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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

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PUC-SP

Juliana Fogaça Pantaleão

O âmbito cognitivo da Revisão Criminal

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

(2)

Juliana Fogaça Pantaleão

O âmbito cognitivo da Revisão Criminal

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Cláudio José Langroiva Pereira.

(3)

Banca Examinadora

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(5)

Paulo, 2011.

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo a investigação acerca do instituto previsto no ordenamento processual penal brasileiro denominado Revisão Criminal, especificamente no seu aspecto epistemológico.

O método de pesquisa será de natureza genealógica, crítica e sistêmica, visando apresentar o procedimento da Revisão Criminal como um meio de complementação do mecanismo judiciário para um alcance da melhor solução do conflito apresentado pela ação penal, dentro das limitações cognitivas.

Para tanto, serão abordados aspectos históricos e a legislação estrangeira para, após, ser contextualizada a problemática que envolve a natureza jurídica da Revisão Criminal e analisadas as hipóteses de cabimento.

O estudo realizado revela a Revisão Criminal como direito decorrente dos princípios e garantias constitucionais, preservador da liberdade e da dignidade humana do acusado na persecução penal.

Palavras chave: Revisão Criminal – Sentença condenatória – Trânsito em julgado – Processo penal constitucional – Erro judiciário

(6)

Abstract

This essay concerns the investigation about Criminal Review, an institute inserted in the Brazilian Legal System of criminal procedure, under the specific consideration of an epistemological view.

A genealogical, critical and systemic method of research will be dealt with in order to introduce the proceeding of Criminal Review as a complementary support to criminal jurisdiction in the pursuit of the most adequate solution for a lawsuit brought to a court within cognitive boundaries.

This peculiar inquiry will preliminarily comprise historic aspects and foreign statutory laws to a further and contextual development of the dialectic discussion about the hypotheses and theories concerning the legal nature of the Criminal Review and its pragmatical role in courts.

As a conclusion, Criminal Review is the right of the defendant in a criminal procedure to be under constitutional protection so that his/her freedom and dignity will not be harmed.

(7)

Introdução

02

1

Panorama histórico

1.1. O instituto da Revisão Criminal na Antiguidade

08

1.2. A evolução do instituto no direito brasileiro

10

2

A Revisão Criminal no Estado Democrático de Direito

16

2.1. O princípio da dignidade humana e a Revisão Criminal

17

2.2. A Constituição Federal Brasileira e a Revisão Criminal

25

3

O problema envolvendo o conceito e a natureza jurídica

da Revisão Criminal

30

4

Direito estrangeiro

38

4.1. Portugal

39

4.2. França

45

4.3. Espanha

49

4.4. Itália

50

4.5. Alemanha

52

4.6. Estados Unidos da América do Norte

54

4.7. Argentina

57

4.8. República Oriental do Uruguai

58

(8)

5.2. Contrariedade à evidência dos autos

73

5.3. Sentença fundada em prova falsa

79

5.4. Novas provas e circunstâncias relacionadas à diminuição da pena

82

5.5. Nulidades

87

6

Alguns reflexos da Revisão Criminal no sistema jurídico penal

91

6.1. Transação penal

91

6.2. Perdão judicial

92

6.3. Unificação das penas

93

6.4. A Revisão Criminal no Tribunal do Júri

95

6.5. Aplicação de lei nova mais benéfica e

abolitio criminis

97

6.6. Fixação de regime prisional

98

6.7. Outros aspectos relevantes

100

6.7.1. Das hipóteses de indeferimento liminar

100

6.7.2. Dos Embargos Infringentes

101

6.7.3. Efeito suspensivo da decisão condenatória

103

6.7.4. Revisão Criminal

pro societate

105

7

A Revisão Criminal na reforma do Código de Processo Penal

108

Conclusão

111

(9)

Introdução

A ciência penal, não se olvida, é o ramo do Direito que mais envolve e fascina a sociedade, abrangendo elementos tidos como valores culturalmente construídos e intrínsecos, senão à totalidade, à maioria dos seres humanos, no decorrer da história.

O Direito1 Penal contagia. É a concretização da emblemática disputa entre

o bem e o mal. É a mão que castiga e a armadura que protege.

O castigo imposto é a expressão da interpretação dos valores e sentimentos do denominado conflito social, materializando sua força, simbolizando a autoridade e a manutenção da paz, leia-se, da ordem que se pretende manter.

Com efeito, corresponde a ação penal, ao exercício do direito à jurisdição2 criminal, para reconhecimento ou satisfação da prevalência do jus puniendi

estatal ou do jus libertatis do ser humano envolvido na persecução penal3, ou seja, é a intervenção do poder jurisdicional com o fim de apurar a procedência de um interesse punitivo diante de um caso concreto.

1 “(...) o direito é um mistério, o mistério do princípio e do fim da sociabilidade humana. (...) Introduzir-se no

estudo do direito é, pois, entronizar-se num mundo fantástico de piedade e impiedade, de sublimação e de perversão, pois o direito pode ser sentido como uma prática virtuosa que serve ao bom julgamento, mas também usado como instrumento para propósitos ocultos ou inconfessáveis.”. Tercio Sampaio Ferraz Jr.,

Introdução ao estudo do direito, p. 21.

2Juris dictio é a parcela do poder estatal, essencialmente substitutiva, visto que o Estado substitui a ação das

partes (vingança privada) por meio de seus Órgãos jurisdicionais, exteriorizada na aplicação das leis aos casos concretos e na imposição de sanções. É o poder e a função estatal de aplicar as normas de direito objetivo em relação a uma pretensão, bem como de tutelar os mandamentos da ordem jurídica.

3 Rogério Lauria Tucci, Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal – estudo

(10)

A Constituição Federal vigente estabelece que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, e tem, dentre outros fundamentos, a dignidade da pessoa4, protegida de muitas formas, sobretudo assegurando o acesso à justiça e ao devido processo legal, com os direitos e garantias a ele inerentes5.

Incumbindo ao processo penal a resolução de um conflito entre interesses públicos – liberdade individual e segurança social – observa-se, no âmbito processual, a concretização do direito constitucional6.

Nesse ponto, incumbe-nos fazer uma ressalva: o conceito de segurança, contido no art. 5º, caput, da Constituição Federal7, em última análise, nada mais

é do que um componente do conceito de paz. Isso equivale a dizer que tanto a “segurança” como a “paz” implicam na estabilidade e respeito à ordem legal impostas no Estado Democrático de Direito, e é neste modelo político que a persecução penal se legitima. Da segurança individual advinda do respeito pelo Estado aos direitos individuais e coletivos, nasce a segurança social que, com a primeira, interagirá num processo dialético, acarretando a tutela de ambos os polos em questão8.

Deve-se evitar o raciocínio simplista vislumbrado na dicotomia liberdade individual X segurança social, pois os argumentos nascidos desta falsa cisão

4

Art. 1º, III da Constituição Federal.

5 Vide art. 5º, caput e incisos XXXV e seguintes, da Constituição Federal. “Em um Estado Democrático de

Direito o acesso à Justiça deve ser entendido como a possibilidade posta ao cidadão de obter uma prestação jurisdicional do Estado, sempre que houver essa necessidade para a preservação do seu direito.”. Marco Antonio Marques da Silva, Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito, p. 78.

