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MIMÉSIS: conceito e exemplificação do texto literário em A Metamorfose de Franz Kafka

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Academic year: 2021

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MIMÉSIS: conceito e exemplificação do texto literário em A

Metamorfose de Franz Kafka

 

 

Gustavo Duarte de Oliveira¹  

Introdução   

Pensar em arte é pensar na capacidade que o homem tem de expressar simbolicamente o abstrato, metafísico. E se há relação entre o sentimento e a obra, pode-se apreender de uma relação existente entre a realidade da obra literária, e a realidade do autor – aquela em que nós chamamos ser a nossa realidade, marcada pelo tempo – sol, lua, números representando horas e minutos; pelo convívio social, o homem é explicado sócio- histórico e antropologicamente e outras noções que podemos acentuar como indícios de realidade.

Sistematizar esse primeiro conceito que foi tematizado, é mister entender que essa questão entre criador e criatura não se separa, porque o criador é envolvido por uma certa fenomenologia para que a inspiração opere para ser formada a criatura, digo em respeito as obras literárias, pinturas e também esculturas, ou seja, toda e qualquer expressão artística.

Todavia, esta análise propõe com o objetivo de especificar, como por exemplo, o arquétipo dado nesta introdução “expressão fraternal existente entre criador e criatura”, para explicitar com mais acessibilidade o foco de discussão que é a mimésis, a imitação.

Nós leitores passamos a compreender que a realidade de uma obra literária é ficcional, mas essa ficção, de certa forma, é oriunda de uma realidade, a de quem escreve.  

 

2. Natureza do Fenômeno Literário

Quando o texto passa a ser analisado pelos olhos da teoria literária, ele passa a ter uma natureza e um fenômeno. Não será mais, simplesmente, uma

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escrita a ser explorada pelo uso do código ou com a fidelidade com a norma, mas fundamentado em um sentido e num acontecimento, isto é, serão abarcados conceitos filosóficos.

O termo natureza diz respeito à essência desse tecido de signos. E nessa mesma concepção, é somada uma acepção de substancialidade, e ao tomar essa substanciação faz com que reconhecemos o texto de certa forma e não de outra, ou seja, próprio de alguma coisa.

Por sua vez, a fenomenologia se encarrega de explicar o aspecto “fenômeno” do texto. E esse aspecto diz respeito o manifestar textual, todo texto representa uma história ou temática, e essa história é datada em um tempo e num espaço.

Na obra teórica Manual de Teoria Literária (1985), organizado por Samuel Roger, temos através das palavras de Manuel Antônio de Castro a discussão que podemos sustentar a partir do capítulo “Natureza do fenômeno Literário”, dele citamos:  

   

“Uma leitura, enquanto modalidade de relação radical do homem com a realidade resulta em produtividade, conforme um texto. Um texto é, pois, em última instância uma elaboração humana, um trabalho. O trabalho é a ação humana pela qual o homem textualizando, significando o real se significa”. (CASTRO, 1984, p. 31)   

 

O texto tem por objetivo expressar uma realidade de quem escreve, ou seja, aquilo que o homem é, e com que ou com quem ele se relaciona. Portanto, deve ser analisado em três ordens, ou por três referentes: homem, realidade e a expressão. E com o auxílio desta análise, o entendimento de um texto literário fica mais claro, visto que a relação entre o leitor e o texto é muito mais que objetividade, é subjetividade.

Podemos sistematizar como o texto sendo resultado de uma soma, entre a realidade, expressão e o homem. O homem como o ser pensante, racional, portador do código e da inteligência para elaborar/imaginar/ criar algo; a realidade, ou seja, um contexto em que esse homem está inserido e a expressão, o que esse homem usa como canal, referente, meio para transmitir essa realidade.

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E toda essa produção textual é oriunda de uma leitura, quero dizer, uma análise do homem. E esse homem é capaz de ler o mundo, o que está implícito e/ou indizível – atribuo ao termo indizível um sentido diferente do implícito, o sentido de existir algumas verdades que o homem é vedado de falar.

