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O poder dos bispos na administração do ultramar português : o bispado de São Paulo entre 1771 e 1824

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Academic year: 2021

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DALILA ZANON

O PODER DOS BISPOS NA ADMINISTRAÇÃO DO

ULTRAMAR PORTUGUÊS:

O BISPADO DE SÃO PAULO ENTRE 1771 E 1824

Campinas

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DALILA ZANON

O Poder dos Bispos na Administração do Ultramar Português:

o Bispado de São Paulo entre 1771 e 1824

Orientadora: Prof.a Dr.a Leila Mezan Algranti

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em História, na área de concentração Política, Memória e Cidade

Este exemplar corresponde à versão final da tese, defendida pela aluna Dalila Zanon, orientada pela Prof.a Dr.a Leila Mezan Algranti e aprovada em 5 de junho de 2014

Campinas 2014

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Aos meus filhos

Marcelo e Flora

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Agradecimentos

Quero agradecer primeiro à vida que, conjuminada com minha vontade e determinação, proporcionou-me finalizar essa imensa tarefa que é a escrita de uma tese! Entretanto, ao longo desse percurso sempre contei com pessoas e instituições que foram imprescindíveis para que eu chegasse ao bom termo deste trabalho.

À Leila Mezan Algranti, minha orientadora desde a graduação, serei sempre grata pelo acolhimento, convivência, exigência, elogios e a paciência, mas principalmente pela compreensão profunda que mostrou ter das condições de trabalho, às vezes difíceis, do gênero feminino. Em momentos críticos do meu percurso sua complacência e incentivo foram fundamentais.

Outros professores também foram importantes para a construção deste trabalho. Ao professor Tiago dos Reis Miranda, da Universidade Nova de Lisboa, agradeço a leitura e a contribuição crítica ao projeto. Aos professores José Alves e Leandro Karnal, da Unicamp, pelas discussões nos seminários da linha de pesquisa. Aos professores e colegas do projeto temático Dimensões do Império Português: investigação sobre as estruturas e dinâmicas do Antigo Sistema Colonial, do qual fiz parte entre 2005 a 2010, pelo intercâmbio e pelos resultados desse amplo projeto que muito contribuíram para o amadurecimento da pesquisa. Ao professor Bruno Feitler por ter me sugerido fontes e à Cátedra Jaime Cortesão por disponibilizá-las em suporte digital. Ao professor Evergton Sales pela forma atenciosa com que atendeu aos meus pedidos, franqueando-me publicações de sua autoria de outra forma inacessíveis para mim.

Às professoras Izabel Marson e Iara Schiavinatto por realizarem uma leitura importante da pesquisa no exame de qualificação, por apontarem críticas fundamentais para o desenvolvimento ulterior do trabalho e ainda por depositarem confiança na consecução da pesquisa.

Aos funcionários do Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, Jair e Roberto, agradeço o atendimento atencioso de sempre. Ao André, do Arquivo Edgar Leuenroth, pelas cópias digitais dos documentos manuscritos do Arquivo Histórico e Ultramarino de

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Lisboa, disponibilizados pelo Projeto Resgate. Agradeço também a prontidão dos funcionários da sessão de obras raras da Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda.

À querida amiga Juliana Gesuelli Meirelles, pelo contágio benéfico do seu entusiasmo pelo nosso ofício de historiadora. Agradeço por ter lido e feito sugestões de praticamente todos os capítulos da tese. Sua companhia profissional mostrou-se fundamental em vários momentos do meu trabalho. Além disso, minha gratidão por sempre, como amiga, me lembrar do lado positivo da vida.

Às minhas amigas distantes, Eliza, Marisa, Sel, Téia e Cris, agradeço as lembranças, mas muito mais por tê-las sempre presente na minha vida. Às amigas de perto, Malu, Silvana, Meira, Cida, Adriana e Waldirene, pelo aconchego, pela companhia, pelas brejas e pelas graças...

Aos amigos do “Édson Luís”, Carol, Roberto e Luís pela companhia nas mesas dos bares campineiros, horas fundamentais de descanso da pesada rotina escolar.

À minha família, meu pai João, minha mãe Nilza, meus irmãos Danilo, João e Jarbas, meu reconhecimento e gratidão por tudo que recebi em todos esses anos. Por me acolherem e me ampararem em momentos de grande necessidade da caminhada e por compreenderem minha ausência em vários momentos. Obrigada!

Aos meus filhos, Marcelo e Flora, amores da vida e razão para poder seguir, agradeço muitas coisas, dentre elas por me chamarem para “fora” distraindo-me do trabalho tornando o cotidiano mais leve, mas também por compreenderem, admirando, todos os momentos que a mãe ficava escrevendo a tese. Pela presença, pelo amor, pela alegria, pela beleza, pela vida...

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Resumo

O propósito principal deste trabalho é estudar as relações dos dois últimos bispos de São Paulo colonial com o poder secular no interior da capitania, observando o poder episcopal na dinâmica dos poderes locais, e no espaço mais amplo de suas relações administrativas, em direção ao Reino, centro administrativo do império português. Objetivou-se analisar a medida da interferência do padroado – instituição reguladora das relações Igreja e Estado no período moderno – no quadro das autonomias episcopais ultramarinas. Partindo dos episcopados de D. Fr. Manuel da Ressurreição (1771 a 1789) e D. Matheus de Abreu Pereira (1795 a 1824), investigamos as relações que estabeleceram nesse período com os governadores da capitania de São Paulo, estes os principais responsáveis por assegurar que no âmbito local se praticasse o padroado. Outrossim, as relações político-administrativas dos bispos com o Reino, sede do poder real, foram mapeadas por meio da instituição régia responsável pela administração do Ultramar, o Conselho Ultramarino. Através desse estudo pretende-se tornar cada vez mais visível o papel do episcopado nos quadros da administração ultramarina portuguesa, trazendo à tona a importância desse segmento eclesiástico para a manutenção do poder monárquico nos domínios coloniais.

Palavras-chave: Bispos de São Paulo – Igreja colonial – padroado – administração ultramarina no século XVIII

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Abstract

The main purpose of this paper is to study the relationship of the two last bishops of the colonial São Paulo with the secular power inside the captaincy, observing the episcopal power in the dynamics of local authorities, and in the broader space of their administrative relationship toward the Kingdom, administrative centre of Portuguese empire. One had as goal to analyze the patronage's interference measure – regulatory institution of the relationship between the Church and the State in the modern period – in the structure of the overseas episcopal autonomies. Starting from the episcopacy of D. Fr. Manuel da Ressurreição (from 1771 to 1789) and D. Matheus de Abreu Pereira (from 1795 to 1824), we have investigated the relationship which were established in this period with the governors of the São Paulo captaincy, who were the main responsible for ensuring that locally would be practiced the patronage. Furthermore, the political and administrative relationship of the bishops with the Kingdom, headquarter of the royal power, were mapped by means of the regal institution responsible for the Overseas administration, the Overseas' Council. By means of this study, one intends to become increasingly visible the episcopate's role in the structures of the Portuguese overseas administration, bringing out the importance of this ecclesiastical segment for the maintenance of monarchical power in colonial domains.

