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RAFAELA BERNARDES ESCOUTO

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Academic year: 2021

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE

ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA

Em cooperação com

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

RAFAELA BERNARDES ESCOUTO

O SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO SOB O OLHAR DA

PSICODINÂMICA DO TRABALHO:

Uma análise teórica

Porto Alegre 2020

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RAFAELA BERNARDES ESCOUTO

O SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO SOB O OLHAR DA

PSICODINÂMICA DO TRABALHO:

uma análise teórica

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Saúde Pública, do Curso de Especialização em Saúde Pública, da Escola de Saúde Pública em cooperação com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Orientador: Profa. Dra. Cláudia de Negreiros Magnus

Porto Alegre 2020

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RESUMO

Este trabalho buscou refletir sobre o sofrimento no trabalho dos enfermeiros através de pesquisa bibliográfica. Os objetivos específicos foram discutir o sofrimento no trabalho dos enfermeiros sob o olhar dos preceitos teóricos da Psicodinâmica do Trabalho encontrados nos artigos científicos pesquisados e descrever as categorias de sofrimento dos enfermeiros que emergiram nos artigos, sob a luz da Psicodinâmica do Trabalho. A pesquisa teve abordagem qualitativa, o que foi coerente à intenção de entender as implicações do processo de trabalho dos enfermeiros, em relação a sua subjetividade. Os dados foram coletados a partir de uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados BDENF, LILACS e SCIELO, com foco em artigos científicos sobre o assunto nos últimos dez anos, emergindo nove publicações para análise. Identificaram-se fatores relativos ao sofrimento e ao prazer vivenciado pelos enfermeiros no exercício de sua profissão, que caracterizam o problema analisado e seus desdobramentos. Relativo ao sofrimento destes profissionais, surgiram fatores como o esgotamento profissional, englobando as categorias estresse/insatisfação, medo/insegurança e sobrecarga/frustração, além do fator falta de reconhecimento. As estratégias defensivas emergiram como uma forma se de lidar com esse sofrimento, dentre elas o apoio na religião, a interação entre os membros da equipe, a prática de atividade física e o uso do tabaco. Relacionado a possibilidades de se obter prazer no trabalho, surgiram fatores como realização profissional, qualidade das relações interpessoais e espaços de discussão. Refletindo sobre o tema, concluiu-se da importância e necessidade junto aos enfermeiros de enfoque na subjetividade dos profissionais e a construção de espaços coletivos de saúde no trabalho.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 6 1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ... 10 1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ... 10 1.2.1 Objetivo geral... 10 1.2.2 Objetivos específicos ... 10 1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ... 10 2 REVISÃO DA LITERATURA ... 13 2.1 PSICODINÂMICA DO TRABALHO ... 13

2.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXERCE IMPORTANTE PAPEL NO SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO ... 16

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 21

3.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO ... 21

3.2 DEMILITAÇÃO DO ESTUDO/COLETA DE DADOS ... 21

3.3 ANÁLISE DOS DADOS ... 22

3.4 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ... 22 4 RESULTADOS ... 23 4.1 ESGOTAMENTO PROFISSIONAL ... 23 4.1.1 Estresse/Insatisfação ... 24 4.1.2 O medo/insegurança ... 25 4.1.3 Sobrecarga no trabalho/frustração ... 25 4.2 FALTA DE RECONHECIMENTO ... 27 4.3 ESTRATÉGIA DEFENSIVA ... 29 4.3.1 Apoio na religião ... 30

4.3.2 Interação entre os membros da equipe ... 30

4.3.3 Atividades físicas ... 30

4.3.4 Uso do tabaco ... 31

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4.4.1 Realização profissional ... 31

4.4.3 Espaços de discussão ... 33

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 37

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1 INTRODUÇÃO

Assiste-se cada vez mais na mídia, nos espaços sociais, de educação e debates, o tema saúde e qualidade de vida como base para uma rotina saudável. Praticar exercícios físicos, ter uma alimentação balanceada, manter mente e corpo em harmonia, manter o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, enfim, muitas são as prescrições para o bem-estar geral do ser humano.

Vive-se em uma sociedade cada vez mais individualizada, em que o sofrimento alheio é indiferente, os sentimentos do outro não mobilizam e não causam empatia. Estamos gradativamente mais isolados em nosso mundo particular, no confinamento das redes sociais e cada vez mais insensíveis ao próximo.

Como resultados destes fatores, as pessoas vêm apresentando desordens de ordem psíquica, em que o desânimo, ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos têm aflorado. De forma geral, neste estudo, a proposta é refletir sobre as causas para o sofrimento relacionado ao trabalho.

Para Dejours (1992), o trabalho é onde se realiza o aprendizado da democracia. Mas, se o viver junto fracassa, o trabalhador pode então se tornar uma perigosa fonte de destruição da democracia e de difusão de cinismo e do “cada um por si”.

O trabalho, tomado como eixo norteador de pesquisa, tem sua centralidade na vida contemporânea, fazendo com que seu significado atravesse toda estrutura econômica, ética e cultural da sociedade, marcando a subjetividade de todos (MAGNUS, 2009).

O trabalho representa mais do que o ato de trabalhar ou de vender a força de trabalho em busca de remuneração. Existe também uma remuneração social, ou seja, o trabalho enquanto fator de integração a determinado grupo com certos direitos sociais. O trabalho tem, ainda, uma função psíquica: é um dos grandes alicerces da constituição do sujeito e de sua rede de significados (MAGNUS, 2009).

O capitalismo imprime uma perda progressiva do controle do trabalhador sobre o processo produtivo e, consequentemente, sobre seu trabalho. Este fenômeno dá perda de controle e incide fortemente na subjetividade e, ao mesmo tempo, no coletivo de trabalho, considerando que a dinâmica do controle tanto é exercida sobre o trabalhador

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quanto este exerce sobre si mesmo na realização de suas atividades (MAGNUS; MERLO, 2012).

Nesse âmbito capitalista, observam-se as relações de trabalho. Homens e mulheres assumindo cada vez mais funções, tentando manter muitas vezes mais de um emprego, tornando-se “escravo” do próprio trabalho, e em diversas situações sofrendo com as rígidas regras da organização do trabalho.

Segundo Dejours (1992), em meados de 1944, o movimento operário era focado no corpo como ponto de impacto da exploração. O corpo aparece nesse período da história como primeira vítima do trabalho industrial, restando saber o que lhe é especificamente prejudicial. Ao longo dos anos, a luta pela sobrevivência condenava a duração excessiva do trabalho. A luta pela saúde do corpo conduzia à denúncia das condições de trabalho.

Atualmente, para o desenvolvimento do trabalho, necessita-se de alta qualificação e capacidade de desenvolver atividades múltiplas, além do confronto com diferentes situações que geram sentimentos variados. Nesse contexto, o trabalho pode gerar sentimentos de prazer relacionados, por exemplo, à satisfação financeira e à busca pela realização pessoal, como pode trazer situações de sofrimento (DEJOURS, 1992).

Por organização do trabalho designa-se a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidades etc. (DEJOURS; ABDOUCHELLI; JAYET, 2011).

Ainda, segundo esses autores, a organização do trabalho é a divisão de tarefas entre os operadores, os ritmos impostos e os modos operatórios prescritos, além da divisão dos homens para garantir esta divisão de tarefas, representada pelas hierarquias, as repartições de responsabilidade e os sistemas de controle. Quando a organização do trabalho entra em conflito com o funcionamento psíquico dos homens, emerge um sofrimento patogênico.

Essa organização do trabalho funciona em muitos casos de maneira arbitrária, em que o trabalhador não tem espaço para contribuir, uma vez que as regras são rígidas e a hierarquia estratificada. Segundo Dejours (1992), o trabalhador muitas vezes é despossuído do seu corpo físico e psíquico, domesticado e forçado a agir conforme a

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vontade do outro, acabando por ser desapropriado de sua competência. Então a carga psíquica do trabalho resulta do confronto entre o desejo do trabalhador frente ao do empregador, contido na organização do trabalho.

