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Toninho Horta. Por Juarez Moreira

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Academic year: 2021

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Por Juarez Moreira

Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet

Eu já tinha naquela época interesse pelo violão, que surgiu na minha vida por intermédio de meu pai com os discos de Bonfá, João Gilberto, Baden. Já pressentia que iria ser perseguido ao longo de toda a minha vida por este artefato de seis cordas. Depois de uma pequena fase assistindo à jovem guarda, tive outro impacto assistindo, se bem me lembro, ao programa do Célio Balona pela TV Itacolomi de Belo Horizonte.

Naquela época não havia a sociedade da informação, de maneira que “o que era bom “ era o que vinha do Rio e São Paulo. Foi quando, de repente, vi um rapaz bem magro com dedos compridos tocando ao violão belos e sofisticados acordes. Me recordo que era a música “Saveiros”, de Dori Caymmi e Nelson Mota. O que mais me chamou a atenção foi o fato de que ele não era nem do Rio nem de São Paulo.

Mal saberia que eu estava conhecendo um dos grandes violonistas brasileiros, o qual iria exercer influência em mim e em toda uma geração. Mal saberia, também, que me tornaria um grande amigo dele e que aquele momento seria o motivo para eu estar aqui, agora realizando a função de escriba.

O pano vira e me encontro agora em BH no começo dos “setenta”.

Sempre fui um bossa novista e, também, ligado ao choro e ao jazz. Tinha como paradigma os violões de Bonfá, Baden, Laurindo, etc. Aí ouvi aquele som que mais tarde viria a ser chamado de “Clube da Esquina”. Foi quando ouvi de novo o violão do Toninho. Me soou mais estimulante ainda. Já não era bossa-nova, mas tinha uma harmonia sofisticadíssima e os ritmos nem sempre passavam pelo samba.

Fui apresentado ao Toninho, e aquilo foi extremamente importante do ponto de vista estético e também pessoal. Eu queria ser músico profissional e este encontro e a amizade que se seguiu foi muito importante - definitivo. Naqueles tempos sombrios da ditadura era muito difícil para um jovem como eu (que veio para BH estudar engenharia) seguir a profissão de músico. Devo dizer que, além de talentoso, ele é uma das pessoas mais generosas que conheci e, também, um músico que muito me incentivou e deu força. Me sinto muito orgulhoso em escrever sobre este músico importante e amigo.

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Copyright © 2008-2009 - Juarez Moreira – Todos os direitos reservados. A formação e o ambiente em que surgiu o músico

Toninho é compositor, arranjador, violonista e atuou como músico em várias gravações, shows e trilhas. Sobre sua música e obra tão vasta, particular e diversa, temos material para um livro.

Autodidata, nunca teve ou recebeu, por muito tempo, aulas regulares de violão ou de teoria musical, a não ser por um breve período na FUMA. O autodidatismo, processo muito comum nos anos 1960 e 70, é muito natural em nosso país e possibilita o surgimento de grandes talentos e muita criatividade. Hoje temos mais escolas de música e é muito fácil o acesso à academia. A formação do músico popular é aleatória e, por isso, muitas vezes produz uma música muito rica. É importante dizer que o Toninho aprendeu a ler música e cifra muito bem e recebeu a influência de vários músicos como Chiquito Braga, Pedro Matheus e do seu irmão Paulo Horta, que fazia bailes e tocava em orquestras.

Pelo que sei Paulo foi o “inventor de Toninho Horta”. Eu o conheci na casa de sua mãe, D. Geralda, no bairro Horto, em Belo Horizonte, nos começo dos setenta, junto com o André Dequech e o Iuri Popoff. Toninho foi criado neste ambiente de grandes músicos, com um gosto muito apurado, com muitos discos em volta e uma casa freqüentada por músicos como Chiquito Braga, Nivaldo Ornelas, Milton Nascimento, Helvius Vilela, Aécio Flávio e muitos outros. Toninho não teria escola melhor do que neste ambiente.

Com relação ao violonista Toninho, o que me chamou a atenção, além das harmonias, foi o som do violão tocado sem unha. Fui criado em um ambiente onde violão se tocava com unha e foi uma surpresa ver o Toninho tirando um som redondo e, ao mesmo tempo, suave e potente.

Curioso foi que, convivendo com ele, fui descobrindo que ele nunca estudou técnica de violão formal como a maioria (arpejos e escalas). Por outro lado, era dificílimo executar suas composições e seus acompanhamentos. São acordes com pestanas e com vários ritmos difíceis de ser articulados precisamente e com swing. Onde foi que ele aprendeu a técnica para executar daquela maneira?

