• Nenhum resultado encontrado

Exame da constitucionalidade da internação psiquiátrica forçada em pessoa com transtorno mental a partir do critério da proporcionalidade

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Exame da constitucionalidade da internação psiquiátrica forçada em pessoa com transtorno mental a partir do critério da proporcionalidade"

Copied!
386
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

PATRÍCIO JORGE LOBO VIEIRA

EXAME DA CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA FORÇADA EM PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL A PARTIR DO CRITÉRIO

DA PROPORCIONALIDADE

NATAL/RN 2020

(2)

EXAME DA CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA FORÇADA EM PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL A PARTIR DO CRITÉRIO DA

PROPORCIONALIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. iur. Leonardo Martins, LL.M.

NATAL/RN 2020

(3)

Vieira, Patrício Jorge Lobo.

Exame da constitucionalidade da internação psiquiátrica forçada em pessoa com transtorno mental a partir do critério da proporcionalidade / Patrício Jorge Lobo Vieira. - 2020.

386f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2020. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Martins.

1. Constitucionalidade - Dissertação. 2. Internação psiquiátrica não consentida - Dissertação. 3. Pessoa com transtorno mental Dissertação. 4. Proporcionalidade

-Dissertação. I. Martins, Leonardo. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 342

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

(4)
(5)

DEDICATÓRIA

Dedico esta Dissertação aos meus pais Antônio Eudes (in memoriam) e Eliete, razão do meu viver, assim como às pessoas com transtorno mental, aos seus familiares e aos profissionais de todas as áreas envolvidas com a questão da saúde mental.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primordialmente ao Deus todo poderoso e à Virgem Maria.

Agradeço ao amigo e professor-orientador Leonardo Martins, um exemplo de profissional que dedica a sua vida à construção e aprimoramento do Direito, como também aos professores doutores Ingo Sarlet, Ricardo Tinoco de Góes e Emerson Arcoverde, integrantes da banca de defesa que em muito auxiliaram no aperfeiçoamento desta pesquisa.

Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao Tribunal de Justiça deste Estado e à minha equipe da 1ª Vara de Família da Comarca de Mossoró.

Registro a minha gratidão à minha mãe Eliete, aos estimados professores Artur Cortez Bonifácio e Yara Pereira Gurgel, e aos amigos Dijonilson Veríssimo, Felipe Barros, Gustavo Xavier, José Albenes e Fabrício Germano, responsáveis pelo apoio e estímulo nas horas difíceis em que pensei em desistir.

(7)

“A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.”

Simão Bacamarte ‘O Alienista’, de Machado de Assis “Ningún grupo social ha sido estigmatizado de modo tan doloroso como el de las personas con discapacidades físicas y mentales.”

Martha Nussbaum

“A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não a tivesse”

Coringa (Joker)

“[…] eles me chamavam de doido, e eu os chamava de doidos, e os danados ganharam”

(8)

RESUMO

A Lei da Reforma Psiquiátrica alterou toda a sistemática da política de tratamento da pessoa com transtorno mental ao reconhecer a dinâmica inclusiva e a primazia dos serviços extrahospitalares. O Estatuto da Pessoa com Deficiência incorporou preceitos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência quando alterou o sistema das capacidades e, assim, reconheceu a autonomia do ser humano como valor fundante em relação a tratamentos e hospitalização, excepcionando medidas emergenciais. A mente humana possui especificidades, e pessoas podem não dispor da autodeterminação necessária à realização de atos na vida civil, inclusive no âmbito da consciência em relação à necessidade de tratamento para preservação da própria vida, afigurando-se indispensável a interface com outros saberes, sobretudo a psiquiatria. Nessa correlação, a dissertação trata do problema da violação da liberdade e da dignidade em detrimento da lei da reforma psiquiátrica e do dilema acerca do tratamento não consentido como meio necessário à preservação da saúde, da vida e da própria dignidade diante do dever estatal de proteção inerente à dimensão objetiva dos direitos fundamentais, impondo-se o tratamento como medida de proteção e resgate da própria autodeterminação da pessoa com transtorno mental em situação de crise e estado de vulnerabilidade. Nesse sentido, será traçado um panorama do transtorno mental e a problemática nacional e mundial. Abordar-se-á a história da loucura e dos manicômios, a regulação dos direitos das pessoas com transtorno mental, inclusive no direito comparado, delineando-se os conflitos na saúde mental no contexto jurídico e interdisciplinar. Discorrer-se-á sobre a autodeterminação como direito fundamental e elemento da dignidade humana, volvendo-se ao consentimento informado e às limitações humanas, como também aos dilemas atinentes à liberdade e ao dever estatal de proteção, no âmbito da restrição dos direitos. Por fim, proceder-se-á à análise da constitucionalidade da Lei nº 10.216 de acordo com a proporcionalidade, com abordagem de decisões judiciais de âmbito nacional, regional e local, atentando-se para a necessidade ou não de autorização constitucional expressa para a restrição de direitos fundamentais, sobremodo no âmbito da autodeterminação do ser humano, com ênfase na justificação constitucional da intervenção estatal, mediante averiguação da licitude do propósito e do meio, da adequação e da necessidade diante do propósito da norma, apresentando-se, ao final, proposições construtivas em relação à temática. Para isso, o estudo, de natureza exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa e método dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica, destina-se à avaliação da constitucionalidade formal e material das internações psiquiátricas forçadas sob o viés da proporcionalidade como critério metodológico legitimador do ônus da justificação estatal na intervenção nos direitos fundamentais das pessoas com transtorno mental.

Palavras-Chave: Constitucionalidade. Internação psiquiátrica não consentida. Pessoa com

(9)

ABSTRACT

The Psychiatric Reform Law changed the entire policy of treating people with mental disorders by recognizing the inclusive dynamics and the primacy of outpatient services. The Statute of the Person with Disabilities incorporated the provisions of the Convention on the Rights of Persons with Disabilities when it changed the system of capacities and, thus, recognized the autonomy of the human being as a fundamental value concerning treatments and hospitalization, except for emergency measures. The human mind has specificities, and people may not have the necessary self-determination to perform acts in civil life, including in the context of awareness regarding the need for treatment to preserve their own lives, making it necessary to interface with other knowledge, especially psychiatry. In this correlation, the dissertation discusses the problem of the violation of freedom and dignity to the detriment of the psychiatric reform law and the dilemma regarding non-consented treatment as a necessary means for the preservation of health, life, and dignity in the face of the state duty of protection. Inherent to the objective dimension of fundamental rights, imposing treatment as a measure of protection and rescue of the self-determination of the person with a mental disorder in a situation of crisis and state of vulnerability. In this sense, an overview of the mental disorder and the national and global issues will be outlined. The history of madness and asylums will be addressed, as well as the regulation of the rights of people with mental disorders, including comparative law, outlining the conflicts in mental health in the legal and interdisciplinary context. It will discuss self-determination as a fundamental right and an element of human dignity, focusing on informed consent and human limitations, as well as the dilemmas related to freedom and the state's duty of protection, within the scope of the restriction of rights. Finally, the constitutionality of Law No. 10.216 will be analyzed according to proportionality, with the approach of judicial decisions of national, regional, and local scope, paying attention to the need or not of express constitutional authorization for the restriction of fundamental rights, especially within the scope of human self-determination, with an emphasis on the constitutional justification of state intervention, by examining the lawfulness of the purpose and the means, the adequacy and the need in view of the purpose of the norm, presenting itself, in the end, constructive propositions in relation to the theme. For this, the study is exploratory and descriptive in nature, with a qualitative approach and deductive method, through bibliographic research, and it is intended to assess the formal and material constitutionality of forced psychiatric hospitalizations under the bias of proportionality as a methodological criterion that legitimizes the burden of state justification for intervention in the fundamental rights of people with mental disorders.