O trabalho, sendo uma atividade social, é constituído de relações de dominação, demandando espaços de negociação. Esta condição está vinculada à convivência sustentada por regras e por uma direção que nem sempre é feita com a participação dos servidores e que, ao mesmo tempo, é condição de construção de saúde destes. Isso demonstra que os servidores precisam ter uma autonomia mínima de poder para usar sua inteligência prática e tornarem os processos de trabalho mais saudáveis (MAGNUS; MERLO, 2012).

Com todas as adversidades diárias, a saúde do trabalhador fica esquecida, em segundo plano, em que o objetivo das organizações institucionais é prioritariamente prestar assistência à população, dentro de um sistema de saúde muitas vezes carente. Onde o trabalhador, não raras vezes, é mal remunerado, não reconhecido, em muitos casos desrespeitado, e tem de seguir firme no trabalho na “ponta” da assistência.

Analisando a realidade dos trabalhadores da saúde, atualmente, em que os usuários dos serviços de saúde têm maior apropriação sobre seus direitos, em que cada vez mais a comunidade é consciente do que pode adquirir dentro dos serviços, observa-se crescente aumento do sofrimento dos profissionais. As condições às vezes precárias dos serviços e seu potencial para gerar sofrimento no trabalhador, provocam neste o sentimento de impotência quanto à qualidade da assistência ao usuário que, por sua vez, gera insatisfação e rompimento no seu processo de trabalho.

A sobrecarga de trabalho relacionada às exigências institucionais é também fruto do acúmulo de normatizações que dificultam a reflexão sobre sua prática. Essa realidade pode gerar estados de alienação perante a pouca reflexão sobre a própria prática, e a alienação frente às exigências do trabalho podem levar o trabalhador das equipes ao estresse e sobrecarga de trabalho, e ao consequente sofrimento psíquico (DEJOURS,1992).

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O referencial da Psicodinâmica do Trabalho aborda o nexo entre a falta de reconhecimento e processos de sofrimento, adoecimento e despersonalização. Por essa razão, o reconhecimento tem um impacto considerável sobre a identidade e na transformação do sofrimento em prazer no trabalho. A falta de reconhecimento dificulta a transformação do sofrimento em prazer, já que o reconhecimento é essencial para a mobilização subjetiva e enfrentamento do profissional ao sofrimento. A Psicodinâmica do Trabalho afirma ainda que a relação entre a organização do trabalho e o homem não é um bloco rígido, está em contínuo movimento, tendo por objeto os processos intersubjetivos que tornam possível as interpretações do trabalho pelos indivíduos (DEJOURS, 2004).

Ainda segundo Dejours (2004), os estudos acerca da Psicodinâmica do Trabalho situam-se entre a patologia e a normalidade, afirmando que a saúde mental no trabalho é resultante da forma que o trabalhador reage e atua diante do sofrimento relativo às imposições da organização do trabalho.

Diante do que foi exposto, verifica-se a necessidade de pesquisar estratégias para prevenção de agravos à saúde do trabalhador, como redução e controle de agentes estressores que provocam adoecimento, muitas vezes arraigados na organização do trabalho. Nesse âmbito, pretende-se focar esta pesquisa na Psicodinâmica do Trabalho, voltada para o sofrimento do enfermeiro no trabalho, considerando que a autora tem uma trajetória profissional de onze anos como enfermeira.

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1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Como os enfermeiros lidam com o sofrimento no trabalho?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.2.1 Objetivo geral

Refletir sobre o sofrimento no trabalho dos enfermeiros através de pesquisa bibliográfica.

1.2.2 Objetivos específicos

Discutir o sofrimento no trabalho dos enfermeiros sob o olhar dos preceitos teóricos da Psicodinâmica do Trabalho encontrados nos artigos científicos, através de pesquisa bibliográfica.

Descrever as categorias de sofrimento dos enfermeiros que emergiram nos artigos, sob a luz da Psicodinâmica do Trabalho.

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

Ao longo de minha trajetória profissional, inserida há sete anos na Atenção Básica do município de Porto Alegre, foi-se intensificando o desejo de saber mais sobre a saúde de nossa categoria, enfermeiros, baseada na minha dificuldade de lidar com tantas adversidades diárias, o que muitas vezes me causou sofrimento e sensação de impotência.

Observa-se uma crescente pressão sobre os enfermeiros, em que os mesmos têm cada vez mais o seu trabalho direcionado ao cuidado humano, transformado em metas de produção em saúde e números quantificáveis a serem cumpridos, que não refletem a qualidade do cuidado prestado ao usuário, mas a quantidade de procedimentos realizados, ou seja, uma “quantificação do trabalho”. Mesmo essa sendo

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uma profissão destinada ao cuidado, não se detendo somente às questões objetivas, vive-se em nossa prática diária uma grande pressão para aumento de nossa “produção”.

Os enfermeiros estão cada vez mais sobrecarregados, enfrentando doenças de ordem psíquica e de cunho somático, em que o sofrimento do profissional enfermeiro é uma realidade constante.

Vê-se cada vez mais o trabalhador da saúde lidando com a falta de reconhecimento e a falta de recursos materiais, físicos e humanos, tendo que se desgastar para manter o trabalho nas instituições de saúde, em situações muitas vezes precárias, tornando “possível o impossível” para bem atender a população, buscando saídas alternativas para lidar com as dificuldades no trabalho. Somado a isso observa-se duras estruturas hierárquicas, em uma rígida organização do trabalho em que é comum os gestores não dominarem o saber de como ocorre o trabalho na “linha de frente”.

Mensalmente planilhas com dados numéricos são cobradas, sem atentar, por exemplo, que o atendimento ao quadro de saúde de um determinado paciente pode levar horas, às vezes até mesmo um turno inteiro de trabalho, sendo que este trabalho não será quantificado e nem reconhecido nas metas impostas. Salienta-se que esses dados, muitas vezes são expostos publicamente em reuniões de equipe, com a justificativa de que os profissionais necessitam se “enxergar” de acordo com sua produtividade, dessa forma expondo os trabalhadores.

Atualmente há maior cobrança em fazer mais, em detrimento do fazer bem, o que gera uma grande pressão psíquica e sofrimento no profissional enfermeiro, que necessita dividir seu tempo entre atividades burocráticas, tais como elaboração de escalas de trabalho, pedidos de material e medicamentos, ajustes de ponto de servidores, atualização de planilhas de produção e quantificação de metas, reuniões de gestão, participação em treinamentos de educação continuada, além de atividades assistenciais como atendimento a pacientes, testes rápidos sorológicos, coletas de exame citopatológico, consultas de pré-natal, solicitação de exames, orientações e esclarecimento à equipe de enfermagem, manejo e conduta de situações de saúde de maior gravidade etc.

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Esta pesquisa se justifica em função das queixas e sofrimento dos enfermeiros com a utilização de uma pesquisa bibliográfica sobre Psicodinâmica do Trabalho.

A importância do estudo, para além deste trabalho de especialização, fundamenta-se na busca por conhecimento mais aprofundado sobre o tema sofrimento no trabalho, o que permitirá novos caminhos na construção de ambientes mais saudáveis.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 PSICODINÂMICA DO TRABALHO

Nos serviços de saúde, há uma distância entre a linha de frente e o órgão de decisão e regulamentação, fazendo com que problemas identificados nos processos de prestação de serviço não sejam conhecidos por aqueles que poderiam resolvê-los - os gestores -, ao mesmo tempo em que os mais próximos da linha de frente não entendem a visão desenvolvida pelos órgãos de decisão. Essa falta de entrosamento faz crescer a dificuldade para eventuais correções de trajetória ou para implantação de novas formas de execução do serviço (LANCMAN, 2008).

