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ISOMETRIA NA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

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José Carlos Pereira Pinto Noronha

ISOMETRIA NA RECONSTRUÇÃO

DO

LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

(2)

José Carlos Pereira Pinto Noronha

ISOMETRIA NA RECONSTRUÇÃO

DO

LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

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ISOMETRIA NA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

Dissertação de candidatura ao grau de Doutor, apresentada no Instituto de Ciências Biomédicas Abel

Salazar (ICBAS) - Universidade do Porto.

Orientadores:

(4)

Às Olgas (esposa e filha), que tanta força anímica deram e a quem privei de

tantos fins de semana.

Aos meus Pais, que com grande sacri-fício conseguiram "dar-me" a licenciatura

em Medicina.

(5)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Doutor J. Almeida Pinto, pela inexcedível disponibilidade, com sacrifício de muitas horas da sua ocupada vida profissional. Sincera gratidão de quem lhe reconhece amizade desinteressada e qualidades inultrapassáveis de Mestre.

Ao Prof. Doutor L. Alvim Serra, pelo apoio e pelas sugestões perspicazes que dele colhi ao longo destes anos e deste trabalho.

Ao Prof. Doutor Pinto da Costa, pela autorização para efectuar o estudo no cadáver.

Ao Dr. Bárbara Branco, pelo grande respeito que me inspira na sua superior qualidade de Director de Serviço, em cujo contexto pôde assim ser forjada a vontade de realizar este trabalho.

Ao Dr. Correia Martins, conselheiro amigo nas horas difíceis. Ao Dr. José Carlos Leitão, sempre colaborante e disponível.

Ao Dr. André Gomes, pela preciosa ajuda nos trabalhos efectuados no cadáver.

Ao Dr. Benjamim Rodrigues, pela elaboração dos desenhos.

Ao Dr. José Carlos Vasconcelos, pela realização e interpretação das imagens.

À Dr.a Isabel Calhim, pelos trabalhos de histologia.

À Dr.a Paula Barros, pela colaboração na recuperação dos doentes ope-rados e no estudo dos casos complicados.

Ao Prof. Doutor Altamiro Costa Pereira e ao Dr. Teixeira Pinto, pelo tra-balho estatístico dos estudos no cadáver.

Ao Dr. Pinto de Andrade, que em 1988 me convidou para Assistente de Ortopedia, despertando o gosto pela docência.

Ao Dr. J. M. Vilarrubias, ortopedista de excepção, devo o despertar do entusiasmo pela cirurgia do joelho, nomeadamente a cirurgia das lesões agudas complexas.

Ao Dr. Pierre Chambat devo a aprendizagem da cirurgia artroscópica. Do Prof. Doutor Henry Dejour preservo uma inesquecível memória de grande mestre com quem tive a felicidade de estagiar. Não posso deixar passar este momento sem prestar a minha homenagem a quem tão marca-damente imprimiu a modernidade à cirurgia do joelho.

Finalmente, agradeço a todos quantos contribuíram para a realização deste trabalho. Desde já lamento a eventual e involuntária omissão de alguns nomes.

(6)

ÍNDICE

p.

PREÂMBULO n

P R I M E I R A P A R T E 13

Introdução 15

Definição deisometriaeconsiderações gerais 15

• Referências 16

Anatomofisiologia 19

•Embriologia 19

•Anatomia I9

•Microanatomia 21

•Vascularização 22

• Inervação 22

• Referências 22

Biomecânica doLCA 25

•Introdução 25

•Propriedades mecânicas do LCA 27

• PapelestabilizadordoLCA 27

•Variação docomprimento eda tensãodoLCA 27

• Meniscoseestabilidade 29

• "Screw Home" 30

•Referências 31

Histórianatural doLCAlaceradonão operado 33

■Introdução 33

•Mecanismo dalesão 33

• RoturasparciaisdoLCA 35

• Evoluçãonatural 36

• Rotura doLCAemcrianças 37

•Evoluçãopara aartrose 40

•Referências 45

Tratamento cirúrgicoda roturado LCA 49

• Introdução 49

• Históriadacirurgia ligamentar 49

(7)

I N D I C E

• Plastias extra-articulares 50

• Plastias intra-articulares 5 2

• Plastias mistas (extra e intra-articulares) 62

• Outros enxertos 62

• Referências 64

Avaliação radiográfica pré-operatória 69

Chanfradura intercondiliana e rotura do LCA 71

• Referências 7 5

Escolha do enxerto para a reconstrução do LCA 77

• Referências 79

Enxerto de tipo osso-tendão-osso na reconstrução do LCA 81

• Complicações gl • Contra-indicações 82 • Referências g3

Joelho recurvatum g5

Reconstrução do LCA pela técnica do uni-túnel 87

• Referência g9

Túnel tibial 9 1

• Referências 92

Fixação do enxerto 93

• Referências 94

Tensão do neo-LCA 95

• Referências 96

Artrofibrose 97

• Introdução 9 7

• Tipos e etipatogénese 97 • Quadro clínico e tratamento 98

(8)

INDICE

Défice de extensão após a reconstrução do LCA 102

• Referências 107

Síndrome do ciclope 109

• Referências 111

Detecção por radiografia e por ressonância magnética do conflito

do neo-LCA com a chanfradura 113

• Referências 114

Avaliação da reconstrução do LCA pela radiografia de perfil 115

• Referências 119

Alargamento do túnel tibial 121

Cirurgia de revisão da reconstrução do LCA 123

• Programação da cirurgia de revisão 127

• Referências 129

Laxidez e instabilidade 131

Reabilitação pós-plastia do LCA 133

S E G U N D A PARTE 138

Estudo no cadáver 140

Estudo histológico 150

Trabalho estatístico 152

Avaliação dos joelhos operados 162

Resumo e Conclusões 165

(9)

P R E Â M B U L O

A ideia de defender tese de doutoramento sobre um tema relacionado

com o joelho deve-se ao facto de dedicar a actividade profissional

predomi-nantemente a essa área desde 1990. Esta dedicação particular deve-se ao

interesse que desde o início da formação ortopédica, em 1983, as lesões

liga-mentares do joelho lhe despertaram, provavelmente pela lesão do ligamento

cruzado anterior que ele próprio tinha sofrido poucos anos antes.

Motivado pelas brilhantes exposições que o Dr. J. Espregueira Mendes

proferia em reuniões científicas, decidiu estagiar em alguns centros

estran-geiros especializados na patologia do joelho. Em 1988 estagiou, durante

um mês, em Barcelona com o Dr. J. M. Vilarrubias, lá voltando em 1989.

Durante todo o mês de Setembro de 1989 estagiou com o Prof. Doutor Henry

Dejour, em Lyon. Em Agosto de 1990 estagiou em Lyon com o Dr. P. Chambat

já com o objectivo preciso de aprender a cirurgia artroscópica mais

diferen-ciada, designadamente a reconstrução ligamentar. Em Maio de 1991 estagiou

em St. Etiènne com o Prof. Doutor G. Bousquet. Em Agosto de 1992

regres-sou a Lyon, para estagiar novamente com o Dr. P. Chambat. Desde então

mantém contactos frequentes com este ortopedista e a ele deve o incentivo e

a sugestão do tema da tese — Isometria na Reconstrução do Ligamento

Cruzado Anterior.

