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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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Academic year: 2018

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1 Introdução

O presente trabalho parte de uma inquietude proveniente de nossas experiências como docente de Língua Espanhola e de Língua Portuguesa em colégios das redes pública e privada de ensino do Rio de Janeiro. Através dessas experiências, foi possível identificar problemas relacionados ao processo de ensino/aprendizagem da leitura em ambas as línguas. Em sala de aula, pôde-se observar que grande parte dos alunos apresenta muitas dificuldades na compreensão do texto escrito, aspecto que aponta para as deficiências que vem sofrendo o trabalho com a leitura no ambiente escolar.

Documentos Oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 2000, p. 8) e as Organizações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCEM, 2006, p. 114), ressaltam que a prática da leitura deve incluir o estudo de diferentes gêneros discursivos, visando à formação de um leitor crítico, capaz de articular saberes e construir significados. Contudo, pode-se afirmar que ainda é bastante significativo o número de alunos que não (re)conhecem as especificidades de certos gêneros discursivos e que realizam a leitura como uma atividade de mera decodificação (FECCHIO, 2007).

A causa para este estado de coisas pode ser associada, em grande parte, à formação deficiente do professor e, também, a um modelo de livro didático ao qual subjaz uma concepção de leitura baseada na extração de informações explícitas no texto (KLEIMAN, 2008). Na medida em que este modelo se perpetua, não colabora para alterar a qualidade no ensino da leitura, quer seja em língua materna, quer seja em língua estrangeira.

No que tange, particularmente, à língua espanhola, pode-se afirmar que, em nosso país, houve uma expansão no ensino do referido idioma, processo que se justifica, sobretudo, por meio da Lei de Obrigatoriedade do Espanhol no Ensino Médio1, aspecto que, possivelmente, fomentou um aumento na produção de livros didáticos (BRAGA, 2005). Muitos desses livros caracterizavam-se por apresentar em seu repertório de textos a predominância de determinado(s) gênero(s) discursivo(s) e, paralelamente, era possível observar que uma boa parte das questões de leitura propostas não conduzia o aluno ao pensamento crítico.

Vários estudos realizados no âmbito da aprendizagem de línguas indicam que, ainda hoje, materiais desta natureza são utilizados nas salas de aula brasileiras (FERNÁNDEZ,

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2005), o que aponta para uma incoerência entre o livro didático e o que propõem os documentos oficiais, como os PCN (2000) e as OCEM (2006) para o ensino da língua estrangeira.

Diante deste panorama e considerando a relevância dos diferentes gêneros para o processo de ensino/aprendizagem da língua estrangeira, a presente pesquisa se detém, especificamente, a investigar as Histórias em Quadrinhos (HQs) no livro didático de espanhol L2, visando a identificar o tipo de tratamento conferido ao gênero quadrinhístico.

Neste sentido, com base em uma perspectiva sociointeracional de leitura, analisamos as questões de compreensão leitora elaboradas a partir das HQs, visando a observar se o trabalho com a leitura dos quadrinhos dialoga com as propostas apresentadas pelos documentos oficiais e, consequentemente, se favorecem ao desenvolvimento da competência leitora do aluno de espanhol L2. Para tanto, adotamos um estudo documental com base qualitativa de análise de dados, considerando como corpus um livro didático de língua espanhola selecionado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD – 2012).

O interesse por um trabalho que contemple o gênero HQs se justifica, inicialmente, pelo fato de, ao longo de nossa prática docente, termo-nos deparado com a inabilidade de muitos alunos para a leitura do texto híbrido, ou seja, texto que une as linguagens verbal e não-verbal. Geralmente, os alunos estavam mais acostumados a uma prática de leitura que se limitava ao dito; ao que se expressava, exclusiva e explicitamente, em palavras.

Dessa maneira, ao se deparar com uma HQs, por exemplo, os alunos, muitas vezes, não conseguiam construir o significado do texto por meio da relação de sentido que se estabelece entre o pictórico e o elemento linguístico presentes no quadrinho.

Outro aspecto considerado na escolha do referido gênero, baseia-se na oposição que se estabelece entre o reconhecimento da relevância das HQs para a formação da competência leitora do aprendiz e o subaproveitamento do gênero em vários materiais didáticos. É fato que, atualmente, os quadrinhos fazem parte das avaliações para ingresso no ensino superior, foram incluídos nos PCN e houve a distribuição de obras ao ensino fundamental por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola(RAMOS, 2009).

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Ainda é pequena a produção científica acerca dos quadrinhos e há uma gama de professores, pesquisadores, estudantes de Letras e de cursos de comunicação carente de respostas sobre a linguagem e as características dos quadrinhos. Além disso, há falta de professores com formação técnica para o uso do quadrinho e a elaboração de materiais didáticos cujas atividades não exploram corretamente a linguagem quadrinística.

Diante do exposto, ao verificarmos que as HQs são, muitas vezes, subaproveitadas em alguns livros de língua portuguesa e que é significativo o número de alunos que apresentam dificuldades com a leitura dos quadrinhos, consideramos pertinente que nossa pesquisa se dedicasse a investigar o tipo de tratamento conferido às HQs no livro didático de espanhol L2, no que tange à natureza das questões de compreensão leitora elaboradas a partir do referido gênero.

Quanto à organização, o presente trabalho está estruturado da seguinte forma: neste primeiro capítulo, fizemos uma introdução a respeito do tema discutido na pesquisa e dos aspectos considerados relevantes para a delimitação do mesmo. No segundo capítulo, abordaremos o papel da leitura no ensino de línguas, relacionando-a aos diferentes enfoques e métodos empregados na aprendizagem de idiomas. Após este breve histórico, discorreremos sobre os modelos teóricos de leitura e acerca das estratégias e das competências necessárias ao leitor durante o processamento do texto.

No terceiro capítulo, trataremos da relevância do estudo dos gêneros discursivos para a formação da competência leitora do aprendiz de língua estrangeira e nos deteremos, em especial, às Histórias em Quadrinhos (HQs), gênero privilegiado nesta pesquisa. Neste sentido, abordaremos a origem e a evolução dos quadrinhos, bem como a sua inclusão no contexto educacional e aplicabilidade no processo de ensino/aprendizagem da leitura. Detalharemos, também, as especificidades que particularizam o referido gênero.

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Em seguida, no quinto capítulo, apresentaremos a metodologia e descreveremos o livro didático que compõe o corpus2 desta pesquisa, considerando as definições apresentadas pelo Manual do Professor e pelo Guia PNLD-2012. Inicialmente, abordaremos a estruturação da obra, no que tange às especificidades e objetivos de cada uma das seções didáticas que figuram no livro. Em um segundo momento, descreveremos as concepções teóricometodológicas da obra, de acordo com as definições do livro do professor e do Guia PNLD -2012.

No sexto capítulo, nos ocuparemos, especificamente, do gênero HQs. Neste sentido, faremos uma análise quantitativa das ocorrências do referido gênero em cada uma das lições que constituem os três volumes da coleção investigada neste trabalho. Paralelamente, faremos uma análise qualitativa das questões de compreensão leitora propostas a partir do gênero quadrinhístico, a fim de verificarmos o tipo de tratamento conferido às HQs no livro didático de espanhol como língua estrangeira.

Finalmente, no sétimo capítulo, apresentaremos as principais conclusões deste trabalho, detendo-nos na relevância do gênero HQs para a formação da competência leitora do aprendiz de espanhol L2 e, ressaltando, sobretudo, a necessidade de os livros didáticos explorarem de forma mais satisfatória e consciente as potencialidades do referido gênero nas atividades de compreensão textual, a fim de propiciar ao aluno um processo de ensino/aprendizagem no qual a prática da leitura não seja um fim em si mesma.

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2 O papel da leitura no ensino da língua estrangeira (L2)

Ao longo da história, estudos na área da linguagem suscitaram diferentes concepções acerca do processo de aprendizagem de L2, o que culminaria no surgimento de diferentes propostas metodológicas direcionadas ao ensino de línguas.