Atualmente, cresce o número de trabalhadores que cuidam dos doentes, combatem as doenças, tentam alongar a vida e lidam com situações de dor, sofrimento e morte. Inseridos na realidade do sistema brasileiro de saúde, os profissionais tem de conviver com condições desfavoráveis de trabalho. A tais situações, os profissionais de saúde reagem de forma diferenciada. Entre outros sintomas, há baixa autoestima, depressão e esgotamento emocional, o que pode deteriorar o bem-estar psicológico (BORGES, 2005).

Pitta (1999) salienta que o modelo hospitalar reproduz o modo de produção capitalista, o qual transforma suas características de ofício em processo tecnológico de trabalho, com uso cada vez maior de informatização, de modernos recursos e técnicas, bem como em métodos de trabalho que exigem menos trabalhadores. Isso leva à redução de postos de trabalho, à dupla ou tripla jornada, ao trabalho temporário e à precarização das relações de trabalho, acarretando em insegurança dos trabalhadores da enfermagem. Há, ainda, a busca por competitividade associada a metas inatingíveis, em conjunto com aumento significativo da demanda, com diminuição de tempo para se estabelecer interação com os pacientes, reduzindo-se cada vez mais os espaços para construção de vínculos.

Muitos trabalhadores perderam a sua capacidade de pensar sobre o seu trabalho, de refletir, principalmente de construir coletivamente pontos de vista e espaços de troca, de cooperação, que os ajudem a se apropriar do desejo de trabalhar,

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de mudar, de recuperar o poder de agir sobre a maneira como o trabalho é organizado, numa dinâmica que leve à emancipação. Porém esse processo de emancipação é dificultado pelo isolamento e pela solidão. Quando não é possível falar-se sobre o tema, desvelar as dinâmicas que ocorrem no cotidiano no trabalho, o manto do silêncio se impõe (DEJOURS; BÈGUE, 2010).

A organização do trabalho é, de certa forma, a vontade do outro com a qual convive-se nas instituições. É primeiramente, a divisão do trabalho e sua repartição entre os trabalhadores, ou seja, a divisão de homens. A organização do trabalho recorta o conteúdo da tarefa e as relações humanas de trabalho. É onde se observa o exercício do domínio, do controle, do desejo de explorar ao máximo a força de trabalho, ou seja, a substituição do livre arbítrio do trabalhador em função de seu empregador (DEJOURS, 1992).

Segundo Dejours (2004), toda organização do trabalho é desestabilizadora da saúde, portanto não há organização do trabalho sem sofrimento, mas há organizações mais favoráveis à negociação desse sofrimento. As situações que ocasionam sofrimento aos trabalhadores ocorrem quando há falha na intermediação entre as expectativas do trabalhador e a realidade imposta pela organização e gerência do trabalho.

A Psicodinâmica do Trabalho busca romper com o modelo causal médico-biológico, focado na doença, reforçando os mecanismos de luta e resistência desenvolvidos pelos trabalhadores, sendo seu objetivo dirigido essencialmente para a vivência subjetiva (DEJOURS, 1992). A Psicodinâmica do Trabalho identifica dimensões geralmente subestimadas do trabalho e propõe a definição de que o trabalho é a atividade manifestada por homens e mulheres para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do trabalho (DEJOURS, 2004).

O saudável é vivenciado quando é possível atuar em situações que cobranças e pressões do trabalho geram instabilidade psicológica. E o adoecimento surge em função de um sofrimento patogênico, quando se rompe o equilíbrio e há a impossibilidade de contornar a dificuldade no trabalho, quando os investimentos intelectuais e psicoafetivos dos trabalhadores não são mais suficientes para atender às demandas e tarefas impostas pela organização do trabalho (DEJOURS, 2004).

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Segundo Dejours, Abdoucheeli e Jayet (2011), o trabalho permite que ocorra o conflito entre o mundo externo e o interno de cada trabalhador, sendo a subjetividade o local desse confronto. De um lado está o que é interno e subjetivo e de outro o que é externo e faz parte das organizações, gerando sofrimento psíquico aos trabalhadores.

O trabalho na sociedade capitalista contemporânea tem assumido diversos sentidos para os trabalhadores, ora oferecendo condições emancipadoras, ora escravizantes. Muitas vezes o psíquico é envolvido no jogo e na trama da dominação social, associado às leis da racionalidade econômica, refletidas nos princípios da produtividade, da flexibilidade e do consumo, levando os trabalhadores a não terem saídas, prevalecendo a sujeição no lugar da resistência e da emancipação (MENDES, 2008).

A atividade produtiva pode repercutir positiva ou negativamente no trabalhador. A organização do trabalho propicia o desenvolvimento do indivíduo e do coletivo laboral, quando possibilita criatividade e autonomia, gerando prazer. Se propiciar rigidez nas tarefas e nas relações, favorece o aparecimento de sofrimento, descompensações psíquicas, acidentes de trabalho e adoecimento (DEJOURS, 2004).

Chama atenção a fragilidade dos laços de cooperação atualmente vigentes no mundo do trabalho. A Psicodinâmica do Trabalho tem atuado na recuperação desses laços de cooperação, fortemente esfacelados pela precarização do trabalho. O resgate da cooperação se mostra como um caminho para a reorganização do trabalho, considerando a distância entre o prescrito e o real. Nesse sentido, o trabalho apresenta o potencial de atuar como mediador da emancipação relativa não somente do sofrimento do trabalhador, mas ainda com foco no prazer no trabalho (DEJOURS, 2004). A Psicodinâmica do Trabalho oferece espaço interno de fala e escuta qualificada, que permite repensar a organização do trabalho e propor mudanças (GHIZONI et al., 2014).

A normalidade, para Dejours (1992), não é concebida como simples ausência de doença e de sofrimento, mas como resultado precário de estratégias defensivas elaboradas para resistir ao que é no trabalho desestabilizador e nocivo para o funcionamento psíquico e a saúde mental. A normalidade é interpretada como o resultado de um compromisso entre o sofrimento e as estratégias individuais e coletivas

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de defesa. Dejours (1992) afirma que é preciso manter um conceito de normalidade com sofrimento, como um resultado conquistado, diante das exigências do trabalho e das ameaças de desestabilização psíquica e somática.

A pesquisa em Psicodinâmica do Trabalho engajou-se na análise específica desta questão difícil, embora decisiva, em relação tanto à eficiência do trabalho como à economia do sofrimento e do prazer no trabalho (DEJOURS, 2004).

2.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXERCE IMPORTANTE PAPEL NO SOFRIMENTO DO ENFERMEIRO

Dejours (1992) classifica a relação do homem com a organização do trabalho como a origem da pesada carga psíquica das relações laborais. Esta relação pode ser fonte de prazeres e desprazeres, evidenciados por afastamentos, sofrimentos que se estendem além do trabalho, que contaminam todas as instâncias da vida do trabalhador. O sofrimento no trabalho pode andar lado a lado com o prazer, pois há combinações complexas entre prazer e sofrimento (DEJOURS, 2004).

Sabe-se que é impossível uma organização do trabalho que não permita de alguma forma o sofrimento do profissional. O prazer/sofrimento resulta da inter-relação entre os trabalhadores e o contexto de trabalho. A saúde no trabalho é resultado de como o trabalhador enfrenta as situações conflituosas no contexto de suas funções. (DEJOURS; ABDOUCHEELI; JAYET, 2011).

No contexto da Psicodinâmica do Trabalho, o trabalho não é visto somente como algo negativo, mas também como pode ser transformado em prazer e saúde (DEJOURS, 2004).

Não parece eticamente defensável aguardar o surgimento de patologias mentais explícitas e evidenciáveis para assumir uma atitude de controle e prevenção em determinados aspectos do processo de trabalho que possam agredir a vida psíquica dos trabalhadores (PITTA, 1999).

Dejours (1992) questiona como fazem os trabalhadores para resistir aos ataques ao seu funcionamento psíquico provocados pelo seu trabalho? O que fazem para não ficarem loucos? Não se trata de estudar as doenças mentais descompensadas, ou os

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trabalhadores por elas atingidos, mas sim todos os trabalhadores, a população real e “normal” que está nas fábricas, nas usinas, nos escritórios e é submetida a pressões no seu dia a dia.