6 “(...) o procedimento penal apresenta-se como o testing-field natural da existência e eficácia das restrições

constitucionais impostas pelo monopólio da força do qual desfruta o Estado”. Heike Jung, O processo penal da República Federal da Alemanha, p. 77. José Frederico Marques, Estudos de direito processual penal, p. 40. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Crítica a teoria geral do direito processual penal, p. 213.

7 Art. 5º da Constituição Federal. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.

(11)

levam a extremos indesejados, dificultando a construção de um sistema processual penal menos suscetível a interferências momentâneas. Enquanto a defesa das garantias individuais tende a levar seus defensores à elaboração de um sistema frágil e inoperante face ao caos, os visionários da “segurança social” tendem a legitimar o autoritarismo estatal em detrimento do indivíduo9.

Os interesses públicos envolvidos no processo penal, embora contrastem, são justapostos, pois, de um lado, encontramos o Estado, com interesse na punição justa do culpado e, de outro, o acusado, interessado na assecuração do seu direito à liberdade, que não deixa de ser, também, um interesse do Estado, que se compromete a assegurá-la10.

Finalmente, e considerando que o poder-dever de punir do Estado é de coação indireta, realizando-se por meio do exercício obrigatório (princípio da indisponibilidade) do direito à jurisdição penal (que pertence ao acusado), regido por normas processuais destinadas a proteger o imputado11, não há como estabelecer objetivo outro ao direito processual penal que não seja, primordial e essencialmente, a defesa do indivíduo a quem é imputada a prática de um crime, o que significa que o processo penal é um instrumento de garantia individual contra eventuais abusos da força estatal.

9

Fauzi Hassan Choukr, Bases para a compreensão e crítica do direito emergencial, p. 141.

10 Rogério Lauria Tucci, Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal – estudo

sistemático, p. 46.

11 “A lei penal procura abrigar e garantir a paz, ameaçando com penas os atos que ela reputa ilícitos. A lei

(12)

Se assim não fosse, não haveria razão de mover a máquina judiciária em busca de uma justa aplicação da lei, pois bastaria ao Estado sopesar os valores em contraste, sob o enfoque preventivo da legislação penal, coagindo, diretamente, o acusado ao cumprimento de uma sanção.

Ressalta-se que o processo penal12 é instrumento de preservação da

liberdade jurídica do acusado em geral, não de mera liberação da coação estatal, que se ostenta na pena ou na medida de segurança, por exemplo. Trata-se de liberdade protegida, não de mera permissão13.

Embora a atuação do Poder Judiciário vise, sobretudo, a resolução de um conflito, como já salientado, não se pode olvidar que um estado de incerteza se instaura com o processo judicial, frente às expectativas de vitória, diante de uma sentença favorável ou da ameaça de uma decisão desfavorável, que dependerão do modo como as partes atuarem em juízo, negando os direitos, transformando-os em expectativas, ptransformando-ossibilidades e cargas (impulstransformando-os do próprio interesse para cumprir atos processuais).

Ao final de todo o jogo processual, do vai e vem de petições e produção de provas, o juiz – que como homem, traz consigo inegável falibilidade – deve aplicar a lei14 ao caso concreto que foi posto à sua apreciação, prolatando uma

12 O motivo de destaque dado ao processo penal é, sem dúvida, o “instrumento de preservação da liberdade

jurídica do acusado em geral”. Rogério Lauria Tucci, Teoriado direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal – estudo sistemático, p. 170.

13 Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Prefácio, p. 8.

14 Convém aqui refletir que “(...) as normas não promanam de um seráfico e intangível legislador, mas de um

conjunto de homens que vivem sua época e são afetados pelas influências e poderes de seu tempo, opondo-se a alguns e compondo-se com outros no vasto tecido das intenções e interesses sociais e particulares. Esses textos normativos permanecem no domínio da Cultura e precisam se tornar normas concretas, mercê da atividade dos operadores do Direito (não apenas juízes, mas todos os operadores sócio-jurídico-culturais envolvidos no processo) para alcançar o nível da Civilidade e se tornarem eficazes e não, apenas, efetivas.”. Márcio Pugliesi,

(13)

sentença15 que, mal ou bem, encerra a atividade jurisdicional relacionada ao mérito da causa penal.

Em consequência, esgotados os meios de impugnação em geral, surge uma decisão ensejadora da denominada coisa julgada16, considerada como uma incerta promessa de incremento de segurança pública, uma vez que esta não existe, pois se vive em uma incerteza estruturada. É esta sentença, a princípio, imutável, que proporciona o oferecimento da Revisão Criminal, cujo intuito primordial é a revelação e correção de um erro judicial por meio da reapreciação da demanda penal e que será objeto desta modesta pesquisa.

No percorrer deste caminho, inevitavelmente trilha-se a fascinante vereda da interpretação que deflui num elenco de possíveis decisões relacionadas à leitura pessoal de cada texto de direito que, embora limitada, é suficiente para permitir que o Direito permaneça a serviço da realidade social17.

Após um percurso por dados históricos e pelo direito estrangeiro, ingressa-se na problemática que envolve o conceito e a natureza jurídica do instituto para, após, verificar as hipóteses de cabimento previstas na legislação e suas particularidades.

15 “(...) de resto um texto que busca finalizar o conflito mercê da constituição de uma situação derradeira apta a

contemplar os interesses das partes frente às pré-condições existentes.”. Márcio Pugliesi, Por uma teoria do direito, p. 148.

16 “A coisa julgada representa instituto que obedece a razões políticas, de natureza prática, voltadas a garantir a

certeza do direito que assegura a paz social”. Ada Pellegrini Grinover; Antonio Magalhães Gomes Filho; Antonio Scarance Fernandes, Recursos no processo penal, p. 237.

17 Realidade é uma construção linguística. A esse respeito, “A realidade, por vezes, inverossímil, acaba por ser

(14)

O intuito deste trabalho é trazer à baila aspectos que proponham ao leitor mostrar-se receptivo à alteridade do texto, despertando o interesse de compreender tão importante procedimento18.

18 A proposta é a abertura do leitor para a opinião do texto, em que pese tal ato implique sempre em colocar a

(15)

1. Panorama histórico

1.1. O instituto da Revisão Criminal na Antiguidade

Desde os tempos remotos é possível identificar procedimentos ensejadores da revisão de julgados findos, visando corrigir possível erro, como forma de manutenção do ideal de justiça.

Vislumbrava-se, já no império chinês, a possibilidade de reexame de processos, por uma corte suprema, localizada em Pequim, que poderia cassar sentenças. Na Índia, as denominadas Leis de Manu estabeleciam que o rei deveria reexaminar todas as sentenças apontadas como injustas, permanecendo os juízes sujeitos à imposição de multa19.