Keywords: Constitutionality. Not consented psychiatric hospitalization. Person with a mental

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 CONCEITUAÇÃO DE TRANSTORNO MENTAL E A PROBLEMÁTICA MUNDIAL ... 16

2.1 PANORAMA SOBRE A LOUCURA E MANICÔMIOS NO CONTEXTO HISTÓRICO MUNDIAL: UM PERCURSO NECESSÁRIO ... 29

2.2 UMA ABORDAGEM DO HISTÓRICO MANICOMIAL NO BRASIL ... 48

2.3 A REGULAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL: UM PANORAMA DO REGRAMENTO MUNDIAL E NACIONAL...61

2.4 INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS NO DIREITO ESTRANGEIRO ... 80

2.5 A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS E A INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: OS CONFLITOS NA SAÚDE MENTAL EM UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR ... 91

2.6 OS DILEMAS DA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA NÃO CONSENTIDA ... 102

2.7 DISCUSSÃO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 10.216/2001 . 128 3 AUTODETERMINAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL, O DEVER ESTATAL DE PROTEÇÃO E A PROPORCIONALIDADE ... 141

3.1 DIGNIDADE HUMANA E DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 141

3.2 O CONSENTIMENTO INFORMADO E AS LIMITAÇÕES HUMANAS ... 156

3.3 LIBERDADE, LIMITES DA AUTODETERMINAÇÃO E O DEVER ESTATAL DE PROTEÇÃO ... 175

3.4 DIMENSÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: O DEVER DE AGIR... 176

3.5 LIMITES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 182

3.6 A PROPORCIONALIDADE COMO ÔNUS DA JUSTIFICAÇÃO ESTATAL.... 192

3.6.1 Conceituação e caracterização: a proporcionalidade no contexto dos direitos fundamentais ... 195

3.6.2 Pressupostos ... 199

3.6.2.1 Licitude do propósito... 203

3.6.2.2 Licitude do meio utilizado ... 203

3.6.2.3 Adequação do meio utilizado ... 203

3.6.2.4 Necessidade do meio utilizado ... 203

4 CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 10.216 DE ACORDO COM A PROPORCIONALIDADE ... 207

4.1 DECISÕES JUDICIAIS E INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA ... 207

4.1.1 Superior Tribunal de Justiça... 208

4.1.2 Tribunais de Justiça do Brasil ... 210

4.1.3 Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte ... 214

4.1.4 Comarca de Mossoró... 216

4.1.5 Hospital São Camilo em Mossoró ... 221

4.2 A PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS ... 223

4.2.1 Constitucionalidade Formal ... 225

(11)

4.3 A PROPORCIONALIDADE E A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL ... 228

4.3.1 O parâmetro de constitucionalidade ... 229

4.3.2 A área de proteção do direito fundamental à autodeterminação da pessoa com transtorno mental e a intervenção estatal ... 233

4.3.3 Justificação constitucional da intervenção estatal verificada... 236

4.3.3.1 A (des)necessidade de autorização constitucional expressa ... 237

4.3.3.2 Licitude do propósito... 246

4.3.3.3 Licitude do meio de intervenção ... 247

4.3.3.4 Adequação da Lei nº 10.216/2001 em face do seu propósito... 252

4.3.3.5 Necessidade diante do propósito da norma ... 267

4.4 UMA CONCLUSÃO PELA CONSTITUCIONALIDADE ... 289

4.5 PROPOSIÇÕES DE LEGE FERENDA ... 293

5 CONCLUSÃO ... 301

(12)

1 INTRODUÇÃO

Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS),1 uma em cada quatro famílias tem ou terá pelo menos um membro que sofre transtorno mental ou comportamental, o que implica consideráveis impactos sobre os indivíduos, as famílias, as comunidades, a economia, a cultura e a sociedade em geral.

Pessoas com transtorno mental eram – e ainda são – tratadas como seres incapazes, muitos dos quais enclausurados por não se enquadrarem em conceituações aceitas pela sociedade, estigmatizados, invisíveis, esquecidos pela sociedade e sem voz – ainda hoje –, sem a condição de seres humanos sujeitos de direitos fundamentais, em flagrante ofensa à dignidade humana e à própria igualdade, quando eram e são merecedores de igual respeito e consideração. A Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001) veio a trazer uma nova roupagem à política de tratamento das pessoas com transtornos mentais, mas também regulamentou um dos temas mais controvertidos na seara da saúde mental e no próprio Direito, que é a internação psiquiátrica não consentida como forma de tratamento.

Vivencia-se uma época em que se iniciam discussões em relação ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, a chamada Lei Brasileira da Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que veio a romper, historicamente, o paradigma da condição de incapacidade civil absoluta para pessoas com transtornos mentais, permitindo, entre tantos outros direitos, a consolidação e reconhecimento de direitos existenciais.

No âmbito do Direito, sobretudo no que tange à polêmica acerca de tratamentos não consentidos, evidencia-se tensão entre direitos fundamentais, notadamente relacionada à autonomia de vontade do ser humano em face do consentimento e da intervenção estatal na liberdade com finalidade de proteção da pessoa com transtorno e da promoção da sua saúde mental com o objetivo de propiciar-lhe uma vida digna por meio do resgate da sua autodeterminação.

A temática dos tratamentos obrigatórios de pessoas com transtorno mental apresenta dilemas dos mais diversos. Há profundas divergências relativas à intervenção mais rigorosa na liberdade do indivíduo. Por isso, afigura-se imprescindível uma análise intertextual entre as ciências jurídicas e outros saberes, a exemplo da Psiquiatria e do campo da Bioética, como também estudo acurado da legislação nacional e estrangeira, com enfoque na concretização dos direitos fundamentais das pessoas em situação de vulnerabilidade.

1 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental Health ATLAS 2017. Disponível em:

(13)

A dissertação ocupa-se da análise da constitucionalidade formal e material das internações psiquiátricas não consentidas como medida de tratamento em relação às pessoas com transtorno mental, no âmbito extrapenal, de sorte que se possa trazer à reflexão da comunidade a complexa e interdisciplinar temática, auxiliar profissionais da área jurídica a compreender melhor um tema tão denso e apresentar elementos técnicos para gestores, profissionais da área de saúde mental, usuários e familiares, alvitrando-se colaborar para o aprimoramento das medidas relativas ao tratamento e inclusão das pessoas com transtorno mental.

Destaca-se que a presente pesquisa não envolverá transtornos mentais relacionados à dependência química de álcool e substâncias psicoativas, tendo em vista as inúmeras peculiaridades que envolvem o assunto e que exigem pesquisa específica, além da necessidade desenvolvimento apenas sobre transtornos mentais específicos e mais recorrentes, notadamente relacionados à depressão, esquizofrenia, ao transtorno de personalidade, transtorno alimentar e à bipolaridade, porquanto são dezenas de transtornos mentais, cada qual com infindáveis especificações.

Em face do panorama retro descrito, emerge o problema da presente pesquisa: em que medida seria constitucionalmente possível o tratamento não consentido de pessoa com transtorno mental diante da intervenção estatal na liberdade, quando examinada sob a ótica da sua autodeterminação? Derivam desse problema algumas outras questões norteadoras que merecem investigação: o tratamento obrigatório, em se tratando de medida restritiva de direito fundamental de liberdade, viola ou preserva direitos fundamentais? Seria uma medida interventiva proporcional?