Segundo Dejours (2004), espaços de discussão e circulação da palavra têm o poder de liberar o potencial criativo dos profissionais. O coletivo do trabalho propicia uma reflexão sobre as dimensões trabalhistas, possibilitando assim a criação de condições para a sustentabilidade do trabalho (DEJOURS; ABDOUCHEELI; JAYET, 2011). Dejours (2004) defende que através dos espaços de discussão, cria-se coragem de se arriscar e um ambiente propício ao confronto com o real, tornando-se visíveis os aspectos do trabalho até então ignorados e construindo formas coletivas de resolução.

É a organização do trabalho que coloca em evidência e em risco as dimensões da condição humana, patrocinando o jogo entre a servidão e a emancipação do sujeito. Um exemplo de contradições muito presente nas relações de trabalho hoje é o fazer mais versus o fazer bem. As exigências das organizações, muitas vezes, sem as condições necessárias à execução das tarefas, levam os trabalhadores a negligenciar a qualidade em nome da quantidade (MENDES, 2008).

Quando o sofrimento é útil à produtividade, pode ser estimulado pelas chefias. O mesmo vale para a ansiedade, cujo valor para produtividade pode conduzir à sua utilização como técnica organizacional de comando. Portanto, as estratégias defensivas do trabalhador podem ser usadas pela organização do trabalho para aumentar a produtividade. O que é explorado pela organização do trabalho não é o sofrimento em si, mas principalmente os mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento. O sofrimento resulta da organização do trabalho, que expulsa o desejo do próprio sujeito. A frustração e a agressividade resultantes, assim como a tensão e o nervosismo, são utilizadas especificamente para aumentar o ritmo de trabalho (DEJOURS, 1992).

Os trabalhadores criam estratégias defensivas que atenuam o sofrimento no trabalho, mas não proporcionam a cura. Dessa forma, as estratégias defensivas desempenham um papel de freio à reapropriação, à emancipação e à mudança. Há uma normalidade nos trabalhadores, que ocorre como equilíbrio instável, fundamentalmente precário, entre o sofrimento no trabalho e as defesas contra o sofrimento. Normalidade que se dá também como resultado de estratégias complexas e

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rigorosas, e não como resultante mecânica de um somatório de ações e de reações, de estímulos e respostas, mas como estratégias fundamentalmente intencionais (DEJOURS, 2004).

Ainda segundo Dejours (2004) o sofrimento designa o campo que separa a doença da saúde. Entre o homem e a organização, prescrita para a realização do trabalho, existe um espaço de liberdade que autoriza negociações, descritas como modulações de modo operatório. São invenções do trabalhador sobre a própria organização do trabalho, para adaptá-la às suas necessidades e seus desejos. Se essa negociação for levada ao limite e se a relação do homem com a organização do trabalho for bloqueada, começa então o sofrimento.

O sofrimento no trabalho é, também, expectativa com realização à autorrealização, no sentido de buscar ultrapassar os obstáculos que nossos pais não conseguiram fazer transpor. O sofrimento, nessa medida, impele o sujeito no mundo e no trabalho, em busca das condições de autorrealização (MAGNUS, 2009).

Trabalho, sofrimento e reconhecimento são questões que são estruturadas nesta metodologia, que são eixos importantes da Psicodinâmica do Trabalho. O sentido que dá acesso ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho, sendo este proveniente de toda situação laboral. A construção do sentido do trabalho pelo reconhecimento, premiando o indivíduo, quanto as suas expectativas com respeito à sua realização pessoal, pode transformar o sofrimento em prazer. O reconhecimento, em seus diferentes modos de expressão, atua como mediador da construção da identidade do trabalhador no campo social. Este reconhecimento produz sentido ao sofrimento no trabalho e promove a realização, a emancipação e consequentemente à saúde (DEJOURS, 2004).

De acordo com Dejours (2004) os conflitos, o sofrimento e o prazer que emergem em situações de trabalho devem sua dinâmica à organização do trabalho e às dificuldades, ou mesmo aos conflitos que ela provoca entre os indivíduos, na própria dinâmica das equipes. A Psicodinâmica do Trabalho leva a questionar o prazer, o sofrimento, as estratégias defensivas e as descompensações psicopatológicas.

Em situações que não há margem de manobra, em que o trabalhador não pode contribuir com sua experiência e seu saber/fazer, ou não consegue realizar seu trabalho

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de acordo com seus princípios e crenças, ele está impedido de transformar o sofrimento em ações significativas que o levem ao prazer. Nesse caso, o trabalho pode se constituir em fator considerável de geração de sofrimento patogênico, de desequilíbrio, de doenças físicas e mentais (LANCMAN et al., 2008).

Existe falta de entendimento do papel do trabalho na saúde do trabalhador. Isso mostra que é necessário avançar muito em termos da saúde no trabalho, em especial, no que diz respeito aos seus aspectos psíquicos. Os processos de trabalho são dinâmicos, mudam com rapidez, e seus efeitos nem sempre são detectados e compreendidos com a mesma velocidade. Há inclusive casos de suicídios que são considerados publicamente como ligados ao trabalho, que prevalecem na categoria dos profissionais da saúde, considerada profissão de risco para esse agravo (DEJOURS; BÈGUE, 2010).

Segundo Dejours e Bègue (2010), os agravos à saúde mental do enfermeiro, que podem culminar em suicídio, estão associados a uma desqualificação de sua contribuição e ao não reconhecimento de seu mérito no trabalho. Dessa forma, na enfermagem, existe uma intensa dedicação profissional que passa despercebida, em um cenário em que é esperado a obtenção de resultados, o desempenho e o alcance e superação de metas.

Os baixos salários dos profissionais de saúde e as expectativas de consumo contribuem para que esses funcionários assumam vários empregos, aumentando o desgaste decorrente da jornada de trabalho (BORGES, 2005).

Sob a justificativa do risco das ações em saúde para os usuários, em boa parte dos órgãos de assistência a saúde predomina uma gestão bastante hierarquizada quanto ao poder decisório, muitas vezes autoritária (BORGES, 2005).

A Psicodinâmica do Trabalho parte do pressuposto que os trabalhadores têm capacidade se se proteger, de buscar saídas, de transformar, de reconstruir a realidade, portanto de analisar o processo psíquico envolvido no confronto do sujeito com a organização do trabalho. Esse confronto denomina-se de estratégia defensiva (DEJOURS, 1992).

Tanto as estratégias defensivas individuais como as coletivas são meios em que os trabalhadores buscam para se proteger do sofrimento e conseguirem seguir com o

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seu trabalho (DEJOURS, 1992). As estratégias defensivas são constituídas em sua maioria por ações coletivas, com as quais o trabalhador tem o intuito de modificar, transformar e minimizar aspectos do trabalho resultantes do conflito entre o prescrito e o real, que o faz sofrer (DEJOURS; ABDOUCHEELI; JAYET, 2011). Ao deslocar os limites do real, correndo riscos em relação aos prescritos pela organização do trabalho e pela mobilização da inteligência, o trabalhador pode conquistar o prazer e a saúde através do seu trabalho (DEJOURS, 2004).

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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO

Foi desenvolvido um estudo qualitativo, realizando-se uma pesquisa bibliográfica, sob o referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho. Neste estudo, inicialmente realizou-se uma busca em fontes de consulta, com foco em artigos científicos de periódicos sobre o tema dos últimos dez anos. Para identificação e localização das fontes, foram utilizadas como base estratégica o Portal da Biblioteca Virtual de Saúde, onde três bases de dados eletrônicos foram consultadas: BDENF, LILACS e SCIELO, com as seguintes palavras-chave: Sofrimento do Enfermeiro, Psicodinâmica do Trabalho.

