UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
JULIETA LORRAINE CORDEIRO DA CUNHA MELLO
A PARTICIPAÇÃO DEMÓTICA FEMININA NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS DA DESIGUALDADE DE GÊNERO
NA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA
FORTALEZA
JULIETA LORRAINE CORDEIRO DA CUNHA MELLO
A PARTICIPAÇÃO DEMÓTICA FEMININA NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS DA DESIGUALDADE DE GÊNERO
NA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA
Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Público.
Orientador: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.
FORTALEZA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca da Faculdade de Direito
M527p Mello, Julieta Lorraine Cordeiro da Cunha.
A participação demótica feminina na elaboração de políticas públicas: uma análise dos impactos da desigualdade de gênero na efetividade do princípio constitucional da isonomia / Julieta Lorraine Cordeiro da Cunha. – 2015.
90 f.: il.; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.
Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.
1. Igualdade perante a lei. 2. Políticas Públicas. 3. Feminismo. I. Título.
JULIETA LORRAINE CORDEIRO DA CUNHA MELLO
A PARTICIPAÇÃO DEMÓTICA FEMININA NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS DA DESIGUALDADE DE GÊNERO
NA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA
Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Público.
Aprovada em: ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Me. William Paiva Marques Júnior (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Profa. Me. Fernanda Cláudia Araújo da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Mestrando Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior
A Deus, por Sua eterna presença em minha
vida.
Ao meu Pai, José Benício Tavares da Cunha
Mello, por relutar em permitir que o
Alzheimer apague a lembrança da minha
pessoa em seu coração.
Aos meus tios, Marly Matos Cordeiro,
Antônio Rubens Cordeiro, Ivan Cordeiro e à
minha prima, Halana, por me darem o
privilégio de usufruir do verdadeiro e sublime
AGRADECIMENTO
O alcance de uma grande conquista sempre se deve, dentre outros fatores, à
contribuição daqueles que se empenharam para converter determinado sonho em realidade.
Graças a Deus, quando ingressei na Universidade Federal do Ceará para cursar Direito, tive a
honra e o privilégio de receber o apoio e o carinho materializados pelo auxílio do Criador e de
familiares, amigos, docentes e discentes que colaboraram para que a concretização do
presente sonho fosse possível. Logicamente, diante de tamanho amor e fidelidade, eu não
poderia deixar de agradecer, primeiramente, a Deus por ser o principal regente da minha vida,
sem o qual os meus propósitos jamais se delimitariam.
Ao meu querido pai, José Benício Tavares da Cunha Mello, aquele que me
acompanha neste mundo desde o meu primeiro fôlego de vida e que, por meio de seus
ensinamentos, me demonstrou os primeiros passos para seguir em busca dos meus objetivos.
A ele expresso minha eterna gratidão, pelos momentos felizes em Brasília (DF), Luziânia
(GO), Fortaleza (CE), Nova Viçosa (BA) e em outros lugares nos quais a nossa família pôde
desfrutar de seu amor e desvelo. Enquanto educador, revelou-me o lado lúdico da vida, sem,
contudo, deixar de me apresentar as responsabilidades que esta nos exige ainda nos primeiros
anos de existência. Sem o seu exemplo de homem independente, forte, dedicado, cosmopolita
e responsável dentro de casa, provavelmente, eu não seria tão obstinada em concretizar os
meus sonhos e em consolidar esses mesmos valores em meu caráter.
À minha tia, Marly Matos Cordeiro, exemplo de mãe, mulher independente, irmã
dedicada e atenciosa, dentre outras qualidades que não seriam possíveis de serem, totalmente,
expressas por meio de simples dedicatórias. Acredito que existem elos estabelecidos por Deus
que nunca hão de ser dissolvidos, pois o vínculo que temos apenas me revela o quanto sou
agraciada por ter a oportunidade de usufruir dos seus ensinamentos, cuidados e da sua
dedicação, a qual, muitas vezes, supera aquela originada por liames maternais. Se não fosse o
seu amor por minha família, eu jamais teria alcançado tantas conquistas – dentre as quais, a
conclusão da presente graduação em Direito – tampouco saberia como lidar com os reveses
proporcionados pela vida. Obrigada por ser esse exemplo de mulher forte, sábia, guerreira,
independente, doce e generosa, no qual aprendi a me espelhar, sobretudo, para encarar os
desafios com coragem, disciplina e sempre de cabeça erguida. Os seus ensinamentos
eles, evoluí enquanto filha, mulher e profissional consideravelmente. Agradeço a Deus por
tudo o que a senhora representa para mim e para nossa família.