Deriva-se desses questionamentos uma hipótese básica que carece ser testada, que é a seguinte: o tratamento sem consentimento de pessoa com transtorno mental em situação de crise ou de risco de agressão à sua própria vida ou de terceiros, como medida protetiva, adequada e necessária, proporcionará o resgate da sua autodeterminação e a melhoria do quadro grave de saúde mental, na condição de direito fundamental social concretizador da sua dignidade humana. Para a restrição do direito fundamental à liberdade, a aferição dos pressupostos da proporcionalidade apresentar-se-ia indispensável para a fundamentação da medida extrema, com demonstração de que, para o caso concreto, a restrição à liberdade seria medida mais benéfica à pessoa com transtorno mental.

O referencial normativo deste estudo envolve a Constituição Federal, a Lei da Reforma Psiquiátrica, o Código Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, convenções internacionais e a doutrina jurídica do Direito nacional e estrangeiro. Como parâmetro teórico-metodológico

(14)

aplicam-se os reconhecimentos derivados da teoria liberal dos direitos fundamentais desenvolvidos por Schlink,2 sustentada no Brasil por Martins,3 no sentido de que compete ao Estado a justificação das intervenções nos direitos fundamentais, e não ao respectivo titular do direito a justificativa para o seu exercício,4 como também pelo fato de que, na referida teoria, está o suporte para a separação entre a atividade legislativa e a aplicação do Direito, de maneira que as opções político-ideológicas devem ter como foro competente a esfera política legiferante. Por sua vez, compete ao intérprete e aplicador da legislação a análise e aferição do suporte da atuação estatal restritiva de direitos com supedâneo em argumentação jurídica constitucionalmente adequada.

Ademais, apresenta-se indispensável o referencial teórico da literatura das ciências da saúde, sobretudo os estudos e artigos científicos originários da Psiquiatria, como também da Psicologia, da Enfermagem e do Serviço Social. Desse modo, propicia-se uma visão interdisciplinar imprescindível para a compreensão, reflexão e apresentação de ideias, no contexto de um estudo de natureza exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa.

Destaque-se que será utilizado o método dedutivo como forma de abordagem e, na dimensão metodológica procedimental, adotar-se-á a pesquisa bibliográfica para avaliar o estado da arte quanto ao objeto do estudo proposto. Nesse sentido, realizar-se-á estudo pautado em aferição teórica, com análise da doutrina especializada, de modo a buscar as contribuições teóricas existentes sobre o assunto, sobremodo na seara interdisciplinar. Quanto ao conhecimento das condicionantes do problema, no âmbito da organização, aplicar-se-á o método de análise documental com vistas a examinar documentos que colaborem para a melhor compreensão das circunstâncias sociais, legais, econômicas e terapêuticas sobre o presente objeto do estudo.

Para tanto, no primeiro Capítulo serão delineados os contornos alusivos à conceituação do transtorno mental, a sua problemática no âmbito nacional e mundial, trazendo-se à colação apontamentos sobre o contexto histórico da loucura e do manicômio, inclusive no Brasil, assim como aspectos inerentes à regulação concernente ao direito das pessoas com transtornos mentais, à política pública de saúde adotada pelo Estado Brasileiro, ao Direito estrangeiro e às

2 SCHLINK, Bernhard. Tradução por Leonardo Martins. Liberdade mediante resistência à intervenção estatal:

reconstrução da função clássica dos direitos fundamentais. Revista de Direito Civil Contemporâneo. v. 11. ano

4. p. 261-297. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017. Disponível em:

http://ojs.direitocivilcontemporaneo.com/index.php/rdcc/article/view/292. Acesso em: 31. jan. 2020.

3 MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação

a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 30-33; DIMOULIS e Martins, 2018, p. 138.

(15)

discussões no contexto interdisciplinar e no âmbito jurídico, sobretudo as controvérsias atinentes à constitucionalidade da Lei n. 10.216/2001. Tais considerações são imprescindíveis para a compreensão em relação à situação atual dos dilemas acerca das internações psiquiátricas obrigatórias.

No segundo Capítulo, opta-se pela abordagem da autodeterminação do ser humano como direito fundamental e elemento integrante da própria dignidade da pessoa humana, explorando-se a complexidade do consentimento informado diante das limitações da mente humana da pessoa com transtorno mental. A pesquisa prosseguirá com a análise dos paradoxos que envolvem as dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, volvendo-se ao dever estatal de proteção, especialmente quando o tema envolve ação prestacional vinculada à saúde mental, elementos imprescindíveis para a compreensão do intrincado debate sobre a restrição de direitos fundamentais não expressamente previstos na Constituição Federal. Na sequência, serão delineados os aspectos inerentes ao princípio da proporcionalidade como ônus da justificação estatal e limite dos limites das restrições aos direitos fundamentais.

Nessa perspectiva, no último Capítulo, proceder-se-á à análise da constitucionalidade formal e material da internação psiquiátrica não consentida. Nele será também apresentada a visão dos Tribunais brasileiros, incluindo-se as decisões no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte e da Comarca de Mossoró-RN. Ato contínuo, o estudo se desenvolverá com a definição do parâmetro de constitucionalidade e da área de proteção, para, em seguida, uma vez definida a seara da intervenção estatal na área de proteção, proceder-se à aferição da justificação constitucional, mediante o teste da proporcionalidade da Lei nº 10.216/2001, volvendo-se à licitude do propósito e do meio, constatação da adequação ou não da medida e da sua necessidade.

Ao final da pesquisa, uma vez implementada a conclusão respectiva, serão externados os aspectos positivos e negativos da Lei da Reforma Psiquiátrica, inclusive por meio da apresentação de propostas de alterações legislativas necessárias ao aprimoramento da legislação. Nessa altura, almeja-se conferir maior segurança jurídica em relação à proteção das pessoas com transtorno mental, não se olvidando de sugestões aos aplicadores da lei para aprimoramento das decisões judiciais diante da complexidade do tema.

(16)

2 CONCEITUAÇÃO DE TRANSTORNO MENTAL E A PROBLEMÁTICA MUNDIAL

Não há, nem mesmo no âmbito mundial, uma definição precisa, satisfatória o bastante, de transtorno mental.5 Como parâmetro, tem-se adotado a observância dos aspectos delineados no DSM-5,6 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, para a qual o transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que têm o condão de afetar, entre outras tantas relevantes, as atividades sociais e profissionais do atingido.

Para a Organização Mundial de Saúde, os transtornos mentais configuram perturbações mentais e comportamentais, como condições clinicamente significativas caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor (emoções), ou por comportamentos associados com a angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento.7

A doutrina8 conceitua o transtorno mental como alteração do funcionamento da mente que prejudica o desempenho da pessoa na vida familiar, social, pessoal, no trabalho, nos estudos, na compreensão de si e dos outros, na possibilidade de autocrítica, na tolerância aos problemas e na possibilidade de ter prazer na vida em geral, de maneira que o transtorno mental não deixa qualquer aspecto da condição humana intocado. Em síntese, ele resulta da soma de muitos fatores, tais como alterações no funcionamento do cérebro, fatores genéticos, fatores da própria personalidade do indivíduo, condições de educação, ação de um grande número de estresses, agressões de ordem física e psicológica, como também perdas, decepções, frustrações e sofrimentos físicos e psíquicos que perturbam o equilíbrio emocional.

5 MONTEIRO, Fábio de Holanda. A internação psiquiátrica compulsória na perspectiva dos direitos humanos

e fundamentais. Curitiba: Prismas, 2016. p. 137-138.

6 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais

[recurso eletrônico]: DSM-5. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 20.

7 RELATÓRIO mundial da saúde: saúde mental: nova concepção, nova esperança. Tradução Gabinete de Tradução

Climepsi Editores. Lisboa: Climpepsi, 2001, p. 50. Disponível em: https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-mundial-da-saude-2001—saude-mental-nova-concepcao-nova-esperanca-pdf.aspx. Acesso em: 10 set. 2019.