A busca foi realizada em dezembro de 2019, restringindo-se a artigos científicos publicados no idioma português nos últimos dez anos.

3.2 DEMILITAÇÃO DO ESTUDO/COLETA DE DADOS

Foi desenvolvido um estudo qualitativo, do tipo pesquisa bibliográfica. Esta se caracteriza por utilizar material já elaborado, constituído principalmente de artigos científicos. A pesquisa bibliográfica permite ao investigador cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente (GIL, 2002).

Foram usados como critério de exclusão publicações que não fossem artigos científicos, como teses e dissertações.

Inicialmente a pesquisa revelou vinte e sete publicações acerca do tema, sendo excluídas quatorze por serem teses ou dissertações, restando treze artigos para análise. Destes, resultaram nove para o estudo, pois dois se repetiram mais de uma vez nas bases de dados, e um dos artigos não apresentou relevância para a análise proposta. Houve então a leitura completa de todos os artigos elencados para a pesquisa

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3.3 ANÁLISE DOS DADOS

Os dados foram analisados a partir da teoria da Psicodinâmica do Trabalho, mediante os artigos pesquisados. Foram analisados os fatores relacionados ao sofrimento no trabalho, com fundamentação teórica sob o olhar de Dejours (2004), com uma análise dialogada com pressupostos teóricos da Psicodinâmica do Trabalho.

A busca resultou em nove publicações cientificas para análise. Em todos esses textos foi realizada leitura completa, em que emergiram seis categorias distintas sobre o tema.

3.4 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

Este estudo utilizou o modelo teórico da Psicodinâmica do Trabalho e não o seu método. Desta forma, realizou-se uma revisão teórica dos seus preceitos metodológicos. Portanto, este estudo não implicou em pesquisa com seres humanos, nos termos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

A orientação desse trabalho esteve ligada a uma metodologia qualitativa, o que é coerente à intenção de entender as implicações dos processos de trabalho em relação à subjetividade dos seus trabalhadores.

Assumiu-se o compromisso de manter os preceitos éticos neste estudo de forma cuidadosa e implicada na construção de saúde, divulgando os resultados de forma geral.

Houve o compromisso de citar os autores utilizados no estudo conforme normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

As informações contidas nesta pesquisa podem ser utilizadas em etapas futuras, exclusivamente com a finalidade científica.

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4 RESULTADOS

Neste estudo específico a pesquisa possibilitou identificar fatores que desencadeiam sofrimento e prazer nos enfermeiros, assim como mecanismos de defesa adotados pelos mesmos para lidar com o sofrimento, enfrentando o real do trabalho. Na análise destes fatores, buscou-se compreender quais os recursos internos que o enfermeiro utiliza, que sentimentos emergem, se é possível encontrar prazer em seu trabalho, além de refletir sobre como promover a saúde desses profissionais.

Após análise do material pesquisado, com o resultado da pesquisa em nove artigos científicos sobre o tema, houve ordenação e interpretação do mesmo, onde identificou-se fatores relativos ao sofrimento e ao prazer vivenciado pelos enfermeiros no exercício de sua profissão, que caracterizam o problema analisado e seus desdobramentos. Relativo ao sofrimento destes profissionais, surgiram fatores desencadeantes, como o esgotamento profissional, englobando as categorias estresse/insatisfação, medo/insegurança e sobrecarga/frustração, além do fator falta de reconhecimento. As estratégias defensivas emergiram como uma forma se de lidar com esse sofrimento, dentre elas o apoio na religião, a interação entre os membros da equipe, a prática de atividade física e o uso do tabaco. Relacionado a possibilidades de se obter prazer no trabalho, surgiram realização profissional, qualidade das relações interpessoais e espaços de discussão.

4.1 ESGOTAMENTO PROFISSIONAL

De acordo com Glanzner et al. (2017), o trabalho real da enfermagem, na prática, muitas vezes se distancia do trabalho prescrito, gerando frustração e sofrimento para os trabalhadores, que não desenvolvem o trabalho da maneira que gostariam, experimentando muitas vezes a desvalorização profissional e a desmotivação. Ainda segundo as autoras, o sofrimento no trabalho começa quando, apesar de seu zelo, o trabalhador não consegue dar conta da tarefa.

Portanto, na categoria esgotamento profissional emergiram três subcategorias de sofrimento identificadas, abaixo discriminadas.

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4.1.1 Estresse/Insatisfação

Segundo Campos, David e Souza (2014), o estresse está associado com o adoecimento e o sofrimento que ele causa no trabalhador. Diversos são os sintomas físicos como cefaleia, fadiga, tensão muscular, insônia, palpitações, náuseas, alterações intestinais, tremores, dentre outros, além dos sintomas psíquicos e emocionais, como alteração da concentração e memória, indecisão, ansiedade, raiva, preocupação, depressão e irritabilidade. Há a associação entre o estresse no trabalho com o consumo de tabaco, álcool e outras drogas. O estresse pode ainda culminar na Síndrome de Bournout, que se refere a sentimentos de fracasso e exaustão do profissional em relação ao seu trabalho.

A falta de recursos humanos demonstra um frequente problema das instituições de saúde, que é a inadequação entre o processo e a organização do trabalho. Isso desperta nos trabalhadores sentimentos de angústia e estresse, que caracteriza sofrimento no ambiente de trabalho (ALMEIDA, 2018).

De acordo com Almeida (2018), atender pacientes com equipes reduzidas é apontado como fonte de sofrimento pelo trabalhador da enfermagem. O número insuficiente de profissionais torna o trabalho estressante, pois os períodos de descanso se tornam inadequados, o que gera desgaste no trabalhador que pode se transformar em doenças físicas ou psíquicas.

Há, ainda, a exigência de extremo preparo técnico e pouco investimento no preparo emocional, portanto atenção diminuída às necessidades afetivas e subjetivas do enfermeiro, além de politicas de humanização no atendimento em um cenário que prioriza produção e desempenho (TRAESEL; MERLO, 2011).

A constante negação das dificuldades coloca a equipe de saúde em um estado de estresse, sem uma via para expressar seus sentimentos, predispondo-os ao adoecimento (SANTOS et al., 2016).

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4.1.2 O medo/insegurança

A garantia da manutenção do seu emprego pela obediência aos valores instituídos pela organização do trabalho, a ascensão profissional, a avaliação individual de desempenho, são práticas que promovem a individualidade e a competitividade nas relações de trabalho, em detrimento da cooperação e do fortalecimento da equipe de trabalho. Ao se adotar condutas competitivas o trabalhador enfraquece o coletivo, a equipe de trabalho (SANTOS; TAHARA, 2009).

4.1.3 Sobrecarga no trabalho/frustração

A sobrecarga surge muitas vezes da necessidade de oferecer respostas às demandas relacionadas às metas estabelecidas, pactuações e indicadores. A profissão da enfermagem apresenta peculiaridades que incluem atenção ao paciente, responsabilidades administrativas, vigilância constante, em um contexto que sua contribuição é imensurável por lidar simultaneamente com serviços técnicos específicos, cuidados e interação humana (TRAESEL, MERLO, 2011).

Nesse contexto, a insuficiência de recursos humanos provoca atritos entre os membros da equipe de enfermagem, sobrecarga de trabalho e assim prejudica a qualidade da assistência ao paciente. Problemas como esse propiciam desprazer e sofrimento aos enfermeiros, que podem ser sanados com mudanças no ambiente de trabalho (ALMEIDA, 2018).

Muitas vezes não se leva em conta a organização do trabalho como fator desencadeante do adoecimento dos trabalhadores, já que se procura explicar os sintomas depressivos e os distúrbios de ansiedade exclusivamente pela história de vida dos sujeitos, sem levar em conta o contexto de trabalho em que estão inseridos e seus efeitos sobre a sua saúde (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

Demonstra-se que a assistência direta ao paciente é um elemento que produz prazer no enfermeiro. No entanto, tarefas burocráticas como elaboração de escalas de trabalho, controle de estoque de medicações e materiais, gerenciamento da manutenção de equipamentos médico-hospitalares também integram o quadro de

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obrigações do enfermeiro, desviando-o do cuidado ao paciente e lhe causando sofrimento (ALMEIDA, 2018).