Trabalhando desde 1990 na Unidade do Joelho do Hospital Geral de

Santo António, teve a percepção das dificuldades e das complicações da

cirurgia ligamentar, nomeadamente das relacionadas com a reconstrução do

ligamento cruzado anterior.

Com o intuito de poder contribuir para melhorar a qualidade dos

resul-tados desta reconstrução, decidiu fazer um estudo clínico e imagiológico

retrospectivo de 60 casos complicados e de 70 não complicados, durante um

período de três anos. Simultaneamente, estudou no cadáver os vários locais

possíveis de implantação do neo-ligamento com o fim de obter a melhor

res-posta biomecânica. Seguiu clínica e imagiologicamente os casos operados de

acordo com os resultados destes estudos. Além do local de implantação do

enxerto, introduziu em Portugal a reconstrução do LCA com tendão

quadrici-pital, que na sua opinião é um outro factor importante para a melhoria da

qualidade destas ligamentoplastias.

(10)
(11)

INTRODUÇÃO

Definição de isometria e considerações gerais

Por definição, isometria do ligamento cruzado anterior (LCA) consiste na manutenção do comprimento durante todo o arco de mobilidade. Os estu-dos de isometria, nomeadamente os relacionaestu-dos com os ligamentos do joelho, referem-se a inserções punctiformes. Quando é efectuada a recons-trução ligamentar, como a do LCA, a execução dos túneis ósseos altera os valores encontrados nas inserções punctiformes. Seria mais correcto utilizar os termos fisiometria ou anatomometria, mas, dado que o termo isometria é generalizadamente aceite, será usado, apesar das reservas indicadas.

A implantação do enxerto ligamentar em locais considerados isomé-tricos é de crucial importância para:

• Minimizar a hipertensão do enxerto ligamentar durante a mobilização do joelho.

• Restabelecer a estabilidade fisiológica. • Restaurar a cinemática articular.

A incorrecta implantação do neo-LCA em locais não isométricos causa: • Perda da fixação ou distensão ou rotura do enxerto.

• Redução da mobilidade.

• Lesões cartilagíneas por manutenção da laxidez ou por compressão nos casos de redução da mobilidade.

As variações de comprimento estão directamente relacionadas com as variações de tensão do neo-LCA. Assim, a isometria, quantificada em milí-metros, está directamente relacionada com a isotonia, quantificada em Newtons (7)

A variação da posição de implantação do neo-LCA no fémur provoca mais alterações de comprimento e de tensão que a variação de posição da implantação na tíbia (2,7,8,10).

Um número apreciável de estudos sobre isometria na reconstrução do LCA tem sido efectuado em modelos mecânicos, mas estes modelos não imitam suficientemente bem o funcionamento do joelho normal. Outros estudos têm sido feitos em joelhos de cadáver humano, mas nestes a cinemá-tica está alterada, por terem sido retirados os tecidos moles peri-articulares nuns casos (5,11 ) e, noutros, também o aparelho extensor ou mesmo o côndilo femoral interno e correspondente ligamento cruzado posterior (LCP) (14).

A reconstrução do LCA tem por objectivo criar uma réplica do LCA ori-ginal, o que, devido à textura tridimensional, não é possível. No entanto, é possível a reconstrução aproximada, tendo em conta os avanços no conheci-mento da biomecânica, o respeito pela isometria, a escolha de enxertos

(12)

INTRODUÇÃO

mentares com estrutura mais próxima da do LCA e a recuperação mais cuidadosamente apoiada durante a ligamentização.

São várias as propostas quanto aos locais de implantação do neo-LCA. No fémur, há autores que propõem uma posição anterior em relação à inserção original do LCA ( 14). Outros propõem a implantação em posição póstero-supe-rior (4,8), outros em posição "over the top" ( 12,15) e outros, ainda, na inserção original do LCA (2,3,10). Na tíbia, há autores que propõem inserção no centro original do LCA (9,14), outros na zona ântero-interna da inserção original (4,8) e outros, ainda, na zona posterior da inserção original (1,6).

Durante vários anos, o autor efectuou a reconstrução do LCA de acordo com os critérios propostos por Clancy (4), em que a inserção femoral do neo--ligamento ficava em posição póstero-superior e a inserção tibial em posição ântero-interna, em relação às inserções originais. Surgiram complicações em cerca de 50% dos casos operados, nomeadamente défice de extensão, dor, der-rames, crepitação rotuliana e falência da ligamentoplastia.

Em 1995, o autor começou o estudo dos casos de insucesso cirúrgico. Além de uma melhor avaliação radiográfica convencional, apoiou-se na RM. O RX convencional não é suficiente para revelar com segurança o conflito do neo-LCA com a chanfradura intercondiliana. Já a RM facilmente revela o hiper-sinal típico deste conflito e as formações nodulares na base do neo-liga-mento, que se interpõem entre a tíbia e o fémur na extensão do joelho (13).

A correlação das imagens obtidas com as encontradas na cirurgia artroscópica de revisão levaram o autor a abandonar os locais de implantação propostos por Clancy e conduziram a estudos no cadáver, com o objectivo de seleccionar outros locais de implantação do neo-LCA com menor propensão para o conflito de espaço e menor variação de tensão do neo-ligamento durante o movimento de flexão-extensão.

Apesar das reservas a apontar aos estudos feitos no cadáver e no vivo per-operatoriamente, consequente à alteração prévia da cinemática por ausência do LCA, eles permitiram modificar a técnica, obtendo-se melhores resultados globais.

Referências

1. Sapega A, Moyer R, Schneck C, Komalahiranya N. Testing for Isometry during Reconstruction of the Anterior Cruciate Ligament. J Bone Joint Surg Vol. 72A n.° 2, February 1990.

(13)

INTRODUÇÃO

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15. Penner DA, Daniel DM, Wood P, Mishra D. An in vitro study of anterior cruciate liga-ment graft placeliga-ment and isometry. Am J Sports Med 16: 238-243, 1988.

(14)

ANATOMOFISIOLOGIA

O conhecimento da anatomofisiologia do joelho é fundamental para a

correcta compreensão da fisiologia, da fisiopatologia e do tratamento.

Particular interesse tem o conhecimento da anatomia e do funcionamento

dos ligamentos cruzados, peças fundamentais na biomecânica articular.

Embriologia

Por volta da sétima semana de gestação existe já, entre a tíbia e o fémur,

mesênquima sinovial que é o percussor dos ligamentos cruzados e dos

meniscos. Esta origem comum foi demonstrada por Kaplan, que pensa que

isso pode explicar a frequência de lesões associadas destas diferentes

forma-ções (15). Pela nona semana, são visíveis numerosos fibroblastos imaturos

com núcleos fusiformes orientados paralelamente ao maior eixo dos

liga-mentos. Na semana seguinte, já se distingue facilmente a separação entre o

ligamento cruzado anterior (LCA) e o ligamento cruzado posterior (LCP). Os

vasos sanguíneos surgem só na 18.

a

semana. É a partir daqui que

rapida-mente se dá o desenvolvimento dos ligamentos cruzados, apresentando na

20.

a

semana o aspecto que têm no adulto, vindo depois apenas a sofrer

pequenas alterações estruturais e aumento de dimensões (11,13,18) .

Anatomia

O LCA é uma banda de tecido conectivo denso que se insere no fémur

e na tíbia. É envolvido pela membrana sinovial, tal como o LCP.