8 AMARAL, Osvaldo Lopes. Transtornos mentais. Instituto de Estudos e Orientação da Família. Água Branca

(17)

A Associação Americana de Psicologia descreve o transtorno mental como aquele caracterizado por sintomas psicológicos, comportamentos anormais, funcionamento prejudicado ou qualquer combinação destes.9

Por sua vez, a OMS10 conceitua a própria saúde mental como um estado de bem-estar11 no qual o indivíduo exprime suas capacidades, enfrenta os estressores normais da vida, trabalha produtivamente e de modo frutífero, e contribui para a sua comunidade. Resta evidenciado, assim, que a saúde mental é parte integral da saúde, revelando-se ser mais do que ausência de doença e uma vertente intimamente ligada à saúde física e ao comportamento humano.12

A Organização Mundial de Saúde esclarece que existem diversos transtornos mentais, com apresentações diferentes. Em regra, são caracterizados por uma combinação de pensamentos, percepções, emoções e comportamento anormais, que também podem afetar as relações com outras pessoas. Entre eles, encontram-se a depressão, o transtorno afetivo bipolar, a esquizofrenia, o transtorno de personalidade e outras psicoses, a demência, deficiência intelectual e os transtornos de desenvolvimento, incluindo-se o autismo. No entanto, existem estratégias eficazes para a prevenção de transtornos mentais e alívio do sofrimento causado por eles, a exemplo da depressão, o que torna imprescindível o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde e aos serviços sociais capazes de proporcionar tratamento e apoio social.

No contexto internacional, a carga dos transtornos mentais continua crescendo, com impactos significativos sobre a saúde e as principais consequências sociais, de direitos humanos e econômicas em todos os países do mundo.13

No âmbito do sistema brasileiro, os transtornos mentais vinculam-se ao CID 10, com dezenas de classificações, conforme a espécie de transtorno, do F00 ao F99,14 referindo-se à existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecíveis, associados, na maioria dos casos, ao sofrimento e à interferência em funções pessoais.

9 VANDENBOS, Gary (org.). Dicionário de psicologia da APA. Tradução Daniel Bueno, Maria Adriana

Veríssimo Veronese, Maria Cristina Monteiro; revisão técnica Maria Lúcia Tiellet Nunes, Giana Bitencourt Frizzo. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 985.

10 WORLD HEALTH ORGANIZATION. The world health report. Mental health: new understanding, new

hope. Geneva: World Health Organization, 2001

11 A expressão bem-estar relaciona-se à percepção da saúde nos aspectos mental, emocional, social e físico. 12 HERRMAN, H. et al. Introduction: promoting mental health as a public health priority. In: HERRMAN, H;

SAXENA, S.; MOODIE, R. (eds.) Promoting mental health: concepts, emerging evidence, practice. Geneva: World Health Organization. 2004.

13 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Folha informativa: Transtornos mentais. Brasil.

Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5652:folha-informativa-transtornos-mentais&Itemid=839. Acesso em: 25 maio. 2020.

14 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da

(18)

Conforme destaca Monteiro,15 qualquer desvio ou conflito social isolado, sem nenhuma disfunção pessoal, não se inclui na definição de transtorno mental apresentado para fins do referido sistema de classificação de doenças.

A saúde mental é um nítido direito fundamental do ser humano, fincado no postulado da dignidade da pessoa humana, não sendo apenas a ausência de perturbações mentais16, pois abrange também o bem-estar subjetivo, a autoeficácia percebida, a autonomia, a competência e a autorrealização do potencial intelectual e emocional do indivíduo17.

A lida com o transtorno mental e a correspondente saúde mental vinculam-se à dignidade humana, volvendo-se ao direito a uma vida digna18, enquadrando-se o ser humano como um fim, e não como objeto, não se admitindo qualquer tratamento discriminatório.

Em jurisprudência reiterada, a Corte Constitucional da Colômbia sustentou que o direito constitucional fundamental à vida não significa a simples possibilidade de existir sem levar em conta as condições em que é realizado, mas, pelo contrário, supõe a garantia de uma existência decente, o que implica para o indivíduo a maior possibilidade de exibir suas faculdades corporais e espirituais, de modo que qualquer circunstância que impeça o desenvolvimento normal da pessoa, de alguma forma evitável, comprometa o direito consagrado no artigo 11 da Constituição colombiana. Assim, não apenas as ações ou omissões que levam à extinção da pessoa como tal, ou que as colocam em risco de desaparecer, são contrárias à disposição superior acima mencionada, mas também todas as circunstâncias que tornam sua existência desconfortável a ponto de torná-las insuportáveis. Um deles, afirmou o Tribunal, é a dor que pode ser evitada ou suprimida, cuja extensão injustificada não ameaça, mas viola efetivamente a vida da pessoa, entendida como o direito a uma existência decente. Essa garantia constitucional também é violada ao submeter um indivíduo a um estado fora do comum em relação aos outros, quando ele pode ser como eles e a conquista desse estado está

15 MONTEIRO, Fábio de Holanda. A internação psiquiátrica compulsória na perspectiva dos direitos

humanos e fundamentais. Curitiba: Prismas, 2016. p. 87.

16 VENTURA, Carla A. Arena. Aspectos da interface entre o direito e a saúde mental. In: SOARES, Marcos Hirata;

BUENO, Sônia Maria Vilela (org.). Saúde mental: novas perspectivas. São Caetano do Sul: Yendis, 2011. p. 175.

17 MONTEIRO, Fábio de Holanda. A internação psiquiátrica compulsória na perspectiva dos direitos

humanos e fundamentais. Curitiba: Prismas, 2016. p. 67.

18 No tocante à pessoa com transtorno mental, relaciona-se o conceito de vida digna à vida do ser humano sob a

dimensão da dignidade, que merece respeito à sua condição de sujeito dotado de autonomia e liberdade de autodesenvolvimento individual e comunitário, sem estar sujeito a humilhações ou a tratamento desumano ou degradante. Não basta o direito de estar vivo, mas de possuir condições mínimas indispensáveis à uma vida com dignidade, inclusive no tocante à assistência à saúde física e mental.

(19)

nas mãos de outros; com mais verdade, quando isso puder ser alcançado pelo Estado, a principal obrigação de estabelecer condições de bem-estar para seus membros.19

Como aludido, não há uma conceituação precisa e universalmente aceita de transtorno mental. Não obstante, o cerne da sua compreensão envolve as alterações na mente e no comportamento humano que comprometem a autodeterminação do ser humano.

Os transtornos mentais constituem uma das principais causas de pior qualidade de vida, prejuízo no desenvolvimento cognitivo e físico, perda de renda e capacidade produtiva, dificuldade de participação social, entre outras decorrências20 que ensejam preocupação global,21 porquanto, segundo cálculos baseados em dados relatados à OMS por seus Estados Membros, em 1998, o suicídio representou 1,8% da carga global de doenças e espera-se um aumento para 2,4% até o ano 2020, encontrando-se entre as dez principais causas de morte por todas as idades na maioria dos países para os quais há informações disponíveis, alguns dos quais está entre as três principais causas de morte para pessoas de 15 (quinze) a 34 (trinta e quatro) anos. No ano de 2020, aproximadamente 1,53 milhão de pessoas morrerão por suicídio com base nas tendências atuais e, de acordo com as estimativas da OMS, dez a vinte vezes mais pessoas tentam suicídio em todo o mundo, representando, em média, uma morte a cada 20 segundos e uma tentativa a cada 1-2 segundos.

