“para cuidar do planeta precisamos todos passar por uma alfabetização ecológica e rever nossos hábitos de consumo”.

Para tanto, em 1989, Meadows apresentou alguns conceitos sobre a Educação Ambiental, entre eles:

– é a aprendizagem de como gerenciar e melhorar as relações entre a so- ciedade humana e o ambiente, de modo integrado e sustentado;

– a preparação de pessoas para sua vida, enquanto membros da biosfera;

– signifi ca aprender a empregar novas tecnologias, aumentar a produti- vidade, evitar desastres ambientais, minorar os danos existentes, conhe- cer e utilizar novas oportunidades e tomar decisões acertadas;

– o aprendizado para compreender, apreciar, saber lidar e manter os sistemas ambientais na sua totalidade;

– signifi ca aprender a ver o quadro global que cerca um dado problema – sua história, seus valores, perspectivas, fatores econômicos e tecnoló- gicos, e os processos naturais ou artifi ciais que o causam e que sugerem ações para saná-lo44.

Em seguida, em 1992, fruto da Rio-92 e do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global que ocorreram paralela- mente, acrescentou-se à defi nição de Educação Ambiental o caráter interdiscipli- nar, permanente e holístico do processo de aprendizagem. Assim sendo, a partir de então, o meio ambiente deve ser trabalhado de forma articulada em todas as disciplinas escolares e não em uma única matéria, por meio de um processo con- tínuo e que crie as bases para uma compreensão global da realidade, sem esquecer das peculiaridades nacional, regional e local45.

42 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico.

São Paulo: Cortez, 2004.

43 Leonardo BOFF apud LEITE; AYALA, op. cit., p. 324.

44 MEADOWS apud DIAS, op. cit., p. 98-99.

45 DIAS, op. cit.

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Mais tarde, na Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade:

Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade, ocorrida em 1997 na Grécia, conceituou-se a Educação Ambiental nos seguintes termos:

[...] um meio de trazer mudanças em comportamentos e estilos de vida, para disseminar conhecimentos e desenvolver habilidades na preparação do público, para suportar mudanças rumo à sustentabilidade oriundas de outros setores da sociedade46.

Finalmente, em 2003, Dias47, compilando alguns dos conceitos até o momen- to trabalhados, resume Educação Ambiental “como um processo por meio do qual as pessoas apreendam como funciona o ambiente, como dependemos dele, como o afetamos e como promovemos a sua sustentabilidade”.

Em suma, historicamente, o conceito de Educação Ambiental evoluiu à me- dida que o meio ambiente foi adquirindo mais e mais importância nos debates mundiais e nacionais. Desse modo, o conceito de Educação Ambiental sofreu alte- rações no decorrer da história do ambientalismo para se adaptar à realidade e, assim, tentar promover o desenvolvimento sustentável do planeta. Porém, já no século XXI, a Educação Ambiental, nos termos em que é conceituada, ainda não conseguiu efetividade para promover a tão sonhada sustentabilidade.

Educação ambiental tradicional versus educação ambiental crítica

A Educação Ambiental tem sido, cada vez com mais vigor, introduzida no debate ambiental como um instrumento efi caz para superação da crise do meio ambiente; entretanto, na prática, essa educação tem-se mostrado precária para o fi m a que se destina.

À luz teórica de Guimarães48, entende-se que a Educação Ambiental que hoje se apresenta procura conservar os paradigmas cientifi cistas que consolidaram a sociedade contemporânea (capitalista, urbana, fi nanceira, industrial, globalizada, individualista, antropocêntrica, consumista, reducionista, exploratória etc.), e que também acarretaram a crise ambiental. Essa é uma maneira do discurso hegemô- nico fazer perpetuar o modelo desenvolvimentista atual, o qual, em que pese re- conheça a crise ambiental, não altera seu modelo de crescimento econômico (exploração ilimitada a partir de uma base de recursos fi nita) em prol da proteção e preservação do meio ambiente.