Por isso, apesar de intra-articular, é extra-sinovial. Dentre as estruturas

ligamentares, o LCA é o único sem qualquer inserção capsular. Na tíbia,

insere-se numa fosseta localizada anterior e externamente à espinha tibial

anterior, atrás do corno anterior do menisco externo, ao qual adere por uma

pequena expansão (Fig.l). Nalguns casos, feixes da parte posterior da

inserção tibial do LCA aderem ao corno posterior do menisco externo. A área

de inserção tibial é oval, com cerca de 3 cm de diâmetro ântero-posterior.

(15)

ANATOMOFISIOLOGIA

No fémur, o LCA insere-se na face medial do côndilo femoral externo, numa localização muito posterior, com orientação quase vertical, curvilínea e convexa posteriormente, e paralela ao rebordo articular poste-rior do côndilo femoral externo. Esta área de inserção, menor que a da tíbia, tem cerca de 2 c m i Algumas fibras inserem-se mais acima, no tecto da chanfradura.

Enquanto no fémur a inserção é aproximadamente sagital, na tíbia é aproximadamente transversal. Esta inserção do LCA em dois planos ortogo-nais implica cuidados especiais na reconstrução ligamentar.

Um ponto controverso é o que se refere ao número de feixes que cons-tituem o LCA. Welsh (25) e Arnoczky (1) descrevem um só feixe, composto por fascículos. Durante a mobilização do joelho, a tensão do LCA vai variando de fascículo em fascículo, havendo em cada posição sempre alguns fascículos sob tensão. Também Odensten e Gillquist (21) não encontraram separação em feixes nos cortes transversais estudados histologicamente. Mas já Girgis divide o LCA em dois feixes : ântero-interno (AI) e póstero-extemo (PE)( 12). Foi nesta descrição que se apoiaram Reim e Jackson (22) e Arnoczky e Warren ( 3 ) para explicar a fisiologia do LCA.

Norwood e Cross (20) e Chambat (7) referem a existência de três feixes no LCA (AI, PE e Intermédio).

Na opinião do autor, baseado em estudos que efectuou no cadáver por dissecação do LCA, existem apenas dois feixes sem distinção nítida entre si e que correspondem aos mesmos dois feixes descritos por Girgis (12). A visão directa por artroscopia geralmente revela também só dois feixes, embora, por vezes, haja a aparência de três e até quatro feixes separados. Mas a dissecação não confirma todos estes feixes. Um só feixe de contorno lobulado parece ser a explicação desta aparente discrepância.

O comprimento do LCA referido na literatura é variável; 39 mm para Kennedy (16), 38 mm para Girgis (12) e 31 mm para Norwood e Cross (20), talvez em relação com a estatura do indivíduo.

O LCA tem orientação anterior, interna e distai desde a inserção femoral à tibial. Devido à orientação das inserções femoral (sagital) e tibial (transversal), há uma torsão externa dos fascículos, iniciada a cerca de 5 mm da inserção femoral, segundo Shutte (24).

A orientação sagital da inserção femoral condiciona a tensão perma-nente do LCA desde a flexão à extensão do joelho e vice-versa (10,12).

Como atrás se referiu, é quase unanimemente aceite que o LCA é for-mado por um conjunto de fascículos reunidos em dois grupos : o feixe ântero--interno (AI) e o feixe póstero-externo (PE). O primeiro tem origem na parte mais proximal da inserção femoral e termina na zona ântero-interna da inserção tibial. O segundo tem origem na parte mais posterior e distai da inserção femoral e termina na zona póstero-externa da inserção tibial.

(16)

ANATOMOFISIOLOGIA

Quando o joelho está em extensão, ambos os feixes estão tensos; com a flexão do joelho, a inserção femoral do LCA torna-se mais horizontal, man-tendo-se tenso o feixe AI e relaxado o feixe PE (Fig. 2 A, B ). O estudo que o

Fig. 2 — Orientação dos feixes do LCA no plano sagital. Na extensão (A) e na flexão (B).

autor fez no cadáver mostrou alongamento de ambos os feixes do LCA quando o joelho passava da flexão para a extensão, sendo mais marcado no feixe PE (6 mm) que no feixe AI (2 mm), e mostrou também que a rotação interna tibial acentua a tensão do feixe AI. Em resumo, na extensão ambos os feixes do LCA estão em tensão, a qual reduz com a flexão, mas mais acen-tuadamente no feixe PE. A hiper-extensão acentua a tensão do LCA por con-flito com a chanfradura, obviamente mais acentuadamente quando esta é estenosada, e ainda mais quando há recurvatum associado, condição que pro-picia a ruptura silenciosa bilateral do LCA.

Microanatomia

Num trabalho recente, Clark (8) mostrou que o LCA é formado por múltiplas bandas de colagénio com cerca de 20 nm de largura agrupadas em fascículos. Neste estudo de microanatomia não confirmou a separação em dois ou mais feixes, opinando, contudo, que essa aparência macroanatómica se ajusta bem à descrição funcional.

(17)

ANATOMOFISIOLOGIA

Vascularização

A irrigação sanguínea do LCA advém principalmente da artéria geni-culada média e, em menor grau, das artérias genigeni-culadas inferiores (2,23).

Ambos os ligamentos cruzados são envolvidos por membrana sinovial ricamente vascularizada por ramos da artéria geniculada média. Alguns destes vasos penetram no ligamento de forma sinuosa, adaptável à distensão.

A bolsa de Hoffa e a sinovial contribuem de maneira significativa para a vascularização do LCA, justificando-se assim, na reconstrução do LCA, especial cuidado para não agredir estas estruturas. No entanto, a vasculari-zação do LCA é pobre, contrariamente à do LCP. Este é irrigado por um pedí-culo superior e outro médio, ramos da artéria geniculada média, e por um pedículo inferior, ramo da artéria poplítea (4).

A precária vascularização do LCA é a causa provável da deficiente cica-trização do ligamento quando suturado topo a topo. Em aparente contradição com esta deficiente cicatrização por falta de vascularização, surgiu recente-mente uma publicação que refere excelentes resultados com o tratamento conservador bem orientado (14).

Inervação

Os ligamentos cruzados recebem fibras nervosas do ramo articular pos-terior do nervo tibial pospos-terior (16).

Penetrando pela parte posterior da cápsula, correm ao longo da bainha sinovial do LCA até à bolsa de Hoffa. Algumas fibras nervosas penetram no ligamento, havendo diferentes tipos de terminações sensitivas: corpúsculos de Rufini, responsáveis pela adaptação do ligamento a estímulos suaves, cor-púsculos de Pacini, que garantem a resposta do ligamento a estímulos bruscos, corpúsculos de Golgi, responsáveis pela resposta a estímulos externos, como traumatismos intensos, que põem o joelho em posição extrema de estabilidade e algumas terminações livres. Os receptores e as ter-minações nervosas ocupam cerca de 1% do volume do LCA ( 16,17). Eles jus-tificam a importância de preservar restos do ligamento durante a recons-trução cirúrgica, tanto mais que na experiência do autor não se confirma maior frequência de ciclope ou de nódulo intra-articular (19).

Referências

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struc-tures. Orthop Clin of North Am 16: 15-28, 1985.

3. Arnoczky SP, Warren RF. Anatomy of the cruciate ligaments. In: Feagin JA, ed. The crucial ligaments. New York: Churchill Livingstone, 179-195, 1988.