As transformações pelas quais passaram os métodos de ensino de idiomas estão relacionadas às discussões teóricas sobre a natureza da língua e sua aprendizagem, bem como ao tipo de competência linguística considerada relevante ao aprendiz; o que explica, em um dado momento, uma ênfase maior na oralidade em detrimento da compreensão escrita, por exemplo (RICHARDS e RODGERS, 1998).

No que se refere, particularmente, ao desenvolvimento da habilidade de leitura, pode-se considerar que os distintos enfoques relacionados ao ensino/aprendizagem da língua estrangeira determinaram, consequentemente, diferentes funções para a prática da leitura.

Na próxima seção, fazemos uma breve revisão histórica sobre os principais enfoques e métodos3 aplicados ao ensino de línguas, visando a compreender, neste processo, o papel destinado à leitura.

2.1 Os diferentes enfoques e métodos aplicados na aprendizagem de idiomas

Estudos apontam que é milenar o primeiro registro de ensino de língua estrangeira; data do ano 3000 a. C., período em que os acadianos conquistaram os povos sumérios e adotaram o seu sistema de escrita. Posteriormente, fato similar ocorreu com os romanos que se dedicaram ao estudo do idioma grego (GERMAIN, 1993). À época, a língua estrangeira representava, sobretudo, acesso ao conhecimento o que denotava status e prestígio sócio-econômico. O saber residia no domínio da cultura erudita que, em oposição à cultura popular, difundia-se através da escrita e, consequentemente, da leitura.

Durante a Idade Média, o latim era a língua dominante na Igreja, na educação, no comércio e nas publicações filosóficas, sendo considerada culta e de prestígio na Europa. A partir do século XVI, em virtude de mudanças políticas no ocidente, entretanto, o latim foi

3 Muitas vezes, são confundidos os sentidos de enfoque e método, pois há casos em que estes termos são

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sendo substituído pelas línguas nacionais, como o francês, o italiano e o espanhol. Paulatinamente, o latim clássico se torna uma disciplina escolar cujo estudo se baseava na análise de sua gramática, na tradução de textos e na memorização de vocabulário (Richards e Rodgers, 1998). Esse tipo de estudo se converteu, nos séculos posteriores, em modelo de ensino / aprendizagem de línguas estrangeiras, sendo denominado como Método Gramática Tradução, também conhecido como Método Tradicional ou Clássico.

A base deste método centrava-se no emprego da tradução da L2 para o idioma nativo e vice-versa, enfatizando-se o ensino da gramática. A língua era considerada um conjunto de regras que deveriam ser aprendidas e memorizadas. Não se priorizavam aspectos orais, como a pronúncia e a fluência. O foco deste método residia na escrita e, sobretudo, na leitura, concebida como um recurso direcionado à memorização de vocabulário, pois ao aluno cabia a função de ler e armazenar o conteúdo de listas bilíngues. A ênfase na habilidade de leitura se justifica pelo fato de que, até a metade do século XIX, ler a literatura estrangeira era um dos principais objetivos de se aprender um idioma, em detrimento da comunicação oral.

O Método Gramática Tradução predominou no ensino de línguas estrangeiras de 1840 até 1940. Na segunda metade do século XIX, aspectos de ordem política, econômica e social contribuiram para modificar a concepção existente sobre o ensino de línguas e, consequentemente, o método gramática tradução foi questionado (RICHARDS e RODGERS, 1998).

O continente europeu passou por transformações (emigração europeia e industrialização) que exigiram a comunicação oral em língua estrangeira. Surgiu, portanto, a necessidade de um novo método que reformasse o ensino de línguas modernas e, para tanto, estudiosos, linguistas e professores de idomas se dedicaram a desenvolver novos enfoques que se centrassem na oralidade. Como exemplo, temos os franceses C. Marcel (1793-1896) e F. Gouin (1831-1896) e o inglês T. Prendergast (1806-1886) cujos estudos propuseram que as estratégias utilizadas no ensino de línguas deveriam aproximar-se ao modo como as crianças desenvolviam a língua materna, basendo-se na premissa de que o indivíduo aprende um idioma do mesmo modo como aprende a língua materna.

Nesta fase, a prática da leitura é defendida, especialmente, por C. Marcel (RICHARDS e RODGERS, 1998) como uma habilidade que deveria ser ensinada antes das outras destrezas linguísticas. Entretanto, a maior parte dos educadores e estudiosos da área de línguas propunham o desenvolvimento da competência oral frente à compreensão escrita.

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aceitação de seus métodos. A partir de 1880, as discussões acerca do processo de ensino/aprendizagem de línguas se intensificam; a linguística e a fonética se direcionam ao estudo dos processos de fala. Neste contexto, a palavra escrita fica em segundo plano e a fala é considerada a representação primária da língua (RICHARDS e RODGERS, 1998).

Dentre os linguistas que se destacaram nas polêmicas discussões acerca de um ensino eficiente de língua estrangeira, pode-se mencionar Henry Swet (1899) cujos estudos se voltaram à elaboração de princípios metodológicos necessários ao desenvolvimento de um método para o ensino de línguas.

A partir dos fundamentos teóricos de Swet (1899), surge o Método Direto. Segundo Stern (1983), há na literatura o emprego de outros nomes para se referir a este método, como os termos natural, psicológico e fonético. De acordo com este método, a aprendizagem de uma língua estrangeira deveria se dar unicamente pela utilização da mesma e se aproximar à aprendizagem da língua materna. Em outras palavras, o método direto privilegiava a comunicação na língua alvo e sem a intervenção da tradução, fazendo com que o aluno pensasse na língua que estava sendo estudada.

Este método obteve grande aceitação nos Estados Unidos, Alemanha, Bélgica e França. No Brasil, foi introduzido no Colégio Federal Pedro II em 1932, entretanto, por focar a habilidade oral, os professores tiveram dificuldade em empregá-lo e em seu lugar, utilizaram o método gramática tradução.

Apesar da popularidade, o método direto recebeu inúmeras críticas quanto à sua utilização no âmbito escolar, principalmente, nos Estados Unidos. Estudiosos como Swet reconheceram que este método carecia de uma forte base metodológica e o foco na oralidade foi considerado pouco produtivo, uma vez que os professores não dispunham de carga horária suficiente para esta prática e tinham competência limitada na língua alvo.

Diante deste contexto, a leitura em língua estrangeira passa a assumir papel de destaque nas escolas americanas. Segundo Coleman (1929, apud RICHARD e RODGERS, 1998, p.19), obtinha-se conhecimento em um idioma por meio de atividades que privilegiassem a leitura, uma vez que, lendo, o aprendiz entrava em contato com o vocabulário e as estruturas gramaticiais da língua alvo. A partir dessa concepção, uma grande parte dos programas destinados ao ensino de línguas - nos Estados Unidos - voltou as atenções para a leitura cuja prática se configurou como o objetivo maior da aprendizagem de línguas estrangeiras até a Segunda Guerra Mundial.

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os quais estavam em conflito e desta necessidade surgiu um programa para aprendizagem de línguas direcionado ao exército, que contou com a participação de professores universitários, psicólogos e linguistas, dentre os quais se destacou o linguista Bloomfield (RICHARDS e RODGERS, 1998). Denominado Método do Exército, a aprendizagem dos soldados se baseava na repetição exaustiva de estruturas básicas da língua alvo atentando, sobretudo, à pronúncia. Este método teve a duração de dois anos, tempo suficiente para influenciar o processo de ensino / aprendizagem de línguas nas décadas de 50 e 60, período em que surgiu o Método Audiolingual, cuja metodologia estava em consonância com a do método do exército.

O método audiolingual também teve suas bases em estudos derivados da psicologia condutivista trabalhada por Skinner (1904-1990) e da linguística estrutural defendida por Saussure (1857-1913). A primeira defendia a concepção behaviorista, segundo a qual o ser humano é um organismo dotado de possíveis condutas e, para a aprendizagem efetiva, a conduta necessária residia na repetição como formação de hábito. No que concerne à linguística estrutural, a língua é sinônimo de fala. Logo, o elemento principal da comunicação é a oralidade configurando-se, à época, como o objetivo central do ensino de línguas.