O mesmo autor defi ne Educação Ambiental corrente dessa forma:

46 MEADOWS apud DIAS, op. cit., p. 99.

47 DIAS, op. cit., p. 100.

48 GUIMARÃES, op. cit.

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Essa Educação tradicional e hegemônica é eminentemente teórica, infor- mativa, pelo papel do professor como transmissor de conhecimentos, e é passiva, pelo autor ser o receptor desse conhecimento como verdade ab- soluta; portanto, inquestionável. Reforça valores fragmentários e indivi- dualistas quando acredita que a soma das partes (indivíduo) é que forma o todo (sociedade), quando não valoriza as relações entre as partes (rela- ções sociais e ambientais), pois realiza a atomização do indivíduo na so- ciedade. É presa ao conteúdo dos livros sem contextualizar em uma rea- lidade socioambiental, podendo, portanto, fi car restrita à sala de aula ou a uma reserva ecológica, não estimulando a interação crítica na realidade socioambiental. É uma Educação “bancária”, conservadora, pouco apta a transformações sociais, conforme denunciava o Mestre Paulo Freire49.

No entanto, em uma sociedade cada vez mais complexa como é a atual, a Educação Ambiental que pretenda solucionar os problemas que afetam o meio am biente, viabilizando o desenvolvimento sustentável, deve superar essa “visão in gênua” de educação, pois assim como se apresenta “está longe de ser a síntese apaziguadora” da crise ambiental50. Para tanto, propõe-se uma Educação Ambien- tal Crítica, a qual potencialize, verdadeiramente, a superação da problemática am- biental que ameaça hoje a existência do homem e de todo o planeta. Como con- sequência, a construção dessa Educação Ambiental Crítica implica uma ruptura com os paradigmas cientifi cistas fundantes da sociedade urbano-industrial con- temporânea e, em contrapartida, a consolidação de novos paradigmas.

Nesse diapasão, Guimarães51 e Carvalho52 salientam que a Educação Ambien- tal Crítica deve perseguir os seguintes objetivos: promover a sensibilização, e, sobretudo, a mobilização à questão ambiental, pois, devido à gravidade da crise ambiental atual, não basta ter conhecimento dos problemas que afetam o meio ambiente. É preciso, urgentemente, ação nesse sentido, quais sejam, promover a compreensão dos problemas socioambientais em suas várias dimensões: social, econômica, histórica etc. (interdisciplinaridade), tendo o meio ambiente como o conjunto das inter-relações entre o mundo natural e o social, mediado por sabe- res locais, regionais, nacionais, global e mais os saberes científi cos; engajar edu- candos e educadores na solução dos problemas ambientais, por meio de ações e práticas educativas dentro e fora das escolas, priorizando a construção do conhe- cimento complexo e a formação da cidadania ambiental; elaborar processos am plos de aprendizagem, fazendo ligações entre os conhecimentos já chancelados pela ciência e experiências que possam culminar com a elaboração de novos concei-

49 GUIMARÃES, op. cit., p. 101.

50 CARVALHO, op. cit., p. 153-154.

51 GUIMARÃES, op. cit.

52 CARVALHO, op. cit.

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tos para aqueles que desafi am tentar entender o mundo; situar o educador como um coordenador de ações escolares e/ou comunitárias que oportunizem novos processos de aprendizagens sociais, individuais e institucionais; contribuir para a redução dos níveis alarmantes de uso dos recursos naturais, bem como para a distribuição justa desses recursos, almejando formas sustentáveis, justas e solidá- rias de desenvolvimento; e atuar cotidianamente, dentro do ambiente escolar e também fora dele, instigando novas situações e desafi os para a participação de todos na resolução dos confl itos, com a fi nalidade de conectar a escola com a comunidade local e regional onde está localizada.

A par disso, observa-se que, para alcançar os objetivos a que se propõe, a Educação Ambiental Crítica deve alterar signifi cativamente a metodologia de ensino da atual Educação Ambiental. Sendo assim, deve se preocupar em formar o homem enquanto cidadão historicamente situado, estudando as infl uências que o indivíduo exerce sobre o meio em que está inserido e as infl uências que o meio exerce sobre o indivíduo, ou seja, não se pode enfocar o indivíduo apartado de seu entorno, pois, desse modo, se estará fortalecendo a visão antropocêntrica que o homem desenvolveu com o cientifi cismo a partir da Idade Moderna53.