A OMS define o suicídio como ato intencional de um indivíduo para extinguir a própria vida. Por sua elevada prevalência definida a partir de estudos epidemiológicos, passou a ser considerado um problema de saúde pública de proporções mundiais e objeto de inúmeros estudos científicos e de programas de prevenção. Ainda segundo a OMS, uma pessoa morre por suicídio a cada 40 segundos, o que soma aproximadamente um milhão de mortes por ano, estando entre as três maiores causas de morte entre indivíduos de 15 a 44 anos em alguns países e foi a maior causa de anos de vida perdidos em 2011. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos EUA, assinalou que mais de 38 mil pessoas tiraram suas vidas naquele País, em 2010. Dados brasileiros apontam 9.852 óbitos por lesões autoprovocadas em todo o

19 COLÔMBIA. Corte Constitucional da Colômbia. Santafé de Bogotá D.C., a los diez (10) días del mes de junio

de mil novecientos noventa y nueve (1999). Sentencia T-444/99. Disponível em:

https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1999/T-444-99.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.

20 WORLD HEALTH ORGANIZATION. The world health report. Mental health: new understanding, new

hope. Geneva: World Health Organization, 2001.

21 BERTOLOTE José M.; FLEISCHMANN A. Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective. World

Psychiatry. 2002;1(3):181–185. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1489848/.

(20)

país no ano de 2011, porém essa taxa é provavelmente maior, por causa da grande subnotificação.22

A presença de um transtorno mental é um importante fator de risco para suicídio, sendo geralmente reconhecido, conforme destacam Bertolote e Fleischmann, que “mais de 90% (noventa por cento) dos que cometeram suicídio tiveram um diagnóstico psiquiátrico no momento da morte”, tratando-se de um enorme problema de saúde pública, apesar de, conquanto evitável, as ações para sua prevenção exigirem uma abordagem multissetorial coordenada, tornou-se imprescindível o desenvolvimento de programas eficazes de prevenção de suicídio.23

De fato, consoante a ONU,24 os transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço do número total de incapacidades nas Américas. Entre eles, os transtornos depressivos representam as maiores causas de incapacidade, seguidos pelos transtornos de ansiedade, de maneira que a saúde mental é cada vez mais reconhecida como uma prioridade global de saúde e desenvolvimento econômico, inclusive o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 refere-se explicitamente ao compromisso de alcançar uma cobertura universal de saúde que inclua saúde mental e bem-estar. Na região das Américas, os transtornos mentais respondem por 34% das deficiências, com pouca variação no nível nacional. Os transtornos depressivos representam 7,8% das incapacidades na região – com a América do Sul, em geral, apresentando maiores proporções de incapacidade devido a esse transtorno mental comum. A América Central tem uma proporção maior de incapacidades devido a transtornos bipolares, transtornos que se iniciam na infância, e de epilepsia, quando comparada a outras sub-regiões. Os Estados Unidos e o Canadá apresentam um maior número de incapacidades por esquizofrenia e demência bem como pelas taxas de transtornos por uso de opioides.

22 ROSSONI, Renzo Roldi; MELLO, Marcelo Feijó de. Suicídio. In: PARAVENTI, Felipe; CHAVES, Ana

Cristina. Manual de Psiquiatria Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2016. p. 210.

23 BERTOLOTE José M.; FLEISCHMANN A. Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective. World

Psychiatry. 2002;1(3):181–185. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1489848/.

Acesso em: 19 fev. 2020.

24 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço

do número total de incapacidades nas Américas. 2019. Disponível em:

https://nacoesunidas.org/transtornos-mentais-sao-responsaveis-por-mais-de-um-terco-do-numero-total-de-incapacidades-nas-americas/. Acesso em: 19 fev. 2020.

(21)

Segundo Razzouk,25 a depressão constitui uma das principais causas de absenteísmo e presenteísmo no ambiente laboral. É a terceira causa de afastamento do trabalho no Brasil,2627 com o País liderando o ranking de prevalência de depressão entre as nações em desenvolvimento, com uma frequência de 10 a 18% no período de doze messes, representando de 20 a 36 milhões de pessoas afetadas – o equivalente a 10% das pessoas com depressão no mundo. Estima-se que a depressão e a ansiedade sejam responsáveis por uma perda anual de produtividade de mais de um trilhão de dólares.28

Adite-se que os custos com o tratamento da depressão são inferiores aos custos sociais e econômicos por ela gerados29 e que o Brasil já sofre o impacto da perda de produtividade e do aumento dos afastamentos do trabalho pela depressão, de sorte que se faz mister um treinamento intensivo no reconhecimento precoce e tratamento adequado da depressão, implementação de protocolos clínicos e monitorização dos desfechos e padrões de qualidade da assistência a ser prestada aos pacientes.

Também crianças e adolescentes são vulneráveis. Segundo a OMS,30 uma em cada seis pessoas atingidas tem entre 10 e 19 anos. As condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos. Metade de todas as condições de saúde mental começam aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos sequer é detectada, muito menos tratada. Em todo o mundo, a depressão é uma das principais causas de doença e incapacidade entre adolescentes. O suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. As consequências de não se abordar as condições de saúde mental dos adolescentes estendem-se à idade adulta, de modo a prejudicar a saúde física e mental e limitar futuras oportunidades. A promoção da saúde mental e a prevenção de transtornos são fundamentais para ajudar adolescentes a prosperar.

25 RAZZOUK, Denise. Por que o Brasil deveria priorizar o tratamento da depressão na alocação dos recursos da

Saúde? Epidemiol. Serv. Saúde. Brasília, v. 25, n. 4, p. 845-848, dez. 2016. p. 846. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/ress/2016.v25n4/845-848. Acesso em: 17 maio 2020.

26 Idem. Capital mental, custos indiretos e saúde mental. In: RAZZOUK, Denise; LIMA, M; QUIRINO, C. (ed.).

Saúde mental e trabalho. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2016. p. 61-70.

27 RAZZOUK, Denise; ALVAREZ, C; MARI, J. O impacto econômico e o custo social da depressão. In: Lacerda

A, Quarantini L, Miranda-Scrippa A, DelPorto J (ed.). Depressão: do neurônio ao funcionamento social. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 27-37.

28 CHISHOLM, Dan et al. Scaling-up treatment of depression and anxiety: a global return on investment analysis.

Lancet Psychiatry. 2016 May;3(5):415-24. Disponível em: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lanpsy/PIIS2215-0366(16)30024-4.pdf. Acesso em: 17 maio 2020.

29 RAZZOUK, Denise. Por que o Brasil deveria priorizar o tratamento da depressão na alocação dos recursos da

Saúde? Epidemiol. Serv. Saúde. Brasília, v. 25, n. 4, p. 845-848, dez. 2016. p. 847. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/ress/2016.v25n4/845-848. Acesso em: 17 maio 2020.

30 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Folha informativa: Saúde mental dos

adolescentes. Disponível em:

https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5779:folha-informativa-saude-mental-dos-adolescentes&Itemid=839. Acesso em: 7 abr. 2019.

(22)

Segundo o Fórum Econômico Mundial,31 em pesquisa conjunta com a Harvard School, 700 (setecentas) milhões de pessoas no mundo sofrem com problemas psicológicos, realçando-se o fato de que os problemas relacionados à saúde mental custaram US$ 2,5 trilhões ao mundo em 2010. Desse total, dois terços correspondentes a despesas indiretas, tais como queda na produtividade, aposentadoria precoce, entre outros, e um terço equivale aos custos de diagnóstico e tratamento das doenças.