A partir dessa leitura, o homem é capaz de construir uma argumentação sólida que, ultimamente, será conhecida como trabalho humano mas, primeiramente, como reflexão de um ser pensante.  

 

2.1 A função do texto enquanto arte   

Um ser humano completo dentro da literatura, é um ser completo em suas habilidades e bem desenvolvido em suas competências e potencialidades. A arte tem por funcionalidade, expressar os sentimentos, equilibrar um ser atormentado e também de humanizar.

“Desde que um permanente equilíbrio entre o homem e o mundo que o circunda não pode ser previsto nem para mais desenvolvida das sociedades, trata-se de uma ideia que sugere, também, que a arte não é só necessária e tem sido necessária, mas igualmente que a arte continuará sendo sempre necessária”. (FISCHER, 1983, p. 11)

Fischer, no início do primeiro capítulo de seu livro A necessidade da arte, relata uma das falas do pintor Mondrian, “A arte desaparecerá na medida em que a vida adquirir mais equilíbrio”. Mondrian diz respeito à possibilidade da morte da arte. A arte não existirá a partir do momento em que o homem não precisar mais de se expressar, por que esse fator de ser humano “não entendido”, ou qualquer outro sentimento que o leve ao êxtase artístico, não existirá mais, pois o meio o deixa ser como é, como quer.

Não haverá frustração, medo, pois o homem estará em um estado de realização completa. Mas crer nessa possibilidade de vivenciar uma completude espiritual e carnal do homem é utópico, devido à insaciedade do homem. As perguntas que o mesmo formula, o faz correr atrás das respostas. A dúvida mora nos cômodos mais ocultos da vida do homem.

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E esse sentimento não saciado é transferido para o mundo ficcional da obra literária.  

 

3. Mimésis – Visão Aristotélica e Platônica   

Mimésis é oriundo do grego (μίμησις de μιμεîσθαι), significa a faculdade do homem de reproduzir, imitar - dentro da filosofia aristotélica a mimésis representa os fundamentos da arte. Ao discutir e explanar o campo da mimésis, Aristóteles diz ser este o polegar opositor de diferenciação entre animais e o homem.

Tanto a visão platônica quanto a aristotélica vê a mimésis como fundamento da natureza. Mas, Platão encara toda a existência, toda a criação como processo mimético. E segundo ele, as imitações são nocivas ao espírito.

Primeiramente, vamos analisar o ponto de vista de Aristóteles. Tal filósofo grego escreve em seu livro, A poética clássica, que o imitar é natural ao homem, é congênito. Ele crê em uma mimésis como aspecto fundamental da criação artística, ou seja, a imitação da ação, do caráter. E essa representação significa que, um personagem dentro da narrativa possui um comportamento espelho da realidade, pensamentos que refletem a realidade, esse personagem na ficção literária, age como o homem na realidade.

As ações expressas na ficção literária, não estão fora da realidade devido à representação do comportamento do personagem ser mimético com o do homem real.

Para Platão, em seu Livro X de A República, houve separação entre ideia e objeto, ou seja, podemos sistematizar exemplificando que primeiramente a ideia vem de Deus – ideia no sentido de essência, posterior, o construtor tornará essa ideia em realidade, matéria e na terceira escala dessa relação hierárquica, é a do imitador.

Por conseguinte, neste diálogo entre Platão e Gláucon, eles conversam a respeito de ser o poeta um simples imitador e nada conhecedor do real. Contudo, o poeta é capaz de criar uma situação absurda para chegar o mais perto possível da verdade absoluta, mesmo sabendo que ninguém conhece essa tal verdade.

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Mimésis é então, um cópia daquilo que conhecemos como realidade. A arte é mimética, por que o homem transfere essa realidade para ela, reflete traços reais.