(18)

ANATOMOFISIOLOGIA

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(19)

ANATOMOFISIOLOGIA

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25. Welsh RP. Knee joint structure and function. Clin Orthop 147: 7-14 1980.

(20)

BIOMECÂNICA DO LCA

(Importância na reconstrução ligamentar)

Introdução

O joelho tem sido considerado a mais complexa articulação do corpo

humano, podendo afirmar-se que é nos ligamentos cruzados que se localiza o

fulcro da sua cinemática.

Quanto à mobilidade, apresenta três translações (ântero-posterior,

interna-externa e proximal-distal) e três rotações (flexão-extensão,

adução--abdução e rotação axial interna-externa).

Durante o arco de mobilidade, na flexão-extensão o joelho tem

movi-mentos compostos de rolamento e deslizamento (Fig. 3A, B), em que a

pro-Fig. 3 — Alteração dos pontos de contacto fémuro-tibial na extensão (A) e na flexão (B) devido à conjugação do rolamento com o deslizamento.

(21)

BIOMECÂNICA DO LCA

Fig. 4 — Modelo de quatro barras defendido por Strasser e Miiller. a-á; b-b'; a-b' e á-b.

Na prática, existe correlação acentuada entre o funcionamento do sis-tema de quatro barras e o que no plano sagital pode ser interpretado após a reconstrução ligamentar. É verdade, por exemplo, que a inserção femoral do neo-ligamento em posição anterior em relação à inserção original do LCA gera aumento de tensão durante a flexão, conduzindo ou à distensão ou à rotura ou ao défice de mobilidade (Fig. 5A, B). No entanto, a orientação tri-dimensional das fibras de colagéneo dos ligamentos cruzados e a complexi-dade dos movimentos do joelho não poderão ser interpretados tão linear-mente como o são pelo sistema de quatro barras, como se verá no capítulo "Avaliação da Reconstrução do LCA pela Radiografia de Perfil".

Fig. 5 — A: A distância a-b aumenta na flexão com rotura do LCA.

B: Exemplo de marcado aumento de distância entre as zonas de inserção do neo-LCA num caso de inserção femoral muito anterior.

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BIOMECÂNICA DO LCA

Propriedades mecânicas do LCA

A textura tridimensional das fibras do LCA garante-lhe características de visco-elasticidade e não apenas de elasticidade. Quando submetido a ten-sões suaves e crescentes, o LCA sofre alongamento inicial apreciável com o recrutamento parcial das fibras de colagéneo. Com o aumento progressivo das tensões, soma-se o recrutamento de outras fibras, passando o alongamento a ser menos notório, entrando-se a partir daí no risco de rotura de algumas fibras e a seguir de todo o ligamento. Com solicitações bruscas, o LCA apre-senta maior rigidez do que com estímulos suaves e progressivos; somente estes permitem a fase inicial de alongamento. A adaptação aos diversos mulos é mediada por receptores proprioceptivos de Rufini e Golgi para estí-mulos suaves e por receptores de Pacini para estíestí-mulos bruscos.

A resistência mecânica foi estudada por vários autores: Butler (4) veri-ficou que o feixe AI do LCA tem resistência cerca de oito vezes superior ao feixe PE; Noyés e Kennedy (10,18) verificaram que o LCA tem resistência mecânica de cerca de 50 Kg./cm2, embora variável com a idade e com a velo-cidade de aplicação do traumatismo. Em concordância com o que se disse acima, se o traumatismo for lento e progressivo, permite melhor adaptação do LCA e maior resistência.

Papel estabilizador do LCA

O LCA funciona como estabilizador em todos os movimentos do joelho: nas três translações e nas três rotações . No entanto, a sua principal função como estabilizador consiste em prevenir a translação anterior da tíbia em relação ao fémur. O LCA garante cerca de 90% da resistência à translação anterior da tíbia entre os 30° e os 90° de flexão do joelho. É também um opo-sitor à translação interna da tíbia em relação ao fémur entre os 30° e os 90° de flexão do joelho, assim como à varização, como demonstrou Piziali ( 19)(Fig. 6 A, B e C). O LCA é um opositor da rotação interna e externa, prin-cipalmente na extensão do joelho (13).

A deformação em valgo e varo em extensão são também limitadas pelo LCA.

Variação do comprimento e da tensão do LCA

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liga-BIOMECÂNICA DO LCA

Fig. 6 — A rotura do LCA causa translação interna da tíbia e varização do joelho por distensão das estruturas externas.

mentar, com qualquer tipo de enxerto, provavelmente jamais poderá restabelecer integralmente a cinemática e a estabilidade articulares.

A reconstrução separada dos dois feixes do LCA não se mostrou eficaz (28). O transplante de LCA de cadáver, aparentemente promissor, também não se mostrou a melhor solução, porque há a dificuldade de encontrar o substituto ligamentar de dimensões iguais e, como qualquer outro enxerto biológico, sofre a transformação própria de ligamentização (17).

De um modo geral, os vários estudos efectuados permitiram concluir que o LCA se alonga cerca de 7% (2,5mm) desde a extensão até 90° de flexão e que a menor variação de comprimento se verifica no feixe AI (27). Os exer-cícios cíclicos também causam alongamento médio de 7% (8). As variações da tensão e do comprimento do neo-ligamento estão mais dependentes do local de implantação no fémur que do local de implantação na tíbia (7). A localização ideal para a implantação do neo-ligamento mantém-se polé-mica, pois os locais teoricamente ideais para a manutenção da tensão e do comprimento levariam com frequência à degradação do neo-ligamento ou à rigidez articular por conflito com a chanfradura (20).

A utilização de transductores permitiu verificar que a distribuição de ten-sões nos feixes do LCA é variável com o grau de flexão do joelho quando é aplicada força na parte proximal da tíbia no sentido póstero-anterior (gaveta anterior). Com o joelho em extensão, a tensão distribui-se igualmente pelos dois feixes do LCA; acima de 45° de flexão o feixe AI passa a suportar cerca de 90% da tensão (24). Durante a mobilização passiva, o feixe AI só fica mais tenso desde os últimos 10° de flexão até à extensão completa. Na mobilização activa, veri-fica-se aumento da tensão desde os 50° de flexão até à extensão completa,

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BIOMECÂNICA DO LCA

acentuando-se esta tensão com o aumento da contracção quadricipital. A contracção isocinética do quadricípede aumenta a tensão do feixe AI entre

15° e 30° de flexão, decrescendo até 60° e sendo nula a partir daí (2,14). Yasuda e colaboradores (26) mostraram que a co-contracção do quadri-cípede e dos isquiotibiais apenas começa a acentuar a tensão do LCA próximo da extensão completa (10°), sendo máxima na hiper-extensão. A co-con-tracção anula o efeito rotacional que cada grupo muscular desencadearia, se actuasse isoladamente, e cria aumento de forças de compressão articular.