Além disso, a Educação Ambiental Crítica não deve se basear no simples re- passe de conhecimentos consolidados no decorrer da História, como faz a Educação Ambiental Tradicional, mas estabelecer um elo entre as expe riências do passado e o contexto do presente, porque é só assim que o homem estará apto a compreen- der o mundo em sua complexidade (totalidade) e não de forma simplista e frag- mentada. Diante disso, Morin54 afi rma que “os desenvolvimentos próprios à nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafi os da complexidade... Em consequên cia, a educação deve promover a ‘inteligência geral’ apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global”.

Trocando em miúdos, Guimarães sintetiza a Educação Ambiental Crítica dessa maneira:

[...] de forma contrária à Educação Tradicional, a Educação Ambiental Crítica volta-se para a ação refl exiva (teoria e prática – práxis) de inter- venção em uma realidade complexa; é coletiva; seu conteúdo está para além dos livros, está na realidade socioambiental derrubando os muros das escolas. É uma Educação política voltada para a transformação da sociedade em busca da sustentabilidade55.

53 CARVALHO, op. cit.

54 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 8. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2003. p. 38.

55 GUIMARÃES, op. cit., p. 102.

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No entanto, implementar essa Educação Ambiental Crítica não é uma tarefa fácil e, nessa senda, o sábio Paulo Freire, uma das referências fundadoras da edu- cação crítica no Brasil, destaca que a Educação Ambiental Crítica “é uma ‘Peda- gogia da Esperança’, capaz de construir utopias, como um ‘inédito viável’, por aqueles que têm a fi rmeza da renúncia e a coragem de inovar”56. Logo, para que seja implementada, a Educação Ambiental Crítica depende da “fi rmeza da renún- cia e da coragem de inovar” de cada um de nós, pois resolver os problemas am- bientais que ameaçam a existência do homem e do planeta é responsabilidade de todos, conforme o art. 225, caput, da Constituição Federal Brasileira de 1988.

O caráter crítico da política de educação ambiental brasileira – Lei n. 9.795/99

Antes de analisar, especifi camente, a Lei n. 9.795/99 é importante destacar alguns eventos e legislações que antecederam e prepararam a sua promulgação.

Entre os grandes eventos a respeito da Educação Ambiental, sob a coorde- nação da ONU, que infl uenciaram a elaboração da Lei n. 9.795/99, cita-se, em especial, a Conferência de Estocolmo (1972) que, como já mencionado, reconhe- ceu, na Recomendação n. 96 do Plano de Ação Mundial, “o desenvolvimento da Educação Ambiental como o elemento crítico para o combate à crise ambiental do mundo”. Também merece evidência a Conferência de Belgrado (1975), que culminou com a elaboração dos princípios e orientações para um Programa In- ternacional de Educação Ambiental; a I Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, (Tbilisi, 1977), que precisou a natureza da Educação Am- biental, defi nindo seus objetivos, características e estratégias no âmbito nacional e internacional; o Encontro Regional de Educação Ambiental para a América Latina (Costa Rica, 1979), que consistiu em seminários para professores, planeja- dores educacionais e administradores; o Congresso Internacional sobre Educação e Formação Ambientais (Moscou, 1987), que estabeleceu as estratégias interna- cionais de ação, a partir das conquistas e difi culdades encontradas nas áreas de educação e formação ambientais desde a Conferência de Tbilisi; e, por fi m, a Rio- 92, como já referido neste trabalho, que abordou a Educação Ambiental como mecanismo estratégico na busca pelo desenvolvimento sustentável57.

No plano nacional, entre as legislações que serviram de base à Lei n. 9.795/99, destacam-se: a Lei n. 4.771/65, que instituiu o novo Código Florestal e prevê, de forma ampla, a Educação Ambiental no art. 42; a Lei n. 5.197/67, que dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências, contemplando a Educação Ambien- tal no art. 35, à luz da Lei n. 4.771/65; e, especialmente, a Lei n. 6.938/81 (regula-

56 Paulo Freire apud GUIMARÃES, op. cit., p. 102.

57 DIAS, op. cit.

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mentada pelo Decreto n. 99.274/90), que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, e a Constituição Federal de 1988.

Dada a relevância da Lei n. 6.938/81 para a edição da Política Nacional de Educação Ambiental, sendo essa considerada um desdobramento daquela, cum- pre transcrever o art. 2º, X, da Lei de 1981, nos termos que dispõe sobre a Educa- ção Ambiental:

Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preser- vação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconô- mico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

[...];

X – educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defe- sa do meio ambiente.