Na Grécia, herdeira de babilônicos e egípcios, especificamente em Atenas, permitia-se que uma decisão transitada em julgado fosse anulada, se baseada em falso testemunho ou outra mácula similar. Embora houvesse a suspensão da execução da pena, o condenado permanecia preso até a decisão final sobre o pedido da denominada querela. Tal possibilidade, contudo, decorreu dos questionamentos de Platão sobre a infalibilidade dos deuses e imunidade da coisa julgada, pois seu mestre, Sócrates, não cogitava sua ruptura, visando a mantença da ordem do Estado20.

19 Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 38-46.

(16)

Em Esparta, onde a dúvida sempre prevalecia em favor do réu, a qualquer tempo poderia ser revisto o processo em face do absolvido21.

Pela legislação hebraica, antes do momento da execução, permitia-se a qualquer cidadão proclamar a inocência do condenado, desde que apresentasse provas a respeito, e se permitia a absolvição em caso de prova falsa. Era possível a realização de outro julgamento se, no momento da execução da sentença, o apenado oferecesse algum argumento novo em sua defesa. O juízo de revisão poderia ser evocado até cinco vezes22.

Em que pese a notícia da existência dos instrumentos ilustrados acima, verifica-se, todavia, que o instituto que mais se assemelhou à Revisão Criminal hodierna, localiza-se no direito romano, que lhe conferiu autonomia em relação à Apelação.

A origem da revisão de julgamentos criminais, em Roma, inserta nas Leis das XII Tábuas (450 a.C.), como direito fundamental dos cidadãos, foi a denominada provocatio ad populum – direito de reclamar ao povo – prevista para os casos em que era imposta a pena capital ou multa grave, ocasião em que se propiciava um julgamento por uma assembléia popular.

Todavia, o instrumento destinado a rescindir sentença transitada em julgado era a restitutio in integrum, que buscava a recuperação de um estado jurídico anterior ao processo.

Importante destacar que o termo restituere não reporta à idéia de restituição, mas sim, a de retorno ao estado anterior, anulando por completo o

21 Élcio Arruda, Revisão Criminalpro societate, p. 46.

(17)

ato executado. Remetia-se ao passado, alterando as consequências já impostas por uma condenação, permitindo que o punido recobrasse sua posição no seio social, com todos os direitos inerentes.

Destinada a revogar sentenças condenatórias23 a restitutio in integrum

poderia ser concedida nas seguintes hipóteses: a) se restasse provada a inocência do acusado cuja condenação fundou-se apenas na confissão; b) se a sentença tivesse baseada em falso testemunho; e c) se a condenação fosse derivada de sentença contrária à equidade24.

Como o único meio de revogação de sentenças penais no Direito Romano, era considerada um modo de evitar que injustiças perpetuassem, sobretudo diante da discriminação e arbítrio que se verificava na escolha dos juízes das

quaestiones25. Assim, a restitutio caracterizava, em Roma, um ato de império, e não de jurisdição, pois era decretada pelo Magistrado.

1.2. A evolução do instituto no direito brasileiro

Diante do processo de colonização, nos primórdios do Império, vigoravam no Brasil as leis portuguesas que previam a revista como meio de revisão de processos findos.

23 Há divergência em relação ao instituto também destinar-se à revisão de sentenças absolutórias, porém,

nenhuma fonte foi indicada. Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 58.

24 Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 57-58. Carlos Roberto Barros Ceroni, Revisão Criminal:

características, conseqüências e abrangência, p. 03.

25 A quaestio, instituída no final do período da república, era um órgão colegiado composto por cinquenta

(18)

Mantendo-se a tradição, a Constituição Imperial de 1824 estabelecia, no art. 164, inciso I, a competência do Supremo Tribunal de Justiça para conceder ou denegar as revistas26, garantindo-lhe status constitucional.

A própria lei que constituiu a Corte Suprema – Lei de 18.09.1828 – previa, em seu art. 6º, que as revistas somente seriam concedidas em causas cíveis e criminais, verificadas manifesta nulidade ou injustiça notória, quando julgadas em última instância27. O prazo para interposição era de 10 (dez) dias

contados da publicação da sentença, intimando-se, desde logo a parte contrária, salvo em âmbito penal, quando poderia ser requerida enquanto perdurasse a pena ou após a execução da sentença28.

O recurso de revista também foi inserto no Código de Processo Criminal de 1832, especificamente no artigo 306, que estabelecia: “Das decisões da Relação poder-se-ha recorrer por meio de revista para o Tribunal competente”29.

Porém, foi a reforma de 1841 que estabeleceu as hipóteses em que se permitia ou não o recurso de revista, a limitar sua incidência, proibindo-o nos casos em que os escravos matassem, ferissem ou praticassem qualquer ofensa física contra seus senhores; nas sentenças de pronúncia, concessão ou denegação

26 “Art. 164. A este Tribunal Compete:

I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar.

II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias.

III. Conhecer, e decidir sobre os conflictos de jurisdição, e competencia das Relações Provinciaes.”. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm; em 24.08.2010.

27 “Art. 6º. As revistas sómente serão concedidas nas causas cíveis, e crimes, quando se verificar um dos dous

casos: manifesta nullidade, ou injustiça notoria nas sentenças proferidas em todos os Juízos em ultima instancia.”. In: http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-K_10.pdf; em 25.08.2010.

28 “Art. 9º. Esta manifestação será feita dentro de dez dias da publicação da sentença, e logo intimada á parte

contraria; salvo nas causas crimes, nas quaes poderá ser feita, não só em quanto durar a pena, mas ainda mesmo depois de executadas as sentenças, quando os punidos quizerem mostrar sua innocencia, allegando, que

lhes não foi possível faze-lo antes.”. In:

http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-K_10.pdf; em 25.08.2010.

29 Texto na íntegra do Código de Processo Criminal in:

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de fiança; nas decisões interlocutórias e naquelas proferidas no foro militar ou eclesiástico30.

A partir da República, em 1890, o instituto de revista cedeu lugar à Revisão Criminal, mantendo-se a competência do Supremo Tribunal Federal para sua apreciação, nos termos do art. 9º, do Decreto nº 848, que organizava a Justiça Federal31.

A Revisão Criminal, assim como sua antecessora, também era admitida em face de sentenças condenatórias definitivas, proferidas nos feitos criminais, excetuando-se os casos de contravenções.

A legitimidade era do próprio condenado ou de seus representantes legais, sendo vedada a agravação da pena, que poderia ser relevada ou atenuada quando a decisão fosse contrária a direito expresso ou à evidência dos autos. O

30 Art. 89. E' permittido a revista para o Tribunal competente:

1º Das sentenças do Juiz de Direito proferidas em grão de appellação sobre crime de contrabando, segundo o art. 17 § 1º desta Lei, e sobre a prescripção, de que trata o art. 35, quando se julgar procedente.

2º Das decisões das Relações, nos casos do art. 78, §§ 2º, 3º e 4º desta Lei. Art. 90. Não é permittida a revista:

1º Das sentenças de pronuncia; concessão, ou denegação de fiança, o de quaesquer interlocutorias. 2º Das sentenças proferidas no foro Militar, e no Ecclesiastico.