Meniscos e estabilidade

É conhecido o papel estabilizador dos meniscos, existindo estudos que revelam laxidez articular após meniscectomia extensa, que agrava significati-vamente a laxidez resultante da rotura do LCA. Os episódios de ressalto devidos à rotura do LCA frequentemente originam lesões meniscais e cartila-gíneas. O compartimento fémuro-tibial interno é geralmente afectado. Esta lesão altera os pontos de contacto fémuro-tibiais, verificando-se rolamento excessivo do fémur e ficando este a contactar a tíbia na parte mais posterior da superfície articular. Assim se explica a frequente rotura do corno posterior do menisco interno e o aparecimento, nos casos crónicos, de um osteófito horizontal (Fig. 7A, B). Também nos casos crónicos é visível a redução do

Fig. 7 — A: LCA íntegro. Representação dos pontos de contacto fémuro-tibial na extensão (a) e na flexão(á). B: Rotura do LCA. Contacto fémuro-tibial mais posterior causando rotura do menisco interno e osteófito longitudinal

posterior (seta).

triângulo posterior normalmente ocupado pelo corno posterior do menisco interno, cartilagem do côndilo interno e do prato tibial interno (Fig. 8).

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fémuro-B I O M E C Â N I C A D O LCA

Fig. 8 — RX de perfil em apoio monopodal com 30° de flexão.

A: Imagem normal mostrando o triângulo claro posterior (seta). B: Redução acentuada do triângulo posterior (seta).

-tibial conduz frequentemente à progressão da lesão meniscal interna para a rotura em asa de cesto, que por vezes se desloca para a chanfradura. Assim se compreende o aparecimento frequente de lesões meniscais e degenerativas no compartimento fémuro-tibial interno e o efeito nefasto que o morfotipo em varo tem. O insucesso frequente da sutura destas lesões meniscais em joelhos não submetidos a reconstrução do LCA encontra explicação na subluxação anterior e interna da tíbia. Pelo contrário, é conhecido o efeito benéfico da reconstrução do LCA sobre as lesões meniscais posteriores pouco extensas, verificando-se quase sempre a sua cicatrização espontânea. A elevada percentagem de sucesso da sutura meniscal periférica, quando associada à reconstrução do LCA, justifica que a ela se recorra mais vezes. Se o LCA não for reconstruído, ao "sucesso" a curto prazo da meniscectomia extensa opõe-se o aparecimento de lesões dege-nerativas. A estabilidade e a cinemática articulares do joelho aproximam-se muito mais da normalidade quando a reconstrução do LCA se acompanha de integridade meniscal. Um efeito adverso exercido no sentido oposto consiste na sobrecarga do ligamento reconstruído após meniscectomia extensa.

" Screw Home "

É caracterizado pela rotação externa tibial quando o joelho chega à extensão máxima, condicionando congruência articular e maior estabilidade. Este fenómeno foi inicialmente explicado como resultado da adaptação das superfícies articulares à tensão dos ligamentos cruzados e colaterais (3,11). Ulteriormente, Shaw e Murray (22) mostraram que o fenómeno de "screw home" se mantinha intacto após a secção dos ligamentos cruzados, apenas se verificando translação tibial anterior. Consideravam-no como o resultado da adaptação das superfícies articulares fémuro-tibiais na fase final da extensão. Este fenómeno não se dá de forma passiva, apenas se verificando quando o membro inferior está em apoio ou quando existe contracção muscular apreciável.

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BIOMECÂNICA DO LCA

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO

NÁO OPERADO

Introdução

A avaliação da história do LCA lacerado não operado deveria basear-se

num número estatisticamente adequado de doentes, examinados em fase

aguda e acompanhados durante vários anos. O ideal seria obter uma boa

avaliação dos joelhos lesados desde o início com o estudo por RM e por

artroscopia para detectar o tipo de lesão do LCA e as patologias associadas,

nomeadamente meniscais, cartilagíneas e ligamentares. Seria assim mais

proveitoso o seguimento da evolução natural.

Quase sempre o doente aparece já em fase crónica sintomática por

lesões meniscais, por lesões cartilagíneas ou pela sensação de instabilidade

durante a prática desportiva ou mesmo na vida diária. Assim se perde tudo,

desde a instalação da lesão, durante um período mais ou menos longo

fre-quentemente assintomático.

Actualmente, logo de início, há tendência para se efectuar o estudo dos

traumatismos agudos do joelho, nomeadamente as entorses que cursam com

hemartrose. Geralmente, esse estudo é efectuado por RM ou TAC e, em

menor número, por artroscopia. Assim, é possível numa fase precoce detectar

as roturas do LCA e outras lesões associadas.

Já há muito tempo, em 1980 De Haven (15), em 1982 Dandy (13) e em

1983 Johnson (28) verificaram existir cerca de 70% de roturas do LCA em

joe-lhos com hemartrose examinados por artroscopia. Cerca de 40% destas

roturas eram parciais e em cerca de 50% dos doentes com roturas parciais

existiam lesões meniscais ou cartilagíneas associadas.

Mecanismo de lesão

A rotura isolada do LCA ocorre com elevada frequência no jovem

des-portista entre os 20 e os 30 anos, sendo bilateral em cerca de 20% dos casos,

o que leva a pensar na existência de factores predisponentes como a estenose

da chanfradura, a hiperlaxidez constitucional e a própria debilidade

constitu-cional do LCA.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

banda ílio-tibial ou mesmo o arrancamento do tubérculo de Gerdy. Também o complexo arqueado pode ser atingido neste mecanismo de lesão (6,10,27,36), resultando laxidez em varo com acentuada subluxação anterior do prato tibial externo.

Mais raramente, pode o LCA romper quando o joelho está em flexão, valgo e rotação interna do fémur. Nesta posição, o LCA e o LCP separam-se, sendo a vertente interna do côndilo femoral externo que lesa parcial ou total-mente o LCA. Se o mecanismo de lesão é mais intenso, surge a conhecida tríade de OvDonoghue (45), à qual se associa lesão do menisco externo em cerca de 50% dos casos, facilmente detectada pela RM e pela artroscopia.

A rotura isolada do LCA, parcial ou total, pode também ocorrer em hiper-extensão por conflito com o tecto da chanfradura quando ela é esteno-sada. A rotura é tanto mais fácil quanto maior for a estenose. A coexistência de recurvatum propicia a rotura ligamentar, principalmente se associada à contractura quadricipital, a qual causa subluxação anterior da tíbia.

Na hiper-extensão, o feixe PE é o primeiro a romper-se, dado estar em grande tensão; somente se a hiper-extensão continuar é que o feixe AI rom-perá. Após rotura do LCA, existe acentuação da extensão do joelho que, por sua vez, conduz à distensão progressiva do LCP. É compreensível que, quando o mecanismo de rotura do LCA é por hiper-extensão, se esta é exagerada, também o LCP fica vulnerável, assim como a parte posterior da cápsula (21,36).

Chambat descreveu um mecanismo de lesão do LCA frequente no "ski"; quando é feito o impulso inicial do arranque, a face posterior da perna está geralmente apoiada, o que, associado à brusca e intensa contracção qua-dricipital, pode subluxar anteriormente a tíbia e causar rotura do LCA (10). Excluem-se deste capítulo as lesões complexas que associam à rotura do LCA outras graves lesões, com excepção da já descrita tríade infeliz de 0'Donoghue, por ser relativamente frequente.

Em qualquer mecanismo de lesão, o doente refere ter sentido um "estouro" dentro do joelho, conhecido pelos ortopedistas por POP, correspon-dendo ao ultrapassar do limiar da resistência das fibras do LCA. Muitas vezes, refere ainda que o joelho "saiu do lugar", sendo isto a manifestação da subluxação fémuro-tibial. Tudo isto é acompanhado de intensa dor generali-zada, mas uma dor viva na interlinha articular, relacionada com lesões menis-cais, capsulares ou cartilagíneas, frequentemente permanece. Alguns minutos após a rotura, surge derrame hemático mais ou menos volumoso.