Keywords: Bishops of São Paulo – colonial Church – patronage – overseas administration in the eighteenth century

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Sumário

Introdução 1

Capítulo 1

Os bispos de São Paulo face ao poder português no século XVIII 9

1) O legado historiográfico dos prelados paulistas

1.1) D. Fr. Manuel da Ressurreição: um bispo iluminista 9 1.2) D. Matheus de Abreu Pereira: um bispo liberal 23

2) A historiografia luso-brasileira e o padroado

2.1) O padroado português na época moderna 38 2.2) O “cárcere de ouro” da Igreja colonial 49

Capítulo 2

A prelatura de D. Fr. Manuel da Ressurreição 75

1) As provisões eclesiásticas no bispado 75 2) As diretrizes pastorais e o impacto no bispado do governador Martim Lopes Lobo de Saldanha 107 3) Conflitos entre o bispo e o governador: denúncias das excessivas ordenações sacerdotais em São Paulo 136

Capítulo 3

O episcopado de D. Matheus de Abreu Pereira 175

1) A instituição da rede clientelar episcopal 175 2) As visitas e as diretrizes pastorais do último bispo colonial 200 3) O exercício do poder pelas autoridades locais: conflitos entre o bispo e os governadores de São Paulo 220

3.1) O desencadeamento dos conflitos 221 3.2) A administração secular contra o poder eclesiástico 234

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4) Pastorais políticas: aliança e ruptura entre o poder religioso e o poder secular 249

Capítulo 4

A diocese de São Paulo e o processo de independência do Brasil 281

1) Triunviratos: o caráter provisório da administração portuguesa 283

2) O bispo de São Paulo nos antecedentes da independência do Brasil 308

3) As vicissitudes de D. Matheus diante das Cortes de Lisboa e de José Bonifácio 330

Conclusão 365

Fontes 375

Referências Bibliográficas 383

Anexo 397

Quadro sucessório dos bispos e dos governadores de São Paulo entre 1771 a 1824

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Introdução

O propósito principal deste trabalho é estudar as relações dos dois últimos bispos de São Paulo colonial com o poder secular no interior da capitania, observando o poder episcopal na dinâmica dos poderes locais, e no espaço mais amplo de suas relações administrativas, em direção ao Reino, centro administrativo do império português. O intuito é analisar a medida da interferência do padroado – instituição reguladora das relações Igreja e Estado no período moderno – no quadro das autonomias episcopais ultramarinas. Partindo dos episcopados de D. Fr. Manuel da Ressurreição (1771 a 1789) e D. Matheus de Abreu Pereira (1795 a 1824), investigaremos as relações que estabeleceram nesse período com os governadores da capitania de São Paulo, estes os principais responsáveis por assegurar que no âmbito local se praticasse o padroado. Outrossim, as relações político-administrativas dos bispos com o Reino, sede do poder real, serão mapeadas por meio da instituição régia responsável pela administração do Ultramar, o Conselho Ultramarino.

A necessidade de problematizar as relações dos bispos com os governadores de São Paulo surgiu quando nos deparamos durante a pesquisa de mestrado com assertivas historiográficas que apontavam o padroado monárquico português como o responsável pelas mazelas religiosas da sociedade colonial e inibidor do poder eclesiástico face aos representantes da Coroa no Ultramar. Tanto na ênfase da resistência dos colonos à normatização eclesial presente nos estudos historiográficos acadêmicos dos anos 90 do século XX,1 quanto na constatação da ineficácia evangélica da Igreja apontada pelos

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Ronaldo Vainfas, Trópico dos Pecados, Rio de Janeiro: ed. Campus, 1989 e “Moralidades brasílicas, deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista”, in Cotidiano e Vida Privada na América

Portuguesa, Laura de Mello e Souza (org.), coleção História da Vida Privada no Brasil, Fernando A. Novais

(dir.), São Paulo: Cia. das Letras, vol. 1,1997; Laura de Mello e Souza, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, 5a ed., São Paulo: Cia. das Letras, 1995; Mary delPriore, Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e

mentalidades no Brasil Colônia, Rio de Janeiro: José Olympio, Brasília: Edunb, 1993; Luís Mott, “Modelos

de santidade para um clero devasso: a propósito do cabido de Mariana, 1760”, in Revista do Departamento de

História, no 9, 1989, pp. 96-120 e “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu”, in Cotidiano e

Vida Privada na América Portuguesa, op. cit.; Luiz Carlos Villalta, A “Torpeza Diversificada dos Vícios”: celibato, concubinato e casamento no mundo dos letrados de Minas Gerais (1748-1801), USP: mestrado,

1993; Guilherme Pereira das Neves, E Receberá Mercê: A Mesa de Consciência e Ordens e o Clero Secular

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historiadores ligados a esta instituição,2 o padroado surgia como o grande obstáculo à ação dos eclesiásticos na América portuguesa. Entretanto, a ideia da submissão da Igreja ao poder do Estado português é bem mais antiga em nosso discurso histórico, tendo sua síntese na metáfora do “cárcere de ouro da Igreja”, veiculada por João Dornas Filho, desde 1938.3

Em pesquisa anterior, nos debruçamos sobre a ação dos três primeiros bispos de São Paulo especificamente no plano pastoral, perscrutando nos documentos normativos eclesiásticos a presença dos ditames tridentinos que deveriam ser os norteadores da ação dos bispos nos reinos católicos após o Concílio. Na ocasião, chamou-nos a atenção o tema dos conflitos entre as autoridades seculares e religiosas na capitania. Empreendemos incursão ao objeto, limitada, porém, pelo pouco acesso a documentos que o circunscrevesse. Todavia, através desse primeiro ensaio notamos que para ampliar a compreensão sobre a profusão de conflitos que marcaram as relações entre as autoridades religiosas e os representantes da Coroa em domínios ultramarinos não era profícuo terminar a discussão no padroado e, sim, concebê-lo como ponto de partida, problematizando-o a partir da prática administrativa dessas autoridades.

A oportunidade surgiu quando a grande massa documental proveniente do Conselho Ultramarino depositada no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa foi colocada à disposição dos historiadores brasileiros através do projeto Resgate. A digitalização integral dos documentos, sua distribuição em forma de CDs e a catalogação dos mesmos ofereceu-nos a ocasião ideal para percorrermos o conjunto documental referente à capitania de São Paulo em busca das relações político-administrativas estabelecidas entre o poder real e as autoridades coloniais, seculares e religiosas.

Tínhamos já conhecimento do consistente conjunto de documentos eclesiásticos produzidos pelos bispos paulistas conservados no Arquivo da Cúria Metropolitana de São

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Eduardo Hoornaert, Formação do Catolicismo Brasileiro 1550-1800, 2ª ed., Petrópolis: Vozes, 1978 e “A Cristandade durante a primeira época colonial”, in Eduardo Hoornaert et alli. História da Igreja no Brasil, Petrópolis: Vozes, Primeira Época, tomo 2, 1977; Riolando Azzi, A Cristandade Colonial - Um Projeto

Autoritário, São Paulo: Paulinas, 1987 e O clero no Brasil: uma trajetória de crises e reformas, Brasília:

Rumos, 1992; Oscar Beozzo e Riolando Azzi, Os religiosos no Brasil: Enfoques Históricos, São Paulo: Paulinas, 1966; João Fagundes Haluck, Hugo Fragoso e Oscar Beozzo, História da Igreja no Brasil: Ensaio

de Interpretação a partir do Povo, Coleção: História Geral da América Latina, Petrópolis: Vozes, tomo I,

1980.

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3

Paulo, do qual integram as cartas pastorais, os registros das visitas pastorais, alvarás, provisões e cartas régias dirigidas aos bispos. Com tal aporte documental, apontando para o âmbito especificamente pastoral, somado aos documentos do Conselho Ultramarino, apontando para o aspecto político e administrativo do cargo episcopal, cremos poder ampliar a compreensão do papel desempenhado pelos bispos no quadro geral da administração e manutenção do império português, sem descurar do conteúdo religioso de suas ações, uma vez que eram depositários do poder da Igreja e obrigados em consciência a imprimir o múnus pastoral do seu bispado.

As referências bibliográficas dos dois bispos escolhidos são poucas e esparsas. Sobre D. Fr. Manuel da Ressurreição podemos citar o estudo de Augustin Wernet. O autor, para estudar a reforma ultramontana do século XIX, fez uma análise retrospectiva dos bispos paulistas, marcando o episcopado de D. Fr. Manuel como o momento de instauração em São Paulo do catolicismo iluminista.4 Em nossa pesquisa do mestrado, contudo, a análise das cartas pastorais do terceiro bispo de São Paulo, D. Fr. Manuel, apontou para a forte presença dos temas das indulgências e das devoções aos santos, os quais apontam para o aspecto tridentino da direção pastoral que imprimiu na diocese.5 Assim, muito embora caracterizado pelos poucos estudos que o mencionam como o primeiro bispo iluminista de São Paulo, como demonstraremos no capítulo primeiro desta tese, analisaremos o aparente paradoxo entre sua ação pastoral tridentina e uma possível postura ilustrada do prelado no interior das reformas pombalinas prementes do período.