De acordo com este método, a aprendizagem começava necessariamente pelo sistema fonológico; os alunos deveriam escutar e repetir diálogos na língua alvo por meio de exercícios mecânicos de memorização. A repetição de estruturas linguísticas proporcionava a formação do hábito na língua estrangeira, ou seja, a aprendizagem.

O método audiolingual se baseava na premissa de que língua é fala e não escrita. De acordo com essa concepção, a aprendizagem de uma língua estrangeira privilegiava a oralidade, ao passo que a compreensão escrita ocupava um papel secundário neste processo. As atividades que envolvessem a leitura dependiam, pois, das destrezas orais prévias do aprendiz (HOCKETT, 1959, apud RICHARDS e RODGERS, 1998, p.51).

A partir de meados da década de 60, à semelhança do que ocorreu com os métodos anteriores, o método audiolingual começa a receber críticas e a entrar em declínio, em virtude de muitos aprendizes serem incapazes de se comunicar em língua estrangeira fora do contexto de sala de aula e, principalmente, pelo surgimento de novas teorias acerca do conceito de língua e aprendizagem.

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criativo e, não somente, uma simples repetição de hábitos e estruturas. Tais conceitos serviram para que professores, psicólogos e pedagogos revisassem os princípios norteadores da aprendizagem de línguas estrangeiras à época.

Posteriormente, novos estudos no âmbito do ensino de idiomas colaboraram para o surgimento, no início dos anos 70, de métodos que pertenciam a correntes da psicologia humanista, como a Sugestologia, o Método Silencioso e a Resposta Física Total. Estes métodos tinham em comum o objetivo de desenvolver a comunicação em língua estrangeira por meio da oralidade, reservando à leitura um papel secundário, pois, geralmente, era empregada como uma ferramenta para a sistematização de conteúdos gramaticais e / ou voltada à tradução, pela qual se valorizava o léxico em detrimento do contexto.

A década de 70 foi marcada pelo surgimento de novas teorias acerca da concepção de língua e da aprendizagem de idiomas; estudos que favoreceram a elaboração do Enfoque Comunicativo (Grã Bretanha) e, posteriormente, do Enfoque Natural (Estados Unidos) nos anos 80.

De acordo com o enfoque comunicativo, língua é sinônimo de comunicação e o objetivo central da aprendizagem de uma língua estrangeira é fazer com que o aluno seja capaz de se comunicar em contextos reais de comunicação e utilize o sistema linguístico de maneira efetiva e apropriada (RICHARDS e RODGERS, 1998). Comparado a outros métodos, este enfoque tem um caráter inovador, pois considera que a língua não é um conjunto de frases, mas sim um instrumento de comunicação utilizado em determinado contexto social.

A comunicação, por sua vez, exige a interação social e que o indivíduo seja capaz de construir significados. Nesse processo, não se empregam conhecimentos unicamente de natureza linguística, mas também, recorre-se a conhecimentos de cunho cultural, histórico e político, por exemplo.

Diferentemente das tradições anteriores no ensino de idiomas, o enfoque comunicativo trabalhava as quatro habilidades (oralidade, leitura, compreensão auditiva e expressão escrita) de forma mais equilibrada. No que se refere, particularmente, à leitura, pode-se compreender que assumiu um outro papel: deixou de ser uma prática direcionada à memorização de vocabulário ou pretexto para atividades orais e se tornou uma atividade voltada para a interpretação dos significados em relação ao texto, uma vez que o enfoque comunicativo priorizava a semântica da língua.

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Tracy Terrel e pelo linguista Stephen Krashen (RICHARDS e RODGERS, 1998). De acordo com esse enfoque, a comunicação era a função mais importante da língua, o que lhe permitia ser um exemplo de enfoque comunicativo. Opunha-se a todos os métodos anteriores que focavam a gramática; centrava-se nas necessidades e interesses dos alunos e se enfatizava a exposição à língua para a posterior prática da mesma. Neste contexto, primeiramente, os alunos desenvolviam a compreensão auditiva para, posteriormente, produzir um enunciado na língua alvo.

As atividades propostas a partir do enfoque natural incluíam textos, desenhos, jogos e, até mesmo, gestos com o objetivo de estimular a comunicação entre os aprendizes. No que concerne à leitura, em particular, ocupava papel relevante no processo de ensino / aprendizagem da língua estrangeira, pois era considerada uma prática fundamental à compreensão na língua alvo.

Diante do exposto, cumpre mencionar que, em relação a épocas anteriores, os anos 70 e 80 deram novos rumos ao ensino da língua estrangeira; o aluno se tornou o foco da aprendizagem que passou a priorizar os seus interesses e aspirações particulares; a escolha e o uso do material didático deveriam ser compatíveis com as necessidades do aprendiz . Neste contexto, estudos foram dedicados à leitura e se delinearam modelos teóricos de forma mais explícita do que em outras décadas.

Pesquisas no âmbito da psicologia investigavam o que ocorria na mente do indivíduo no momento de ler e compreender um texto. A partir desses estudos, foi possível descrever modelos de processos de leitura com base nos conceitos de Gough, Goodman e Rumelhart.

P. Gough (1972) descreveu o modelo bottom-up (processo de leitura ascendente); já Kennet Goodman (1987) delineou o modelo top down (processo de leitura descendente) e Rumelhart (1977) propôs o modelo interativo que descreve a leitura como um processo ascendente e descendente. Esse conceitos lançaram novas perspectivas para o ensino da habilidade de leitura em língua estrangeira, concebida, então, como importante e complexo meio de comunicação (NUNES, 1997).

Considerando os distintos papéis assumidos pela leitura ao longo da história do ensino de línguas, descrevemos a seguir como se processam as fomas de compreensão textual, a partir dos modelos de leitura supracitados.

2.2 Modelos de Leitura: Bottom-up, Top Down e Interativo

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língua estrangeira, apontam para esses três modelos que influenciaram diferentes métodos direcionados ao ensino da leitura e que, ainda hoje, permeiam a prática docente e a concepção pedagógica adotada em muitos livros didáticos. Tais modelos se caracterizam segundo o tipo de relação que se postule entre leitor – texto – autor nas distintas formas de processamento da informação.

2.2.1 O modelo Bottom-up

Quando lemos, o fluxo da informação pode tomar diferentes rumos e, consequentemente, originar diferentes modelos de leitura. No que se refere, particularmente, ao modelo bottom-up (ou ascendente), a informação se processa do texto para o leitor e se pode compreender a leitura como uma habilidade passiva, pela qual o leitor desempenha o papel de decifrar as palavras para captar a informação presente no material lido.

De acordo com este modelo, a leitura se configura como um processo detalhado de percepção sequencial empregado na identificação de letras, palavras e frases. Em outras palavras, o leitor decodifica unidades linguísticas, pois o significado procede da letra impressa; do texto, ou seja, “a compreensão sobe do texto ao leitor na medida exata que ele vai avançando no texto. As letras vão formando palavras, as palavras frases e as frases parágrafos.”(LEFFA, 1996, p. 13).

Neste processo, a leitura se resume a uma série de automatismos de identificação e pareamento das palavras do texto com palavras idênticas presentes, por exemplo, no enunciado de uma pergunta a respeito do texto. É, pois, uma atividade de mapeamento entre a informação gráfica da pergunta e sua forma repetida no texto (KLEIMAN, 2008).

O modelo bottom-up postula que todo o conteúdo está no texto, desconsiderando, pois, a participação do leitor. Percebemos, diante do exposto, que neste modelo teórico a leitura é uma prática atrelada à decodificação de palavras e a informação é processada de forma ascendente (bottom-up) visto que o sentido é inerente ao texto.

2.2.2 O Modelo Top Down

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foco no leitor cuja função é a de atribuir significado ao texto.

O modelo Top down prioriza, sobretudo, os conhecimentos prévios e as expectativas do leitor frente ao texto. Segundo Junger (2002), para que o texto tenha sentido, o leitor se vale de fatores afetivos, bem como de conhecimentos linguísticos, textuais e enciclopédicos que combinados entre si propiciam ao leitor realizar previsões, as quais lhe permitem antecipar o que será lido.