Há casos de rotura silenciosa do LCA, sem que o doente se aperceba. Ocorrem quando a chanfradura é estenosada, geralmente associada a joelho recurvatum, em que o LCA vai sendo lesado contra o tecto da chanfradura, que o leva lentamente à isquemia e à rotura. Também a debilidade constitu-cional do LCA pode ser responsável por rotura silenciosa.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

A rotura silenciosa bilateral é frequente, com cerca de dois anos de intervalo, existindo mesmo certa incidência familiar (19,54).

Luxação externa da rótula pode acompanhar a rotura do LCA quando o joelho está em flexão, valgo e rotação interna femoral, e menos vezes quando em hiper-extensão, com rotação tibial externa e contracção quadricipital. Esta luxação causa geralmente hemartrose e o diagnóstico diferencial com rotura do LCA deve ser sempre feito. Basta, para tal, palpar o bordo interno da rótula, que se mostra doloroso, sendo positivo o sinal de apreensão.

O exame artroscópico facilmente permite verificar a rotura da asa interna da rótula, sendo fácil a sua reparação artroscópica (39).

Roturas parciais do LCA

É quase unanimemente aceite que o LCA pode romper parcialmente. De Haven (15), Dandy (13), Johnson (28), Mac Daniel (33), Odensten (44), Sandberg e Balkfors (49) e F. Noyes (42) já o referiram, apontando para a necessidade de abrir a sinovial para identificar a lesão (36), o que actual-mente pode ser feito por artroscopia e por RM.

O feixe AI é lesado isoladamente quando o trauma actua com o joelho levemente flectido, em varo e rotação externa do fémur, ficando nesta situa-ção sobre grande tensão (1). O feixe PE é lesado isoladamente quando o trauma actua com o joelho em hiper-extensão, posição em que fica muito tenso. Se a hiper-extensão é acentuada e a chanfradura estenosada, pode ocorrer também rotura do feixe AI.

Os estudos feitos no cadáver pelo autor revelaram que o feixe AI se encontra tenso na flexão acentuada e mais ainda na extensão, ao contrário da opinião de Robert Jackson, que afirma que o feixe AI está relaxado na extensão (26). No mesmo estudo, o autor verificou que o feixe PE está tenso na extensão e relaxado na flexão.

O exame clínico efectuado na fase aguda pode dar indicação sobre o tipo de lesão; se existe Lachman mole e gaveta anterior sem ponto de paragem duro, trata-se de rotura completa do LCA. Se há Lachman duro retardado e não há gaveta anterior, é o feixe PE que está rompido. A rotura isolada do feixe AI causa gaveta anterior com ponto de paragem duro e ainda Lachman duro, que corresponde à tensão do feixe PE.

Também os estudos feitos por Robert Jackson no cadáver (26) reve-laram testes de ressalto positivos sempre que o feixe PE era seccionado, embora fossem positivos em alguns casos de secção isolada do feixe AI.

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HISTORIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

A rotura isolada do feixe AI dá menos vezes origem a episódios de ressalto e responde melhor ao tratamento conservador.

Evolução natural

É opinião quase geral que o tratamento conservador da rotura do LCA conduz à deterioração articular progressiva, com aparecimento de lesões meniscais e cartilagíneas, cuja gravidade é proporcional à laxidez existente, à solicitação desportiva e principalmente a outras lesões ligamentares asso-ciadas (3,10,20,21).

Após a rotura do LCA, a sintomatologia varia de acordo com as lesões associadas acima referidas, existindo, no entanto, tolerância individual. O val-gismo acentuado, a hiper-laxidez constitucional e a convexidade exagerada do côndilo femoral externo são factores favorecedores do aparecimento precoce de episódios de instabilidade. No entanto, não existe uma relação constante entre laxidez e instabilidade; há doentes que apresentam laxidez acentuada sem que refiram episódios de instabilidade, mesmo nas actividades desportivas de alto nível, tenham ou não sido submetidos a reconstrução do LCA. Por outro lado, doentes com pequena laxidez após rotura do LCA podem ter episódios fre-quentes de instabilidade, mesmo na vida diária. Indivíduos com bom controlo neuro-muscular toleram bem a rotura do LCA, por vezes durante anos, man-tendo prática desportiva de alto nível sem qualquer sintomatologia. Mas, com o decorrer do tempo, nota-se redução da tolerância, quer por distensão pro-gressiva das estruturas periféricas, que facilita os episódios de instabilidade cada vez mais frequentes, quer pelo aparecimento de lesões cartilagíneas e meniscais, nomeadamente a rotura do corno posterior do menisco interno, que leva aos bloqueios do joelho em flexão (22). A progressão desta lesão meniscal interna conduz à habitual rotura em asa de cesto que tem tendência a deslocar--se para a chanfradura, condicionando o aparecimento do défice de extensão. Mais raramente, o menisco externo pode ter idêntica lesão, não causando, no entanto, tantas vezes artrose como o menisco interno.

É compreensível que o aparecimento destas lesões esteja directamente relacionado com a prática desportiva, nomeadamente a que solicita mais os movimentos de rotação do joelho (futebol, rugby, etc).

A sensação de instabilidade referida por alguns doentes deve-se à rotura meniscal e não à rotura do LCA. Em doentes mais idosos ou em roturas menis-cais simples, a meniscectomia total ou parcial faz desaparecer a instabilidade. Num jovem, há indicação para reconstruir o LCA juntamente com a reparação meniscal. Sem a reconstrução do LCA, se for efectuada a meniscectomia total de um, ou, pior ainda, de ambos os meniscos, a evolução para a artrose é nítida. O varismo acentuado conduz mais precocemente à degradação meniscal interna, nomeadamente à desinserção capsular posterior, existindo neste mor-fotipo uma incidência artrósica duas vezes superior em relação à que ocorre no

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

valgismo fisiológico (10). Nos últimos anos, foram publicados vários estudos de revisão sobre a evolução natural do LCA roto não operado. Há dois grupos de opinião: Um considera que com o decorrer do tempo há acentuação da laxidez, da degradação meniscal e cartilagínea, directamente relacionada com a prática desportiva. Reconhece existir tolerância individual perante a rotura do LCA e considera que, na grande maioria dos casos (70%), a reconstrução ligamentar bem efectuada permite o regresso à prática desportiva de nível idêntico e evita o aparecimento de lesões meniscais e cartilagíneas

(11,29,41,44). O outro grupo apoia o tratamento conservador, apesar de reco-nhecer que com o tempo é elevado o número de meniscectomias necessárias. Raugh (48) refere que das roturas parciais do LCA, 90% dos casos per-mitem o regresso à actividade desportiva de nível idêntico ao anterior e das roturas totais só 20% justificam reconstrução.