A literatura psiquiátrica32 atesta que se estima que um adulto que tenha desenvolvido transtorno bipolar tipo I, por exemplo, aos 20 anos de idade, perde efetivamente (em hospitalização, repouso, licenças e incapacitação) 9 anos de vida, 12 anos de boas condições de saúde e 14 anos de trabalho. Para a OMS, o transtorno que mais causou limitação em termos mundiais foi a depressão, ficando o transtorno bipolar em sexto lugar. Nos Estados Unidos, o custo ao longo da vida do transtorno bipolar iniciado em 1998 foi estimado em 24 bilhões de dólares. Os prejuízos psicossociais são incalculáveis. Os episódios depressivos causam maior prejuízo no trabalho, nas relações familiares e nas experiências pessoais. As mulheres têm proporcionalmente mais episódios depressivos, ciclagem rápida e episódios mistos que os homens com transtorno bipolar. Isso pode sugerir um curso mais pernicioso e crônico nas mulheres. A existência de sintomas intercríticos leva a humor instável, que pode desencadear ou preceder uma recorrência. Há alta taxa de solteiros e divorciados e 60% dos bipolares exibem atividade social diminuída. Entre os cônjuges sadios, 53% disseram que não teriam se casado com seu parceiro se soubessem do transtorno bipolar, e 47%, que não teriam filhos se soubessem que o transtorno poderia ocorrer.

Dados da National Depressive & Manic-Depressive Association (NDMDA)33 apontam que mais da metade dos pacientes não tinha recebido tratamento cinco anos após os primeiros sintomas da doença, e 36% não haviam recebido qualquer tratamento após 10 anos desde o início do transtorno bipolar. Ainda de acordo com esse estudo, o diagnóstico correto do transtorno bipolar não foi feito antes de uma média de oito anos após o surgimento dos primeiros sintomas da doença. Isso indica um subdiagnóstico desse transtorno. Provável é que entre 10 e 15% dos adolescentes com depressão maior recorrente progridam no sentido de desenvolver o transtorno bipolar tipo II, incluindo características psicóticas e com a

31 OSWALD, Vivian. Ansiedade e solidão são fatores de risco à economia global, diz estudo. O Globo. Disponível

em: https://oglobo.globo.com/economia/ansiedade-solidao-sao-fatores-de-risco-economia-global-diz-estudo-23377391. Acesso em: 17 maio 2020.

32 ABDALLA-FILHO, Elias; CHALUB, Miguel; TELLES, Lisieux E. de Borba. Psiquiatria forense de

Taborda. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. p. 679.

(23)

possibilidade de associação a faltas à escola, repetência, comportamento antissocial ou uso de substâncias estupefacientes.

O transtorno mental pode ser mais destrutivo do que a doença física, de maneira a ocasionar sérios danos à pessoa por ele acometida que, a depender da gravidade e da patologia, pode resultar, além de danos patrimoniais, risco de agressão a familiares e terceiros, até de cometimento de suicídio. A depressão, a esquizofrenia, o transtorno bipolar, a demência e o transtorno relacionado a drogas e álcool encontram-se entre as vinte principais causas incapacitantes no mundo.34

Os problemas de saúde mental têm se tornado cada vez mais comuns em todo o mundo. A ansiedade, por exemplo, atinge mais de 260 milhões de pessoas. Aliás, o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população, segundo a OMS. Novos dados mostram que 86% dos brasileiros sofrem com algum transtorno mental, como ansiedade e depressão. Pesquisa mostra que 86% dos brasileiros têm algum transtorno mental e, segundo especialistas, problemas de saúde mental costumam ser desencadeados pela pressão no ambiente de trabalho ou por situações afetivas da vida pessoal.35

Os transtornos mentais mais comuns são a depressão e a ansiedade. Apesar de serem problemas de saúde mental altamente divulgados, muitas pessoas ainda não entendem completamente os sintomas e as manifestações que caracterizam cada um deles. De acordo com o Ministério da Saúde,36 a depressão é caracterizada por sintomas como tristeza profunda, falta de ânimo, perda de sentir prazer ou alegria, pessimismo e baixa autoestima. O transtorno ainda pode provocar oscilações de humor e levar a pensamentos suicidas, como também manifestações físicas, entre elas: dor de cabeça incessante, taquicardia, insônia frequente e perda de apetite. Já o transtorno de ansiedade37 é caracterizado por preocupações ou medos exagerados – o que impede a pessoa de relaxar – e sensação constante de que algo ruim vai acontecer e também implica muitas manifestações físicas, incluindo-se sudorese, palpitação, insônia, tremores, boca seca, dor de cabeça e tonturas.

34 CORDEIRO, Quirino; OLIVEIRA, Alexandra Martini de Oliveira; VALLADA, Homero. Avanços do

conhecimento em psiquiatria. In: STEFANELLI, Margarida Costa; FUKUDA, Ilza Marlene Kuae; ARANTES, Evalda Cançado (coord.). Enfermagem psiquiátrica e suas dimensões assistenciais. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 110.

35 PASSOS, Letícia. Pesquisa mostra que 86% dos brasileiros têm algum transtorno mental. Revista Veja. 2019.

Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/pesquisa-indica-que-86-dos-brasileiros-tem-algum-transtorno-mental/. Acesso em: 2 jan. 2019.

36 BRASIL. Ministério da Saúde. Depressão: causas, sintomas, tratamentos, diagnóstico e prevenção. Disponível

em: https://saude.gov.br/saude-de-a-z/depressao. Acesso em: 2 jan. 2019.

37 BRASIL. Ministério da Saúde. Ansiedade. Disponível em:

(24)

Dados de 2016 do Institute for Health Metrics and Evaluation, da Universidade de Washington, nos EUA, demonstram a prevalência de transtornos mentais diagnosticados entre a população de diferentes países, atestando a dominância da ansiedade e da depressão ao redor do mundo.38

Em tema bastante controvertido, a OMS39 entende que o investimento em hospitais psiquiátricos contraria as recomendações da OPAS/OMS. Por isso, recomenda seu fechamento em prol de uma prestação de serviços integrados para transtornos mentais na atenção primária ou em hospitais gerais, devidamente acompanhado de apoio social. Essas medidas, além de serem mais custo-efetivas, fazem as pessoas afetadas por transtornos mentais serem mais propensas a procurar tratamento. Isso porque é mais fácil acessar serviços locais por eles não acarretarem estigmatizações e isolamento geralmente associados aos hospitais psiquiátricos.

A depressão é um transtorno comum em todo o mundo:40 estima-se que mais de 300 milhões de pessoas sofram com ele. A condição é diferente das flutuações usuais de humor e das respostas emocionais de curta duração aos desafios da vida cotidiana. Especialmente quando de longa duração e com intensidade moderada ou grave, a depressão pode se tornar uma crítica condição de saúde, podendo causar à pessoa afetada grande sofrimento e disfunção no trabalho, na escola ou no meio familiar. Na pior das hipóteses, a depressão pode levar ao suicídio. Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano, tratando-se, aqui,da segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos.

Volvendo-se a questão das pessoas com deficiência, os dados de organizações internacionais revelam a existência, no mundo, de aproximadamente 650 milhões de pessoas com deficiências. Isso corresponde a 10% da população mundial, a maior parte, 82% (oitenta e dois por cento), vivendo na pobreza. Nesse contexto, Piovesan41 conclui pela relação entre a pobreza e a deficiência, o que, realmente, faz sentido, uma vez que situações no universo da pobreza, a exemplo de falta de saneamento, alimentação, educação e saúde básicas geram, seguramente, doenças e consequências no âmbito bio-psíquico.

38 MAIA, Gabriel; ALMEIDA, Rodolfo. Os transtornos de saúde mental no mundo, por idade e gênero. Nexo. 13

de julho de 2018. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2018/07/13/Os-transtornos-de-sa%C3%Bade-mental-no-mundo-por-idade-e-g%C3%Aanero. Acesso em: 2 out. 2019.