Contudo, é possível, também, que este leitor realize um série de adivinhações, sem procurar confirmá-las com dados do texto, uma vez que valoriza em excesso o próprio conhecimento prévio em detrimento das informações lidas (KATO, 2007).

Com base nessa concepção, considerou-se a leitura como uma habilidade ativa, pela qual o leitor assume o papel de controlar o processo de compreensão textual, referente ao que se vê (ou não) no material lido, uma vez que as experiências e os conhecimentos do indivíduo são mais relevantes do que as informações que aparecem no texto.

2.2.3 O Modelo Interacional

O leitor [...] acionaria seus conhecimentos prévios e os

confrontaria com os dados do texto, “construindo”,

assim, o sentido. (CORACINI 1995, p.14)

Uma terceira possibilidade de abordagem do processo de leitura busca reunir características apontadas pelos dois modelos anteriores. Podemos dizer que esse terceiro modelo, o interacional, apresenta a leitura como uma prática que envolve processos perceptivos (as informações do texto) e cognitivos (conhecimentos prévios do leitor) nos quais o fluxo da informação se dá nas direções ascendente e descendente simultaneamente (KLEIMAN, 2002).

Sob a ótica interacional, a leitura é uma habilidade ativa, pois a informação flui do texto para o leitor e vice-versa, processo que exige do indivíduo a capacidade de utilizar múltiplas informações que podem ser de cunho visual, ortográfico, lexical, sintático e semântico para, então, atribuir significado ao texto.

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Com base nesta concepção, pode-se compreender que o modelo interacional de leitura se configura como um ato comunicativo, pois não leva em conta somente o caráter ascendente ou descendente do fluxo da informação, mas também, permite que leitor e escritor interajam por meio do texto que, neste processo de interação, funciona como mediador entre ambos. Além do papel desempenhado pelo texto, cumpre mencionar, também, as funções que autor e leitor exercem durante a leitura. Neste sentido, o escritor - detentor da palavra - deve ser informativo, claro e relevante, ao passo que o leitor deve realizar inferências e empregar seus conhecimentos prévios para reconstruir o texto (KLEIMAN, 2002).

Logo, no modelo interacional de leitura, os significados não são inerentes ao texto, mas construídos pelo leitor à medida em que este dialoga com texto, responde, antecipa respostas e busca suporte para as suas conclusões (KOCK e ELIAS, 2008).

A importância desse tipo de leitura para o desenvolvimento da competência leitora pelo aprendiz tem o seu reconhecimento, por exemplo, em documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) e Organizações Curriculares Nacionais (OCEM, 2006, págs. 25 e 111) que apontam para a leitura, em língua materna como em língua estrangeira, como uma atividade voltada para a construção de sentidos, na qual “não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência” (PCN, 1998; p.69-70).

No que se refere, particularmente, ao processo de leitura em língua estrangeira, López (1991) defende que não é necessário ter-se uma excelente competência linguística, vasto conhecimento de gramática ou vocabulário para ler em outro idioma, mas, sim desenvolver uma competência leitora, pela qual o aprendiz seja um leitor capaz de realizar um trabalho ativo de interpretação e compreensão de diferentes gêneros discursivos e, consequentemente, das diferentes funções da leitura.

O entendimento da função social da leitura permeia o desenvolvimento do aluno-leitor. Cada texto é produzido com um determinado propósito e, de modo análogo, lemos porque temos um propósito para a leitura. Em qualquer língua, os bons leitores adaptam sua forma de ler em função do texto e das próprias necessidades. Por sua vez, bons autores se valem de estratégias para se comunicar com seu público-alvo, sinalizando os rumos da leitura. Continuamente, os leitores proficientes recorrem a estratégias para entender esta sinalização ou preencher brechas, negociando significados. (KLEIMAN, 2002).

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diferentes saberes para compreender o texto, aspecto que contribui para que o aprendiz desenvolva a competência leitora. Durante o processamento textual, como já dito, o leitor emprega estratégias e recorre a determinadas competências (MAINGUENEAU, 2004) para construir o sentido do texto. A articulação dessas estratégias e competências constitui a competência leitora.

A seguir, descrevermos os diferentes tipos de estratégias e competências que fazem parte da leitura vista como um processo interativo.

2.3 Estratégias de leitura

Com base em uma concepção interacional de leitura, podemos considerar que o ato de ler é uma atividade muito complexa de construção de sentidos. Neste processo, segundo Kleiman (2011), o leitor recorre aos diferentes saberes que traz consigo (conhecimento prévio) e, também, recorre a esquemas mentais socialmente adquiridos (também definidos como scripts ou roteiros, segundo Maingueneau, 2004) que podem ser compreendidos como as informações acerca de situações e eventos próprios de nossa cultura que se encontram organizadas na memória do indivíduo.

A ativação dos esquemas e do conhecimento prévio engajam o leitor em um processo de confrontamento com informações apresentadas no material lido, atividade que propicia a construção do sentido do texto. (CORACINI, 2002).

Todo esse processo requer a utilização de estratégias de leitura, que se configuram como operações mentais das quais se vale o leitor para depreender o significado do material lido. Segundo Kleiman (2008), o tipo de texto e os propósitos específicos do leitor determinam as estratégias que serão empregadas para alcançar a compreensão textual.

No que se refere, particularmente, à leitura em língua estrangeira, Goodman (1987) destaca cinco importantes estratégias, a saber: a predição, a seleção, a inferência, a confirmação e a correção.

A predição reside na capacidade que tem o leitor de antecipar-se ao texto, prever informações e elaborar hipóteses; a seleção se caracteriza como a habilidade de se destacar apenas o que é relevante à compreensão e ao propósito da leitura; a inferência é uma estratégia utilizada para completar uma determinada informação por meio da interação com saberes linguísticos e / ou enciclopédicos (dar sentido a uma palavra, por exemplo).

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previamente elaboradas. A correção, por sua vez, ocorre quando as predições não são confirmadas e, necessariamente, o leitor precisa retroceder no texto e criar outras hipóteses, buscando pistas para construir sentido no que lê.

As estratégias do leitor se configuram, de acordo com Kleiman (2002), como operações regulares para acercar-se do texto. Por meio da compreensão que o leitor demonstra ter a respeito do texto, é possível, segundo a autora, inferir-se a estratégia utilizada durante a leitura, a partir do tipo de respostas que este leitor elabora para responder a perguntas sobre o texto.

O que estimula o emprego de uma ou outra estratégia são as necessidades e desejos do indivíduo frente ao texto e saber articulá-las facilita a compreensão textual. No que se refere ao ensino /aprendizagem de línguas, é possível que o aprendiz empregue no novo idioma as estratégias utilizadas na língua materna, entretanto, é cabível que não as possua ou que tenha dificuldade para empregá-las diante de textos em língua estrangeira, em virtude das diferenças culturais e da falta de domínio dos elementos linguísticos próprios da língua alvo (JUNGER, 2002).

Logo, torna-se pertinente ressaltar que as estratégias de leitura devem ser trabalhadas em sala de aula para que os alunos possam se tornar leitores competentes e críticos; capazes de refletir a respeito das complexidades da vida social.

No próximo item, tecemos alguns comentários acerca de outro elemento a ser considerado quando falamos em leitura: o conceito de competência.

2.4 Diferentes tipos de competências:

Ao tratarmos das estratégias de leitura empregadas pelo leitor na construção do sentido do texto, torna-se relevante mencionar o conceito de competência, uma vez que ler e compreender um determinado conteúdo fazem parte da competência leitora do indivíduo. Com base nas definições de Maingueneau (2004), detalharemos de forma breve as competências que garantem a comunicação via leitura.