Na sequência, em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da Re pública Federativa do Brasil, contendo um capítulo sobre o meio ambiente e reservando o art. 225, § 1º, VI, para a Educação Ambiental: “[...] incumbe ao Poder Público: VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensi- no e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Assim, devido à perspicácia do constituinte, Dias58 salienta que a Constituição Brasileira de 1988 “é considerada, na atualidade, constituição de vanguarda em relação à questão ambiental”.

Em ambas as legislações, infraconstitucional de 1981 e a Carta Magna de 1988, observa-se que a tônica é a participação popular na proteção e preservação do meio ambiente, sendo que, já na década de 1980, o legislador brasileiro objeti- vava promover a sensibilização das consciências para tal tarefa pela via da peda- gogia ambiental.

Todavia, embora estivesse presente nos textos legislativos, o que ocorria na prática era diferente. A educação ambiental, salvo algumas exceções, mostrou-se amiúde ausente, e, se existente, era efetuada de modo insufi - ciente ou precário. Além disso, não havia um instrumento legal que de fato tratasse do assunto59.

Assim, com o campo de trabalho bem preparado pelos eventos e legislações que a antecederam e com o objetivo de fechar a lacuna existente em termos de

58 DIAS, op. cit., p. 46.

59 LEITE; AYALA, op. cit., p. 326.

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Educação Ambiental, como sinalizam Leite e Ayala60, em 27 de abril de 1999 foi instituída a Política Nacional de Educação Ambiental pela Lei n. 9.795. Essa lei, como se observará pela análise dos artigos feita a seguir, contempla a Educação Ambiental Crítica, sendo, por isso, considerada por Milaré61 uma revolução “pe- dagógica e didática”. Além disso, a Lei n. 9.795/99 conferiu ao Brasil o status de

“primeiro” e “único” país da América Latina a ter uma legislação específi ca para a Educação Ambiental62.

A referida lei, composta de 21 artigos e regulamentada pelo Dec. n. 4.281/2002, trouxe no seu art. 1º o conceito de Educação Ambiental, in verbis:

Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, ha- bilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Interpretando esse conceito, conclui-se que a Educação Ambiental é forma- da por uma gama de processos, de cunho social, político, cultural, econômico etc., e não só relacionados à ecologia. Esses processos visam conscientizar e, acima de tudo, mobilizar todos, pessoas físicas e jurídicas, para a conservação do meio ambiente. O conceito relaciona, assim, a Educação Ambiental com a sustentabi- lidade (econômica, social e ambiental) do planeta.

Antunes acrescenta que o objetivo da Educação Ambiental, nos termos em que está conceituada, é promover a conservação (utilização racional dos recursos naturais) e não a preservação (manutenção da integridade dos recursos naturais) ambiental. E complementa o mesmo autor:

A defi nição constante do artigo 1º é extremamente importante, pois por ela se pode perceber que os processos de educação ambiental devem ter por fi nalidade a plena capacitação do indivíduo para compreender ade- quadamente as implicações ambientais do desenvolvimento econômico e social. [...] A lei, de forma correta, assimilou o conceito existente em nossa Lei Fundamental63.

Avançando no estudo legislativo, chega-se ao art. 2º da Lei n. 9.795/99 e nele está contido, segundo Milaré64, o “pensamento basilar” da Política de Educação

60 LEITE; AYALA, op. cit.

61 MILARÉ, op. cit., p. 680

62 Ibid., 2005, p. 677; DIAS, 2003, p. 201.

63 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 7. ed. rev. ampl. atual. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 251.

64 MILARÉ, op. cit., p. 677.

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Ambiental brasileira, nos seguintes termos: “A educação ambiental é um compo- nente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal”. Para tanto, a Educação Ambiental no ensino formal está prevista nos arts. 9º a 12 e no ensino não formal no art. 13 da referida lei.