4. Kafka, imitação do absurdo

Franz Kafka, proeminente escritor do século XX, produz uma obra literária conhecida pela sua mimésis do absurdo, chamada A metamorfose.

Neste livro, o autor retrata a história de uma personagem chamado Gregor Samsa, jovem cuja profissão é ser caixeiro-viajante. Deste emprego o pobre e oprimido trabalhador sustenta toda família que o despreza, composta por seu pai, mãe e irmã.

O reflexo do caráter real infere na família e no empregador de Samsa, que nem mesmo se preocuparam em perguntar se o mesmo gostaria de descansar um pouco. Quando o jovem se atrasa para pegar o trem, a família se alerta não por que tem a possibilidade de ter ocorrido algo ruim com Samsa, mas por que perdeu o horário do trem para ir trabalhar. E o seu chefe não aceita atrasos.

Resumidamente, acarretando todo o cansaço de trabalhar sem ao menos respirar, ou pensar um pouco em si, o jovem Samsa se transforma em inseto em seu próprio quarto. No decorrer desta trama existencial, Samsa morre, e toda família dependente dos esforços do jovem aprendem a se virar.

“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.” (KAFKA, 1997, p. 07)

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Metaforicamente, Kafka utiliza deste recurso para expressar um espaço psicológico da personagem, um ser imprestável como um inseto. Dentro dessa terminologia, Bachelard diz que estudar o espaço psicológico, é estudar a topoanálise, que seria então o “ estudo psicológico sistemático de nossa vida íntima” (BACHELARD, 1993, p. 28). Samsa se encontrou em um estado existencial de sua vida, impotente.

A mimésis se faz presente, também, a partir deste ponto. Para uma sociedade influenciada pelo capitalismo, e regido pelo determinismo e darwinismo social, você terá funcionalidade no sistema, se tiver em atividade, ou melhor, recompensar o próprio sistema em alguma coisa.

Analisando a obra literária abarcando conceitos filosóficos, ou seja, reconhecendo a “natureza” e o “fenômeno”, podemos sistematizar que A metamorfose enquanto essência possui um cerco metafísico, existencial, isto é, questiona-se a funcionalidade do ser. O propósito do ser, o porquê do viver e para quê.

Ao ponto fenomenológico, Kafka explícita ser presente em sua obra alguns espaços, mas o que pontua como ápice é o quarto de Samsa. Um lugar repleto de questionamentos abstratos e físicos, como o tratamento que a personagem recebia, e a própria questão física do lugar.

E quanto à análise mimética, tal responde o comportamento real das personagens, porque o próprio ser humano vivencia essa “realidade”. Lidamos com horário, com aquilo que está presente no papel, documento, razão. Portanto, nos tornamos seres frios, calculistas e racionalistas.

Conclusão   

  A partir deste trabalho pode-se perceber a relação existente entre criador e criatura, homem e arte. O produto produzido terá desinências, marcas que tematizam os traços daquele que criou.

Por conseguinte, o texto, como produto de análise, será abarcado por questões não só gramaticistas e /ou normativistas, mas também filosóficas. Há uma realidade “essência” e “natureza” do texto.

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A metamorfose, de Franz Kafka, é usado como exemplo para análise de texto abarcado por questionamentos filosóficos e também analisado pelo crivo da mimésis.

Foi fundamentada a discussão entre a ideia e imitação e o conceito fundamental de mimésis, pelas visões filosóficas de Platão e Aristóteles a cerca do ser mimético e o questionamento de a arte conseguir internalizar a realidade como verdade absoluta.

Referências   

Fischer, Ernst. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.   

Manual de Teoria Literária / [organização de] Rogel, Samuel. - Petrópoles, Vozes, 1985. 

 

Diálogos III: A República / Platão; tradução de Leonel Vallandro. - 25ª ed. - Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

KAFKA, Franz. A metamorfose ; tradução e posfácil Modesto Carone. - São Paulo : Companhia das Letras, 1997.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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