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Nas múltiplas práticas cotidianas, ter competência genérica significa identificar um gênero discursivo, o que nos permite determinar - geralmente - o conteúdo, os destinatários e a função social do enunciado com o qual estamos lidando. Essa competência também se aplica aos enunciados em língua estrangeira, a saber:

Geralmente acabamos conseguindo lidar com enunciados em determinadas línguas estrangeiras, ainda que não compreendamos o sentido da maior parte de suas palavras e frases, se pudermos dispor de um número mínimo de informações acerca do gênero de discurso em que se incluem tais enunciados. (MAINGUENEAU, 2004; p.45)

A compreensão de enunciados em língua estrangeira está, portanto, atrelada à competência genérica do indivíduo, ou seja, ao conhecimento que possui acerca das características dos diferentes gêneros discursivos. Neste sentido, cabe à escola expor o aluno a uma gama diversificada de textos para que ele seja capaz de compreender os distintos modos de organização textual e as especificidades que os individualizam (MARCUSCHI, 2002). Paralelamente, espera-se que este aluno produza sentidos a partir do que lê e seja suficientemente autônomo na produção de seus próprios textos.

Sendo a atividade verbal um processo complexo de interpretações e construções de sentido, a competência comunicativa recorre a outros dois tipos de competências: a linguística e a enciclopédica. A primeira diz respeito à língua em si, ao reconhecimento de marcas linguísticas como os tempos verbais e os pronomes dêiticos, por exemplo, e, a segunda está relacionada à noção de mundo, às experiências individuais, aos mais variados conhecimentos que ficam armazenados na memória do leitor e, que com o tempo, são aglutinados e transformados em novos conhecimentos mediante outras experiências vivenciadas.

Na concepção de Maingueneau (2004), não há uma competência que seja mais importante do que outra, visto que a prática verbal exige a interação de diferentes conhecimentos, a saber:

Essas são as três instâncias que intervêm na atividade verbal, em sua dupla dimensão de produção e de interpretação dos enunciados: o domínio da língua, conhecimento do mundo, aptidão para se inscrever no mundo por intermédio da língua. Essas instâncias devem ser mobilizadas para se participar da atividade verbal.Tais instâncias mantêm relações entre si. (MAINGUENEAU, 2004; p.42).

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exige do indivíduo muito mais do que simplesmente a sua competência linguística; conhecer o vocabulário e as regras gramaticais de uma língua não é suficiente para se construir o significado de um texto. Ler exige que o indivíduo ative não só os saberes adquiridos por meio de suas experiências (conhecimento enciclopédico), mas também, reconheça os diferentes gêneros discursivos que circulam na sociedade.

A competência leitora se configura como o resultado da interação das competências4 linguística, enciclopédica e genérica. No âmbito do ensino de línguas, é relevante que a formação de leitores proficientes se baseie em uma prática pedagógica que propicie ao aprendiz produzir e expressar suas ideias em L2, de acordo com diferentes necessidades e situações comunicativas. Esse processo implica o trabalho com a diversidade textual e requer do professor a escolha cuidadosa dos textos, pois estes devem considerar os temas de interesse dos alunos e lhes favorecer a reflexão e ampliação da visão de mundo (OCEM, 2006, pág.114).

Diante do exposto, podemos concluir que a leitura se configura como uma atividade de linguagem que envolve a construção de significados dentro de um amplo contexto social e histórico e que exige uma competência leitora que aproveita ou desenvolve estratégias e saberes já assumidos, e se vale do reconhecimento de marcas discursivas e linguísticas próprias da nova língua (LÓPEZ, 1991).

Após abordarmos os diferentes modelos de leitura, bem como as estratégias e competências envolvidas no processo de compreensão textual, tratamos no próximo capítulo do conceito de gênero discursivo, na medida em que a presente pesquisa se ocupa do tipo de tratamento conferido ao gênero HQs em livros didáticos de L2.

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3.A relevância dos Gêneros Discursivos para a formação do aprendiz

Se os gêneros do discurso não existissem e se não tivéssemos o domínio deles e fôssemos obrigados a inventá-los a cada vez no processo da fala, se fôssemos obrigados a construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria impossível (BAKHTIN, 1986, P.285).

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (PCN-EM, 2000) e, mais recentemente, com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, 2006), o processo de ensino / aprendizagem de línguas deve promover o letramento, ou seja, a participação do aluno em diferentes práticas sociais que envolvam a leitura e a escrita, na língua materna e na língua estrangeira. Neste sentido, ambos os documentos dialogam no que se refere à relevância do estudo da diversidade de gêneros para a formação do aprendiz, uma vez que um maior conhecimento acerca dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporciona uma visão ampla de usos da linguagem. (PCN-EM, 2000, pág.08).

Nas diversas práticas comunicativas do cotidiano, o indivíduo utiliza a linguagem com diferentes propósitos, em determinadas condições de produção e recepção. Todo esse processo lhe exige, frequentemente, o emprego de um ou mais gêneros discursivos, que podem ser definidos como ações retóricas tipificadas baseadas em situações recorrentes (MILLER, 1984:159, apud MARCUSCHI, 2002, p. 33), bem como atividades enunciativas relativamente estáveis, segundo Bakhtin (1986).

Os gêneros discursivos se constroem a partir das mais diversas trocas verbais, podendo materializar-se sob a forma de notícia, romance, e-mail, bula de remédio, conversação espontânea, piada e horóscopo, por exemplo. Todas essas produções são resultado da necessidade que o homem possui de se comunicar e estão atreladas às nossas atividades sócio-culturais. Segundo Marcuschi (2002), os gêneros são fenômenos de caráter histórico, fruto do trabalho coletivo, cuja função é ordenar e estabilizar as atividades comunicativas cotidianas sem, contudo, impedir a ação criativa do indivíduo. É o que se verifica quando relacionamos os gêneros discursivos aos avanços tecnólógicos. O surgimento do telefone, por exemplo, propiciou a criação de um gênero como a chamada telefônica, assim como o advento do computador favoreceu a criação dos chats.

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do gênero carta, exemplo que ilustra a dinamicidade dos gêneros frente às diferentes formas de comunicação que se impõe ao indivíduo em decorrência das modernas tecnologias.

Diante do exposto, podemos afirmar que os gêneros nunca estão alheios à comunicação verbal cuja realização só se concretiza por meio de algum gênero discursivo (BAKHTIN, 1997). A escolha de um determinado gênero em detrimento de outro está vinculada à adequação às normas sociais que regulam as práticas comunicativas. Um relatório contábil, por exemplo, composto por termos técnicos, não permite o emprego de saudações informais, como as que encontramos em cartas pessoais.

Neste sentido, pode-se afirmar que a produção e o uso coerentes de um dado gênero em um certo contexto exigem que o indivíduo atente para os seguintes aspectos, a saber: “tratam-se [os gêneros] de entidades escolhidas, tendo em vista as esferas de necessidade temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do locutor, sujeito responsável por enunciados, unidades concretas da comunicação verbal. (KOCK e ELIAS, 2008, p. 107).

Com base na perspectiva bakhtiniana que concebe os gêneros como fruto de práticas sociais e saberes socioculturais, Kock e Elias (2008) salientam que é necessário conhecer as características dos distintos gêneros e as funções que assumem nas esferas de atuação humana para que, assim, o indivíuo possa escolher entre um ou outro gênero.

Compreende-se que a produção e o emprego dos gêneros não é algo aleatório, mas sim uma atividade que, segundo Mangueneau (2004, págs, 66-68), é regida por condições de êxito que visam à comunicação verbal. Tais condições envolvem a partipação dos seguintes elementos:

- uma finalidade reconhecida: diz respeito à natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas, relacionando-se às questões sobre O que fazer? O que dizer?;

- o estatuto de parceiros legítimos: estabelece os papeis assumidos pelo enunciador e co-enunciador (de quem parte e a quem se dirigr a fala) e envolve os saberes que cada um possui acerca da natureza da informação ou do conteúdo veiculado;

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- um suporte material: os gêneros estão atrelados a um determinado tipo de suporte material (rádio, televisão, computador, por exemplo), pois entende-se que tais veículos impõem diferentes práticas comunicativas e, consequentemente, determinadas condições de produção e recepção dos gêneros.