Ao meu tio, Antônio Rubens Cordeiro, pelas palavras sábias nos momentos
difíceis, por me dedicar orientações cujo valor é inestimável, as quais foram imprescindíveis
para que eu alcançasse o patamar estável de vida no qual me encontro hoje. Todo ser humano
detém um potencial latente dentro de si, cujo reconhecimento é indispensável para a
exteriorização de sua capacidade, e o senhor me fez enxergar essa realidade na ocasião em
que tentaram obscurecê-lo e sufocá-lo em meu ser, definitivamente. Seus ensinamentos me
relembram sempre os motivos pelos quais eu decidi cursar Direito, pois sempre me remetem à
beleza e à complexidade dessa profissão. Obrigada por me fazer enxergar e apreender os
ensinamentos inerentes a todos os desafios suscitados pela vida e por conferir sentido às
palavras de Guimarães Rosa, segundo as quais “o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
À minha prima, Halana, por ser a irmã que pedi a Deus, sempre presente e
carinhosa em qualquer ocasião. Obrigada por me fazer rir nos momentos de tristeza e por
conferir mais felicidade aos meus dias. Mesmo com a distância que nos foi imposta, sempre
haverá amor fraternal em nossas conversas e nas ocasiões em que nos encontrarmos, pois
aquilo que é verdadeiro a distância não separa, o tempo não enfraquece e o silêncio não
emudece. Por onde formos, levaremos conosco a certeza da nossa união e companheirismo,
independentemente das circunstâncias que procuram nos distanciar. Obrigada pelas palavras
sinceras, por me ensinar a ter paciência e por me fazer perceber que, muitas vezes, detenho,
em mim, as respostas que procuro, pois Deus habita em todo ser vivente.
À Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e a seus professores,
em especial, àqueles que se dedicam em prol da qualidade do ambiente acadêmico, ou seja,
cada servidor e funcionário que procura desempenhar a sua função da melhor maneira
possível, a fim de aprimorar os compromissos universitários, de modo a lhes conferir
salutares repercussões frente à sociedade civil.
Ao estimado professor William Paiva Marques Júnior, que se dedica em prol da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará com admirável integridade e esmero.
Agradeço pela orientação e disponibilidade que foram imprescindíveis para a elaboração do
presente trabalho, bem como pelos momentos de compreensão e auxílio durante os reveses
acadêmicos com os quais lidei no ano de 2013 e em outros momentos. Agradeço, também,
especial, pelos momentos de compreensão e auxílio a mim dedicados durante o segundo
semestre de 2014, e ao mestrando e amigo Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior.
Ao estimado professor Paulo Antônio de Menezes Albuquerque, que me concedeu a oportunidade de participar do evento “Fontes para a História do Regime Militar: Conceitos e Métodos de Pesquisa em Arquivo”, organizado pela Comissão Nacional da Verdade e pela Casa Civil da Presidência da República e realizado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
(RJ), em dezembro de 2011. Agradeço pela iniciativa do professor em me convidar para o
eminente evento, o qual ampliou meus horizontes acadêmicos e fomentou a minha admiração
pela pesquisa e extensão universitárias.
Agradeço à Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPGE-CE), na qual
presenciei experiências que me engrandeceram enquanto profissional e ser humano,
sobretudo, por me apresentar a face mais bela do Direito, a qual se revela por meio da
assessoria jurídica conferida aos necessitados. Em especial, agradeço à defensora pública,
Dra. Germana Bêcco Cavalcante, pela paciência e por todos os ensinamentos que me foram
concedidos durante esse período.