Art. 80. Das sentenças proferidas nos crimes, de que trata a Lei do 10 de Junho de 1835, não haverá recurso algum, nem mesmo o de revista.”. In: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104058/lei-261-41; em 25.08.2010.

31 “Art. 9º Compete ao Tribunal:

III. Proceder á revisão dos processos criminaes em que houver sentença condemnatoria definitiva, qualquer que tenha sido o juiz ou tribunal julgador.

§ 1º Este recurso é facultado exclusivamente aos condemnados, que o interporão por si ou por seus representantes legaes nos crimes de todo genero, exceptuadas as contravenções.

§ 2º A pena poderá ser relevada ou attenuada quando a sentença revista for contraria a direito expresso ou á evidencia dos autos, mas em nenhum caso poderá ser aggravada.

§ 3º No caso de nullidade absoluta ou de pleno direito, o réo poderá ser submettido a novo julgamento. § 4º Em acto de revisão é permittido conhecer de factos e circumstancias que, não constando do processo, sejam entretanto allegados e provados perante o Supremo Tribunal.

§ 5º A revisão será provocada por petição instruida com a certidão authentica das peças do processo e mais documentos que o interessado queira juntar, independentemente de outra qualquer formalidade.

(20)

sentenciado poderia, ainda, se demonstrada a nulidade absoluta ou de pleno direito do julgado, ser submetido a novo julgamento.

O Código Penal republicano, no art. 86, mencionava a Revisão Criminal como pressuposto da reabilitação, reconhecendo, desde então, o direito à indenização do injustamente condenado32, regramentos observados também na

esfera militar33.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, mencionou o procedimento, reafirmando a legislação esparsa e divorciando, em definitivo, a revisão de sentenças em âmbito civil e penal34.

A partir de então, estabeleceram-se regramentos precisos para o procedimento, que era cabível, dentre outras, na hipótese da sentença condenatória ser contrária a texto expresso da lei penal; não observar as formalidades substanciais previstas na legislação processual penal; ser proferida por juiz suspeito ou incompetente; haver corrupção, concussão ou prevaricação;

32 “Art.86. A rehabilitação consiste na reintegração do condemnado em todos os direitos que houver perdido

pela condemnação, quando for declarado innocente pelo Supremo Tribunal Federal em consequencia de revisão extraordinaria da sentença condemnatoria.

§1º A rehabilitação resulta immediatamente da sentença de revisão passada em julgado.

§2º A sentença de rehabilitação reconhecerá o direito do rehabilitado a uma justa indemnização, que será liquidada em execução, por todos os prejuizos soffridos com a condemnação.”. In: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049; em 30.08.2010.

33 “Art. 73. A rehabilitação consiste na reintegração do condemnado em todos os direitos que houver perdido

pela condemnação, quando for declarado innocente pelo Supremo Tribunal Federal, em consequencia de revisão extraordinaria da sentença condemnatoria.

§1º A rehabilitação resulta immediatamente da sentença de revisão passada em julgado.

§2º A sentença de rehabilitação reconhecerá o direito do rehabilitado a uma justa indemnização, que será liquidada em execução, por todos os prejuizos soffridos com a condemnação.

A Nação é responsavel pela indemnização.”. Decreto nº 949, de 05 de novembro de 1890. In: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-949-5-novembro-1890-553428-publicacao-71316-pe.html; em 30.08.2010.

34 “Art 81 - Os processos findos, em matéria crime, poderão ser revistos a qualquer tempo, em beneficio dos

condenados, pelo Supremo Tribunal Federal, para reformar ou confirmar a sentença.

§1º - A lei marcará os casos e a forma da revisão, que poderá ser requerida pelo sentenciado, por qualquer do povo, ou ex officio pelo Procurador-Geral da República.

§2º - Na revisão não podem ser agravadas as penas da sentença revista.

(21)

fundar-se em depoimento, instrumento ou exame julgados falsos; ser contrária à evidência dos autos; e diante de provas novas que demonstrassem a inocência do condenado35.

Interessante observar que a Revisão Criminal poderia ser requerida por qualquer pessoa, mesmo após a morte do sentenciado, todavia, os fatos nela alegados dependiam de reconhecimento prévio em sentença proferida em procedimento específico e jamais poderia agravar a pena anteriormente imposta.

A regulamentação foi mantida na Constituição de 1934, porém, em 1937, o regime ditatorial extinguiu a Justiça Federal, restando a matéria a cargo da legislação ordinária, atribuindo-se a competência para o julgamento aos

35 “Art. 74. A revisão dos processos criminaes, findos, de que trata o art. 9º n. 111 do decreto n. 848 de 1890,

estende-se aos processos militares, e será regulada do modo seguinte: § 1º Tem logar a revisão:

1º, quando a sentença condemnatoria for contraria ao texto expresso da lei penal;

2º, quando no processo em que foi proferida a sentença condemnatoria não se guardaram as formalidades substanciaes, de que trata o art. 301 do Codigo do Processe Criminal;

3º, quando a sentença condemnatoria tiver sido proferida por juiz incompetente, suspeito, peitado ou subornado, ou quando as fundar em depoimento, instrumento ou exame julgados falsos;

4º, quando a sentença condemnatoria estiver em formal contradicção com outra na qual foram condemnados como autores do mesmo crime outro ou outros réos;

5º, quando a sentença condemnatoria tiver sido proferida na supposição de homicidio que posteriormente verificou-se não ser real, por estar viva a pessoa que se dizia assassinada;

6º, quando a sentença condemnatoria for contraria á evidencia dos autos;

7º, quando, depois da sentença condemnatoria, se descobrirem novas e irrecusaveis pravas da innocencia do condemnado.

§ 2º A revisão poderá, ser requisitada pelo condemnado, pela familia, por qualquer do povo, pelo procurador geral da Republica.

§ 3º Em todo caso, a prova dos factos allegados na revisão deve resultar necessariamente de sentença prejudicial, em que taes factos estejam reconhecidos.

A prova novamente exhibida será sempre confrontada com as que servirem de base á condemnação, para que o tribunal possa apreciar o valor relativo de cada uma.

§ 4º Quando já for fallecida a pessoa, cuja condemnação tiver de ser revista, o tribunal nomeará um curador que exerça todos os direitos do condemnado. Si pelo exame do processo reconhecer o erro ou a injustiça da condemnação, o tribunal, reformando a sentença revista, rehabilitará a memoria do condemnado.

§ 5º Si o tribunal verificar que a pena imposta ao condemnado não corresponde ao gráo em que se acha incurso, reformará a sentença condemnatoria nessa parte, salvo a disposição de § 7º.

§ 6º Si verificar que no processo revisto não foram guardadas as formulas substanciaes, limitar-se-ha a julgar nullo o mesmo processo.

O procurador geral da Republica, neste caso, promoverá a renovação do processo no juizo competente, si o crime pertencer ao conhecimento da justiça federal, ou remetterá a sentença do tribunal ao ministerio publico do respectivo Estado, si o crime pertencer á jurisdicção local.

(22)

Tribunais estaduais, salvo nas causas decididas pelo próprio Supremo Tribunal Federal36.