Sobre D. Matheus de Abreu Pereira paira uma espessa sombra historiográfica. Wernet o menciona brevemente e o classifica como continuador da administração de D. Fr. Manuel. Os outros autores que se referem ao último bispo colonial paulista não se detêm em sua atividade pastoral. Uns mais preocupados com o aspecto cívico da história do Brasil destacam a luta do bispo na independência,6 e outros, autores de obras confessionais,

4

Augustin Wernet, A Igreja Paulista no Século XIX, A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861), São Paulo: Ática, 1987.

5

Dalila Zanon, Bispos de São Paulo, As Diretrizes da Igreja no século XVIII, São Paulo: Annablume; FAPESP, 2012.

6

Eugênio Egas, Galeria dos Presidentes de S. Paulo, Período Monarchico, 1822-1889, vol. 1, S. Paulo: Publicação Official do Estado de S. Paulo, 1924.

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ressentem-se da intromissão do prelado na esfera política, área que não lhe dizia respeito.7 No entanto, D. Matheus foi o prelado que permaneceu por mais tempo à testa da diocese de São Paulo entre todos os bispos do período colonial paulista, ou seja, seu longo episcopado, muito próximo de completar vinte e nove anos, não se compara em longevidade com nenhum dos seus antecessores.8 Além disso, coube-lhe a direção do bispado no momento em que o Brasil transitou de Reino Unido de Portugal e Algarves para Império do Brasil, tornando-se Estado independente. Tal fato, sem dúvida, conferiu especificidade ao episcopado de D. Matheus de Abreu Pereira. Talvez por pertencer aos dois “mundos”, o antes e o depois da independência, momentos que implicam também distinção de autores e de bibliografia especializada, D. Matheus ainda não tenha sido abordado em toda a sua trajetória.

Entretanto, a questão que norteia o estudo que ora apresentamos dos dois epíscopos em seus momentos específicos de atuação é captar, nas práticas administrativas de seus bispados e nas relações que estabeleceram com o poder secular, sintomas de autonomia do cargo episcopal, tendo em grande consideração as práticas regalistas que amiúde marcaram o exercício do poder monárquico português. Nesse percurso, consideramos de fundamental importância explorar o viés pastoral dos administradores máximos do bispado de São Paulo, pois é através dessa singularidade do cargo episcopal, ou seja, concebendo o campo religioso como um traço específico de análise dessas autoridades, que tornaremos cada vez mais visível a importância que tal segmento eclesiástico teve em meio à constelação de cargos administrativos que labutavam para a manutenção do poder monárquico nas terras de Conquistas.

Estudos monográficos dos episcopados da América portuguesa vêm ganhando importância crescente nos estudos renovados sobre administração portuguesa. Como veremos na discussão apresentada no primeiro capítulo dessa pesquisa, o foco em

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Manuel de Alvarenga, O Episcopado Brasileiro – subsídio para a história da Igreja Catholica no Brasil, S. Paulo: Propagandista Catholico, 1915 e Paulo Florêncio da Silveira Camargo, A Igreja na História de São

Paulo, vol. 5 e 6, São Paulo: Instituto Paulista de História e Arte Religiosa, 1953.

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Entre a sagração e morte dos bispos, temos para a mitra de São Paulo: D. Bernardo Rodrigues Nogueira, 1º bispo, administrou entre 13/03/1746 a 7/11/1748 (2 anos e oito meses); D. Fr. Antonio da Madre de Deus Galrão, 2º bispo, administrou próx. 1750 a 19/03/1764 (14 anos) e D. Fr. Manuel da Ressurreição, 3º bispo, de 28/10/1771 a 21/10/1789 (18 anos). Cf. Dalila Zanon, op. cit., p. 71 e seguintes.

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trajetórias de indivíduos que serviram a Coroa em diferentes partes do império surgiu para embasar uma nova visão da administração imperial portuguesa, na qual se desvela tanto as ações dos indivíduos, quanto das instituições, como conselhos, tribunais, câmaras e secretarias. A partir daí, como ressaltou Laura de Mello e Souza, é possível o escopo comparativo no interior do próprio império português, mas também com impérios diferentes como o inglês, o holandês e o francês.9 Nosso trabalho alia-se, portanto, a um veio bastante rico da historiografia luso-brasileira e procura dar visibilidade às autoridades que no campo eclesiástico eram os maiores responsáveis por manter viva a vida religiosa colonial, tomando em consideração que na época o religioso ainda ocupava posição fundamental na sociedade.

Dividimos o trabalho em quatro capítulos. O objetivo que norteia o primeiro capítulo é recuperar as imagens bibliográficas dos dois bispos objetos desse estudo, para problematizá-las junto ao ciclo político monárquico do qual partiram suas nomeações, bem como, à luz dos estudos que tratam do padroado luso da época moderna. Assim, na primeira parte do capítulo resgataremos as figuras dos bispos espalhadas em elementos biográficos esparsos e em poucas imagens legadas pela historiografia. Com tal empreitada, discutiremos a representação de D. Fr. Manuel da Ressurreição como um bispo iluminista e a de D. Matheus de Abreu Pereira como um bispo liberal. Em seguida, procuramos inserir a indigitação dos prelados paulistas no interior da política de nomeação episcopal dos reinados dos quais partiram sua nomeação, D. José I e D. Maria I, respectivamente, com o intuito também de avaliar a validade das imagens legadas aos bispos. Na segunda parte do capítulo discutiremos bibliografia específica do tema do padroado, partindo de sua apresentação historiográfica na expansão marítima lusitana e chegando às obras nacionais que trataram das relações do Estado com a Igreja na América portuguesa.

No capítulo dois o exercício do cargo episcopal de D. Fr. Manuel da Ressurreição será analisado a partir de três instâncias mensuradoras do seu poder, em relação à Coroa, na ação pastoral do bispado e a partir dos conflitos com os governadores da capitania. Primeiramente, focaremos a estruturação do poder episcopal de D. Fr. Manuel a partir de

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Cf. Laura de Mello e Souza, O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século

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instrumentos administrativos já vigentes para a mitra de São Paulo, mas que sofreram o impacto das medidas regalistas tomadas por Pombal na década de 1770, período apontado como o apogeu pombalino. Em seguida, na análise da ação e das diretrizes pastorais do terceiro bispo paulista teremos como baliza de discussão os três grandes movimentos reformadores que persistiam em sua época, o tridentinismo, o iluminismo e o jansenismo. A intenção é cotejar a presença de elementos desses movimentos no perfil eclesiológico do bispo. Por fim, os conflitos entre o bispo e os governadores serão abordados dentro da perspectiva historiográfica que trata dos poderes locais e das práticas administrativas do Antigo Regime, com ênfase na formação das redes clientelares e na distribuição de mercês. Objetivamos avaliar em que medida esses elementos estiveram presentes na administração do bispo D. Fr. Manuel e dos governadores que conviveram com ele, observando também a permeabilidade do padroado sobre tais práticas.

O capítulo três será dedicado à primeira parte do episcopado de D. Matheus de Abreu Pereira, ou seja, englobará sua administração até o final do século XVIII. Também para esse antístite nossa análise incidirá sobre as três instâncias estruturadoras e mediadoras do seu poder, do outro lado do Atlântico o poder real, no plano local os representantes da Coroa e no âmbito do bispado o poder religioso e espiritual, vistos a partir de sua ação pastoral. Em um primeiro momento focaremos a ação do prelado para instituir a rede clientelar de sua administração com o intuito de captar a aderência do bispo às práticas administrativas do Antigo Regime, tendo em vista a presença sempre constante das medidas regalistas da Coroa proporcionadas pelo padroado monárquico. Em seguida, traçaremos o perfil eclesiológico e a visão teológica que norteou sua ação pastoral. Nesse tema, além de deslindar os variados perfis pastorais que estiveram presentes no bispado sob a sua direção, enfatizaremos a profunda simbiose entre política e religião presente em suas cartas pastorais. Tal associação, atacada pelo racionalismo do movimento iluminista, adquirirá em D. Matheus ferrenho defensor. Na análise de sua relação com os governadores do final do período Setecentista observaremos se a natureza dos conflitos aponta para a permanência dos elementos que os caracterizavam no bispado anterior, ou seja, o caráter “despótico” das autoridades ultramarinas; a prática de atacar detratando seu rival perante a

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Coroa, e, para os bispos, a preocupação constante com a defesa de sua jurisdição face ao padroado e às autoridades seculares.