Dedico meus agradecimentos, também, ao Banco do Nordeste do Brasil S/A e à
equipe do Contencioso Jurídico, em especial: ao Dr. Thomaz, Dra. Clarissa, Dr. Germano; e
aos colegas: Rodrigo Cavalcante, Lucas Andrade, Lanna Pryscila, Iago Dias, Pedro Erick e
Dandara, pelos momentos de ensinamento, diversão e alegrias presenciados durante as
“Creio que os povos democráticos têm um gosto natural pela liberdade; entregues a si
mesmos, eles a procuram, amam-na e
condoem-se quando os afastam dela. Mas têm
pela igualdade uma paixão ardente, insaciável,
eterna, invencível; querem a igualdade na
liberdade e, se não a podem obter, querem-na,
também, na escravidão. Suportarão a pobreza,
a submissão, a barbárie, mas não suportarão a
aristocracia”.
RESUMO
Historicamente, a mulher foi vítima do machismo e de uma condição discriminatória e
submissa que a relegou à marginalização – principalmente, durante o período Iluminista e ao
longo da Revolução Francesa. A partir do século XVII, a busca pela inserção das mulheres em
espaços sociais tornou-se notória, sobretudo, a partir do momento em que diversos
movimentos feministas se insurgiram contra a estrutura patriarcal dominante. Atualmente, o
tratamento isonômico conferido a homens e mulheres não deixa de ser uma virtualidade que
ressalta a dolorosa face da condição feminina, em pleno século XXI. Diante dessa realidade, o
presente trabalho analisará as razões que obstaculizam o empoderamento feminino e o acesso
das mulheres às instâncias formais de poder, à luz do princípio constitucional da isonomia e
da implementação de ações afirmativas que culminaram na vigência da Lei nº 9.504 de 1997 e
da Lei nº 12.034 de 2009. Desta feita, serão expostos os fundamentos teóricos que embasam o
princípio da transversalidade de gênero e a importância de sua implementação nas políticas
públicas, no âmbito brasileiro e internacional. Além disso, serão analisados os fundamentos
jurídicos que ensejaram a criação de ações afirmativas e que acarretaram na prevalência da
isonomia material frente à isonomia jurídico-formal. Abordar-se-ão, ainda, os problemas
estruturais do sistema eleitoral brasileiro, no sentido de demonstrar a insuficiência do sistema
de cotas no que tange a viabilizar a participação feminina na política, bem como as razões que
fomentam a sub-representação das mulheres nas instâncias formais de poder. Por fim, serão
propostos mecanismos que possam garantir para a implementação das políticas de gênero no
governo brasileiro, com vistas a garantir a efetiva paridade entre homens e mulheres na
política.
ABSTRACT
Historically, the woman was the victim of sexism and discriminatory and submissive
condition that relegated to marginalization - especially during the Enlightenment period and
during the French Revolution. From the seventeenth century, the search for the participation
of women in social spaces became evident, above all, from the moment that several feminist
movements rebelled against the dominant patriarchal structure. Currently, the equal treatment
given to men and women does not cease to be a virtuality which highlights the painful face of
the female condition in the XXI century. Given this reality, the present work will examine the
reasons that hinder women's empowerment and women's access to formal positions of power
in the light of the constitutional principle of equality and the implementation of affirmative
action that culminated in the enactment of Law No. 9504 of 1997 and of Law No. 12,034,
2009. This time, the theoretical foundations will be exposed underlying the principle of
gender mainstreaming and the importance of their implementation in public policies in Brazil
and internationally. In addition, the legal grounds that gave rise to the creation of affirmative
action and that resulted in the prevalence of equality materials across the legal and formal
equality will be analyzed. Will be addressed also the structural problems of the Brazilian
electoral system, in order to demonstrate the inadequacy of the quota system as it pertains to
facilitate women's participation in politics, and the reasons that fuel the underrepresentation of
women in formal instances of power. Finally, mechanisms will be proposed that will secure
for the implementation of gender policies in the Brazilian government, in order to guarantee
effective equality between men and women in politics.