- uma organização textual: os gêneros obedecem a certa organização textual. Neste sentido, dominar um gênero implica conhecer os modos de encadeamento de seus constituintes em diferentes níveis: de frase a frase, de frase a parágrafo, de parágrafo a parágrafo, de parágrafo a texto, de texto a texto.

Diante do exposto, para que um gênero discursivo tenha êxito, é necessário, então, considerar esses elementos, que incluem desde a finalidade até a organização textual do gênero. Paralelamente, a observação, pelo indivíduo, das normas sociais (presentes em cada contexto cultural e social) determinam, consequentemente, o gênero mais adequado a uma determinada situação comunicativa.

Torna-se, portanto, uma necessidade humana compreender e dominar5 os diferentes gêneros, uma vez que funcionam como mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades que exigem a comunicação humana (BRONCKART, 1999, apud MARCUSCHI, 2002, p. 29).

No âmbito educacional, particularmente, os PCN-EM (2000) em consonância com as OCEM (2006) aludem à necessidade de o aluno ter um maior conhecimento sobre o funcionamento dos gêneros discursivos para que seja capaz de compreender e produzir enunciados, quer na língua materna, quer na língua estrangeira.

A proposta de ambos os documenos reside em uma prática pedagógica pela qual o trabalho com o texto tenha como cerne o estudo dos gêneros orais e escritos.

Ao considerarmos que cada texto possui características específicas que se organizam e se distribuem originando os gêneros, podemos afirmar que todo texto pertence a uma categoria discursiva, a um gênero discursivo (MAINGUENEAU, 2004, p.59) cujo processo de ensino / aprendizagem deve considerar as mais variadas práticas comunicativas, desde as consagradas, como também, as novas formas de expressão presentes no cotidiano. Ao conhecer essa variedade, cabe aos professores, na interação com os alunos, desenvolver um trabalho adaptado às suas necessidades, que permita o estudo de novos gêneros e a inclusão daqueles com os quais o grupo tem maior afinidade.

5 A compreensão e o domínio dos gêneros discursivos pelo indivíduo remete ao conceito de Competência

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O professor tem papel fundamental no trabalho com os gêneros discursivos, pois, socialmente, o aluno não pode ser um sujeito passivo que simplesmente decodifica signos linguísticos e / ou recebe informações e não as questiona. Torna-se necessário, então, que o professor se preocupe em formar cidadãos críticos, capazes de atuar em diferentes situações discursivas.

De acordo com as orientações presentes nos PCN-EM (2000) e nas OCEM (2006), na área dos estudos da linguagem, a formação do aluno pode ser desenvolvida por meio de um trabalho pedagógico que o exponha aos mais variados gêneros, pois ao compreendê-los e dominá-los o aprendiz terá condições de interagir nas mais variadas práticas comunicativas.

No que concerne, especificamente, ao processo de ensino/aprendizagem da leitura em língua estrangeira, a falta de domínio sobre os gêneros pode representar um empecilho para o processo leitor. Quando admitimos que os gêneros são fruto de necessidades e atividades socioculturais que variam de acordo com os parâmetros e costumes de cada sociedade (BAKHTIN, 1986), é possível considerar que, ao desconhecer as características e funções de um certo gênero, o aprendiz de L2 tenha dificuldade para compreendê-lo.

A fim de minimizar este tipo de dificuldade, reforça-se, então, a necessidade de propiciar ao aluno o contato com a diversidade textual, o que inclui não só os gêneros tradicionais (contos, romances, resenhas), mas também outros que fazem parte do cotidiano dos aprendizes, como os bate-papos virtuais, as propagandas e as histórias em quadrinhos, por exemplo.

No trabalho em sala de aula, contudo, alguns gêneros que circulam na nossa vida diária nem sempre recebem a devida atenção por parte do professor e /ou do livro didático adotado. É o que se verifica em Marcuschi (2002, p.35) segundo o qual:

Uma análise dos manuais de ensino de língua portuguesa mostra que há uma relativa variedade de gêneros presentes nessas obras. Contudo, uma observação mais atenta e qualificada revela que a essa variedade não corresponde uma realidade analítica. Pois os gêneros que aparecem nas seções centrais e básicas são sempre os mesmos.

De acordo com o autor, certos gêneros têm menos prestígio e se configuram apenas como um elemento para ilustrar a obra didática ou para divertir o leitor, o que colabora para um processo de ensino / aprendizagem que restringe a proposta dos PCN-EM (2000) e das OCEM (2006).

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que os gêneros são passíveis de mudança e evoluem. Neste sentido, no âmbito educacional, torna-se relevante atentar para o surgimento dos gêneros híbridos, ou seja, gêneros que reúnem diferentes elementos, como o som e os signos verbais e visuais. As propagandas e as produções de humor gráfico, por exemplo, caracterizam-se pela linguagem híbrida. No processo de ensino/aprendizagem de tais gêneros, o estudo deste tipo de linguagem colabora para o desenvolvimento da competência leitora, pois ao (re)conhecer as características dessa linguagem, o aluno tem mais oportunidades de construir o sentido do texto.

Contudo, muitos manuais de ensino de línguas desconsideram que os gêneros são heterogêneos e por vezes híbridos. Muitos professores, por sua vez, não estão preparados para realizar um trabalho pedagógico que explore de forma adequada as especificidades de tais gêneros. Dentre os vários gêneros híbridos que circulam no nosso cotidiano, vale ressaltar que os quadrinhos têm ganhado progressivamente mais espaço no ambiente escolar, mas, muitas vezes, são subaproveitados (RAMOS, 2009).

Ao investigarmos o tipo de tratamento que recebem as HQs em livros didáticos de língua espanhola, tona-se relevante abordarmos, na próxima seção, o gênero HQs, no que tange à origem e às especificidades de tais histórias, o que inclui mencionar a linguagem característica e as diferentes formas de produção do referido gênero, bem como a sua aplicabilidade no contexto educacional.

3.1 Dos hieróglifos aos quadrinhos: um passeio pela arte sequencial

De certa forma, pode-se dizer que as histórias em quadrinhos vão ao encontro das necessidades do ser humano, na medida em que utilizam fartamente um elemento de comunicação que esteve presente na história da humanidade desde os primórdios: a imagem gráfica (VERGUEIRO, 2010. p. 8).

Os quadrinhos não são os pioneiros na prática de se contar histórias por meio de imagens. As pinturas rupestres que datam da pré-história constituem um verdadeiro testemunho da evolução de diversos grupos étnicos que pintavam em cavernas e em rochas figuras humanas, animais e plantas para retratar ações do cotidiano, como a caça e os rituais religiosos (figura 1).

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Figura 1 Figura 2

http://www.fumdham.org.br/pinturas.asp http://chefatamorgana.blogspot.com/2010_07_01_archive.ht ml010_07_01_archive.html

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Figura 3 Figura 4

http://www.flickr.com/photos/82763354 @N00/483876163/in/photostream Coluna de Marco Aurélio

http://precinema.wordpress.com/2009/10/28/pre-historia-a-idade-media/

Tapete da Rainha Matilde

Figura 5 Figura 6

http://luradoslivros.wordpress.com/2007/05/09/ Códice Asteca

http://umanonaespanha.blogspot.com/2010/11/o-alcazar-de-segovia.html

Retábulo da catedral de Alcázar – Segóvia - Espanha

Todas essas manifestações artísticas podem ser consideradas como possíveis origens do gênero HQs, uma vez que há a presença de narrativas por meio de desenhos sequenciados em todas as obras. (BARBOSA, 2006).

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retratavam temas populares e os costumes da sociedade francesa. Vale ressaltar que o próprio título da obra remete à importância da presença da ilustração para a narrativa.

A obra do escritor e desenhista alemão Wilhelm Busch, intitulada como Max und Moritz também é apontada como uma das primeiras hitórias em quadrinhos. Neste livro, o autor ilustra detalhadamente cada ação, o que pode ser considerado uma estratégia para atrair o seu público-alvo, o infantil.