39 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Folha informativa: depressão. 2018. Disponível

em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5635:folha-informativa-depressao&Itemid=1095. Acesso em: 10 dez. 2019.

40 Ibid.

41 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 15. ed. São Paulo: Saraiva,

(25)

Em 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada pelo ordenamento interno brasileiro em 2008, trouxe mudanças significativas na temática ao ter reconhecido a necessidade de inclusão e fomento da autonomia da pessoa com deficiência.42

Nessa toada, esclarece Piovesan43 que a construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência passou por várias fases, a saber: uma fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência na qual a deficiência simbolizava impureza, pecado, ou mesmo, castigo divino; uma fase marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; uma fase orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, sendo o foco centrado no indivíduo “portador da enfermidade”; e uma fase orientada pelo paradigma dos direitos humanos na qual emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício dos direitos humanos.

Eliminar obstáculos também significa adotar as medidas de tratamento necessárias ao resgate da autonomia/autodeterminação da pessoa de maneira a remover ou diminuir os obstáculos que impedem o pleno exercício dos direitos das pessoas com deficiência e a viabilizar o desenvolvimento das suas aptidões e potencialidades, porquanto são sujeitos de direitos, em especial a uma vida digna.

O crescente acometimento de transtorno mental na população levou os líderes da ONU44 a incluírem o tópico saúde mental nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estipulando-se que, até 2030, seus países membros reduzam a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis, por meio de ações de prevenção e de tratamento, incluindo a promoção da saúde mental, do bem estar, entre outras metas para assegurar uma vida saudável para todos em todas as idades.

As entidades internacionais45 alertam que, até o ano 2030, a depressão será a segunda maior causa de incidência de doenças em países de renda média. No Brasil, a ocorrência de

42 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 15. ed. São Paulo: Saraiva,

2015. p. 296-297

43 Ibid. p. 302

44 UNITED NATIONS. Sustainable Development Goals. 17 Goals to transform our world. [Internet]. New York:

United Nations, New York 2015. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/69/ L.85&Lang=E. Acesso em: 2 jan. 2017.

45 ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Salud mental y desarrollo: Poniendo el objetivo en las

personas com problemas de salud mental como um grupo vulnerable. 2010. Disponível em: http://apps.who.int/iris/ bitstream/10665/84757/1/9789962642657_spa.pdf?ua=1. Acesso em: 4 jun. 2016; WORLD HEALTH ORGANIZATION. Investing in mental health: evidence for action. 2013. Disponível em: http://apps.who.int/iris/ bitstream/10665/87232/1/9789241564618_eng.pdf. Acesso em: 3 jun. 2015.

(26)

doenças mentais atinge, aproximadamente, 12% da população.46 O Relatório La carga de los trastornos mentales en la Región de las Américas, de 2018, produzido pela Organización Panamericana de la Salud, atestou que:

Los trastornos mentales, neurológicos específicos y debidos al consumo de sustancias y el suicidio constituyen un subgrupo de enfermedades y afecciones que son una causa importante de discapacidad y mortalidad, y suponen una tercera parte de todos los años perdidos por discapacidad (APD) y una quinta parte de todos los años de vida ajustados en función de la discapacidad (AVAD) en la Región de las Américas [...] los trastornos depresivos son la principal causa de discapacidad y, cuando se considera la discapacidad junto con la mortalidad, suponen 3,4% del total de AVAD (años de vida ajustados en función de la discapacidad ) y 7,8% del total de APD (años perdidos por discapacidad)47.

O conjunto de dados revela, seguramente, que:

la salud mental se considera cada vez más una prioridad mundial en materia de salud y desarrollo económico. En efecto, en los Objetivos de Desarrollo Soste-nible de las Naciones Unidas se menciona explícitamente a la cobertura universal de salud que incluya la salud mental y el bienestar como un compromiso mundial48.

É indiscutível o grande impacto das doenças mentais graves na sociedade, um conjunto de patologias tão sérias e potencialmente debilitantes, que muitas vezes envolve perda, ainda que momentânea, da crítica, da coerência do pensamento e da capacidade de autogoverno, exigindo da sociedade mecanismos legais para garantir ao paciente os seus direitos fundamentais e sua proteção, inclusive no aspecto mais fundamental de todos, que é o direito à vida.49

Em pesquisa apresentada por Andrade,50 revelou-se que os transtornos mentais constituem cinco das dez principais causas de incapacitação no mundo. A depressão é responsável por 13% das incapacitações; o alcoolismo por 7,1%; a esquizofrenia por 4%; o

46 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Direito à saúde mental.

Brasília, DF, 2012.

47 ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. La carga de los trastornos mentales en la Región

de las Américas. Washington, D.C.: OPS. 2018. p. 33. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/49578/9789275320280_spa.pdf?sequence=9&isAllo wed=y. Acesso em: 19 fev. 2020.

48 Ibid. p. 34.

49 RIBEIRO, Rafael Bernardon; VILELA, Lucimar Russo; CORDEIRO, Quirino. Legislação das internações

psiquiátricas involuntárias e compulsórias. In: OLIVEIRA, Reinaldo Ayer de; CORDEIRO, Quirino; LIMA, Mauro Gomes Aranha de (org.). Transtorno mental e perda de liberdade. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2013. p. 76.

50 ANDRADE, Laura Helena Silveira Guerra de. O peso ignorado e subestimado das doenças mentais no mundo.

In: CREMESP (ed). Avaliação dos centros de atenção psicossocial (CAPS) do Estado de São Paulo. 2010. p.

(27)

transtorno bipolar por 3,3%; e o transtorno obsessivo-compulsivo por 2,8%. No cômputo geral, são responsáveis por 31% dos anos vividos com incapacitação.

Acumulam-se sobre as mesas de gestores de saúde dezenas de mandados de internação psiquiátrica. Em São Paulo, há três hospitais de custódia com capacidade esgotada (1.084 pacientes em maio de 2012) e unidades prisionais comuns com 400 doentes aguardando vagas, estimando-se que 12% da população prisional seja portadora de transtornos mentais graves,51 52 atentando-se para o fato de que os operadores do Direito (advogados, Ministério Público, defensoria e magistratura) estão cada vez mais envolvidos na causa, mediante formulação de pedidos de tratamento e ações civis públicas.53

No Brasil, há poucos estudos populacionais representativos que apresentam estimativas de prevalência para os transtornos mentais, mas, em estudo de carga global da doença apresentado por Bonadiman,54 constatou-se que, enquanto no mundo os transtornos mentais ocupam “a segunda posição na classificação de incapacidade desde 1990, atrás apenas dos transtornos músculo esqueléticos, no Brasil eles já são a principal causa”. Realçou-se, no referido estudo, que os transtornos depressivos e de ansiedade continuaram entre as dez maiores causas de incapacidade no Brasil e no mundo em 2015.

Nessa perspectiva, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) evidenciaram falhas no acesso aos cuidados em saúde mental, verificando-se que a maioria dos brasileiros com sintomas depressivos clinicamente relevantes (78,8%) não recebia nenhum tipo de tratamento.55

Os resultados da pesquisa apontam que os transtornos mentais são a terceira causa de carga de doença no Brasil, atrás apenas das doenças cardiovasculares e dos cânceres, e que eles contribuem consideravelmente para a perda de saúde de indivíduos em todas as idades. O recorte metodológico do estudo consubstanciado na abordagem tanto da mortalidade quanto da incapacidade deu maior visibilidade aos transtornos mentais como relevante problema de saúde

51 JG, Bins H. Assistência em saúde mental e o sistema prisional no Brasil. Rev. Psiquiatria Hosp. Júlio de

Matos. 2008;21(3):164-70.