Como falei, o aprendizado de música popular é muito “sui generis”. Você vai aprendendo e fazendo, fazendo e aprendendo.

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Copyright © 2008-2009 - Juarez Moreira – Todos os direitos reservados.

Ele praticou muito, mas já trabalhando. Acompanhando, compondo, tocando em grupos e ouvindo muita música de qualidade. Muitos violonistas tiveram momentos em que executavam arranjos de outros para praticar. Ele quase nunca fez isto. Seu aprendizado foi muito diferente e particular.

Outra coisa que devo observar: Toninho sempre tinha um disco novo com uma sacada interessante para mostrar. Eu mesmo tive a sorte de ser “aplicado” por ele em vários LPs que ouvia em sua casa.

Ele é muito conhecido dentro do contexto do Clube da Esquina, mas sua música para mim atravessa este limite. Junto com o compositor ele é um instrumentista e um estilista do violão tal como Baden e João Gilberto. É curioso também o fato de ele ser conhecido pelas harmonias e acordes, os solos e improvisos e, ao mesmo tempo, nunca ter se arvorado em fazer solos de violão, como me confidenciou várias vezes, embora eu o considere um grande solista. Ele possui peças para violão interpretadas impecavelmente no CD “Quadro Modernos”.

As influências:

Aparentemente, ou muitas vezes, Toninho usa acordes que nos transportam para a bossa nova ou o jazz, mas além disto possui composições que têm lirismo e poesia e alguma influência barroca, até mesmo uma certa religiosidade. A propósito, nos anos 1970, diziam no meio musical, com certa ironia, que a música mineira era “música de igreja”. Quanto a isto, não é só em Minas que existem igrejas... Dizem até que na Bahia existem muito mais igrejas do que em Minas Gerais.

Ao longo do tempo Toninho incorporou à sua música influências da música pop como vários de sua geração. Mas esta influência não era um fator determinante no todo de sua composição. Na verdade sua música é contemporânea e permeável a vários outros estilos.

Isto tem a ver com sua personalidade aberta, generosa e de um homem que tem muitos amigos e gosta sempre de conhecer pessoas novas e diferentes, além de ser um músico curioso, viajado e com muita experiência pragmática, que acumulou ao longo da sua vida profissional, tocando com músicos do mundo inteiro.

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Copyright © 2008-2009 - Juarez Moreira – Todos os direitos reservados. O Estilo Musical

Side man (O acompanhador)

Outra habilidade e talento que possui é sua facilidade para acompanhar. Causam espécie acompanhamentos que ele fez para Milton Nascimento, Gal Costa, Nana Caymmi e João Bosco.

Com um tempo preciso só comparável a João Gilberto, a meu modo de ver, reinventou um groove particular, com acordes em bloco, conduzindo as vozes e salientando o bordão para dar o efeito de um contrabaixo real. Usa também um “rasgueado” particular, diferente do flamenco, no qual o polegar faz um ritmo regular nos dando a sensação de haver mais de um músico tocando, ou a sensação de que não é necessário outro músico para completar o ritmo. Ou seja, ele supre sozinho esta função.

Possui uma facilidade enorme em tocar as síncopes sem perder a pulsação. Isto é muito difícil, pois usa acordes de 05, 06 sons com pestanas e aberturas de dedos. Algo que exige muita técnica para executar. Como disse antes, alguns acompanhamentos que ele fez apresentam uma complexidade e dificuldade técnica quase igual a determinados solos de violão.

O violonista e o guitarrista:

É muito difícil ser fiel a dois senhores. Toninho possui estilo e originalidade tanto na guitarra elétrica como no violão. São poucos os músicos que conheço que transitam de um para o outro e que têm um som próprio e original que é rapidamente identificado.

Uma coisa importante a dizer é que ele nunca copiou frases de guitarristas ou outros músicos. Ele ouvia sempre muita música, havia muita informação em sua volta, mas ela aparecia na sua forma de tocar e nas suas composições já traduzida e, de maneira “macunaímica”, processada - com muito bom gosto, originalidade e com as nuances brasileiras do ponto de vista rítmico e da interpretação. Ou seja, uma linguagem nova e original.

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Copyright © 2008-2009 - Juarez Moreira – Todos os direitos reservados. O improvisador

O improviso calmo e sereno, com poucas notas, sem mostrar virtuosismo, apenas a serviço da música. Isto também era novidade e mostrava sua personalidade musical, porque o que sempre se espera dos violonistas é rapidez, arroubo e velocidade. Toninho convencia pelas frases curtas, melódicas e pela inteligência na colocação dos acordes e o senso rítmico apropriado para interpretar (aquilo que, mais tarde, chamariam de “groove”).