O quarto e último capítulo tem o foco no perfil de bispo político em D. Matheus de Abreu Pereira, o qual compõe sua multifacetada atuação. Tal perfil já delineado para o final do período Setecentista tomará nas duas primeiras décadas do século XIX a proeminência de nossa análise. O capítulo ocupando-se dos espaços e da sucessão de eventos que marcaram o desenlace do império luso-brasileiro e a consequente emancipação política do Brasil quer revelar a expressiva presença de D. Matheus e do clero paulista nesse cenário. De tal forma, apresentaremos a participação de D. Matheus nos triunviratos que por diversas vezes administraram a capitania de São Paulo, os quais ao revelarem o papel de agentes da Coroa desempenhados, nesses casos explicitamente, pelos bispos, não deixam de apontar para a expansão do seu poder no nível local. Em seguida, nos deteremos no impacto que o movimento liberal do Porto alcançou na capitania, e depois província, de São Paulo, delineando nesses desdobramentos a participação dos eclesiásticos e do bispo tanto no interior da província, como no Rio de Janeiro, capital do Reino do Brasil e sede da regência de D. Pedro. Deslocaremos nossa atenção para as discussões das Cortes de Lisboa, buscando, nesse ínterim, observar o impacto que causou nessa assembleia a movimentação da província de São Paulo, entre todos a do bispo D. Matheus, em torno da permanência de D. Pedro no Brasil. Por fim, buscaremos a posição política do antístite sobre o imbróglio da Bernarda de Francisco Ignacio; na perseguição que sofreu de José Bonifácio, e na vitória de seu projeto junto a D. Pedro com a coroação do imperador em dezembro de 1822. A composição narrativa do quarto capítulo esforça-se para oferecer uma primeira leitura acerca das habilidades políticas de D. Matheus e da influência que exerceu enquanto alta autoridade eclesiástica da América nos eventos que marcaram os rumos políticos do Brasil de antes e depois de 1822.

Por fim, explicitamos que em todo o percurso houve a intenção de inscrever as trajetórias episcopais de D. Fr. Manuel da Ressurreição e de D. Matheus de Abreu Pereira no enquadramento geral do império português e ao mesmo tempo observá-las sendo tecidas nas estratégias e nos interesses individuais dos próprios bispos, dos governadores e de outros representantes do poder local.

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Capítulo 1 – Os bispos de São Paulo face ao poder português no século

XVIII

1) O legado historiográfico dos prelados paulistas

1.1) D. Fr. Manuel da Ressurreição: um bispo iluminista

A confirmação de D. Fr. Manuel da Ressurreição para bispo de São Paulo em 1771, feita pelo papa Clemente XIV, sinalizava a retomada das relações diplomáticas de Portugal com a Santa Sé. Após dez anos de relações cortadas, Sebastião José de Carvalho e Melo, já feito Marquês de Pombal e com o poder de dirigir o império português em nome do rei D. José I, procurou estabelecer um ambiente de concórdia com Roma. Uma década e a entronização de Clemente XIV em 1769 foram suficientes para que a Santa Sé relegasse a torrente de medidas regalistas tomadas pelo conde de Oeiras nos anos sessenta do século XVIII.1 O ano de 1770 marcou o restabelecimento da nunciatura2 em Portugal e a criação de sete novas dioceses no Reino, com o consequente aumento do número de bispos nomeados pelo monarca.3 Para os domínios ultramarinos as novas apresentações dos candidatos ao papa foram retirando as dioceses das vacâncias impostas pelo interdito com a Santa Sé.

1

Cf. Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, nova ed. Damião Peres, vol. III, Lisboa: Livraria Civilização,1970, p. 277. Essa década é considerada o zênite das medidas regalistas do futuro marquês de Pombal, conforme José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal e do Império 1495-1777, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p. 157. Em linhas gerais o regalismo pode ser entendido, conforme destacou Aldair Rodrigues em seu trabalho: “a supremacia do poder civil sobre o poder eclesiástico, decorrente da alteração de uma prática jurisdicional comumente seguida ou de princípios geralmente aceites, sem que haja uma uniformidade na argumentação com que se pretende legitimá-lo.” Cf. Zília Osório de Castro, “Antecedentes do regalismo pombalino”, in Polónia, Amélia et alli (coord.), Estudos em Homenagem a João

Francisco Marques, Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001, pp. 321-322, apud Aldair

Carlos Rodrigues, Poder Eclesiástico e Inquisição no Século XVIII Luso-Brasileiro: Agentes, Carreiras e

Mecanismos de Promoção Social, USP: doutorado, 2012, p. 50.

2

Núncio: embaixador do papa.

3

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10

As medidas diplomáticas do ministro preferido de D. José beneficiaram também o bispado de São Paulo livrando-o de uma vacância de sete anos e sete meses.4 Era o terceiro bispo que a diocese recebia e a considerar que fora escolhido por Pombal para ser o novo antístite paulista faz jus à fama historiográfica de ter sido o primeiro bispo ilustrado de São Paulo.5 Num tempo em que os bispos eram criaturas do rei, servindo-nos da caracterização de José Pedro Paiva desse seleto grupo,6 era de se esperar que a consolidação do poder pombalino se refletisse nas escolhas de indivíduos capazes de corresponder aos seus desígnios. Mas antes de trazer à tona os argumentos de Paiva sobre o que norteou os reis nas escolhas dos bispos para o império português da Idade Moderna, descreveremos aqui as imagens biográficas dos dois bispos objetos desse estudo, buscando as poucas impressões que deles ficaram na historiografia, para que nos próximos capítulos, face aos documentos analisados e tendo em vista as novas informações possamos inscrevê-los no quadro mais amplo e complexo que era o de exercer a mitra no interior do império português, no final do século XVIII e início do XIX.

A imagem de D. Fr. Manuel da Ressurreição legada pela historiografia é de um bispo com fortes traços iluministas. Entre as obras mais antigas que consultamos, merecem destaque o livro O Arcipreste da Sé de S. Paulo, Joaquim Anselmo D’Oliveira e o clero do Brasil e os volumes de Paulo Florêncio da Silveira Camargo, A Igreja na História de São Paulo. O primeiro constitui-se de um relato mal-humorado e crítico do sexto bispo de São Paulo, Antônio Joaquim de Melo, o qual governou o bispado de São Paulo no tempo do Império. O autor do Arcipreste não é conhecido, contudo, atribui-se a autoria ao cônego Manuel Joaquim de Monte Carmelo,7 declarado oponente do bispo. A obra é datada de 1873 e traz considerações gerais sobre as administrações de todos os bispos da diocese de

4

Neste trabalho vou considerar o momento da sagração dos bispos como início de suas administrações, pois como veremos era a partir da sagração que os bispos iniciavam suas atividades administrativas enviando requerimentos aos tribunais portugueses a fim de estarem munidos documentalmente para exercerem o múnus em sua diocese.

5

A diocese de São Paulo foi criada em 1745, desmembrada da diocese do Rio de Janeiro. Sobre a criação e sucessão dos prelados no bispado paulista ver Dalila Zanon, Bispos de São Paulo, As Diretrizes da Igreja no

século XVIII, São Paulo: Annablume; FAPESP, 2012, pp. 43-57 e 72-77.

6

Paiva utiliza as expressões coevas “criaturas do rei” ou “feituras do rei”. Cf. Paiva, op. cit., pp. 180-181.

7

Segundo Oscar de Figueiredo Lustosa, “Situação Religiosa da Capitania de São Paulo na palavra de seu bispo, D. Frei Manuel da Ressurreição (1777)”, Revista de História, vol. LII, no

104, pp. 909-924, out/dez., ano XXVI, 1975, p. 921.