Em 1823, em Boston (EUA), um almanaque publicado por Charles Ellms trouxe, pela primeira vez, entre passatempos e anedotas, algumas historietas engraçadas surgindo, então, o termo comics, pois as primeiras tiras eram sempre humorísticas. Em 1846, apareceu em Nova Iorque a primeira revista exclusiva de historietas, intitulada Yankee Doodle. Nesse mesmo período, os europeus liam os Rebus (historietas de conteúdo social) e os japoneses contavam com as histórias da dinastia Meigi ilustradas em quadrinhos.

A primeira HQs brasileira foi publicada no dia 30 de janeiro de 1869, na revista Vida Fluminense do Rio de Janeiro pelo escritor ítalo-brasileiro Ângelo Agostini, com o título de “As aventuras de Nhô Quim” (figura 7).

Figura 7

http://www.patriciojr.com.br/opiniao-quadrinhos-140-anos-de-historias-no-brasil-por-milena-azevedo/

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De grande importância para a História dos quadrinhos, a obra norte-americana The Yellow Kid foi publicada em 1895 em um jornal novaiorquino. Essa história obteve muito sucesso e atraiu um número considerável de leitores rendendo aos jornais que a publicavam o nome de “imprensa amarela”. O autor, Richard F. Outcault, criou um personagem que era o líder de uma turma que perambulava pelas ruas da cidade.

O nome Yellow Kid (Garoto Amarelo) alude à raça do personagem, já que o mesmo era de origem chinesa (figura 8). No que se refere à parte gráfica da obra, Richard F. Outcault colocava os diálogos sobre a roupa dos personagens para indicar o enunciador das falas. Posteriormente, o autor substituiu esse recurso pelo uso dos balões.

Figura 8

http://cartoons.osu.edu/yellowkid/1897/1897.htm

Vale ressaltar que, ao longo dos anos, as narrativas por meio de imagens foram sofrendo modificações em sua elaboração gráfica. As primitivas vinhetas, por exemplo, tinham o mesmo tamanho e apresentavam textos que se incluíam nos desenhos ou ao fim dos quadros. The Yellow Kid, por sua vez, é inovadora por apresentar uma linguagem particularizante, já que se caracteriza pela adoção de um personagem fixo, ação fragmentada em quadros e balõezinhos de texto, podendo considerar-se como a primeira história em quadrinhos moderna (MOYA, 1993).

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do cinema e, consequentemente, alguns personagens de desenhos animados passaram das telas aos magazines. Nesse mesmo período, surgem os primeiros “Comic Books”, também conhecidos como “gibis”. Essas publicações obtiveram grande êxito junto ao público e, rapidamente, tornaram-se necessários estúdios especializados na produção desse tipo de história para atender à demanda do mercado.

Nos anos 50, os quadrinhos norte-americanos podiam ser lidos em muitos outros países em virtude da tradução que recebiam, o que colaborava para difundir a leitura desse gênero. Segundo Vergueiro (2010), durante a Segunda Guerra Mundial, as HQs estavam em ascensão e privilegiavam uma temática violenta, representada pela luta entre personagens americanos, japoneses e nazistas. Após esse período, utilizando imagens bastante realistas, as histórias passaram a enfocar o terror e o suspense o que levou a sociedade norte-americana a considerará-las como uma leitura negativa e perigosa para a juventude, pois acreditava-se que estimulavam a violência e o medo entre os leitores.

Frederic Werthan, psiquiatra alemão residente nos Estados Unidos, deu início a uma campanha de rechaço aos quadrinhos, pois acreditava que a leitura dessas obras não era saudável para os jovens. O psiquiatra publicou a obra Seduction of the Innocent (Sedução dos Inocentes) em 1954, na qual reunia observações sobre crianças que foram submetidas às HQs e, consequentemente, passaram a apresentar anomalias de comportamento. Werthan também alertava para a má influência das HQs sobre a sexualiadade dos adolescentes, afirmando que muitas histórias poderiam levar os leitores ao homossexualismo.

O livro de Werthan causou tanto impacto nos Estados Unidos que a Association of Comics Magazine of America (Associação de Revistas Cômicas da América) reelaborou a política de controle dos conteúdos veiculados pelas HQs a fim de que se mantivessem os valores éticos e morais exigidos pela sociedade americana. Segundo Vergueiro (2010), essa iniciativa causou sérios prejuízos ao mercado editorial das histórias em quadrinhos, a saber:

Gerou o desaparecimento de grande número de editoras, algumas com propostas bastante avançadas em termos de elaboração de conteúdos temáticos e reconhecimento da produção intelectual de roteiristas e desenhistas, tendo como consequência principal a pasteurização do conteúdo das revistas (VERGUEIRO, 2010. p, 13).

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houve a elaboração de um Código de Ética dos Quadrinhos6 a fim de que se establecessem normas para a produção e publicação dessas histórias no país.

O código brasileiro era composto por dezoito itens que priorizavam, sobretudo, princípios de natureza social, política, moral e educativa. A título de exemplificação, o texto do primeiro item ressalta que:

1. As histórias em quadrinhos devem ser instrumento de educação, formação moral, propaganda dos bons sentimentos e de exaltação das virtudes sociais e individuais. (SILVA, 1976, apud VERGUEIRO, 2010, p.16)

Com o intuito de promover uma maior aceitação do gênero pela sociedade brasileira, as normas fixadas neste Código de Ética enfatizavam, também, que as HQs deveriam respeitar as diferenças de raça e credo; contribuir para a valorização da lei e dos bons costumes; exaltar o papel dos pais e dos professores e, principalmente, não influenciar negativamente as crianças e adolescentes. Apesar dessa iniciativa em prol dos quadrinhos, muitos pais e professores ainda consideravam o gênero prejudicial aos jovens leitores brasileiros.

Entre os jovens era comum a leitura das HQs, mas este gênero sofreu grande desprestígio social em virtude do movimento que disseminou a ideia de que as HQs prejudicavam o rendimento escolar, pois afastavam o jovem de leituras relevantes à sua formação intelectual, e de que estimulavam a deliquência juvenil, uma vez que algumas histórias faziam referência a ideologias contrárias a determinadas formas de organização política. Essa concepção acerca da arte quadrinhística foi a responsável por distanciar durante décadas a aplicabilidade das HQs no âmbito educacional (VERGUEIRO, 2010)

Felizmente, tais críticas lançadas às HQs foram sendo atenuadas e nas últimas décadas do século XX, as camadas formadoras de opinião na sociedade passaram a reconhecer os quadrinhos como uma produção de características próprias, voltada não somente ao entretenimento, mas também à fomentação de diversos saberes.

Paulatinamente, as HQs chegaram à cultura de massa, fazendo crescer a popularidade destas histórias, conquistando cada vez mais leitores e a atenção de profissionais da área de educação, que passaram a considerar relevante a leitura deste gênero, o que,

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consequentemente, vem colaborando para a expansão do mercado editorial e para a inserção das histórias em quadrinhos em muitos livros didáticos.

3.2 As Histórias em Quadrinhos no Brasil

A produção brasileira de histórias em quadrinhos data do século XIX e tais obras se caracterizavam, principalmente, pelo conteúdo satírico que veiculavam. Para que melhor se compreenda como se desenvolveu esse tipo de produção no Brasil, torna-se necessária uma breve explanação acerca dos diferentes nomes atribuídos a essa narrativa de humor.

AS HQs recebem diferentes nomenclaturas7, sendo conhecidas como charge, cartum, tira, tira cômica, tira em quadrinhos, tirinha e tira de jornal, por exemplo. Segundo Ramos (2009), esse excesso de nomes é consequência do desconhecimento, por parte do leitor, das características das histórias em quadrinhos e das diferentes formas como se apresentam.

No início do século XIX, começou a surgir no Brasil a produção de charges e cartuns. A diferença entre ambos reside no fato de que a charge é um texto de humor que aborda alguma situação relacionada aos noticiários, enquanto o cartum apresenta um humor que não é atrelado às notícias jornalísticas.

Nas produções desse período, prevaleciam as sátiras de cunho político e social, o que pode ser compreendido como uma manifestação de ideais republicanos e abolicionistas que eram muito presentes à época. Representante dessa fase, Ângelo Agostini se destaca por meio de desenhos de caráter revolucionário. Dono de um traço bastante pessoal e humor agressivo, esse autor é, inclusive, identificado como o introdutor da linguagem gráfica sequencial no país (CARDOSO, 2005).

