Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.356.801 - MG (2012/0254863-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ROBERTO GANEM DO ROSÁRIO
ADVOGADOS : ANA LAURA TEIXEIRA DE ALMEIDA NEVES
GABRIEL MILANEZ DE CARVALHO
RECORRIDO : UNITED MILSS LTDA
ADVOGADOS : DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES
CAROLINA DE ROSSO AFONSO
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INCLUSÃO DOS
HONORÁRIOS DO PERITO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA SUA REALIZAÇÃO.
1. Nos termos da jurisprudência dominante deste Tribunal, os benefícios da assistência judiciária gratuita incluem os honorários do perito, devendo o Estado assumir os ônus advindos da produção da prova pericial.
2. Caso o perito nomeado não consinta em receber seus honorários futuramente, do Estado ou do réu, se este for vencido, deve o juiz nomear outro perito, devendo a nomeação recair em técnico de estabelecimento oficial especializado do ente público responsável pelo custeio da prova pericial. Precedentes.
3. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Brasília (DF), 18 de junho de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.356.801 - MG (2012/0254863-0)
RECORRENTE : ROBERTO GANEM DO ROSÁRIO
ADVOGADOS : ANA LAURA TEIXEIRA DE ALMEIDA NEVES
GABRIEL MILANEZ DE CARVALHO
RECORRIDO : UNITED MILSS LTDA
ADVOGADOS : DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES
CAROLINA DE ROSSO AFONSO RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO GANEM DO ROSÁRIO, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.
Ação: cautelar de produção antecipada de prova, ajuizada pelo
recorrente, em face de UNITED MILSS LTDA. O recorrente alega, na inicial, que em 17.09.2009 adquiriu barra de cereal fabricada pela recorrida e, ao morder o produto, encontrou “teias de aranha, ovos, restos de insetos e larvas e, imediatamente cuspiu o pedaço. Percebeu que haviam insetos que ainda estavam vivos, inclusive naquele pedaço que estava em sua boca” (e-STJ fl. 11).
Assevera que é necessária a produção antecipada de prova, por se tratar de alimento perecível, pois receia que as provas não mais existam no momento da instrução da ação indenizatória já ajuizada.
Decisão interlocutória: determinou que o recorrente, beneficiário da
justiça gratuita, arcasse com o pagamento dos honorários periciais referentes à prova pericial por ele requerida.
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto
pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - HONORÁRIOS PERICIAIS - JUSTIÇA GRATUITA - DECISÃO MANTIDA. A parte deve arcar com as custas de honorários periciais, mesmo estando litigando sob o pálio da justiça
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gratuita, vez que não se pode obrigar ao perito, pessoa não pertencente ao quadro efetivo de servidores do judiciário, que faça seu trabalho sem qualquer remuneração, já que o os honorários periciais se apresentam com característica alimentar. V.V. Nos termos do artigo 3º, inciso V, da Lei n.º 1.060/50, os honorários periciais estão incluídos dentre as despesas processuais que os beneficiários da assistência judiciária são isentos. O beneficiário da justiça gratuita, não está obrigado a arcar com as despesas relativas aos honorários periciais, ainda que a prova técnica tenha sido por ele requerida, consoante a exceção à regra prevista na primeira parte do art. 19, do Código de Processo Civil (salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença). Entretanto, o perito nomeado não pode ser obrigado a desempenhar seu munus gratuitamente ou receber seus honorários ao final da demanda pela parte vencida. Desta forma, caso o perito não concorde com essas condições, deverá o Estado, que tem o dever constitucional de prestar assistência judiciária àqueles que não possuem condições de arcar com gastos dessa natureza (CR/88, art. 5º, LXXIV), pagar pelos seus préstimos. (Des. Veiga de Oliveira)
Recurso especial: alega violação do art. 3º, V, da Lei 1.060/50. Aduz
que, tendo em vista a concessão do benefício da justiça gratuita, está isento do pagamento dos honorários periciais.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.356.801 - MG (2012/0254863-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ROBERTO GANEM DO ROSÁRIO
ADVOGADOS : ANA LAURA TEIXEIRA DE ALMEIDA NEVES
GABRIEL MILANEZ DE CARVALHO
RECORRIDO : UNITED MILSS LTDA
ADVOGADOS : DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES
CAROLINA DE ROSSO AFONSO RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
Cinge-se a controvérsia a estabelecer se o beneficiário da assistência judiciária gratuita deve adiantar os honorários do perito, para produção de prova pericial por ele requerida.
I. Do adiantamento da remuneração do perito (art. 33 do CPC).
Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem, considerando o caráter alimentar dos honorários periciais, e tendo em vista que não é possível obrigar o perito, que não pertence ao quadro de servidores do judiciário, a trabalhar sem remuneração, entendeu que os honorários periciais deveriam ser adiantados pelo autor, que é beneficiário da justiça gratuita.