(27)

11

São Paulo até chegar em D. Antônio Joaquim de Melo. Algumas breves, mas com importantes informações para reflexionar a atuação dos antístites. Uma anedota sobre a morte de D. Fr. Manuel que comporá a construção de sua imagem, foi, talvez, iniciada em O Arcipreste,

Tambem a alampada da capella-mór de S. Paulo cahiu sobre o tumulo de D. Fr. Manoel da Ressurreição, quando alli se faziam os últimos officios de sepultura por tão digno e respeitavel prelado! Desde essa época infausta, póde-se affirmar sem erro, a igreja paulopolitana nunca mais achou-se allumiada! 8

As “Luzes do século” serão associadas à imagem legada de D. Fr. Manuel. A mesma anedota, com ligeiras alterações, está presente na obra de Paulo Florêncio da Silveira Camargo, a qual traça com linearidade a história da Igreja de São Paulo. De natureza apologética e confessional, contém transcrição integral de uma quantidade imensa de documentos – tanto eclesiásticos como civis – que a fazem ser ainda de fundamental consulta para o estudo da Igreja em São Paulo. Além de documentos encontram-se curiosidades e casos de personagens ilustres do cenário paulista que, sem deixar vestígios concretos, contribuem para a construção das imagens historiográficas que chegaram até nós. Abaixo também o momento do sepultamento de D. Fr. Manuel da Ressurreição na Sé Catedral da cidade de São Paulo,

Conta-se que ao baixar ao túmulo o corpo de d. Frei Manuel da Ressurreição, cai a lâmpada do Santíssimo da Sé, com grande estrondo, extinguindo-se a lamparina; produziu grande susto no povo que se alvoroçara todo. O capitão Bernardo Jacinto Gomes da Silva, escrivão da câmara eclesiástica, levantando a voz, exclamou enfaticamente comovido: Apagou-se a luz da diocese de São Paulo! 9

A referência às Luzes pode ser encontrada em vários documentos coevos da segunda metade do Setecentos, qualificando o indivíduo como alinhado ao pensamento ilustrado ou não.10 O registro dessa anedota por Silveira Camargo corroborou para

8

Cf. O Arcipreste da Sé de S. Paulo, Joaquim Anselmo D’Oliveira e o clero do Brasil, Rio de Janeiro, 1873, p. 18.

9

Cf. Paulo Florêncio da Silveira Camargo, A Igreja na História de São Paulo (1771-1821), vol. 5, São Paulo: Instituto Paulista de História e Arte Religiosa, 1953, p. 135.

10

Uma carta da rainha D. Maria I ao bispo D. Fr. Manuel da Ressurreição de 1790, traz o termo em questão: quando trata da formação do clero, a rainha diz: “... não permitindo este Apostolico exercício a Ministros ou

(28)

12

perpetuar a imagem ilustrada do bispo. Em publicação mais recente Augustin Wernet reiterou sua hipótese sobre o terceiro bispo paulista, afirmando que “Dom Manoel foi o primeiro prelado de São Paulo a se identificar com o ideário do Iluminismo português. Foi um grande colaborador do Marquês de Pombal, cuja política eclesiástica procurou por em prática em São Paulo.”11

O autor apoiou-se em Arlindo Rubert, Eduardo Hoonaert e ainda em Silveira Camargo para caracterizar o bispo.12 Para Wernet a gênese iluminista teria se dado com esse prelado, já que seu antecessor, D. Fr. Antônio da Madre de Deus Galrão, não se coadunava com a política pombalina, segundo o autor. Esse, tendo administrado entre 1750 e 1764, enfrentou em seu bispado a expulsão dos inacianos, “que não apenas não apoiou, como manteve sua posição de protetor dos jesuítas. A longa demora na retirada dos padres jesuítas de São Paulo, deveu-se, em parte, à resistência passiva e à falta de colaboração desse bispo.” Ainda na época de sua morte, em 1764, os padres da Companhia de Jesus permaneciam em São Paulo, diz o autor. O descumprimento da expulsão dos jesuítas por outros bispos causou suas ruínas, revelando que o caso de D. Fr. Antônio foi exceção, pois sendo apontado como protetor dos inacianos não teve a mesma sorte de outros.13 Somente em 1765 com a restauração da autonomia administrativa da capitania

ignorantes, ou que desmintão com a vida a mesma Moral que pregão desta sorte sera a Religião deffendida contra attaques da incredulidade e superstição e conservadas sua pureza que não pode menos ser alterada pelos seos inimigos, do que pelos seos ministros indignos, ou pouco ilustrados.” Cf. Arquivo da Cúria

Metropolitana de São Paulo, Carta da rainha de 25 de novembro de 1790, Livro de tombo da freguesia de

São Roque (10-3-25), p. 40. Sob um prisma científico, nota-se também o emprego da palavra “luzes” para designar conhecimento. Numa carta do ministro d. Rodrigo de Sousa Coutinho ao governador de São Paulo Antônio de Melo Castro e Mendonça, em 7 de fevereiro de 1799, escrevia o ministro que era preciso divulgar na capitania os textos técnico-científicos sobre agricultura e manufaturas agrícolas ou mineração e flora medicinal, a fim de que os habitantes de São Paulo adquirissem “aquelas luzes e noções” conducentes ao “adiantamento da cultura de suas propriedades territoriais...”. Cf. Documentos Interessantes para a História e

Costumes de São Paulo, vol. 89, p. 131-2 apud Maria Beatriz Nizza da Silva (org.) et alli, História de São Paulo Colonial, São Paulo: Unesp, 2009, p. 222.

11Cf. Augustin Wernet, “Vida religiosa em São Paulo (1554-1954)” in Paula Porta (org), História da Cidade

de São Paulo, São Paulo: Paz e Terra, 2004, pp. 207-209.

12

Arlindo Rubert e Eduardo Hoornaert fazem parte da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA).

13

Caio César Boschi cita exemplos de bispos coloniais que sofreram represálias de Pombal por esse motivo: D. José Botelho de Matos, arcebispo primaz da Bahia não cumpriu o decreto da expulsão dos jesuítas e antecipando-se à punição entregou seu governo ao Cabido, retirando-se de Salvador em 1760; D. Fr. Antônio de São José, bispo do Maranhão, reconhecidamente próximo dos jesuítas, foi chamado pelo rei a pedido de Pombal para ir a Lisboa, e tendo ido em 1767, ficou confinado no convento dos agostinianos; D. Fr. Miguel de Bulhões, bispo de Belém do Pará, suspeito de ser complacente com os jesuítas, foi chamado à Corte e deslocado para a diocese de Leiria. Cf. Caio César Boschi, “Episcopado e Inquisição” in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dir), História da Expansão Portuguesa, vol. 3, Navarra: Gráfica Estella, 1998,

(29)

13

com D. Luís de Sousa Botelho Mourão, Morgado de Mateus, apontado pela bibliografia também como colaborador de Pombal, os jesuítas foram efetivamente expulsos de São Paulo e seus bens sequestrados.14

Assim, a morte de D. Fr. Antônio Galrão oportunizara a Pombal apresentação de um candidato mais afeito às suas ordens, e o escolhido foi D. Fr. Manuel da Ressurreição. Bispo evidenciado pela bibliografia pelo caráter iluminista de sua biblioteca bem como pela formação ilustrada dos candidatos ao sacerdócio de sua diocese.

Francisco da Gama Caieiro, em 1979, já ressaltava que a “livraria que pertenceu ao 3º bispo de São Paulo, o franciscano D. Manuel da Ressurreição, era constituída por um dos núcleos bibliográficos mais ricos do Brasil de então e característico da Ilustração, do Regalismo e do Jansenismo,15 dentro de uma orientação considerada a mais avançada e

p. 380. Em relação ao arcebispo D. José Botelho de Matos, há controvérsias na interpretação de que sua renúncia tenha-se dado em razão de temer a represália pombalina, ver diferente interpretação em Evergton Sales Souza, D. José Botelho de Mattos, arcebispo da Bahia, e a expulsão dos jesuítas (1758-1760). Varia hist. [online]. 2008, vol.24, n.40, pp. 729-746. ISSN 0104-8775. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752008000200023.

14

Para Wernet ao lado do bispo diocesano, foram promotores das reformas pombalinas em São Paulo o governador D. Luís Antonio de Sousa Botelho Mourão, os beneditinos e os franciscanos, em cujo convento funcionou o curso diocesano de Filosofia e Teologia, de 1803 a 1808. Cf. Wernet, op. cit. pp. 209-210.