O enfermeiro enfrenta dificuldade em conciliar gestão da equipe, burocracias, procedimentos concomitantemente com a escuta das necessidades e o contato mais aprofundado com o paciente e sua família. Essa situação leva a conflitos entre o cumprimento das normas e tarefas e a difícil humanização do cuidado que exige tempo e investimento, visto que as instituições de saúde cada vez mais atribuem ao enfermeiro diversas obrigações administrativas e assistenciais que levam gradativamente ao afastamento do paciente e à pressa na realização de suas funções para cumpri-las dentro dos prazos exigidos. Há um desinvestimento nos aspectos humanos e afetivos que deveriam ser a base do exercício da profissão (TRAESEL; MERLO, 2011).

Outros sentimentos relatados ainda pelos enfermeiros como causadores de sofrimento na profissão são sentir-se insuficiente, ter pouco tempo para elaborar o vínculo com seus pacientes e ter que atender a muitas demandas simultaneamente (SANTOS et al., 2016).

O confronto entre potencializar o tempo de trabalho atendendo a muitos pacientes superficialmente, ou prestar o cuidado com calma, dando atenção e dedicando-se aos relacionamentos que alimentam o sentido do seu trabalho, é rotina na atuação do enfermeiro (TRAESEL; MERLO, 2011).

Ainda segundo Traesel e Merlo (2011), os enfermeiros sempre acumularam funções, porém a pressão no cumprimento de metas, cada vez mais acirrada, em busca de competitividade, produtividade e excelência de resultados, mostra que efetuar um bom trabalho não é o suficiente. O bom desempenho nessa profissão é visto como uma obrigação básica, inerente ao oficio e missão do enfermeiro. É preciso ir além, superar continuamente as expectativas. A sobrecarga de demandas gera a queda do prazer no trabalho da enfermagem.

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4.2 FALTA DE RECONHECIMENTO

No trabalho da enfermagem, com foco na polivalência, flexibilidade, resultados e exigência de altos níveis de competência, há tendência em não se valorizar a contribuição desse trabalhador, com forte impacto sobre sua saúde (TRAESEL, MERLO, 2011).

De acordo com Campos, David e Souza (2014), a falta de reconhecimento reflete condições de injustiça, indignação e desvalorização. Sabe-se que na enfermagem a falta de reconhecimento é histórica e se mantém na atualidade. A dificuldade em se definir suas competências específicas diante dos outros profissionais, influencia negativamente o trabalhador, que muitas vezes não se posiciona por insegurança em definir e reconhecer o seu próprio papel. Ainda, segundo as autoras, a divisão da profissão por categorias, auxiliares, técnicos e enfermeiros, segmentação dificilmente compreendida pela sociedade, e sua classificação de todos como enfermeiros, gera um sentimento de despersonalização e desvalorização, pois a formação de cada um é completamente diferenciada, assim como suas funções e responsabilidades.

O fato de a maioria das pessoas desconhecer a diferença entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem é entendido como uma falta de reconhecimento da importância do trabalho do enfermeiro (ALMEIDA, 2018).

Pode-se citar ainda o aspecto cultural da supervalorização do saber médico. O êxito no tratamento do paciente é em geral atribuído somente a este profissional. O ato de cuidar na enfermagem é frequentemente desvalorizado pelos pacientes, familiares e pelos próprios profissionais, quando comparado às ações médicas. Isto reflete inclusive na remuneração dos enfermeiros (TRAESEL; MERLO, 2011).

Segundo Traesel e Merlo (2011), a dificuldade em realizar um cuidado mais próximo ao paciente em função das inúmeras responsabilidades do enfermeiro, e assim não receber o retorno e reconhecimento esperado, constitui uma importante fonte de sofrimento e adoecimento nessa profissão, já que segundo a Psicodinâmica do Trabalho, há a necessidade de reconhecimento para transformação do sofrimento no meio profissional.

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A falta de reconhecimento e valorização das atividades desempenhadas, tanto por colegas da equipe de trabalho quanto por gestores das instituições, é identificada como fator que contribui para insatisfação no trabalho, surgindo o sofrimento. Portanto, quando ocorre o reconhecimento oriundo do sentimento de pertencimento ao local de trabalho e ao processo de trabalho desenvolvido de forma coletiva, implica em prazer aos trabalhadores. O reconhecimento propicia a valorização do esforço investido durante a realização de um trabalho. Essa valorização integra a construção da identidade do trabalhador conferindo-lhe prazer e realização pessoal (ALMEIDA, 2018). A rotina associada ao ritmo e a fragmentação do trabalho da enfermagem, a invisibilidade de suas contribuições e o enfraquecimento do vínculo não tornam esse ambiente de trabalho propício ao reconhecimento, deixando estes trabalhadores expostos a agravos a sua saúde (TRAESEL; MERLO, 2011).

O reconhecimento social propicia prazer no trabalho. O enfermeiro deseja ter seu empenho e dedicação reconhecidos pela sociedade, pela sua chefia, pelos seus colegas e pelo paciente atendido. Entretanto nem sempre isso acontece, já que socialmente, o trabalho do enfermeiro é considerado menos importante do que o trabalho do médico (ALMEIDA, 2018).

Considerando-se o protagonismo do reconhecimento na construção da identidade e na produção de sentido ao sofrimento no trabalho, este contexto torna-se nocivo à saúde destes trabalhadores, pois a atuação do enfermeiro tende a ser invisível, visto que atualmente há intensa valorização da tecnologia e precisão técnica em saúde, associada à racionalização de custos e de tempo de execução de procedimentos, em detrimento do fator humano (TRAESEL; MERLO, 2011).

As diversas funções exercidas pelo enfermeiro, que atua como gestor de unidade, oferece suporte ao paciente, colabora com o médico, entre outras, oferecem poder ao enfermeiro. Porém, um poder limitado, muitas vezes pelo médico, pela instituição e pela falta de reconhecimento social. A polivalência do enfermeiro é fundamental na equipe de saúde, mas infelizmente a sociedade em geral desconhece a importância do seu trabalho (ALMEIDA, 2018).

Havendo falta de reconhecimento do seu esforço, do seu desempenho, emergem sentimentos de desvalorização, indignação, inutilidade, desqualificação, injustiça e

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discriminação. O reconhecimento do trabalho configura-se como prazeroso, enquanto a falta de reconhecimento imprime um sentimento de sofrimento relacionado ao trabalho (GLANZNER et al., 2017).

A profissão vivencia cobrança por resultados e severas críticas quando há erros, reforçando a ideia de que o bom desempenho deve ser uma obrigação atrelada ao exercício profissional da enfermagem (TRAESEL; MERLO, 2011).

4.3 ESTRATÉGIA DEFENSIVA

Estratégias defensivas são utilizadas pelos enfermeiros para enfrentar o sofrimento no trabalho. Os trabalhadores se protegem buscando estratégias defensivas individuais ou coletivas para minimizar ou suportar as vivências de sofrimento (MARTINS; ROBAZZI, 2012).

Os enfermeiros buscam continuamente um alto nível de desempenho para se adaptar às exigências do seu trabalho. Entretanto, essa estratégia defensiva constitui uma submissão às exigências de pressa, polivalência e alta performance (TRAESEL, MERLO, 2011).

Na enfermagem, existem fatores como a imprevisibilidade, a evolução do estado de saúde do paciente, a divisão técnica do trabalho, que exigem um senso de urgência, vigilância e disposição constante. A fim de suportar esse cotidiano de trabalho, o profissional tenta anestesiar o próprio corpo, sendo esta uma estratégia de defesa que possibilita lidar com os rigores da profissão, mas que pode trazer danos à saúde desse trabalhador (TRAESEL; MERLO, 2011)

Dentre as estratégias defensivas que se desvelam entre os enfermeiros, destacam-se o apoio na religiosidade, a promoção de interação entre os membros da equipe, as atividades físicas e o uso do tabaco.