Acredito que até levou um certo tempo para cair a ficha e para que vários músicos e críticos tivessem a real dimensão da música do Toninho. Eu me lembro de pessoas ou alguns jovens músicos me dizendo, nos anos 1970, que ele deveria tocar mais notas, ser mais agressivo. Eu dizia: "Suba no palco com ele e você vai perceber muito rápido o que realmente acontece". Não posso revelar estes nomes mas, a todo momento, vem um destes me dizer, muitos anos depois (e minha memória é muito boa): “O Toninho é uma máquina tocando não é?” E eu respondo: "Eu te falei!"

Peculiaridades e Habilidades

"Beijo Partido"

"Beijo Partido" é uma música cheia de cadências harmônicas e, mesmo assim, é muito popular. Já presenciei multidões cantando esta melodia. Certa vez, um músico estrangeiro me disse que era inacreditável que uma música como esta, por sua complexidade, ser tão popular. Na música popular européia e americana muitas vezes as harmonias são muito simples, compostas com apenas três acordes.

Toninho e o piano:

Uma das coisas que, como amigo, compartilhei foi ver Toninho brincando com o piano. Sempre dizendo que era um pouco preguiçoso e se tivesse mais tempo teria se dedicado mais ao piano. Era algo de muito musical e espontâneo ele interpretando, por exemplo, "Céu de Brasília" ou "Green Dolphin Street" (uma bela harmonização). Eu já vi muitos pianistas jovens que estavam começando ficarem impressionados. Os dedos

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longos parecia que facilitavam. Recordo-me de alguns acordes cheios que me lembravam Bill Evans e Herbie Hancock. O interessante é que tudo era muito despretensioso, espontâneo, solto.

O acompanhamento para “Sabe Você” no disco Milagre dos Peixes ao Vivo:

Wagner Tiso me respondeu, quando perguntei sobre o arranjo e a harmonia de "Sabe Você", que escreveu os acordes e Toninho desenvolveu a “levada”, imprimindo seu caráter à musica. Às vezes, quando ele está presente, não é necessário o pianista tocar durante todo o tempo. Já vi muitos pianistas humildemente “tirarem a mão” para não atrapalhar sua harmonia.

O solo de "Trem Azul":

Foi a primeira vez que escutei uma música ser gravada por outro intérprete e o improviso da guitarra se tornar parte da música.

Uma das homenagens que Toninho recebeu em vida (como disse Drummond, devemos ser homenageados em vida; depois que morremos não tem graça) foi o fato de Tom Jobim ter regravado "Trem Azul" e incluído a melodia do solo de guitarra de Toninho em seu arranjo. O solo da guitarra se tornou parte da composição. Toda vez que ouvimos a melodia não conseguimos dissociá-la do solo.

Arranjo para "Sonho Real":

Quando ele estava fazendo o arranjo para orquestra de "Sonho Real", de Lô Borges, eu estava com ele e presenciei o momento em que, ao escrever a parte de harpa (coisa que ele nunca havia feito), ele ligou para Wagner Tiso perguntando como é que se escrevia para este instrumento. Wagner orientou que ele escrevesse como se fosse para piano, o que Toninho fez de maneira magistral, resultando em um dos mais belos arranjos que eu conheço.

No que diz respeito à música, para ele é tudo muito simples e natural. Escreveu para os seus discos belas orquestrações, que não devem nada a arranjos feitos por grandes maestros.

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Copyright © 2008-2009 - Juarez Moreira – Todos os direitos reservados. Generosidade - Casa Aberta

Nos anos 1970 era muito comum irmos à casa do Toninho. Lá encontrávamos outros músicos ou o Toninho tocando violão ou apresentando um disco novo ou uma gravação que ele havia feito em um disco de Elis Regina, por exemplo. Era tudo muito espontâneo e nunca me esqueci disto. A sensação que eu tenho é que os dias naquela época duravam mais. Não havia a pressa de hoje e parecia que tínhamos todo o tempo do mundo. Havia mais contemplação sobre a música e suas implicações. Foi riquíssimo e estimulante o que vi e aprendi naquelas tardes.

A respeito disto, Túlio Mourão me disse que também freqüentou muito a casa do Toninho já no final dos anos 1960 e começo dos 70 com Lô Borges e Beto Guedes. Segundo ele, Toninho dava aulas de harmonia para eles com muita generosidade.

Me sinto muito grato ao Toninho por sua música, pelo ser humano que é e pelo apoio que sempre me deu, e muito orgulhoso por um dia ele ter gravado uma composição minha que dá nome a um de seus discos: “Diamantina”.

Referências

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