15

O movimento jansenista levou o nome do bispo holandês Cornellius Jansenius do século XVII e nasceu de uma interpretação radical dos escritos de Santo Agostinho. Segundo o historiador Evergton Sales Souza, devido ao caráter plural do movimento e de suas mudanças ao longo do tempo e do espaço, o jansenismo não se presta a apenas uma definição, sendo preferível falar então em “jansenismos”. Contudo, apesar da diversidade, é possível apontar algumas principais correntes do movimento dos séculos XVII e XVIII. Sob o ponto de vista teológico, os jansenistas polemizavam em torno da graça divina, do livre-arbítrio e da predestinação. Entretanto, segundo Sales Souza, apesar dos autores de tratados jansenistas não se movimentarem em direção ao cisma com a Igreja, não deixaram de ser condenados por vários papas ao longo do tempo. Em relação à moral cristã, os jansenistas mostraram-se rigoristas. O rigorismo moral jansênico afirmava que o sacramento da confissão só seria válido com uma contrição perfeita. A exigência da perfeição contricional levou ao afastamento desse sacramento pelos religiosos e fiéis, afastando-os também do sacramento da comunhão. O rigorismo moral foi adotado no mosteiro cistercience feminino de Port-Royal, o qual ficou conhecido como importante centro irradiador dessa doutrina. Do ponto de vista eclesiológico, o jansenismo foi marcado pelo episcopalismo e pelo regalismo, ou seja, uma associação da doutrina jansênica com as práticas regalistas de algumas monarquias europeias, materializando assim o veio político do movimento. Os eclesiásticos dessa vertente acabaram por questionar a supremacia papal e advogaram um aumento do poder da hierarquia eclesiástica local ou nacional. Tal prática encontrou solo favorável no período pombalino em Portugal, a qual se apresenta entrelaçada com o regalismo do marquês. Augustin Wernet associou jansenismo com o iluminismo difundido por Pombal nas suas reformas educacionais e eclesiásticas, ecoando também na formação dos eclesiásticos na Colônia. Cf. Evergton Sales Souza, “Jansenismo e reforma da igreja na América Portuguesa”, Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico do Antigo Regime:

poderes e sociedades, pp. 1-3. Disponível em <http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/evergton_sales_sousa.pdf>, acesso em 1/11/2012; ________________, Jansenisme et reforme de l’Église dans l’Empire portugais (1640-1790), Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. Augustin Wernet, A Igreja Paulista no Século XIX, A reforma de D.

(30)

14 esclarecida.”16

Wernet também destacou que o bispo trouxe para a cidade uma valiosa e numerosa biblioteca, inicialmente instalada no antigo Colégio dos jesuítas e depois transferida para o convento dos franciscanos. A biblioteca permaneceu todo o tempo à disposição dos interessados, leigos e clérigos.17 Em estudo anterior o mesmo autor observou que a biblioteca de D. Fr. Manuel constava de 1548 volumes, com obras de literatura latina e religiosa, de origem portuguesa e francesa. Nota-se, segundo o autor, uma linha antijesuítica e um prestígio pela literatura religiosa francesa, incluindo obras eminentemente jansenistas.18

Maria Beatriz Nizza da Silva também observou que os bispos faziam-se acompanhar pelos seus livros – e D. Fr. Manuel da Ressurreição não foi exceção – colocando sua biblioteca de mais de dois mil volumes à disposição do clero. Muito embora, diz a autora, seus livros não fossem de interesse exclusivamente eclesiástico, revelavam também um interesse científico e filosófico bem característico da ilustração pombalina.19 De tal forma, com uma pequena divergência na quantidade, há concordância sobre a composição iluminista da biblioteca de D. Fr. Manuel.

O seminário instaurado por D. Fr. Manuel da Ressurreição ocupou o colégio dos jesuítas expulsos, onde também instalou sua residência. Não foi um seminário em estilo de internato, como exigia o Concílio de Trento, ao invés, os aspirantes ao sacerdócio moravam na cidade, em casas de família, parentes e amigos e frequentavam as aulas dadas no palácio episcopal.20 E, diz-se, não foram apenas os sacerdotes os beneficiados pela formação instaurada por D. Fr. Manuel, vultos ilustres da nossa história também frequentaram a biblioteca e as aulas do seminário, instituições que funcionaram como preparação para os estudantes que iam para a Universidade de Coimbra. Caeiro destacou que “seria ainda de Antônio Joaquim de Melo (1851-1861), São Paulo: Ática, 1987, pp. 31-33. Caio César Boschi, “O clero

colonial: caracterização” in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dir.), História da Expansão Portuguesa, op. cit., p. 314. Fortunato de Almeida, “O jansenismo e o regalismo na administração pombalina” in História

da Igreja em Portugal, op. cit., vol. III, pp. 342-350.

16

Cf. Francisco da Gama Caeiro, Para uma história do Iluminismo no Brasil: notas acerca da presença e

Verney na cultura brasileira, Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, 5 (1/2), pp. 109-118, 1979, p.

114.

17

Cf. Wernet, “Vida religiosa”, op. cit., p. 209.

18

Cf. Wernet, A Igreja Paulista, op. cit., p. 34.

19

Cf. Silva, op. cit., p. 221.

20

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15

seguir a eventual irradiação dessas obras junto dos leitores da biblioteca paulista, em cujo número temos a considerar, como é sabido, a figura juvenil do futuro Patriarca da Independência, José Bonifácio.”21

Natural de Santos, Bonifácio teria tido sua instrução primária nessa vila e mudou-se para São Paulo a fim de continuar seus estudos no seminário de D. Fr. Manuel da Ressurreição. Em 1783 partiu para Portugal matriculando-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra. Octávio Tarquínio de Sousa, biografando Bonifácio, evidenciou o papel de D. Fr. Manuel:

Esse bispo, D. Fr. Manuel da Ressureição, não custou a descobrir em José Bonifácio um estudante raro, do tipo dos que dão gana aos mestres de advinhar-lhes o futuro. Estudante raro, sim, pois não se contentaria em ser atento as aulas e bem aprender as lições: sentiu logo o prazer da leitura como das grandes descobertas e aventuras, as delicias do contato direto com os livros, lidos e sorvidos até o fim [...]. O bispo-frade possuía, para o lugar e tempo, uma boa biblioteca, e José Bonifácio, frequentando-a, teve sem demora a certeza de que nascera para as atividades do espírito (...). 22

Estudante dedicado, Bonifácio teve ainda aulas de língua francesa, curso que era ministrado pelo próprio D. Fr. Manuel da Ressurreição, o qual foi classificado por Brenno Ferraz do Amaral de “preceptor de José Bonifácio”.23

O Arcipreste da Sé é a obra que provavelmente repercutiu na imagem posteriormente fixada de D. Fr. Manuel, a qual é bastante elogiosa:

Depois de uma vacância de mais de sete anos, viu-se a igreja de São Paulo despida do crepe que a enlutava, e presidida pelo ilustre filho do serafim de Assis (...). Este virtuoso e ilustrado pastor, cuja benéfica administração, estendeu-se até o ano de 1789, em que faleceu, foi, qual outro São Carlos de Borromeu, digno de modelo dos bispos, taumaturgo dos tempos modernos, e o que melhor fez sentir aos seus diocesanos o quanto pode a força de vontade dos homens, que se inspiram nas virtudes da fé, da esperança e da caridade. Então o poder é querer; não custam os milagres, as trevas convertem-se em luz, e os montes dos obstáculos, que a preguiça e a inação encontram por toda a parte, desaparecem completamente. E assim que o ilustre pastor de quem falamos, sentindo a deficiência de meios pecuniários para dar a seus ordenandos uma educação conveniente aos que devam ser um dia luz do mundo e sal da terra, que preserve um da corrupção dos costumes e arranque o outro das

21

Cf. Francisco da Gama Caeiro, op. cit., p. 114.

22

Octávio Tarquínio de Sousa, José Bonifácio, v. 121, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército; José Olympio, Coleção Gen. Benício, 1974, pp. 6-7 apud Maria Luisa Furlan Costa, Considerações de José Bonifácio acerca

da Educação no Brasil na Primeira Metade do Século XIX,

disponível em <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema4/0449.pdf>. Acesso em 21 de fev de 2012.