Verifica-se, assim, a precoce participação do humor gráfico na discussão da realidade política e social brasileiras, que tem uma história de artistas combativos, cujas obras tiveram um grande impacto social (VERGUEIRO, 2007).

Em 1905, surge o Tico Tico, considerada, por muitos, como a primeira revista brasileira de histórias em quadrinhos direcionada ao público infantil. Posteriormente, em 1930, os quadrinhos nacionais sofrem influência americana e se popularizam sob a forma de tiras com temática de aventura. O termo tira está relacionado ao formato do texto, o que para

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Ramos (2009) representa um elemento tão importante nesse tipo de composição que fora incorporado ao nome do gênero. Segundo o autor “trata-se de um texto curto (dada a restrição do formato retangular, que é fixo), construído em um ou mais quadrinhos, com presença de personagens fixos ou não, que cria uma narrativa com desfecho inesperado no final” (RAMOS, 2009, p.24).

As tiras (ou tiras cômicas) se dividem em dois grupos que se compõem pelas tiras seriadas e pelas tiras cômicas seriadas. As primeiras também podem ser chamadas de tiras de aventura e se constituem de uma história narrada em partes. Cada tira traz um capítulo diário interligado a uma trama maior. Já a tira cômica seriada, apesar de ser produzida em capítulos, utiliza o desfecho inesperado que leva ao efeito de humor do texto (RAMOS, 2009). Nos anos 30, destacava-se, sobretudo, a produção brasileira de tiras de aventura.

Até a década de 60, prevaleceram as produções quadrinhísticas voltadas para o público infanto-juvenil. Adoradas pelos adolescentes e desacreditadas pela maioria dos educadores e intelectuais, à semelhança de outros países, as histórias em quadrinhos no Brasil não escaparam da sina de serem consideradas produto cultural de segunda classe que devia ser objeto de desconfiança por parte de pais e educadores (VERGUEIRO, 2007).

Apesar dos preconceitos sofridos, muitos artistas conceituados passaram a produzir histórias em quadrinhos para o entretenimento adulto e a linguagem gráfica sequencial atuou no sentido de contestar e denunciar os problemas sociais. Segundo Silva (2002), o período da ditadura militar brasileira (de 1964 a 1965) foi marcado por inúmeras produções que visavam à crítica política e social.

Nas décadas de 80 e 90, o mercado editorial quadrinhístico iniciou uma busca por novos públicos e maior diversidade temática para os quadrinhos. Atualmente, a publicação de títulos para o público infantil e adolescente é ainda bastante substancial e aumentaram as produções direcionadas para segmentos de público adulto que, com frequência, busca uma leitura de temática mais ousada, que aborde situações cotidianas de caráter sexual e amoroso. Nos últimos tempos, encontram-se também as produções de cunho educacional, como a publicação de quadrinizações de obras literárias. Paralelamente, destacam-se as obras estrangeiras no mercado editorial brasileiro representadas, principalmente, pelas histórias japonesas, conhecidas como mangás.

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3.3 As Histórias em Quadrinhos na educação brasileira

A presença dos quadrinhos no ambiente escolar tem gerado novos desafios aos professores e trazido à tona uma adiada necessidade de se compreender melhor a linguagem, seus recursos e obras. (VERGUEIRO e RAMOS, 2009. p, 7)

Paulatinamente, as Histórias em Quadrinhos foram ganhando mais espaço no âmbito educacional, na medida em que a sociedade passou a compreendê-las não somente como uma forma de lazer, mas também, como fonte de diferentes saberes. Reconhecia-se que a leitura desse gênero já atingia a diversas idades e não mais se configurava como uma prática exclusiva do público infantil. Essa nova concepção acerca das HQs se reflete na presença de tal gênero em livros didáticos elaborados na década de 80, uma vez que, até a segunda metade do século passado, as Histórias em Quadrinhos estiveram distantes das salas de aula por serem consideradas prejudiciais ao desenvolvimento intelectual do aluno.

O fato que colaborou, inicialmente, para a entrada das HQs nas escolas foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional8 (LDB, 1996) cujo texto ressaltava a importância da aprendizagem de linguagens contemporâneas e diversificadas para a formação do educando nos ensinos fundamental e médio (VERGUEIRO e RAMOS, 2009).

Posteriormente, em 1997, com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), as Histórias em Quadrinhos se tornaram um gênero obrigatório a ser trabalhado pedagogicamente com os alunos em diferentes disciplinas. A menção às HQs no texto dos PCN pode ser compreendida como uma nova forma de se conceber essas histórias evidenciando, portanto, sua evolução no contexto educacional.

A ênfase aos quadrinhos se faz presente, por exemplo, nos PCN (1996) de Língua Portuguesa e Artes para o ensino fundamental. O documento salienta a importância de uma prática pedagógica que inclua as história em quadrinhos e as charges, textos considerados necessários à formação da competência leitora pelo educando, uma vez que permitem a leitura dos elementos verbais e não-verbais.

Os PCN (2008) para o ensino médio também ressaltaram para disciplina de Língua Portuguesa a inclusão das HQs, uma vez que esse gênero veicula aspectos da realidade social, propiciando ao aluno a reflexão sobre temas sócio-políticos, econômicos e culturais que, muitas vezes, permeiam o conteúdo das histórias.

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item II do § 1º do art.36 registra, de forma mais explícita, que, entre as diretrizes para o currículo do ensino

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Os quadrinhos ainda fomentam a compreensão acerca de diferentes manifestações artísticas e oferecem ao educando o elemento imagético (PCN, 2008) cuja leitura tem sido cada vez mais requisitada nas diferentes práticas sociais cotidianas, o que se justifica pelo fato de vivermos em uma sociedade permeada pela informação que exige do indivíduo a capacidade de ler o mundo e suas múltiplas linguagens, dentre elas, a linguagem visual (MANGUEL, 2001).

Ao terem sua importância reconhecida como ferramenta pedagógica, as Histórias em Quadrinhos ganharam destaque, também, nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN-LE, 1998). No que tange, particularmente, aos conteúdos dos textos que devem circular entre os aprendizes, o documento ressalta que “a determinação dos conteúdos referentes aos textos orais e escritos se pauta por tipos com os quais os alunos estão mais familiarizados como usuários de sua língua materna: pequenas histórias, quadrinhas, histórias em quadrinhos” (PCN-LE, 1998, p. 74).

Como forma de facilitar o engajamento discursivo do aluno em um novo idioma, o texto dos PCN –LE (1998) aponta para a importância de se submeter o aprendiz de língua estrangeira a gêneros discursivos que fazem parte das leituras cotidianas realizadas em língua materna e, em geral, as HQs incluem-se nos textos lidos pelos estudantes.

Ao reconhecer que os quadrinhos deveriam estar ainda mais presentes na sala de aula, o governo brasileiro incluiu - pela primeira vez - as HQs no Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), em 2006. Este programa, criado em 1977, fundamentava-se, prioritariamente, na compra e distribuição de livros literários para as escolas de nível fundamental e médio, a fim de que o aluno se sentisse estimulado a ler e entrasse em contato com novos conteúdos; criasse o gosto pela leitura e diversificasse os próprios conhecimentos.

Inicialmente, os quadrinhos fizeram parte da distribuição de obras destinadas ao ensino fundamental, mas somente sob a forma de adaptação de clássicos da literatura; exigência imposta pelo PNBE (2006). Posteriormente, em 2009, os quadrinhos foram incluídos no PNBE para o ensino médio e as HQs já não se configuravam como adaptações de obras consagradas da literatura universal.

A partir do PNBE (2006), houve um incremento no mercado editorial brasileiro, consequência das várias produções literárias adaptadas para a linguagem dos quadrinhos e da inclusão de HQs como obras originais neste programa (RAMOS e VERGUEIRO, 2009).

Imagem

Figura 15         Figura 16        Figura 17                   Figura 18

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