Um trabalho recente, publicado por autores japoneses (25), mostra que o tratamento conservador bem efectuado pode dar excelentes resultados em cerca de 70% dos casos. É aconselhada mobilização precoce, controlada por uma joelheira articulada que evita a solicitação exagerada do LCA lacerado e permite a deposição orientada do colagéneo no sentido do movimento, garan-tindo uma cicatrização resistente, contrariamente ao que se passa com a imo-bilização (24,46,58). Desde o início do tratamento, é efectuado treino arti-cular de modo a melhorar a coordenação neuro-musarti-cular e a restabelecer o mecanismo aferente mecano-receptor no ligamento. O controlo artroscópico dos 56 doentes assim tratados mostrou, em 72% dos casos, boa tensão e espessura quase normal e a RM efectuada em 47 doentes revelou, em idên-tica percentagem, bom alinhamento com o normal sinal de baixa intensi-dade. As biópsias efectuadas nos ligamentos observados por artroscopia reve-laram que o tecido cicatricial apresentava textura idêntica à do LCA normal. Este artigo dá apoio e incentivo a quem, por sistema, não preconiza o tratamento cirúrgico das roturas do LCA, por considerar que ele provoca artrose mais precocemente (2,16). Todavia, os joelhos operados foram prova-velmente seleccionados entre os mais sintomáticos, com instabilidade, lesões cartilagíneas e meniscais. Por isso, não servem de termo de comparação. Mas, é ainda de referir que estes trabalhos de revisão englobam joelhos operados numa altura em que era feita imobilização gessada de cerca de 6 semanas e em que existia pouco interesse pela conservação dos meniscos e pela isome-tria, tudo isto considerado hoje como causas de insucesso de tratamento.

Rotura do LCA em crianças

O maior incentivo actual dado à prática desportiva nas camadas jovens conduziu a um aumento de lesões do joelho.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

agora usadas no estudo das hemartroses demonstraram que a rotura do LCA é outra causa de instabilidade menos rara do que antigamente se pensava.

O facto de nas crianças o ligamento ser mais resistente que a zona de inserção tibial condiciona mais casos de arrancamento da espinha da tíbia do que de rotura ligamentar. O arrancamento da espinha da tíbia tem prognós-tico bom com tratamento conservador nos graus I e II e com tratamento cirúr-gico nos graus III e IV da classificação de Meyers e McKeever (35). A rotura ligamentar verifica-se quase sempre na parte média e mais raramente na inserção femoral do LCA (18).

O LCA pode romper sem traumatismo perceptível quando há laxidez articular constitucional. O LCA pode mesmo nunca ter existido, casos em que o RX mostra aplasia das espinhas tibiais em associação com outras alterações esqueléticas, como ausência de peróneo, alterações femorais proximais, dis-crepância de comprimento dos membros, etc. (55).

É compreensível que a instabilidade ligamentar causada pela rotura do LCA, associada à intensa actividade própria da criança, conduza à degradação meniscal e cartilagínea, criando sérios problemas, se se tomar a habitual opção de reconstruir o LCA só quando as fises estiverem já fechadas ou próximo disso. Felizmente, são raras as roturas do LCA em jovens com idade inferior a 14 anos, o que permite esperar algum tempo pelo encerramento das fises sem o perigo de degradação da cartilagem e dos meniscos. O modelo matemático apresentado por Wester (56), baseado na idade esquelética e potencial de crescimento da fise, permite determinar a idade a partir da qual não há perigo de alterações de cres-cimento se a reconstrução do LCA for efectuada com túneis através das fises. Mas mesmo nas roturas antes dos 14 anos é possível a reconstrução intra-arti-cular do LCA sem perfuração da cartilagem de crescimento, mas não como

Fig. 9 — Técnica de reconstrução do LCA proposta por De Lee. Em B é visível o conflito do neo-LCA com o tecto da chanfradura, devido à passagem do neo-LCA pela parte anterior da tíbia.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

propõe De Lee (Fig. 9 A, B), porque essa técnica causa conflito com o tecto da chanfradura e falta de isometria, devido à passagem excessivamente anterior na tíbia, e causa também falta de isometria ao passar o enxerto pela parte posterior do côndilo femoral externo ("over the top"). O autor propõe uma técnica que respeita a isometria, fazendo um túnel no côndilo femoral externo e outro túnel na epífise tibial sem perfurar as fises (Fig. 10).

Fig. 10 — Técnica proposta pelo autor para reconstrução do LCA em crianças. O enxerto de tendão quadricipital é passado por túneis, no fémur e na tíbia sem perfurar a fise.

A opinião de Clanton ( 12) e De Lee ( 18) é que, em crianças ainda longe do fecho das fises, deve fazer-se a reconstrução intra-articular do LCA, pois só esta garante bons resultados à distância, contrariamente ao tratamento con-servador ou às plastias extra-articulares que rapidamente se degradam.

Mc Carrol (32) verificou que todas as 38 crianças tratadas conservado-ramente por rotura do LCA apresentavam episódios de instabilidade e/ou lesões meniscais 29 meses, em média, após a lesão.

O autor é de opinião que o estudo das hemartroses na criança nem sempre deve resumir-se à radiografia simples; a RM e/ou a artroscopia per-mitem o diagnóstico mais correcto e orientação terapêutica mais eficaz. A título de exemplo, a artroscopia permite o diagnóstico fácil de uma desin-serção ou de uma rotura proximal do LCA e o seu tratamento.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

Evolução para a artrose

A rotura do LCA acentua a translação anterior da tíbia, principalmente à custa do avanço do prato tibial externo. A associação da rotura daquele liga-mento com a rotura das estruturas internas acentua a translação anterior de ambos os pratos tibiais, sendo tanto maior quanto mais grave a lesão cápsulo--ligamentar interna (31). As lesões cápsulocápsulo--ligamentares externas acentuam a mobilidade do compartimento externo, sobretudo quando há atingimento do complexo arqueado (27).

Recorde-se que o LCA é o principal estabilizador estático do comparti-mento fémuro-tibial externo, enquanto o músculo poplíteo é o principal esta-bilizador dinâmico, não dissociável do sistema de controlo neuro-muscular. Em condições normais, o centro de rotação do joelho encontra-se junto da espinha tibial ântero-interna. Com a rotura do LCA, há recuo e desvio interno deste centro (7) (Fig. 11), o que leva à solicitação exagerada do

comparti-Fig. 11 — a: Centro de rotação normal,

b: Centro de rotação após rotura do LCA, com desvio póstero-mterno.

mento fémuro-tibial interno com o habitual aparecimento de lesões cartilagí-neas e meniscais internas, especialmente no corno posterior. Esta alteração do centro de rotação conduz ainda à hipermobilidade do compartimento externo com a consequente distensão progressiva das estruturas. Daí, o efeito nefasto do varismo constitucional e o papel fundamental do tensor da faseia lata como opositor à tendência para a acentuação do varismo. Assim, há contra-indicação relativa para a utilização de uma tira de faseia lat na cirurgia ligamentar extra-articular de tipo Lemaire nos joelhos com varismo constitu-cional.

Nos desportistas, um bom tono muscular pode resultar numa boa tole-rância em joelhos radiologicamente degradados. Pelo contrário, em doentes sem motivação desportiva, com laxidez constitucional e, pior ainda, com varismo ou recurvatum, facilmente há evolução para a artrose mal tolerada por mau controlo muscular da subluxação anterior da tíbia.

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HISTORIA NATURAL DO LCA LACERADO NAO OPERADO

Com o decorrer do tempo e na dependência directa de alguns factores, surgem alterações degenerativas no joelho com rotura do LCA. Como factores predisponentes citam-se :

• A laxidez residual.

• O morfotipo, nomeadamente o varo.