De fato, a remuneração do perito, nos termos do art. 33 do CPC, deve ser paga pela parte que houver requerido a perícia, ou pelo autor, quando requerida por ambas as partes ou determinada de ofício pelo juiz. Contudo, a Lei 1.060/50, ao regular a concessão da assistência judiciária gratuita, previu, em seu art. 3º, que a assistência judiciária compreende os honorários do perito.
É necessário, portanto, interpretar sistemática e teleologicamente os referidos dispositivos, para que, de um lado, o acesso gratuito ao Judiciário pelos beneficiários da assistência judiciária gratuita seja garantido, e, de outro, seja
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preservada a distribuição das despesas processuais prevista no CPC.
Ressalte-se que a hipótese não versa acerca da imposição de responsabilidade definitiva pelo pagamento dos honorários periciais, mas sim por seu adiantamento, na medida em que, de acordo com o disposto no caput do art. 20 do CPC, a sentença é que imporá, ao vencido na demanda, o pagamento das despesas necessárias à prática dos atos processuais.
Nesse sentido, os honorários periciais não devem ser adiantados pelo beneficiário da assistência judiciária gratuita, mas também não é possível inverter o ônus de seu adiantamento à outra parte, que, ressalte-se, não requereu a prova pericial.
Nessas hipóteses, a jurisprudência mais antiga dessa 3ª Turma, bem como a jurisprudência recente das Turmas que integram a 1ª Seção, consolidou-se no sentido de que os honorários periciais serão pagos ao final, pelo vencido ou pelo Estado, se o vencido for beneficiário da justiça gratuita ou, não concordando o perito com o recebimento dos honorários apenas ao final, o Estado, através de seus órgãos públicos, deve arcar com a realização do exame pericial, em colaboração com o Poder Judiciário.
A esse respeito, podem ser citados os seguintes precedentes: REsp 1.190.021/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 19.12.2011; REsp 1.245.684/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 16.09.2011; e REsp 435.448/MG, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 04.11.2002.
Corroborando esse entendimento, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que:
As despesas com o ato, originariamente apontadas como encargo do auto, no caso de ser ele beneficiário da gratuidade de justiça, devem ser suportadas pelo Estado, por meio de fundo próprio. Não se pode impor à outra parte, ainda que economicamente mais forte, o ônus de arcar com o custeio dessa despesa, pois esse ônus não lhe pertence. O juiz, diretor do processo, em percebendo a impossibilidade de o requerente da prova arcar com o seu custeio, porque beneficiário da gratuidade da justiça, deve diligenciar para que
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o Estado atenda à necessidade de prover, de maneira integral, os custos para a realização dessa despesa. (Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante. 13ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 294)
Também José Roberto dos Santos Bedaque compartilha dessa orientação:
Embora o benefício da assistência judiciária esteja isento desse ônus (Lei n.º 1.060, de 5.2.1950, art. 3º), não se pode exigir que o perito aceite o serviço para recebimento a final. Nesse caso, ou ele espontaneamente concorda ou a prova não se realiza. Outra alternativa seria a colaboração de órgãos públicos, o que nem sempre se revela possível (Código de Processo Civil interpretado . Antônio Carlos Marcato, coordenador. São Paulo: Atlas, 2004, p. 129).
Assim, como o perito nomeado não é obrigado a realizar o seu trabalho sem receber imediatamente seus honorários, se este não concordar em realizar a perícia e ser remunerado futuramente, incumbe ao magistrado requisitar ao Estado, a quem foi conferido o dever constitucional de prestar assistência judiciária aos hipossuficientes, o ônus de promover a prova técnica, indicando profissional de estabelecimento oficial especializado ou de repartição administrativa do ente público responsável pelo custeio da produção da prova, o que deve ocorrer em colaboração com o Poder Judiciário.
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para declarar a inexigibilidade do depósito prévio dos honorários do perito para a realização da prova pericial requerida pelo recorrente.
Não concordando o perito já nomeado pelo Juízo da causa em aguardar o final do processo principal para receber seus honorários, deve o Juiz nomear novo perito, escolhido dentre técnicos de estabelecimento oficial especializado do ente público responsável pelo custeio da prova pericial.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2012/0254863-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.356.801 / MG
Números Origem: 10024095774717 10024095774717001 10024095774717002 24095774717 591907792011813
PAUTA: 18/06/2013 JULGADO: 18/06/2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ROBERTO GANEM DO ROSÁRIO
ADVOGADOS : ANA LAURA TEIXEIRA DE ALMEIDA NEVES
GABRIEL MILANEZ DE CARVALHO
RECORRIDO : UNITED MILSS LTDA
ADVOGADOS : DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES
CAROLINA DE ROSSO AFONSO
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Moral
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.