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4.3.1 Apoio na religião

A crença, a fé e a oração são uma forma utilizada pelos enfermeiros para enfrentar as dificuldades que geram sofrimento no trabalho (MARTINS; ROBAZZI, 2012). Os mesmos vêm a oração como uma válvula de escape para o que causa sofrimento.

4.3.2 Interação entre os membros da equipe

Os enfermeiros atribuem grande importância ao bom relacionamento interpessoal com os colegas, onde são estabelecidos vínculos de amizade e confiança, que aliviam as tensões e propiciam ajuda mútua, impulsionando os indivíduos à realização de seu potencial.

Proporcionando-se um inter-relacionamento entre os membros da equipe de enfermagem, se cria um ambiente favorável para busca de afeição, compreensão, harmonia, cooperação e fortalecimento do trabalho em conjunto. A comunicação efetiva, o respeito à individualidade, a possibilidade de crescimento coletivo por meio da reflexão, o desenvolvimento da criatividade, da atitude de ouvir, a compreensão, a aceitação, são estratégias que resultam em maior harmonia entre a equipe e levam ao fortalecimento das responsabilidades no trabalho de cada um, obtendo melhores resultados no trabalho (MARTINS; ROBAZZI, 2012).

4.3.3 Atividades físicas

As atividades físicas são consideradas uma maneira de aliviar o estresse do trabalho e trazer calma, atuando terapeuticamente para o físico, emocional e social.

A ausência de exercícios físicos diários leva o corpo a tornar-se um depósito de tensões acumuladas, sem canais para a saída dessa tensão, aumentando a probabilidade de se gerar doenças. Liberando endorfinas com a prática regular de atividades físicas o indivíduo pode ter melhoras psíquicas (MARTINS; ROBAZZI, 2012).

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A realização de exercícios físicos diários, como caminhada ou ir a academia de ginastica, é uma maneira de diminuir o estresse e acalmar o trabalhador da enfermagem (MARTINS; ROBAZZI, 2009).

4.3.4 Uso do tabaco

Muitos profissionais sentem alívio e prazer com o uso do tabaco, utilizando-o como um calmante para amenizar a ansiedade, não atentando para seus efeitos nocivos à saúde (MARTINS; ROBAZZI, 2012).

4.4 FATORES GERADORES DE PRAZER/SAÚDE NO TRABALHO

Através do pressuposto da Psicodinâmica do Trabalho, o trabalho da enfermagem pode ser direcionado à fonte de prazer, favorecendo um modelo operacional que permita ajustar a saúde psíquica do enfermeiro ao trabalho prescrito. Assim poderá haver uma transformação do sofrimento no trabalho, ao invés de negar a sua existência (SANTOS; TAHARA, 2009).

Cabe aos enfermeiros a busca de autonomia que possibilite aos mesmos autoafirmação, como participante na modulação da organização do trabalho que executa, e integração, como sujeito vinculado à representação do coletivo (TRAESEL; MERLO, 2011).

Entre as categorias geradoras de prazer, desvelaram-se as abaixo citadas.

4.4.1 Realização profissional

Alguns referenciais de prazer no trabalho são a sensação de dever cumprido, conforto e alívio. A realização profissional propicia experiências de gratificação profissional, orgulho e identificação com o trabalho que faz. O sentimento de orgulho da atividade exercida relaciona-se com a possibilidade de ajudar o paciente, de aliviar suas dores, de ser útil e de participar de seu tratamento, possuindo sua parcela de

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responsabilidade nos resultados positivos atingidos com sua melhora (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

É muito comum ouvir que a enfermagem é vocação, é um dom. Porém é esquecido que apesar de ser essencial a afinidade pelo cuidado ao outro, o enfermeiro é um profissional como outro qualquer. São igualmente importantes para esses profissionais aspectos como reconhecimento, valorização e satisfação profissional (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

Os sentimentos de prazer no trabalho da enfermagem surgem no momento que suas atividades são reconhecidas pelos pacientes e familiares, e quando há solidariedade entre a equipe. A identidade profissional no ambiente de trabalho é criada pelo seu reconhecimento. A ressignificação do sofrimento vivenciado pelo trabalhador é possível através do seu reconhecimento, permitindo a transformação do sofrimento em prazer. Assim, o reconhecimento torna-se um estímulo para os trabalhadores (VASCONCELOS et al., 2019).

Ao mesmo tempo em que os enfermeiros sofrem frente à dor e sofrimento dos pacientes, os mesmos percebem-se como detentores de conhecimentos capazes de aliviar e atenuar a dor do outro. No papel de cuidador, ele resgata o prazer e satisfação profissional, um dos mecanismos de enfrentamento do sofrimento no trabalho (SANTOS; TAHARA, 2009).

4.4.2 Qualidade das relações interpessoais

Quando os membros da equipe de enfermagem têm apenas um relacionamento cordial, não havendo uma maior interação entre os mesmos, isso afeta a qualidade da assistência ao paciente. Havendo solidariedade, confiança e cooperação, há um favorecimento do ambiente, que se torna mais saudável e ameniza o sofrimento imposto pelo contexto do trabalho (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014). O cuidado é mais efetivo quando há uma relação entre a equipe de enfermagem marcada pela proximidade real e quando há maior entrosamento entre os trabalhadores (MARTINS; ROBAZZI, 2009).

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É preciso ter espaços para se viver junto nas instituições de saúde, para a reconstrução da solidariedade e do coletivo de trabalho, para discutir-se propostas e ações. Faz-se necessário despertar as organizações para a importância dessa relação, com a possibilidade de um exercício profissional que permita criar uma nova atmosfera no trabalho, através do sofrimento compartilhado (TRAESEL; MERLO, 2011).

É necessário que os enfermeiros possam articular entre os mesmos os seus saberes em conjunto com as normas organizacionais, sendo uma forma de atenuar o sofrimento que emerge dos conflitos entre os desejos e motivações pessoais e os propósitos institucionais, ou seja, favorecendo dessa maneira o equilíbrio pessoal e a saúde no trabalho (SANTOS; TAHARA, 2009).

A liberdade de expressão no trabalho favorece a construção da identidade profissional do trabalhador. O trabalho deve ser um espaço no qual os trabalhadores sejam vistos como sujeitos que influenciam o trabalho e são por ele influenciados, mesmo com a dominação observada nas relações capitalistas. A identidade se constrói na relação com o outro, pelo seu julgamento e reconhecimento, já que na enfermagem é praticamente impossível trabalhar sozinho, sendo um trabalho marcado pelas ações coletivas (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

Em um ambiente de trabalho harmônico, o enfermeiro sente-se fortalecido para enfrentar as dificuldades no trabalho e compartilhar angústias que sente durante o exercício profissional (ALMEIDA, 2018).

As dificuldades no trabalho da equipe de enfermagem necessitam ser discutidas entre os seus membros para uma melhor integração e consequentes benefícios para os trabalhadores, pacientes e instituições de saúde. A qualidade da assistência aumenta se há um bom relacionamento interpessoal na equipe, quando existe uma real proximidade entre os trabalhadores (MARTINS; ROBAZZI, 2009).

4.4.3 Espaços de discussão

Os espaços de discussão são fundamentais para os enfermeiros, pois são locais onde podem expressar seus sentimentos tornando coletivas as suas subjetividades, buscando soluções conjuntas para minimizar os sentimentos de sofrimento e

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potencializando as vivências de prazer, já que estratégias coletivas resultam em fortalecimento do grupo de trabalho (MARTINS; ROBAZZI, 2012).

As fontes de sofrimento e conflito no exercício da enfermagem somente podem encontrar superação e transformação em soluções criativas, através da escuta coletiva de seus trabalhadores (TRAESEL; MERLO, 2011).