• A meniscectomia extensa, nomeadamente a interna. • As lesões condrais e ligamentares associadas.

A inclinação posterior dos pratos tibiais é um factor estático importante no controlo da subluxação anterior da tíbia (1,14,16,27,51). Valores elevados, superiores a 10°, têm uma relação directa com o grau de subluxação anterior, mesmo com LCA íntegro. Quando há rotura do LCA, a subluxação tibial ante-rior é ainda mais notória (5). Daí o benefício da cirurgia isolada de redução desta inclinação posterior em doentes com dor ou instabilidade, mesmo que haja já sinais artrósicos (Fig. 12 A, B).

Fig. 12 — A: Exagero da inclinação posterior dos pratos tibiais e consequente subluxação anterior da tíbia. B: A correcção da inclinação corrige a subluxação.

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HISTORIA NATURAL DO LCA LACERADO NAO OPERADO

A redução deste triângulo é típica da meniscectomia ou da atrofia degenerativa do menisco, existindo nítida correlação entre o grau de redução deste triângulo e o grau de artrose. Esta é mais fácil e precocemente visível no RX de face em apoio monopodal a cerca de 30° de flexão — incidência de Schuss (Fig. 13).

Assim se justifica o respeito a ter pelo menisco interno, devendo sutu-rar-se (38) (Fig. 14), principalmente em jovens com rotura do LCA. A meniscec-tomia externa, principalmente se existe varismo constitucional, não tem efeito tão nefasto como a interna quanto à evolução artrósica na rotura do LCA. Por outro lado, a reconstrução do LCA não evita sempre o aparecimento de artrose, podendo mesmo desencadeá-la, sobretudo se previamente à reconstrução exis-tirem já lesões cartilagíneas. Isto ocorre mais no compartimento fémuro-tibial interno após meniscectomia interna extensa e/ou em joelho varo. Verificou-se estar directamente relacionada com a laxidez residual pós-operatória (2).

Fig. 13 — Incidência de Schuss. No joelho esquerdo é visível redução da interlinha interna.

Fig. 14 — Sutura aberta do menisco interno.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NAO OPERADO

Apesar dos benefícios decorrentes da reconstrução precoce do LCA, Dejour, num trabalho de revisão (17), mostrou que a artrose surgiu 11 anos mais cedo após a reconstrução do LCA que nos casos sem reconstrução, em que só surgiu em média 27 anos após a lesão. Este argumento pode ser facil-mente rebatido por o estudo englobar joelhos operados há várias décadas, altura em que a imobilização pós-operatória durante cerca de 6 semanas era sistemático, com o consequente recurso à manipulação sobre anestesia geral e o efeito nefasto sobre a cartilagem. Acresce que o respeito pela preservação meniscal e pela isometria não tinha ainda sido suficientemente assumido. Actualmente pode esperar-se melhores resultados devido a:

• Mais criteriosa selecção dos doentes. • Exame clínico mais completo.

• Recurso a meios complementares de diagnóstico mais sofisticados (RM, artroscopia, TAC, cintigrafia, etc.).

• Melhor técnica cirúrgica.

• Esquemas de recuperação mais aperfeiçoados.

Apesar destes progressos no foro da terapêutica cirúrgica, o tratamento conservador continua a ter indicação em alguns casos, porque os resultados cirúrgicos nem sempre são satisfatórios e a percentagem de complicações é ainda elevada. Tratar conservadoramente não é abandonar o joelho à evo-lução natural, mas sim reeducá-lo, principalmente em termos de propriocec-tividade. Não deve exagerar-se na indicação cirúrgica da rotura do LCA, tomando como certo que ela é o princípio do fim do joelho e que só a recons-trução ligamentar poderá servir de barreira ao inevitável trajecto para a degradação articular.

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HISTÓRIA NATURAL DO LCA LACERADO NÃO OPERADO

necessário ao arco reflexo ligamento-músculo descrito por Solomonov (53). A preservação dos receptores sensitivos é uma vantagem do tratamento con-servador. A eficácia do tratamento conservador preconizado por alguns autores japoneses em recente publicação (25) servirá, espero, para refrear a agressividade cirúrgica perante a rotura do LCA. Mas, se a reconstrução deste ligamento se revelar necessária por ineficácia do tratamento conservador, o autor é de opinião que a manutenção dos restos ligamentares poderá ajudar a restabelecer o referido arco reflexo. Provavelmente encontra-se nisto a explicação para o relativo sucesso da operação preconizada por Wittek em 1927 que, apesar de não dar estabilidade mecânica ao compartimento fémuro-tibial externo, favorecia um padrão aceitável de recrutamento mus-cular. Não raramente, verifica-se durante o exame artroscópico ou durante a reconstrução cirúrgica que o LCA rompeu junto à inserção femoral e aderiu ao LCP, originando aquilo a que vulgarmente se chama o LCA para LCP. É um erro fazer a exérèse deste LCA rompido, com receio que deixado juntamente com o neo-LCA venha a causar conflito no tecto da chanfradura. A localização adequada dos túneis femoral e tibial para o neo-ligamento, a correcta aber-tura da chanfradura e a fixação definitiva com o joelho em extensão permi-tirão, desde logo, a recuperação com extensão total passiva. Só num dos 39 casos operados pelo autor nestas condições, em que o LCA permaneceu agar-rado ao LCP, se verificou o aparecimento de ciclope, sendo este o único caso de défice de extensão que se resolveu por cirurgia artroscópica. Quanto ao ciclope, contrariamente a Douglas Jackson, o autor pensa que não tem como causa restos ósseos ou cartilagíneos provenientes de má limpeza do túnel tibial e considera que o ciclope aparece por um processo de arrastamento da sinovial do neo-LCA no fim da extensão por conflito com o tecto da chanfra-dura chanfra-durante a fase de sinovialização. Isto provoca uma formação nodular na base do neo-LCA, que vai crescendo até dar sintomas pela interposição entre a tíbia e o fémur (40). O exame histológico dos 14 casos de ciclope estudados clinicamente, por RX, por RM e por artroscopia, não revelou fragmentos ósseos ou cartilagíneos no seu interior; apenas se verificou existir metaplasia condróide periférica, o que contraria a teoria da original descrição de Douglas Jackson.

Depois de referida a actuação do autor na reconstrução em fase crónica, há lugar para uma palavra sobre a fase aguda, em que na reconstrução liga-mentar se justifica a sutura do LCA rompido ao enxerto ligaliga-mentar. O autor actuou deste modo em 7 casos, não tendo surgido défices de mobilidade e com resultados excelentes segundo a cotação ARPEGE.

Espera-se que, no futuro, a indicação cirúrgica de reconstrução do LCA deixe de ser quase sistemática, como actualmente se verifica. Depois de obser-vados todos os critérios de selecção deve ainda ser apoiada em estudos electro-miográficos.

Imagem

Fig. 2 — Orientação dos feixes do LCA no plano sagital. Na extensão (A) e na flexão (B)
Fig. 3 — Alteração dos pontos de contacto fémuro-tibial na extensão (A) e na flexão (B)  devido à conjugação do rolamento com o deslizamento
Fig. 6 — A rotura do LCA causa translação interna da tíbia e varização do joelho por distensão das estruturas externas
Fig. 7 — A: LCA íntegro. Representação dos pontos de contacto fémuro-tibial na extensão (a) e na flexão(á)
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Referências

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