Transcorridos quase dez anos, a Constituição de 1946 restabeleceu, em seu bojo, a Revisão Criminal, tratando dos Órgãos competentes para julgamento, nos arts. 101, IV e 104, III37.

Embora o instituto sempre tenha se voltado às decisões condenatórias prolatadas na esfera criminal, em 1967, durante o regime militar, tal restrição foi abolida38, permanecendo a proibição da revisão pro societate apenas na esfera infraconstitucional.

36

Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 130-131.

37 “Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...)

IV - rever, em benefício dos condenados, as suas decisões criminais em processos findos.”. “Art 104 - Compete ao Tribunal Federal de Recursos: (...)

III - rever, em beneficio dos condenados, as suas decisões criminais em processos findos.”. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm; em 31.08.2010.

38 “Art 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

I - processar e julgar originariamente: (...)

m) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;”. “Art 117 - Compete aos Tribunais Federais de Recursos: I - processar e julgar originariamente:

(23)

2. A Revisão Criminal no Estado Democrático de Direito

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito39, tendo como fundamentos a soberania (limitada pelo disposto no art. 4º

da Constituição Federal40), a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o pluralismo político.

Traduz-se em ente que reúne os princípios do Estado Democrático, fundado na soberania popular, e do Estado de Direito, cujas características principais são a submissão ao império da lei, a divisão de poderes e o enunciado e garantia dos direitos individuais.

A democracia que se realiza, por meio de poder que emana do povo e deve ser exercido em proveito deste, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único, CF), tem como objetivo (art. 3º, CF) construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento da nação, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

39 “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – pluralismo político.”.

40 “Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

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Trata-se de uma democracia participativa, caracterizada pela intervenção direta e pessoal da cidadania no processo decisório e na formação dos atos de governo, que se vislumbra, por exemplo, por meio do referendo popular, do Tribunal do Júri, da Ação Popular etc.; e pluralista, por respeitar a diversidade de idéias, culturas e etnias, pressupondo o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes, bem como a possibilidade de convivência de organizações e interesses diferentes da sociedade.

A efetivação dessa democracia, contudo, não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais; há de ser um processo que permita e garanta a liberação do ser humano das formas de opressão, que ofereça meios para uma vida digna, inclusive com a vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer seu pleno exercício.

Para tanto, é possível, por exemplo, que se discuta a constitucionalidade de determinada lei sob o fundamento de que não atende à letra ou ao espírito da Constituição da República41.

Vale notar, conforme Luiz Flávio Gomes, que a principal consequência da transformação do Estado de Direito tout court (clássico, liberal, legalista e formalista) para o Estado constitucional e democrático de direito, é a repercussão na posição do juiz que se desvencilha da concepção puramente formal e legalista, na qual apenas pronunciava as palavras da lei, para ser o protagonista que, manejando os valores e princípios constitucionais, busca alcançar o sentido do justo em cada caso concreto, fundamentando sua decisão com critérios de razoabilidade42.

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Nesse passo, a magistratura não pode se limitar ao papel de “megafone do legislativo”, eis que o juiz é partícipe na criação do direito, portanto, corresponsável pela promoção de justiças ou injustiças. Mister, assim, um Judiciário protagonista, porque um legislador excessivamente ativo põe em perigo a democracia. Exige-se, em consequência, uma atuação forte do Judiciário como mecanismo de equilíbrio de forças, promovendo a concretização de termos e valores declarados pela instância constitucional, sobretudo, da dignidade humana43.

O Estado Democrático de Direito associado aos direitos humanos e respeitando os tratados e convenções internacionais, procura evitar todas as formas de arbitrariedade política, e determina, também, que as manifestações jurisdicionais, com base nos princípios que decorrem do devido processo legal, concretizem as garantias constitucionais, objetivo do processo penal44.

Sob o enfoque processual, Nelson Nery Junior enfatiza que para as atividades do Poder Judiciário, a manifestação do princípio do Estado Democrático de Direito ocorre por intermédio da coisa julgada, elemento de sua existência45.

Exatamente neste contexto, se envolve a Revisão Criminal, conflitando, paradoxalmente, a coisa julgada46 e o erro judiciário47, que pode ser total, quando recai sobre a existência do próprio delito, de caráter positivo na hipótese

43 Danielle Martins Cardoso, Direito penal e compaixão, p. 246. 44 Marco Antônio Marques da Silva, Apresentação, p. 43-45.

45 Nelson Nery Junior, Coisa julgada e Estado Democrático de Direito, p. 1.197.

46 Sérgio de Oliveira Médici, sobre a coisa julgada, cita Teixeira de Freitas, que a ela se referia como a “verdade

provisória do mundo”. Revisão Criminal, p. 204. “res iudicata pro veritate habetur, la cosa juzgada no es la verdad, pero se considera como verdad. En suma, es un subrogado de la verdad. Estas cosas que los juristas saben, también los demás lãs deben saber.”. Francesco Carnelutti, Las miserias del proceso penal, p. 78.

47 “(...) corporifica-se o erro judiciário na verificação de que, bem valorada a verdade dos autos, não era de

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da condenação de um inocente, ou negativo, se absolvido um culpado; e parcial, caso concirna à aplicação da pena48.

Em que pese a primeira represente a concretização do anseio de segurança do direito na sociedade, refletindo para fora do processo, a decisão do Poder Judiciário acerca de determinado conflito, não corresponde à irrevogabilidade da sentença. O valor da res judicata na consciência pública não pode se sobrepor à manutenção de eventual equivoco judiciário, por evidente49.

Interessantes, a este respeito, as perenes ponderações de Francesco Carnelutti, ao expor que todas as absolvições, salvo nos casos de insuficiência probatória, usualmente envolvem equívocos danosamente irreparáveis, descobertos ao fim da instrução.

Salienta que o mecanismo processual, sempre imperfeito, expõe o indivíduo a uma investigação, ao juiz, não poucas vezes à prisão, afastando-o da família e dos negócios, prejudicando, para não dizer, o arruinando perante a opinião pública para, depois, sequer oferecer desculpas por quem, ainda que sem culpa, haja perturbado ou destruído sua vida. São coisas que desgraçadamente sucedem e fazem questionar acerca do reconhecimento da miséria deste procedimento, que é capaz de produzir tais desastres e, ao mesmo tempo, é incapaz de não produzi-los50.

48 De acordo com Élcio Arruda, o erro judiciário pode ser total, quando recai sobre a existência do próprio delito,

de caráter positivo na hipótese da condenação de um inocente, ou negativo, se absolvido um culpado; e

parcial, caso concirna à aplicação da pena. Revisão Criminal pro societate, p. 35. Sérgio de Oliveira Médici apresenta distinção entre o erro absoluto, que ocorre tanto na condenação como na absolvição infundada; e erro relativo ou superficial, quando a condenação impõe pena maior ou menor do que a sanção adequada em determinado julgamento. Revisão Criminal, p. 222.

49 “Assim, conquanto se oponha, formalmente, a uma decisão irrecorrível, a revisão constitui elemento jurídico

que valoriza a coisa julgada, pois o que a sociedade espera é a estabilidade da decisão justa e não a perenidade do pronunciamento judicial caracterizado por erro de fato ou de direito.”. Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 224.