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
Gráfico 1 - Distribuição das pessoas de 14 anos ou mais de idade, por sexo, segundo as
Grandes Regiões - 4º trimestre de 2014... 30
Gráfico 2 -
Gráfico 3 -
Gráfico 4 -
Gráfico 5 -
Gráfico 6 -
Tabela 1 –
Tabela 2 –
Tabela 3 –
Tabela 4 –
Tabela 5 –
Tabela 6 –
Tabela 7 –
Tabela 8 –
Tabela 9
Distribuição das pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana
de referência, por sexo, segundo as Grandes Regiões - 4º trimestre de 2014.
Nível da ocupação, na semana de referência, das pessoas de 14 anos ou mais
de idade, por sexo, segundo as Grandes Regiões - 4º trimestre de 2014...
Distribuição das pessoas de 14 anos ou mais de idade, desocupadas na
Semana de referência, por sexo, segundo as Grandes Regiões - 4º trimestre
de 2014...
Taxa de desocupação, na semana de referência, das pessoas com 14 anos ou
mais de idade, por sexo, segundo as Grandes Regiões - 4º trimestre de 2014.
Distribuição das pessoas de 14 anos ou mais de idade, fora da força de
trabalho, na semana de referência, por sexo, segundo as Grandes Regiões -
4º trimestre de 2014...
Evolução do número de candidatas/os a Deputada/o Estadual/Distrital -
2006, 2010, 2014...
Evolução do número de candidatas/os a Deputada Federal - 2006, 2010,
2014...
Evolução do número de candidatas/os aptas/os a Senador/a - 2006, 2010,
2014...
Evolução do número de candidatas/os a Governador/a - 2006, 2010...
Número de Deputadas/os Federais eleitas/os em 2006, 2010 e 2014...
Número de Senadoras/es eleitas/os - 2006, 2010 e 2014...
Número de Governadoras/es eleitas/os - 2006, 2010 e 2014...
Número de Ministras de Estado por Governo Presidencial - 1982 – 2014...
Número de deputadas/os estaduais/distritais eleitas/os - 2002, 2006, 2010 e
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PP Partido Progressista
PRB Partido Republicano Brasileiro
PPS
PT
Partido Popular Socialista
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO... 13
2
A TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO NO CONTEXTO
INTERNACIONAL... 19
2.1.
3
4
4.1
4.2
4.3
4.4
A Plataforma de Ação adotada em Beijing e a incorporação do princípio
da “transversalidade de gênero” pela União Europeia...
A “FEMINIZAÇÃO” DA POBREZA ENQUANTO FATOR DE SUBDESENVOLVIMENTO...
O DESAFIO DA TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS – POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA MULHERES OU POLÍTICAS PÚBLICAS DE
GÊNERO?...
As ações afirmativas enquanto instrumentos propulsores de eficácia do princípio
constitucional da isonomia...
Breves considerações acerca da origem das discriminações
positivas...
A Experiência da Adoção de Ações Afirmativas enquanto Normatização da
Política de Cotas para Mulheres no Legislativo
Argentino...
As Ações Afirmativas no Contexto da Elaboração de Políticas de Gênero no
Brasil: preceitos adotados pela Lei nº
9.504/97... 21
26
38
41
49
51
5
5.1
6
FATORES QUE INVIABILIZAM O INGRESSO DAS MULHERES
BRASILEIRAS ÀS INSTÂNCIAS FORMAIS DE PODER ...
Discriminação das mulheres nos partidos políticos e as inovações trazidas pela
Lei nº 12.034/2009...
CONSIDERAÇÕES FINAIS...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 70
74
77
79
1. INTRODUÇÃO
A mulher foi vítima do machismo e de uma condição discriminatória e submissa
que a relegou à marginalização desde os primórdios da humanidade – principalmente, durante
o período Iluminista e ao longo da Revolução Francesa. A partir do século XVII, a busca pela
inserção das mulheres em espaços sociais tornou-se notória, sobretudo, a partir do momento
em que diversos movimentos feministas se insurgiram contra a estrutura patriarcal dominante.
