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A ESCOLA QUE CAMINHA COM O POVO SEM TERRA

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 68-70)

A Escola Itinerante é uma escola pensada e organizada pelas famílias em situação de acampa- mento e tem por objetivo atender e garantir o direito à escolarização das crianças que acompanham seus pais na luta pela terra e, por isso, permanecem em situação de itinerância até que conquistem o direito de poder plantar e produzir.

Por acompanhar as famílias no processo de luta em que elas se encontram as aulas da escola, quando necessário, acontecem em momentos e lugares diferenciados como barracos ou galpões, marchas, prédios públicos, quando ocupados, e outros lugares. Os educadores atuam em conjunto com a organização dos acampamentos e são desafiados permanentemente a construir espaços pedagógicos nas diversas situações que encontram na itinerância e que os provoca a criatividade e espírito de sacrifício, pois nem sempre as condições estão dadas para o desenvolvimento do processo pedagógico.

Neste período de legalização das Escolas Itinerantes, tivemos algumas experiências de itinerância que vêm comprovar a importância desta conquista no que diz respeito à garantia da escola, à agilidade dos processos e à possibilidade de formação intencional e planejada. Por exemplo, no mês de abril de 2005, cinquenta famílias do acampamento Pátria Livre, de Abelardo Luz, deslocaram-se para o pré-assentamento no município de Correia Pinto e a escola, juntamente com o educador, acompanhou as famílias e as vinte e cinco crianças matriculadas.

Outro exemplo foi quando as famílias do acampamento no município de São Francisco saíram da área ocupada e se somaram às famílias do Pátria Livre. Todas as crianças passaram a ser atendidas na escola deste acampamento e uma outra escola também se constituiu em um novo acampamento no município de Rio Negrinho. Imediatamente discutiu-se o nome do educador, que foi organizando as crianças e a escola, para dar início às atividades.

No dia 10 de julho de 2005, aconteceu mais um momento de luta pela Reforma Agrária no município de Iriniópolis, onde as famílias dos acampamentos Raízes do Futuro, em Canoinhas, e Manuel

Alves Ribeiro, em Mafra, se uniram e formaram o acampamento Dolcimar Brunetto. Com a mudança, educadores, crianças e escola se incorporaram às crianças do outro acampamento e às novas famílias que ingressavam na luta. E assim, a cada novo acampamento, uma escola ia sendo organizada pelas famílias acampadas em conjunto com o Setor de Educação.

Por exemplo, a escola do acampamento Dom José Gomes, que entre agosto e setembro de 2008 funcionou no prédio da superintendência do Incra em Chapecó. O órgão havia sido ocupado pelas famílias desse acampamento como forma de luta pela desapropriação da fazenda Seringa. A existência da Escola Itinerante possibilitou que as famílias participassem da luta sem paralisar a escolarização das crianças que, além de manterem-se na escola, também participavam das formações e atividades organizadas na ocasião. A escola retornou para seu local de origem no dia10 de setembro após publicação do decreto de desapropriação da área no Diário Oficial.

Outro exemplo de escola que caminha com o povo Sem Terra foi a organizada no ano de 2009, no acampamento Miguel Fortes da Silva, localizado no município de Santa Terezinha. Esta comunidade se formou por famílias vindas do acampamento São Roque, do município de Campo Erê, algumas famílias do acampamento Nova Esperança, do município de Mafra, e as famílias excedentes do recém criado assentamento 25 de Março do município de Correia Pinto. Este acampamento se constitui a partir da desapropriação da Fazenda Mato Queimado, no município de Taió. Ao chegarem perto do local da fazenda desapropriada, as famílias foram surpreendidas pela ação da Polícia Militar - aliada à força paramilitar do latifúndio -, sendo impedidas de entrar na área que por lei era destinada a elas. Além de impedir a chegada na terra, a força armada do Estado e do latifúndio obrigou as famílias a descarregarem toda mudança vinda em caminhões em um posto de ferro velho perto do local, enquanto os caminhões foram encaminhados de volta ao município de origem. As famílias ficaram das oito da manhã até as três e meia da tarde sem comunicação, sem água e comida, pois a alimentação estava nos caminhões, e no local não tinha área para comunicação. Às três e meia da tarde, após entrarem em contato com as demais famílias, organizou-se o deslocamento de todos para uma área provisória, gentilmente cedida pelo assentamento 25 de Maio, no município de Santa Terezinha. A escola está funcionando nesse local e as famílias aguardam o seu deslocamento para a fazenda Mato Queimado para tomarem posse da terra e assim constituírem o assentamento.

A Escola Itinerante surge para atender a escolarização das crianças que vivem no acampamento. Além de permitir que as famílias participem da luta, como marchas e ocupações de prédios públicos, a escola participa dessa luta na medida em que acompanha e não ignora o contexto em que se insere. Nesse sentido, os elementos que surgem no processo de luta dos acampamentos, em algumas situações, são temas de debate e estudo na escola. Entretanto, observamos que este entranhamento da escola em sua realidade, nos problemas que a cerca, ainda é momentâneo e eventual, pois não se tornou base e matéria prima permanente do trabalho escolar. Consideramos ainda que há muito por avançar para que a Escola Itinerante consiga refletir a luta pela terra, em conexão com os conhecimentos acumulados, e que poderiam em muito contribuir para um maior entendimento das crianças desta luta. Observamos que os temas trabalhados pela escola, muitas vezes, ocorre de forma isolada, momentânea e sem estabelecer relação entre os acontecimentos do local com os determinantes mais gerais desta mesma luta, com seus

aspectos históricos, geográficos, econômicos, políticos, entre outros. Dessa forma, perde-se de vista o todo e se trabalha de forma fragmentada as questões do cotidiano e dos conteúdos.

Trabalhar a unidade entre os elementos do cotidiano da vida das crianças Sem Terra e os conteúdos escolares não é tarefa fácil, pois exige formação política e pedagógica, compreendendo os porquês da luta, contra quem se luta, o que se quer construir, qual a função da escola, como podemos, a partir das vivências do cotidiano, trabalhar o conhecimento já produzido e acumulado, como desenvolver a formação das várias dimensões do ser humano. É necessário aprofundar esta reflexão no Setor de Educação e no conjunto do MST para avançar na construção de uma nova escola que forme sujeitos críticos capazes de compreender a situação vivida e intervir para transformá-la.

No documento A Escola da luta pela terra (páginas 68-70)