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Nesse passo, crê-se desnecessário prolongar a explanação acerca das teorias que envolvem a coisa julgada, ou mesmo o erro judiciário, uma vez que nítida a importância da revisão de julgados sancionatórios em hipóteses que, acima de tudo, visam resguardar a dignidade daquele submetido à persecução penal, legitimando o Estado Democrático de Direito.

2.1. O princípio da dignidade humana e a Revisão Criminal

A dignidade humana51, conforme anteriormente salientado, é um dos fundamentos do país, nos ditames do primeiro artigo da Constituição Federal.

Ressalta Sérgio Sérvulo da Cunha que fundamento é o que está no fundo, aquilo que suporta algo. Nesse passo, as coisas iniciam sua construção ou existência a partir de seus fundamentos e, sob tal enfoque, todo fundamento é um princípio52.

Recolhendo a lição de Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade é uma qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante, bem como lhe garantam condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de promover e propiciar sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito a todos seus integrantes53.

51 O termo utilizado refere-se à pessoa individualmente considerada e não à humanidade como um todo. 52 Sérgio Sérvulo da Cunha, Princípios constitucionais, p. 10-11.

53 Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988,

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A concretização do princípio da dignidade humana exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais, evidenciados na garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, dentre outros expressos no art. 5º da Constituição Federal. Corporifica-se, assim, na intangibilidade do ser humano, que deve orientar o movimento da persecução penal, pois, como se sabe é na prática do processo que são suportadas a pena, a dor, a prisão e, por vezes, a injustiça.

Relembra Ignácio F. Tedesco que o conceito de acusado que se construiu até o final do século XIX, em vez de ser o de indivíduo titular de garantias, protegido das arbitrariedades por uma série de direitos, foi o de um sujeito posto em sacrifício, sobre o qual repousavam elementos sagrados, ficções e imagens culturais próprias de todo ritual judicial. Assim foi percebido pelo público. O sujeito acusado não pode livrar-se de seu destino54.

Os discursos que envolvem a Revisão Criminal, em regra, reportam-se à sua finalidade como o restabelecimento do status libertatis e do status dignitatis

daquele injustamente sancionado.

Oportuno, sob tal aspecto, enfrentar a temática de modo talvez, até, singelo. Não se apresenta árduo, ao que parece, o raciocínio de que jamais a dignidade da vítima de um erro judiciário, sobretudo em âmbito penal, retornará ao status quo ante, ainda que prevista uma indenização para tanto que, como se sabe, talvez sequer receberá.

54 Ignácio F. Tedesco, El acusado en el ritual judicial: ficción e imagen cultural, p.445 (tradução livre da

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O cidadão, tendo sido investigado, acusado e condenado, ainda que retoricamente revertidas tais condições, carregará esta pecha no decorrer da vida, em seu íntimo e perante a sociedade. Basta analisar, por exemplo, o cenário que envolve os egressos do sistema carcerário.

Aliás, diga-se de passagem, o Estado brasileiro não se apresenta apto nem mesmo a oferecer condições dignas de vida à maioria da população, que se dirá aos ingressos no formato penitenciário55.

Todavia, retomando ao enfoque específico, o respeito à dignidade do ser humano deve ser observado a todo momento, sobretudo quando envolvido em uma persecução penal. Cuida-se de paulatina mudança na mentalidade social.

Dessa feita, a sarcástica alegação de restabelecimento do status dignitatis

que se sustenta há tempos, com a devida venia, carece, no mínimo, de reflexão, para não dizer de pá de cal.

O condenado, por óbvio, ainda se mantém humano e, como tal, ostenta dignidade, ainda que esta lhe seja tolhida pela má administração estatal56.

A Revisão Criminal, assim, não deve representar a missão impossível de retorno ao estado anterior à condenação. Há de ser analisada como instrumento

55 Citando reportagem do jornal Folha de São Paulo, datada de 10.02.2008, na seção Cotidiano, referente à

situação dos presos do estado de Minas Gerais que convivem com ratos, baratas, lacraias e sarna em cubículos de 30m2 que abrigam 50 homens que não saem para banho de Sol, Danielle Martins Cardoso observa que a “(...) matéria, de meia página, dividiu espaço com “anúncios da loja Makro”. Em uma sociedade efetivamente comprometida com o ser humano, o assunto ganharia o mesmo destaque que o “mensalão”, “a corrupção” ou mesmo, “ataques do PCC” e “caso Isabella Nardoni”, alardeados exaustivamente pela imprensa escrita e televisiva, que renderam CPIs, meses de divulgação e Ibope. Ocorre que nem sequer alcançam status de assuntos como futebol, carnaval, telenovelas. Raramente geram escândalo ou ações radicais”. Direito penal e compaixão, p. 247-248.

56 Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal: “Art. 3º. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os

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garantidor da dignidade humana, exatamente por permitir a reinterpretação de uma decisão sancionadora transitada em julgado, elevando o direito individual em relação à estabilidade social supostamente propiciada pela coisa julgada.

Nesse sentido, vislumbra-se a estreita ligação que o princípio da dignidade mantém com o direito à efetiva tutela jurisdicional, abrangendo todos os direitos e garantias processuais. O indivíduo, no âmbito do processual, não é mero objeto da decisão judicial e deve ter assegurada a possibilidade de se manifestar e exercer influência na esfera do processo decisório57.

Permite-se, assim, sustentar um restabelecimento de eventuais direitos perdidos em decorrência do processo penal, porém, não um retorno ao status illesa dignitatis, como prêmio de participação na persecução criminal.

Como já dizia o poeta, “o tempo não para”, e também não volta. O indivíduo é um sendo em constante formação, não há espaço para reformulação, não se apaga o passado.

A relação entre a Revisão Criminal e a dignidade, portanto, merece enfoque diverso.

Dignidade é qualidade, reportando-se àquilo que merece respeito, consideração. O homem é digno pela sua condição de ser humano, representando um complexo de direitos inerentes à sua espécie. Dignidade é

standart jurídico universal58, não é jargão forense.

57 Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988,

p. 115.

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Observa Paulo Hamilton Siqueira Júnior que a dignidade humana é o alicerce do Estado Democrático e Social de Direito consagrado pela Constituição Federal, fortalecendo as próprias instituições estatais, uma vez que a democracia não surge por decreto, se constrói por um processo de participação59.

Dignidade não é retórica, nem mesmo direito conferido pelo Estado. É princípio de conteúdo protetivo-prestacional que serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico, é limite e tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito, de forma que este passa a servir de instrumento para sua garantia e promoção.

Não basta, destarte, proteger a dignidade humana ou promovê-la como um modismo em decisões proferidas pelo Poder Judiciário, situação que apenas contribui para uma desvalorização e fragilização jurídico-normativa do princípio, do que para sua maior efetividade60.

Deve-se resguardar o homem por ser digno. Mister refletir acerca do seu papel no século XXI, sobre o que é ser digno no contexto atual e, para não estender a lista demasiadamente, voltando-se ao presente estudo, sobre a influência do processo penal na concretização do respeito ao homem61.