Durante o século XIX, esses movimentos se organizaram estruturalmente, de modo a exigir a
participação da mulher nas demandas concernentes ao direito de voto, à educação e à
profissionalização, mas, infelizmente, as referidas investidas e mobilizações não se
demonstraram suficientes para sanar o problema da desigualdade de gênero, o qual fora
estruturado ao longo de séculos de opressão e de marginalização feminina.
Nesse sentido, foram realizados, na Europa Ocidental, eventos internacionais que
abordaram a análise conceitual e a origem histórica da expressão “transversalidade de gênero”.
Em 1975, foi realizada a Conferência Mundial de Mulheres, no México, cujo
propósito foi formular propostas e recomendações para melhorar a condição de vida feminina
no globo e para estimular a paridade de oportunidades entre mulheres e homens. Infelizmente,
os compromissos dos governos nacionais em cumprir as referidas recomendações, entretanto,
não lograram êxito. Posteriormente, em 1995, foi realizada a IV Conferência Mundial das
Mulheres, em Beijing, na qual surgiu o conceito de “gender mainstreaming”, ou de “transversalidade de gênero”.
A documentação produzida nesse último evento procurou garantir a incorporação
da melhoria das condições das mulheres em todos os âmbitos da sociedade – econômico,
político, cultural e social, com repercussões nas esferas jurídicas e administrativas.
Na União Europeia, priorizaram-se importantes alterações nas políticas de
igualdade entre os sexos, de modo que foi conferida às discriminações positivas previsão
legal. Outrossim, a partir da influência do movimento internacional das mulheres, das
Organizações Não Governamentais (ONGs) e dos grupos sociais organizados, em 1993, foi reconhecido, na União Europeia, o princípio da “transversalidade de gênero”, por meio do qual se fundamentou a importância da igualdade de oportunidades para homens e para
mulheres. Em 1999, o aludido princípio foi corroborado a partir da vigência do Tratado de
políticas públicas, de modo a eliminar as formas de desigualdade entre os sexos nas políticas
sociais (de emprego, da educação, entre outras).
Outrossim, a Plataforma de Ação adotada em Beijing (reiterada em Beijing mais
cinco) orientou os Estados acerca da necessidade de se integrar perspectivas de gênero na
legislação, nas políticas públicas e nos programas e projetos, levando-se em consideração,
antes de realizar decisões em matérias de política governamental, uma análise das
repercussões nas mulheres e nos homens. Nesse sentido, outras reuniões foram realizadas por
organismos internacionais, a fim de conferir eficácia ao referido escopo.
Infelizmente, apesar da abordagem realizada pelos referidos eventos
internacionais e das legislações de diversos países terem se mobilizado em prol da
transversalidade de gênero, ainda assim, o tratamento isonômico conferido a homens e
mulheres não deixou de ser uma virtualidade que ressalta a dolorosa face da condição
feminina, em pleno século XXI.
No Brasil, as mulheres constituem um grupo em considerável desvantagem, seja
no mercado de trabalho, nas instâncias de decisão, na vulnerabilidade à violência doméstica
ou no acúmulo de atividades não-remuneradas. Os domicílios chefiados por mulheres são
considerados um dos grupos mais vulneráveis à pobreza, e essa categoria social, nas duas
últimas décadas, teve um crescimento considerável, sobretudo, na América Latina –
especialmente, em regiões urbanas.
Além disso, em relação à vida política na sociedade brasileira, observa-se uma
tímida participação feminina em relação à masculina, tendo em vista que os espaços formais
de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) permanecem ocupados, predominantemente,
pelos homens, em que pese a atual presidente – Dilma Vana Roussef – vivenciar, atualmente,
seu segundo mandato. Consoante essa realidade, as estatísticas revelam que o número de
mulheres ocupando os aludidos espaços não corresponde, proporcionalmente, ao peso da
população feminina brasileira1.