A Educação Ambiental no ensino formal, conforme o art. 9º, refere-se aos pro cessos educativos que ocorrem dentro das escolas, tanto públicas quanto pri- vadas, em todos os níveis (educação infantil, ensino fundamental, médio, educa- ção superior etc.) e modalidades (educação profi ssional, educação de jovens e adultos, educação especial etc.) de ensino. Prosseguindo, o art. 10, aprovando a interdisciplinaridade acrescentada ao conceito de Educação Ambiental pela Rio-92, prescreveu que “a educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específi ca no currículo de ensino”, ou seja, todas as disciplinas devem ser trabalhadas de modo a estabelecer um elo com o meio ambiente, o que propi- cia a compreensão do processo como um todo e não em partes, pois o meio am- biente não pode ser estudado de forma fragmentada, mas, sim, de forma articu- lada com seu entorno.

Milaré65 comenta que, dada a interdisciplinaridade da educação ambiental no ensino formal,

os Parâmetros Curriculares Nacionais (PNCs), publicados para que cada escola adapte seu currículo à realidade local e faixa etária dos alunos, apresentam o meio ambiente como um dos assim chamados temas trans- versais na educação formal, “permeando os objetivos, conteúdos e orien- tações didáticas em todas as disciplinas, no período de escolaridade obrigatória”.

Todavia, para que o meio ambiente seja estudado de maneira interdisciplinar é necessário que os educadores estejam preparados para cumprir tão complexa missão. Por essa razão, a Lei de Educação Ambiental trouxe no art. 11 que “a di- mensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas”. O parágrafo único vai além, estabelecen- do que “os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimen- to dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental”.

Por sua vez, conforme o art. 13 da lei em questão, no ensino não formal, a Educação Ambiental refere-se às ações e práticas educativas que ocorrem fora do âmbito curricular das escolas, nas casas de cultura, associações civis, igrejas, enti- dades socioprofi ssionais, instituições governamentais, organizações não governa-

65 MILARÉ, op. cit., p. 678-679.

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mentais etc., “voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambien- tais e a sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente”.

O aspecto não formal amplia a noção de Educação Ambiental para além dos bancos escolares, contemplando toda coletividade, crianças, jovens, adultos e ido- sos, independente da função que exercem na sociedade. Assim, fi ca claro que a obrigação de educar ambientalmente não é apenas da família e da escola, mas dos vários segmentos da sociedade, tanto que o art. 3º da Lei n. 9.795/99 incumbe ao Poder Público, às instituições educativas, aos órgãos integrantes do Sistema Nacio- nal de Meio Ambiente (Sisnama), aos meios de comunicação em massa, empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, à sociedade como um todo promover a Educação Ambiental da maneira que individualmente lhes couber66.

Ainda a respeito da Educação Ambiental no ensino não formal é valiosa a contribuição de Carvalho:

Tais práticas educativas não formais envolvem ações em comunidade e são chamadas de EA comunitária ou, ainda, EA popular. Estas dizem respeito a uma intervenção que, de modo geral, está ligada à identifi cação de problemas e confl itos concernentes às relações dessas populações com seu entorno ambiental, seja ele rural ou urbano. Nesses contextos, a EA busca melhorar as condições ambientais existentes das comunidades e dos grupos, valorizando as práticas culturais locais de manejo do ambien- te. Nesse sentido, o ambiente apresenta-se como espaço onde se dá, na prática cotidiana, o encontro com a natureza e a convivência com os grupos humanos. É nessa teia de relações sociais, culturais e naturais que as sociedades produzem suas formas próprias de viver67.

Dessa forma, cabe lembrar que, embora a Lei n. 9.795/99 tenha distinguido a Educação Ambiental escolar da Educação Ambiental no ensino não formal, manteve-as interligadas pelo objetivo primeiro da referida educação: a sensibili- zação das consciências e a mobilização de todos na busca de soluções para os problemas que afetam o meio ambiente68.

Em complemento ao art. 2º, que na visão de Milaré69 é o “pensamento basi- lar” da Lei de Educação Ambiental, são elencados nos oito incisos do art. 4º os princípios básicos da Política Nacional de Educação Ambiental, dentre os quais destaca-se: “o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo”; “a ga- rantia de continuidade e permanência do processo educativo”; e “a abordagem articulada das questões ambientais, locais, regionais, nacionais e globais”. Fica

66 MILARÉ, op. cit.

67 CARVALHO, op. cit., p. 157.

68 Id.

69 MILARÉ, op. cit., p. 677.

Referências

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