Inequívoco que o erro judiciário, máxime quando a atividade jurisdicional culmina em sanção penal, afronta o respeito que se deve ao indivíduo. A Revisão Criminal é o instrumento garantido ao cidadão para que exerça seu

59 Paulo Hamilton Siqueira Jr., A dignidade da pessoa humana no contexto da pós-modernidade, p. 274. 60 Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988,

p. 96.

61 “O princípio da dignidade humana é largamente invocado; o difícil é dar-lhe concretude de maneira a exercer

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direito de acesso ao Poder Judiciário, a desvelar o equívoco cometido, prestigiando seu status dignitatis:

“Nada importa, se volta e meia os Tribunais serão chamados à decisão de mais um requerimento revisional do mesmo condenado. Os juízes que os integram, por vocação e deliberada vontade, têm o dever, como servidores públicos em sentido amplo que são, do desempenho, com eficiência, de seus misteres jurisdicionais, sem olharem o volume de trabalho que se lhes põe à frente.”62.

A função hermenêutica do princípio da dignidade humana conduz a uma interpretação conforme a Constituição Federal e os direitos fundamentais, que ruma para além do postulado in dubio pro libertate, mantendo sempre ativo o imperativo segundo o qual em favor da dignidade não deve haver dúvida63.

Trata-se, consequentemente, de ferramenta que exsurge decorre dos dispositivos constitucionais, e com base nesses mesmos ditames, deve ser utilizada e analisada.

2.2. A Constituição Federal brasileira e a Revisão Criminal

A Constituição da República, como sabido, além de estabelecer a organização dos poderes, é o ordenamento jurídico resultante de uma situação de desenvolvimento cultural de um povo, cujos elementos essenciais são invocados objetivamente em juízo pelos cidadãos.

62 Antonio Sydnei de Oliveira Junior, Revisão Criminal: novas reflexões, p. 95-96.

63 Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988,

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Os direitos e garantias constitucionais, como ressalta Vicente Greco Filho, não são taxativos e não se esgotam no texto expresso da Lei Maior, havendo outros implícitos e decorrentes da leitura do sistema como um todo, dentre eles a revisibilidade perene do erro judiciário, do equívoco sancionatório ou a imprescritibilidade da Revisão Criminal64.

Não obstante as linhas distintivas entre os direitos e as garantias não sejam nítidas, porquanto os conteúdos declaratório e assecuratório muitas vezes se mesclam, na lição de José Afonso da Silva, direitos individuais, concebidos como aqueles fundamentais do homem, são os que possibilitam seu pleno desenvolvimento e que além de formalmente reconhecidos, devem ser concreta e materialmente efetivados.

Mencionado autor divide tais direitos em três grupos, quais sejam: direitos individuais expressos, direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais e direitos individuais implícitos, isto é, aqueles que estão subentendidos nas regras de garantias, estas sim, a seu pensar, autênticos direitos públicos subjetivos, quando conferem, aos titulares dos direitos fundamentais, meios, técnicas, instrumentos ou procedimentos para impor o respeito e a exigibilidade de seus direitos6566.

Já salientado anteriormente que a coisa julgada tem previsão constitucional, consagrada dentre as garantias67 fundamentais. Nesse passo, para que uma lei admita o reexame do julgado já transitado, há necessidade desta

64 Vicente Greco Filho, Manual de processo penal, p. 62.

65 José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, p. 58-65.

66 Em sentido contrário: “Direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas),

contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.”. Dimitri Dimoulis; Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 49.

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possibilidade restar amparada pela Carta Magna, sob pena de apresentar-se inconstitucional68.

Depreende-se da expressão res iudicata pro veritate accipitur, que a coisa julgada deve ser tomada como verdade. Vale dizer, trata-se de uma presunção, do contrário seria res iudicata veritate est69. Cuida-se, assim, de imperativo pragmático que busca propiciar certa segurança entre as partes envolvidas num conflito, diante da aparente certeza nela contida.

Na hipótese de um erro judiciário, portanto, vem a lume um conflito entre a justiça e a certeza da sentença já transitada em julgado, situação que, em tese, abalaria a almejada segurança jurídica previamente estabelecida no processo e, também, atingiria o direito ao acesso ao Poder Judiciário por parte do injustiçado.

Diante de tal impasse, não se olvida que a autoridade da coisa julgada careça de contenção face ao perigo de prevalecer uma injustiça, sobretudo quando abrange direitos como a liberdade do equivocadamente condenado.

Custoso não observar, como faz Danielle Martins Cardoso, que o processo penal marcha para a condenação, uma vez que as acusações, na maior parte, sequer são escolha da vítima, considerando que o Estado se posiciona como o grande ofendido e se legitima na pretensão de distribuir justiça, mediante o uso de coerção e violência, se necessário70.

68 Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 260.

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Aliás, a possibilidade de revisão dos julgados findos decorre, inclusive, do princípio da proporcionalidade, que busca estabelecer um equilíbrio entre os valores e interesses confrontados.

Nesse passo, a legislação processual penal permite a revisão de sentenças condenatórias transitadas em julgado em hipóteses tais como decisão contrária a texto de lei ou à evidência dos autos; quando fundada em prova falsa; no caso de surgir comprovação da inocência do condenado; ou se configurada nulidade processual.

Vislumbra-se, portanto, que a Revisão Criminal tem amparo constitucional no sentido, além de reparar um erro judiciário, de preservar o direito à liberdade e a dignidade humana71.

Nesse diapasão, note-se que a decisão contra legem, que contrarie a evidência dos autos, que se funde em prova falsa, ou mesmo que apresente nulidade, discrepa, no âmbito do devido processo legal, da almejada efetivação da justiça no caso concreto.

Em adição, constata-se a possibilidade de revisão das sentenças proferidas no Tribunal do Júri, em que pese a soberania dos veredictos.

Nítido, assim, que a revisio encontra guarida na Constituição Federal, assegurada, ainda, pelo Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 10, que também prevê a indenização, ao condenado, no caso de erro judiciário.

71 “A revisão criminal, posta em tutela da liberdade jurídica e da honra, consiste em garantia de direito

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Acentua Sérgio de Oliveira Médici que o condenado, ao requerer a revisão da sentença que lhe aplicou uma sanção, afora pedido de tutela que consiste em garantia constitucional, corolário da plenitude do direito de defesa. Permite-se, portanto, incluí-la como elemento do sistema denominado garantismo penal, atuando, no plano político, como tutela capaz de minimizar a violência e maximizar a liberdade e, no jurídico, como conjunto de vínculos impostos à potestade punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos72.

A Revisão Criminal, como se observa, é direito constitucionalmente garantido pelo contraditório, pelo devido processo legal, pela plenitude de defesa, combinados com o direito de acesso à Justiça, destinado à proteção do indivíduo envolvido na persecução penal, embora não expresso no texto da Carta Magna. Último suspiro do procedimento criminal, traz consigo a noção e a perspectiva de efetivação dos direitos e garantias constitucionais, fortalecendo a dignidade e preservando a sublime condição de liberdade, desvendando a deusa Themis73 para a aplicação do justo ao caso concreto.