No que tange ao Poder Judiciário, no Supremo Tribunal Federal, dos 11 ministros
que o compõem, atualmente, somente há duas mulheres – ministra Carmen Lúcia e ministra
Rosa Weber2. No Superior Tribunal de Justiça, há, dentre os trinta ministros, apenas seis
1 LOPES, Ana Maria D’Ávila, NÓBREGA, Luciana Nogueira.
Democratizando a Democracia: a Participação Política das Mulheres no Brasil e a Reforma do Sistema Político, p. 6545 e 6546. Disponível
em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/ana_maria_davila_lopes2.pdf. Acesso em: 22/03/2015.
2
ministras, quais sejam: Assusete Dumont Reis Magalhães, Fátima Nancy Andrighi, Laurita
Hilário Vaz, Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, Maria Thereza Rocha de Assis Moura e
Regina Helena Costa3. O Tribunal Superior do Trabalho tem, dentre os 27 ministros, seis
ministras, as quais são: Maria Helena Mallmann, Delaíde Alves Miranda Arantes, Kátia
Magalhães Arruda, Dora Maria da Costa, Maria de Assis Calsing e Maria Cristina Peduzzi4.
No que tange ao Superior Tribunal Militar, há, apenas, uma mulher – Maria Elizabeth
Guimarães Teixeira Rocha – dentre 15 ministros5. Em relação ao Tribunal Superior Eleitoral,
por sua vez, dentre os 14 ministros, incluídos efetivos e substitutos, há, apenas, três mulheres
em sua composição, quais sejam: Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Luciana Christina
Guimarães Lóssio e Rosa Maria Weber Candiota da Rosa6.
Desta feita, pode-se inferir que as mulheres estão sobre-representadas nas
camadas de pobres e de indigentes e sub-representadas nas camadas mais altas da sociedade e
nas instâncias de poder político. Essa realidade corrobora a situação feminina de desigualdade
e de pobreza, cujos indicadores de discrepância socioeconômica são considerados, no Brasil,
um dos mais elevados do mundo.
Assim, diante da triste herança social que acarretou em desigualdade entre
homens e mulheres, restou comprovado que a mera neutralidade – adotada pelo princípio da
isonomia perante a lei, segundo a concepção jurídico-formal – não foi suficiente enquanto
medida asseguradora de uma verdadeira igualdade de sexos, e, com o intuito de dirimir as
consequências históricas dessa realidade no Brasil, a então Deputada Federal Marta Suplicy
deu origem à Lei nº 9.100/95, a qual estabelecia normas para a realização das eleições
municipais de 3 de outubro de 1996. Em seu teor – especificamente, no art. 11, §3º, da
referida legislação – determinou-se que vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido
ou coligação deveriam ser destinados às candidaturas de mulheres. Posteriormente, o aludido
diploma legal fora alterado, em 1997, pela Lei nº 9.504, a qual determinara, em seu art. 10, a
reserva de, no mínimo, 30% e, no máximo, de 70% para as candidaturas de cada sexo.
Infelizmente, apesar da entrada em vigor da Lei nº 9.504/97, observou-se que a
participação feminina, nos espaços formais e institucionais de poder, permaneceu,
3
Dados divulgados pelo sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br/web/verMinistrosSTJ?parametro=1. Acesso em: 22/05/2015.
4
Dados divulgados pelo sítio eletrônico do Superior Tribunal do Trabalho. Disponível em: http://www.tst.jus.br/ministros. Acesso em: 22/05/2015.
5
Dados divulgados pelo sítio eletrônico do Superior Tribunal Militar. Disponível em: < http://www.stm.jus.br/o-stm-stm/composicao-da-corte>. Acesso em: 22/05/2015.
6
praticamente, inalterada, tendo em vista que a aludida discriminação positiva não gerou
repercussões significativas nesse sentido, pois as mulheres, embora sejam a maioria da
população e do eleitorado brasileiro, permaneceram sub-representadas no âmbito do Poder
Legislativo.