52 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Centenas de portadores de transtornos mentais estão em prisões

do País, alerta CNJ. 2013. Disponível em:

https://www.cnj.jus.br/centenas-de-portadores-de-transtornos-mentais-estao-em-prisoes-do-pais-alerta-cnj/. Acesso em: 2 jan. 2019.

53 RIBEIRO, Rafael Bernardon; VILELA, Lucimar Russo; CORDEIRO, Quirino. Legislação das internações

psiquiátricas involuntárias e compulsórias. In: OLIVEIRA, Reinaldo Ayer de; CORDEIRO, Quirino; LIMA, Mauro Gomes Aranha de (org.). Transtorno mental e perda de liberdade. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2013. p. 76.

54 BONADIMAN, Cecília Silva Costa et al. A carga dos transtornos mentais e decorrentes do uso de substâncias

psicoativas no Brasil: Estudo de Carga Global de Doença, 1990 e 2015. Revista Brasileira de Epidemiologia.

São Paulo, v. 20, supl. 1, p. 191-204, maio 2017. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2017000500191. Acesso em: 19 fev. 2020.

55 LOPES, Claudia Souza et al. Inequities in access to depression treatment: results of the Brazilian National Health

Survey – PNS. International Journal for Equity in Health. 2016; 15: 154. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1186/s12939-016-0446-1. Acesso em: 19 fev. 2020.

(28)

pública e tornou essenciais os prosseguimentos das investigações de suas prevalências e de seus riscos associados. Em 2015, os transtornos mentais foram responsáveis por alta carga de doença em todo mundo.56 A categoria dos transtornos mentais saltou da oitava para sexta posição entre 1990 e 2015. No Brasil, passou-se da sexta para a terceira posição, o que indica haver uma considerável “gravidade da situação de saúde mental no país”.57

Outro importante resultado dos dados brasileiros foi a alta carga dos transtornos mentais que ocorrem na infância e adolescência, como os transtornos do espectro autista, TDAH e transtorno de conduta. Trata-se de resultados que reforçam a necessidade de serviços de prevenção e tratamento voltados para crianças e adolescentes, atualmente pouco disponíveis no Brasil. Nesse contexto, Bonadiman destaca em sede de conclusão de sua análise que os resultados apresentados mostram os transtornos mentais entre os principais problemas de saúde no Brasil, que atingem ambos os sexos e todas as faixas etárias, que implicam importante causa da perda de qualidade de vida em vez de mortalidade, o que geralmente é invisível aos olhos dos gestores de saúde. No mais, realça o fato de que os dados apresentados devem ser debatidos prioritariamente, no âmbito da atenção primária no qual os transtornos mentais são muito comuns e junto ao qual os profissionais ainda não estão preparados para oferecer o cuidado adequado aos usuários. Assim, o treinamento dos profissionais para prevenir e identificar problemas de saúde mental e fornecer o atendimento integral que é aquele que vai além do diagnóstico e da gestão da medicação, poderia melhorar a garantia da equidade no sistema de saúde brasileiro.58

Em um levantamento especial feito pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça59 em 2016, nomeadamente em questionário apresentado a magistrados e servidores da Justiça, revelou-se que os transtornos mentais e comportamentais foram o quarto mais expressivo grupo de doenças causadoras de ausências do local de trabalho naquele ano, com 17.826 ocorrências, correspondendo a 11,8% do absenteísmo-doença, sendo a Justiça Estadual o ramo de Justiça com maior percentual de ausências, com 13%, ao passo que a Justiça do Trabalho aparece com 10,4% das ausências e a Justiça Federal com 9,9%. As 56 KASSEBAUM NJ et al. Global, regional, and national disability-adjusted life-years (DALY) for 315 diseases

and injuries and healthy life expectancy (HALE), 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of

Disease Study 2015. The Lancet. 2016; v. 388: 1603-1658. Disponível em:

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S014067361631460X. Acesso em: 19 fev. 2020

57 BONADIMAN, Cecília Silva Costa et al. A carga dos transtornos mentais e decorrentes do uso de substâncias

psicoativas no Brasil: Estudo de Carga Global de Doença, 1990 e 2015. Revista Brasileira de Epidemiologia.

São Paulo, v. 20, supl. 1, p. 191-204, maio 2017. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2017000500191. Acesso em: 19 fev. 2020.

58 Ibid.

59 ANDRADE, Paula. Comitê vai cuidar da saúde emocional de juízes e servidores. Disponível em:

(29)

principais doenças relatadas pelos servidores e magistrados foram a ansiedade e a depressão, fato que gerou preocupação e definição como meta prioritária do Comitê Gestor Nacional de Atenção Integral à Saúde do Conselho no tocante ao amparo à saúde mental dos magistrados e servidores do Judiciário.

A pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)60 em maio de 2020, com cerca de 400 médicos de 23 Estados e do Distrito Federal, correspondentes a 8% do total de psiquiatras do país, revelou que 89,2% dos especialistas entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes devido à pandemia de covid-19. A pesquisa em tela revelou também que 67,8% dos médicos receberam pacientes novos, que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes, após o início da pandemia e do isolamento social, e que outros 69,3% relataram ter atendido pacientes que já haviam recebido alta médica, mas que tiveram recidiva de seus sintomas.

Por fim, em uma recente pesquisa feita no Reino Unido, a professora Wendy Burn, presidente do Royal College of Psychiatrists (Colégio Real de Psiquiatras), mencionou que os psiquiatras relataram aumento no número de atendimentos de emergência relacionados à doenças mentais e uma queda nas consultas de rotina em decorrência dos impactos devastadores da covid-19 na saúde mental, com mais pessoas em crise, constatando-se que 43% haviam visto um aumento em casos urgentes, enquanto 45% relataram uma redução nas consultas de rotina.61

2.1 PANORAMA SOBRE A LOUCURA E MANICÔMIOS NO CONTEXTO

HISTÓRICO: UM PERCURSO NECESSÁRIO

Para compreensão do tema e análise fiel da problemática do transtorno mental, o discernimento e autodeterminação, a “loucura”, os manicômios, as formas de tratamentos adotadas pela psiquiatria, as internações, entre tantas outras vertentes, torna-se imprescindível uma abordagem antecedente que descreva o contexto histórico sobre a loucura e os manicômios. A palavra relacionada à loucura remonta às origens da humanidade, atravessa sua história, seja com alusões a causalidades decorrentes de mágicas62, maus espíritos, pecado, fruto

60 GANDRA, Alana. Psiquiatras veem agravamento das doenças mentais durante a pandemia. Agência Brasil.

12.05.2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/psiquiatras-veem-agravamento-de-doencas-mentais-durante-pandemia. Acesso em: 13 maio 2020.

61 ROXBY, Philippa. Psiquiatras alertam para ‘tsunami’ de problemas de saúde mental em meio à pandemia. BBC

News Brasil. 17.05.2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-52701611. Acesso em: 18 maio

2020.

62 MONTEIRO, Fábio de Holanda. A internação psiquiátrica compulsória na perspectiva dos direitos

Referências

Documentos relacionados

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Observamos que a redução da expressão das proteínas não afetou a invasão do parasita no tempo de 2 horas, mas que a baixa expressão da proteína WASP se mostrou capaz de permitir

(...) logo depois ainda na graduação, entrei no clube, trabalhávamos com este caráter interdisciplinar, foi aí que eu coloquei em prática o que muito ouvia em sala (Rita - EV). Esse

Entrelaçado a isso, poderia contribuir a sugestão de preparação de atividades para alunos dos CLLE de nível 1, no lugar de ser aluna na turma deles (relato de 7 de março);

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em

A ideia da pesquisa, de início, era montar um site para a 54ª região da Raça Rubro Negra (Paraíba), mas em conversa com o professor de Projeto de Pesquisa,

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das