72 Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, p. 263.

73 Titânide grega que simboliza a Justiça cuja representação original não apresentava vendas nos olhos, item

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3. O problema envolvendo o conceito e a natureza jurídica da Revisão Criminal

O Código de Processo Penal situa a Revisão Criminal no título destinado aos recursos, o que, via de regra, a submeteria a todas as normas destinadas ao tema.

Todavia, não há um consenso entre os doutrinadores em relação ao conceito e à natureza jurídica do instrumento, sempre voltado à impugnação de uma sentença penal condenatória transitada em julgado.

Não obstante a disposição da legislação processual, a doutrina tende a repelir o caráter recursal da revisão criminal pelo fato de que recurso é aquele que se destina à busca de novo pronunciamento sobre uma causa criminal, cuidando de uma impugnação dentro da mesma relação processual74.

A conclusão, pode-se observar, varia de acordo com a pré-compreensão a respeito da essência dos institutos.

Com uma visão ampla do sentido de “recurso”, considerando todos os atos que permitem a reforma de sentenças por um órgão colegiado, muitos autores concebem a revisão criminal como uma espécie recursal75, ainda que

74 Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de Processo Penal, p. 871.

75 Dentre eles: João Mendes Júnior, Inocêncio Borges da Rosa, Oliveira e Cruz, Magalhães Noronha e João

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possa apresentar especificidades traduzidas em recurso de caráter especial,

extraordinário, sui generis, misto ou excepcional, por exemplo.

A propensão, no entanto, é abordar a revisão criminal como uma espécie de ação penal, atribuindo-lhe as mais diversas classificações, das quais se destacam: rescisória76, autônoma77, de competência originária dos tribunais78,

constitutiva79, de impugnação extrema80 e autônoma de impugnação, regida pelo processo de conhecimento, constitutiva negativa81.

Sempre valioso relembrar que o conceito de ação tem por base os ensinamentos de Liebman, consistindo em direito subjetivo instrumental de provocar a tutela jurisdicional, embora, para alguns, como o Ministério Público, constitua um dever, bem como o poder de exigir esse exercício82.

Dentre as divergências que envolvem o tema, suma importância apresentam os resultados dos debates entre Windscheid e Muther que ampliaram e modificaram preceitos trazidos da actio romana. Windscheid, distinguindo o direito lesado, da ação, concluiu que a ação faz surgir o direito do ofendido à tutela jurídica do Estado e, por sua vez, o direito deste à eliminação da lesão, contra aquele que a praticou. Aceitando, por fim, as idéias de Muther, o autor

76 Fernando Capez, Curso de Processo Penal, p. 805. 77

Válter Kenji Ishida, Processo Penal, p. 316. Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, p. 748. Rogério Sanches Cunha; Rogério Batista Pinto, Processo Penal: doutrina e prática, p. 251.

78 Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal, p. 428.

79 Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, p. 703. Edilson Mougenot Bonfim, Código de Processo

Penal Anotado, p. 1.031. Guilherme de Souza Nucci, Manual de processo e execução penal, p. 850. Rogério Lauria Tucci, Direitos e Garantias individuais, p. 435.

80 Élcio Arruda, Revisão Criminal pro societate, p. 314.

81 Paulo Rangel, Direito Processual Penal, p. 907. Carlos Roberto Barros Ceroni, Revisão Criminal:

características, conseqüências e abrangência, p. 19. Nestor Távora; Rosmar A. R. C. de Alencar, Curso de direito processual penal, p. 891. Guilherme de Souza Nucci, Manual de processo e execução penal, p. 850.

82 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco, Teoria geral do processo

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admitiu um direito de agir exercível contra o Estado e contra o devedor, vale dizer, o direito da ação é aquele de acesso à proteção judiciária do Estado83.

A relevância de distinguir “direito” e “ação” é analisada por Couture, que entende que ‘para la ciencia del processo, la separación del derecho y de la acción constituyó un fenómeno análogo a lo que represento para la física la división del átomo’84.

No decorrer do século XIX, no entanto, Adolf Wach, para quem a ação consistia num direito concreto à tutela jurídica, vislumbrou que o direito de ação seria diverso do direito subjetivo, o que foi exemplificado por meio de uma ação declaratória negativa, cujo pressuposto é, exatamente, a inexistência de uma relação jurídica ou de um direito subjetivo. Daí porque concluiu que a ação pode perfeitamente existir independentemente de um direito subjetivo85.

Rubianes refletiu sobre tais discussões, trazendo-as para o direito processual penal, reconhecendo a autonomia da ação penal, já que é possível que se exerça sem que necessariamente se chegue à conclusão condenatória contra o imputado do delito. A ação se desvincula, em certo sentido, do direito subjetivo de castigar do Estado86.

De acordo com Humberto Theodoro Júnior, baseado nos ensinamentos de Liebman, a ação é o direito subjetivo que consiste no poder de produzir o evento a que está condicionado o efetivo exercício da função jurisdicional87.

83 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco, op. cit., p. 248. Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho, op. cit., p. 167.

84 Eduardo J. Couture, Fundamentos del derecho procesal civil, 2ª ed., Buenos Aires: Depalma, 1951, p. 13 apud

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Crítica à teoria geral do direito processual penal, p. 138.

85 Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, op. cit., p. 130.

86 Carlos J. Rubianes, Manual de derecho procesal penal, 1 v. Buenos Aires: Depalma, 1978, p. 265 apud

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, op. cit., p. 137-138 (tradução livre da autora).

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Com base na evolução do conceito, podemos concluir que a ação é verdadeiro exercício do direito à jurisdição, tratando-se de uma facultas agendi e não de um direito subjetivo propriamente dito. A impropriedade do tratamento da ação como um direito, e não o exercício deste, explica-se pelo fato de que muitos concebem a ação como a pretensão jurídica de obter um resultado favorável no processo.

Salientamos, no entanto, que o indivíduo que se sentir lesado em seu direito, poderá, se assim entender necessário, invocar uma norma objetiva a seu favor. A faculdade de agir é inerente ao ser humano, que pode exercer ou não o seu direito, vale dizer, a ação é a faculdade que possui certa pessoa de exigir, ou não, a prestação da atividade jurisdicional.

Nos dizeres de Rogério Lauria Tucci, o direito material em referência é o direito à jurisdição, abstratamente concebido e preconizado na Constituição Federal (art. 5º, XXXV), e o processual consubstancia-se na ação propriamente dita, que se caracteriza pela efetivação do exercício do direito à jurisdição, regido pelas leis processuais88.

Interessante observar a definição de “ação” proposta pelo Código de Processo Civil Francês89, que ressalta que o direito à jurisdição não se destina somente ao autor de uma ação, mas também, ao réu, que pode discutir a validade da pretensão, concluindo, assim, que a ação se destina a todos que possuem um interesse legítimo ao êxito ou rejeição de uma pretensão:

88 Rogério Lauria Tucci, Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal – estudo

sistemático, p. 76.

89 Art. 30. A ação é o direito, para o autor de uma pretensão, a ser entendida a fundo para que o juiz a declare se

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