23

Cf. Brenno Ferraz do Amaral, José Bonifácio, São Paulo: Martins, 1968, p. 46 apud Wernet, A Igreja

(32)

16

trevas do erro, de tal sorte confiou n‟Aquele que converte as pedras em pães, que, em pouco tempo,

era o clero de São Paulo, indigitado como um dos melhores do Brasil.24 (grifos meus)

A frase realçada foi repetida pelos autores que se ocuparam de D. Fr. Manuel da Ressurreição no século XX.25 Note-se também o caráter apologético da obra e a qualificação de “ilustrado pastor” dada pelo autor. A considerar as referências a D. Fr. Manuel da Ressurreição os elogios são uma constante. Também Taunay o dizia: “D. Fr. Manuel da Ressurreição, humilde e discreto, de sólida formação cultural, deixou... grande fama de inteligência, zelo e virtudes.”26

Lustosa atribuiu ainda à D. Fr. Manuel a gênese da formação clerical que irá redundar em eminentes figuras de padres paulistas do início do século XIX. Para o autor o final do período setecentista foi marcado por personalidades eclesiásticas de São Paulo destacadas e atuantes no cenário nacional, fruto da ação do bispo na segunda metade do século XVIII, que não poupou esforços para preparar cultural e espiritualmente o seu clero.27

Essa imagem foi endossada por Wernet, marcando a administração de D. Fr. Manuel como ponto inicial da implantação do catolicismo iluminista em São Paulo.28 Segundo o autor essa fase só terminaria com a reforma ultramontana de D. Antônio Joaquim de Melo, na segunda metade do século XIX.

Homem do seu tempo, D. Fr. Manuel da Ressurreição teria levado as luzes do século para o Ultramar? Enquanto bispo paulista seria uma criatura de Pombal? E quanto à Igreja, seguiria os cânones do Concílio de Trento, como era obrigatório aos epíscopos desde o final do século XVI?

Por ora voltaremos nossa atenção para as informações que temos sobre Manuel da Ressurreição ainda em Lisboa. Alguns dados de sua biografia, anterior ao cargo de titular do bispado, são válidos para compor a trajetória e o quadro por onde se movimentou Manuel da Ressurreição até chegar a São Paulo.

24

O Arcipreste da Sé, op. cit., pp. 21-22.

25

Cf. Camargo, op. cit., vol. 5, p. 83; Lustosa, op. cit., p. 921 e Wernet, A Igreja Paulista, op. cit., p. 34.

26

Affonso de E. Taunay, História da Cidade de São Paulo no século XVIII, vol. II, 2ª parte, São Paulo: Divisão do Arquivo Histórico, 1951, p. 31 apud Oscar de Figueiredo Lustosa, op. cit., p. 913.

27

Cf. Lustosa, op. cit., p. 923.

28

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17

A certidão de batismo de Manuel está registrada nos assentos da igreja paroquial de Nossa Senhora dos Mártires de Lisboa, em 9 de janeiro de 1718. Filho legítimo de Bento Alves de Carvalho e de Helena Mauricia de Amorim. É de presumir, pois, que Manuel fosse natural de Lisboa onde teria vivido sua infância e feito seus primeiros estudos até entrar na Ordem dos Menores Observantes de S. Francisco.29

A Ordem franciscana marcou presença em Portugal desde o século XIII. No século seguinte, em meio a um movimento reformador da Igreja que incentivou a observância das regras para todos os institutos religiosos, os franciscanos portugueses cindiram-se em duas correntes: o conventualismo ou claustra e a observância. Os conventos da claustra eram concebidos com amplidão, privilegiavam a vida em comum de estilo monástico, praticavam a Regra com muitos privilégios na questão da pobreza e eram construídos nas cidades. Geralmente mantinham escolas públicas.

Os Observantes, corrente a qual foi formado D. Fr. Manuel da Ressurreição,

...defendiam a observância integral da Regra. Os seus conventos eram simples e privilegiavam a oração mental e a pregação popular e eram construídos em sítios ermos e em meios rurais. Até ao século XV descuraram um pouco os estudos. A partir de então, sob o impulso de S. Bernardino de Sena, retomaram os estudos e instalaram-se também nas grandes cidades, sem perder o estilo simples de vida. 30

Encontramos Manuel, então, numa grande cidade, pois o convento dos Menores Observantes que o formou ficava em Lisboa, presume Silveira Camargo.31 No século XVIII, porém, a origem do movimento da Observância já ia longe, levando-nos a questionar a persistência desse estilo simples da vida religiosa quatro séculos depois. É também de notar que o papa Pio V no final do século XVI publicou um Breve que obrigava os conventos da claustra em Portugal e Espanha a integrarem-se na Observância.32 No período setecentista, portanto, todos os franciscanos designavam-se como Observantes. Tal

29

Cf. Camargo, op. cit., vol. 5, pp. 5-6.

30

Os Franciscanos em Portugal, disponível em

<http://www.editorialfranciscana.org/portal/index.php?id=5653>. Acesso em 1/03/2012.

31

Cf. Camargo, op. cit., vol. 5, p.6.

32

(34)

18

fato teria levado todos os religiosos franciscanos a uma vida mais austera ou teria relaxado a austeridade dos primeiros Observantes?

De qualquer forma, Manuel da Ressurreição foi formado pelos franciscanos e com distinção, pois foi professor de Teologia do seu convento até ser jubilado, ou seja, aposentado nessa função. Sua erudição e desempenho motivaram Sebastião de Carvalho e Melo a nomeá-lo censor na Real Mesa Censória, tribunal criado em 1768 pelo marquês.33 Embora saibamos que Fr. Manuel já exercia a função de censor pelo Ordinário, desde pelo menos 1766, quando a censura ainda era tripartida.34

José Pedro Paiva afirmou que os antístites escolhidos por Pombal a partir de 1770, na retomada das relações com a Santa Sé, foram recrutados no círculo de quem o servia. Nesse momento três instituições foram geradoras das apresentações pombalinas para as mitras: o Tribunal do Santo Ofício, a Real Mesa Censória e a Universidade de Coimbra. O desempenho de censor literário revelou a Pombal que Fr. Manuel estava sintonizado com suas doutrinas, bem como os outros que partiram desse tribunal para serem bispos, segundo Paiva.35

Paiva indicou quatro bispos nomeados a partir de 1770 que passaram pela Real Mesa Censória: D. Fr. Manuel do Cenáculo (nomeado para Beja, 1770); D. Fr. Luís da Anunciação e Azevedo (nomeado para Angola, 1771); D. Fr. Inácio de S. Caetano (para Penafiel, 1771) e D. Fr. Manuel da Ressurreição (para São Paulo, 1771). Todos eles tendo em comum “... além da actividade na Mesa Censória, o facto de serem regulares, eruditos, defensores dos princípios do regalismo pombalino e de origem social muito modesta.”36

33

Sobre o processo de secularização da censura no período pombalino ver Leila Mezan Algranti, Livros de

Devoção, Atos de Censura, Ensaios de História do Livro e da Leitura na América Portuguesa (1750-1821),

São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2004, pp. 133-137.

34

Sobre isso nos deteremos no capítulo 2.

35

Cf. Paiva, op. cit., p. 551.

36

Idem. A considerar uma inusitada pesquisa em um site de genealogias portuguesa não encontramos para Manuel da Ressurreição informações que tornasse sua origem notável. Apenas menciona seus pais, data de nascimento e morte. Menciona ter sido bispo de São Paulo. Na linhagem da família Ressurreição há apenas dezesseis pessoas distribuídas entre os séculos XVII, XVIII e XIX, sem muitas informações sobre ocupações e cargos que os nobilitassem. Tais informações não trariam inquietações se não houvesse no mesmo site abundantes informações sobre o outro bispo da nossa pesquisa, D. Matheus de Abreu Pereira, do qual nos ocuparemos a seguir.

Site: <WWW.Geneall.net/P/>. Os dados de D. Fr. Manuel da Ressurreição estão disponíveis em <http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=1050447>. Acesso em 4/12/2011.