É fundamental a potencialização dos espaços de discussão e de convivência rumo à construção coletiva de novos sentidos ao trabalho, pois a vivência subjetiva do trabalhador é de extrema relevância, visando assim o coletivo de trabalhadores, não se voltando aos indivíduos individualmente (TRAESEL; MERLO, 2011).

No espaço de discussão há a possibilidade de reflexão sobre o sofrimento, prazer e as contradições da profissão da enfermagem, levando ao enfrentamento da realidade e a sua ressignificação. Com a escuta coletiva, os trabalhadores saem de uma posição de submissão, abrindo espaço para transformação (TRAESEL; MERLO, 2011).

Os espaços coletivos de discussão enfocam a subjetividade do trabalhador, sua situação em relação ao trabalho e os impactos destas vivências nas demais áreas de sua vida, principalmente relativas à sua identidade profissional, ao sofrimento no trabalho, ao reconhecimento e às possibilidades de realização, assim como as repercussões dessas vivências em sua saúde (TRAESEL; MERLO, 2011).

Os espaços de discussão possibilitam o acesso ao prazer no trabalho, proveniente do reconhecimento do fazer e das contribuições à organização do trabalho. Esses espaços são extremamente importantes como geradores de saúde e realização para o trabalhador na superação de seus limites (TRAESEL; MERLO, 2011).

A retomada do sentido do trabalho pode se dar a partir de espaços de discussão e de escuta coletiva dos trabalhadores. Neles há a possibilidade de se cortar laços de submissão, acomodação e banalização das injustiças no trabalho, impulsionando uma maior democracia nas relações de trabalho e vislumbrando uma organização do trabalho mais propicia à saúde e realização. Mobilizam-se estratégias de mudança e enfrentamento favoráveis ao reconhecimento da contribuição dos trabalhadores junto ao paciente e à organização do trabalho (TRAESEL; MERLO, 2011).

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Por fim, conforme Traesel e Merlo (2011), a discussão de ideias e o compartilhamento de experiências, exitosas ou frustrantes, possibilitam o encontro de soluções para os objetivos institucionais, demonstrando a contribuição do trabalhador através de sua criatividade e experiência, que atuam como impulsionadores do seu reconhecimento, essencial à preservação de sua saúde.

4.5 ANALISANDO OS RESULTADOS

Importante ressaltar que se constatou uma menor prevalência de estudos que relacionem o sofrimento no trabalho do enfermeiro com fatores vinculados à organização do trabalho, já que a maioria das pesquisas associa o sofrimento no trabalho a questões pessoais ou ao tipo de trabalho executado. Ou seja, a maior parte não vislumbra o sofrimento causado pela organização do trabalho em uma perspectiva intervencionista, pois ainda não se observam mudanças qualitativas na organização do processo de trabalho na enfermagem (SANTOS; TAHARA, 2009).

Há diversos componentes caracterizados como ameaçadores ao ambiente de trabalho do enfermeiro, dentre eles, o número reduzido de profissionais na equipe, a dificuldade em delimitar-se os diferentes papéis entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e a falta de reconhecimento pelo público em geral de quem é o profissional enfermeiro, o que ele faz. Além disso, a baixa remuneração obriga os profissionais muitas vezes terem mais de um vínculo empregatício, resultando em desgaste físico e emocional (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

Os aspectos referentes à organização do trabalho estão ganhando espaço nas discussões sobre saúde do trabalhador, que se deve aos aspectos psicossociais do trabalho. Estes se revelaram ser um problema relevante que impactam na saúde física e mental dos trabalhadores e, portanto, indicam a importância de ser investigado (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

A Psicodinâmica do Trabalho vem ao encontro da saúde do trabalhador, propiciando a melhoria dos processos de trabalho prejudiciais à saúde mental dos envolvidos (TRAESEL; MERLO, 2011).

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Observa-se que a saúde do trabalhador, diante da complexidade e fragmentação das organizações do trabalho, necessita ser estudada com foco em compreender o trabalho como um espaço onde os profissionais são sujeitos que pensam e agem sobre o trabalho, mesmo que as relações capitais dificultem tais ações. Para isso a Psicodinâmica do Trabalho possui uma abordagem apropriada na tentativa de entendimento da dinâmica de situações de trabalho e seus possíveis agravos à saúde do trabalhador (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

Reafirma-se a importância de se analisar a natureza psicossocial do trabalho da enfermagem, a compreensão da sua subjetividade, e a necessidade de introdução dessa perspectiva na elaboração de politicas públicas de segurança e saúde no trabalho, as quais, em sua maioria, limitam-se a abordagem de questões físicas e ergonômicas do ambiente de trabalho e suas repercussões na saúde do profissional (CAMPOS; DAVID; SOUZA, 2014).

A gestão do processo de trabalho na enfermagem necessita comtemplar a subjetividade do enfermeiro, pois o entendimento de suas percepções favorece a estruturação coletiva de medidas que precisam ser implementadas para atenuar os conflitos existentes na organização do trabalho (SANTOS; TAHARA, 2009).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta pesquisa bibliográfica pôde-se discutir as situações geradoras de sofrimento no trabalho no cotidiano dos profissionais da enfermagem, com os dados analisados sob a ótica do referencial da Psicodinâmica do Trabalho.

Observam-se diversas instituições incentivando o bem-estar de seus profissionais, através de promoção de saúde e qualidade de vida, porém de forma individualizada, como a adoção de hábitos saudáveis no seu dia a dia. Percebe-se que os conflitos existentes no trabalho da enfermagem geram sofrimento em sua prática, sendo que a organização do trabalho muitas vezes não é vista como causadora desse sofrimento e assim não ocorrem mudanças efetivas na mesma.

As relações interpessoais no trabalho são na maioria hierárquicas, verticais, com grande pressão para cumprimento de metas e prazos. As estratégias coletivas de enfrentamento ao sofrimento não são abordadas pelas instituições. O incentivo das chefias à competitividade e à individualidade dos trabalhadores enfraquece a equipe de trabalho e a cooperação.

É de extrema importância a liberdade de expressão, realização e reconhecimento profissional para a saúde mental desses trabalhadores. Deve haver um maior enfoque da subjetividade desses trabalhadores, para repensar a organização do trabalho e buscar a transformação de sofrimento em prazer.

O contexto do trabalho influencia muito na dinâmica do prazer e sofrimento, portanto mudanças nos ambientes se fazem necessárias para a melhoria da qualidade de vida e do trabalho do enfermeiro.

Esta pesquisa reforça a importância dos espaços de discussão, de troca de experiências, de escuta, para os enfermeiros interagirem e compartilharem suas angústias relativas ao trabalho, minimizando o sofrimento e fortalecendo situações geradoras de prazer, promovendo sua saúde. Esses espaços podem favorecer a união da equipe de trabalho, a solidariedade, possibilitando ao profissional encontrar o sentido do seu trabalho através da reflexão. Os espaços coletivos podem ainda facilitar a ruptura das relações desumanas no trabalho.

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Sugere-se que sejam realizadas outras pesquisas relacionadas à organização do trabalho dos enfermeiros e às estratégias utilizadas para diminuir seu sofrimento, evitando o adoecimento no trabalho.

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REFERÊNCIAS

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CAMPOS, J. F.; DAVID, H. M. S. L.; SOUZA, N. V. D. O. Prazer e sofrimento: avaliação de enfermeiros intensivistas à luz da psicodinâmica do trabalho. Esc. Anna Nery, v. 18, n.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2014.

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GHIZONI, L.D. et al. Clinica psicodinâmica do trabalho: a pratica em diversos contextos de trabalho. Desafios: revista interdisciplinar da Universidade Federal do

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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 175p. GLANZNER, C.H. et al. Avaliação de indicadores e vivências de prazer/sofrimento em equipes de saúde da família com o referencial da Psicodinâmica do Trabalho. Rev Gaúcha Enferm. v. 38, n. 4, p. e2017-0098, 2017.

Referências

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