(35)

19

Embora Fr. Manuel não contasse com uma linhagem de nobreza, não era apenas dessa classe que provinham os bispos do império português. Os serviços realizados para a Coroa e o prestígio dos cargos exercidos traziam mobilidade social no Antigo Regime,37 possibilitando pessoas de origem modesta ascender ao topo da hierarquia eclesiástica. A fidelidade à Coroa e um bom relacionamento com pessoas influentes na Corte também contavam. Um caso notável e bem próximo de Fr. Manuel foi a trajetória de D. Fr. Manuel do Cenáculo. Esse franciscano, antes de ser bispo de Beja, tinha sido inspetor das igrejas das ordens militares, capelão-mor das armadas reais, confessor do infante D. José e autor de um livro dedicado a Pombal: Memórias Historicas do Ministerio Publico (1767). Segundo Paiva, D. Fr. Manuel do Cenáculo teria sido junto com o oratoriano Pereira de Figueiredo um dos ideólogos inspiradores das políticas pombalinas para a Igreja. Para Algranti, D. Fr. Manuel do Cenáculo foi o grande mentor da obra pombalina no campo da educação e da cultura.38

Supomos que Fr. Manuel da Ressurreição mantivesse boas relações com Fr. Manuel do Cenáculo, pois o escolheu como sagrante na cerimônia da sua sagração como bispo de São Paulo, realizada em 28 de outubro de 1771, na igreja franciscana de Nossa Senhora de Jesus em Lisboa. Os assistentes consagrantes foram D. Bartolomeu Manuel Mendes dos Reis, bispo de Macau e d. Miguel Antônio Barreto de Menezes, bispo de Bragança e Miranda. 39 Este último oriundo do Santo Ofício e com o prestígio de titular duas dioceses assaz disputadas do Reino.40

Mas não era apenas de suas boas relações na Corte, atestada pela composição dos bispos de sua sagração, que Fr. Manuel da Ressurreição se valeu para sua nomeação. Além de sua sólida instrução doutrinária, de ser lente jubilado de Teologia da sua Ordem e censor do tribunal régio, acumulava ainda o cargo de examinador sinodal no patriarcado,

37

Diversos estudos atuais apontam nessa direção. Relativamente ao tema dessa pesquisa destaco o trabalho de Paiva já citado e Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno, Honra, Mercê e Venalidade em

Portugal (1641-1789), Lisboa: Estar editora, 2001.

38

Cf. Paiva, op. cit., p. 551-552 e Algranti, op. cit., p. 145.

39

Cf. Camargo, op. cit., vol. 5, p. 6.

40

Conforme ressaltamos a Inquisição foi uma das instituições geradoras de bispos nessa fase pombalina. Deve-se notar que desde 1761 a Inquisição era dirigida pelo irmão de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça, o qual informaria ao ministro as atividades e os posicionamentos dos membros do Tribunal. Em 1774 foi aprovado um novo Regimento do Tribunal que modificava muito a sua natureza, reduzindo a independência do mesmo e tornando-o um instrumento do Estado. Cf. Paiva, op. cit., 549.

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20

examinador das três Ordens Militares e qualificador do Santo Ofício.41 Dessa forma, erudição, limpeza de sangue42 e fidelidade ao ministro de D. José o teriam qualificado para titular a mitra de São Paulo.

Em relação à sua atuação em São Paulo, é válido perguntar se ter o hábito franciscano teria facilitado a vida administrativa do bispo D. Fr. Manuel na capitania. Sabemos que os franciscanos já haviam se estabelecido na cidade desde 1639, e segundo Bontempi, quando da expulsão dos jesuítas em 1759, possuíam um número de membros superior ao de todas as ordens residentes em solo paulista.43 O convento dos franciscanos abriu suas portas para o ensino externo por volta de 1730, segundo o mesmo autor, e foi contando com o curso de Teologia dado no convento dos franciscanos de São Paulo que D. Fr. Manuel completava a formação dos sacerdotes em seu bispado.

É importante destacar que o antecessor de D. Fr. Manuel também vestiu o hábito franciscano. D. Fr. Antônio da Madre de Deus Galrão, lisbonense, era franciscano da província de Arrábida,44 originada também do movimento da Observância que, no entanto, prescrevia um regime de vida mais austero em sua origem no século XVI: o da Estreita Observância. Paiva afirmou que a nomeação de D. Fr. Antônio para prelado de São Paulo é fruto do movimento de renovação religiosa conhecido pelo nome de jacobeia45 que pela sua amplidão e profundidade no Reino passou a marcar a política de nomeação dos bispos no governo de D. João V a partir de 1720. O Brasil teria sido uma das regiões do Império mais afetadas pelas nomeações com cariz da jacobeia.46 D. Fr. Antônio Galrão foi nomeado bispo no último ano do reinado de D. João V, em 1750. Assim, é de notar que houve mudança na política de nomeação dos bispos entre o período joanino e o de Pombal e com

41

Cf. Paiva, op. cit., p. 552.

42

Não ser e não descender dos judeus ou mouros.

43

Cf. Bruno Bontempi Jr., “Do vazio à forma escolar moderna: a história da educação como um fardo na Cidade de São Paulo”, in Paula Porta (org) op. cit., p. 519.

44

Cf. Dalila Zanon, op. cit., p. 75.

45

Nas palavras de Paiva: “... os princípios norteadores do movimento da jacobeia eram o propósito de fazer observar escrupulosamente os preceitos religiosos do catolicismo, tanto no nível do clero como entre os seculares, adequar os costumes das populações à ética cristã, aprofundar uma piedade mais espiritual e interior do que ritualista.” Cf. Paiva, “D. Sebastião Monteiro da Vide e o Episcopado do Brasil em Tempo de Renovação (1701-1750)” in Bruno Feitler e Evergton S. Souza (org.), A Igreja no Brasil, Normas e Práticas

durante a Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, São Paulo: Unifesp, pp. 29-59,

2011, p. 39 e 41.

46

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reflexo no bispado de São Paulo, pois se Galrão tinha inspiração jacobeia e era protetor dos jesuítas, já Manuel da Ressurreição seria iluminista e seguiu a linha antijesuítica de Pombal. Mas por outro lado, os dois bispos eleitos eram religiosos franciscanos. Esse dado torna-se significativo ao analisarmos a escolha do sucessor de D. Fr. Manuel da Ressurreição, o franciscano D. Fr. Miguel da Madre de Deus, em 3 de julho de 1791. Este, também da província da Conceição.47 Sua escolha deu-se no tempo de D. Maria I, e a considerar a assertiva historiográfica da continuidade mariana da política de Pombal no plano educacional e eclesiástico,48 representaria essa nomeação continuidade das diretrizes ilustradas na diocese de São Paulo? Não o sabemos, pois D. Fr. Miguel, após ser sagrado bispo em 29 de abril de 1792, não foi para São Paulo e, alegando precário estado de saúde, renunciou ao benefício em 1793. Em 1813 foi eleito arcebispo de Braga. A mercê adveio, também, de influentes relações na Corte. Vinte anos de espera foram recompensados com a paradigmática arquidiocese de Braga.49 Esse caso não constitui nada de extraordinário em matéria de preenchimento das dioceses ultramarinas, na verdade, a renúncia aos bispados era mais corrente do que podiam desejar os monarcas portugueses.

Note-se, no entanto, a predominância na escolha de bispos religiosos e franciscanos para São Paulo em seu período colonial. Dos cinco bispos nomeados para ocuparem a mitra, três eram franciscanos e dois seculares. Os seculares foram o primeiro e o último do período colonial, respectivamente D. Bernardo Rodrigues Nogueira e D. Matheus de Abreu Pereira. Dado significativo, que por um lado atesta a tendência do governo reinol em nomear bispos regulares para as dioceses ultramarinas,50 conforme apontou o estudo de Paiva, mas por outro contradiz a tentativa de manter equilíbrio entre as diferentes ordens religiosas para as nomeações tanto no Reino como no Ultramar. Segundo o autor, a distribuição equitativa das dioceses que iam vagando entre as várias ordens religiosas evitavam situações indesejadas de supremacia que podiam ser causadoras de

47

Cf. Fortunato de Almeida, op. cit., vol. III, p. 646.

48

Algranti destacou também continuidade entre os reinados citados em matéria de censura literária, cf. Algranti, op. cit., p. 139. Também ver Wernet, A Igreja Paulista, op. cit., p. 31.

49

Segundo Paiva, as dioceses grandes e antigas do Reino eram as mais disputadas, em função das rendas que proporcionavam e o prestígio elevado para seu titular. As duas arquidioceses mais prestigiadas do Reino, desde o século XVI, eram a de Braga e a de Lisboa. Cf. Paiva, op. cit., p. 38 e 292.

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