Eis evidenciada a relevância do tema em análise, uma vez que a iniciativa
brasileira em adotar o sistema de cotas por sexo na política tem revelado sua insuficiência no
que tange ao desencadeamento de mudanças estruturais substantivas no cenário político
brasileiro. Embora o aludido sistema favoreça a conscientização a respeito da
sub-representação feminina, estimule debates concernentes a essa temática e viabilize,
efetivamente, oportunidades de participação das mulheres na política e de empoderamento
feminino, o cenário brasileiro contemporâneo revela resultados frustrantes em relação à
representação feminina, uma vez que a inclusão de mulheres nas arenas formais de poder
pode ser considerada pífia. Desta feita, a discussão sobre o tema mostra-se indispensável.
Outrossim, a metodologia usada para o estudo da questão será pautada em
pesquisa bibliográfica e documental, baseada em livros, revistas e artigos em meios
eletrônicos sobre o tema, além de análises jurisprudenciais de julgados do Tribunal Regional
do Trabalho da 10ª Região e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Quanto à forma de
abordagem, a pesquisa será qualitativa, objetivando a interpretação dos fenômenos,
utilizando-se de técnicas estatísticas.
No que tange aos dados estatísticos, procurar-se-á analisar os níveis de atividade
econômica das mulheres e a participação feminina no contexto laboral brasileiro, segundo
informações disponibilizadas pelo sítio eletrônico do IBGE e por outras fontes. Outrossim,
serão utilizados, enquanto indicadores, a taxa de atividade e de desocupação femininas, bem
como a levar-se-á em consideração a pressão sofrida pelas mulheres no mercado de trabalho
brasileiro. A análise dos aludidos dados, destarte, se baseará na distribuição de pessoas do
sexo feminino que procuram trabalho e que permanecem trabalhando, segundo a condição e a
posição da ocupação laboral desempenhada. Quanto aos objetivos, a pesquisa será explicativa.
Destarte, nas considerações finais, será abordada a importância da adoção de
medidas cujos objetivos sejam a promoção de estudos e de pesquisas que evidenciem as
desigualdades de gênero, os quais devem abordar a incorporação da desagregação de
indicadores por sexo em todas as instituições de pesquisa governamentais – principalmente,
para subsidiar ações de combate à pobreza entre as mulheres – e na consequente divulgação
disso, fundamentar-se-á a relevância da incorporação da transversalidade de gênero nas
políticas públicas, as quais devem contemplar um maior controle e conhecimento dos
resultados e impactos das ações afirmativas elaboradas para este fim, de modo a proporcionar
um maior fortalecimento das instâncias de decisão política, em nível nacional. Estas, por sua
vez, deverão concretizar os objetivos das demandas de gênero nos demais setores
governamentais, com desdobramentos nos âmbitos estaduais e municipais, em prol de sua
inclusão na definição e na aplicação das políticas públicas nacionais e setoriais.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as razões que obstaculizam o
empoderamento feminino e o acesso das mulheres às instâncias formais de poder, à luz do
princípio constitucional da isonomia e da implementação de ações afirmativas que
culminaram na vigência da Lei nº 9.504 de 1997 e da Lei nº 12.034 de 2009. Seus objetivos
específicos são os seguintes: expor os fundamentos teóricos que embasam o princípio da
transversalidade de gênero e a importância de sua implementação nas políticas públicas no
âmbito brasileiro e internacional; analisar os fundamentos jurídicos que ensejaram a criação
das ações afirmativas e que acarretaram na prevalência da isonomia material frente à isonomia
jurídico-formal; abordar os problemas estruturais do sistema eleitoral brasileiro, no sentido de
demonstrar a insuficiência do sistema de cotas no que tange a viabilizar a participação
feminina na política, bem como as razões que fomentam a sub-representação das mulheres
nas instâncias formais de poder; e demonstrar mecanismos eficientes para a implementação de
políticas de gênero, com vistas a garantir a efetiva paridade entre homens e mulheres na
política.
O primeiro capítulo versará acerca da iniciativa de organismos internacionais, no
sentido de abordar e sanar os problemas estruturais gerados pela desigualdade de gênero, bem
como discorrerá sobre as medidas sugeridas pelos Estados com o intuito de sanar os efeitos da
discriminação direcionada às mulheres.
O fenômeno da feminização da pobreza e a importância de sua abordagem serão
aduzidos no segundo capítulo, com foco para uma análise estatística acerca da situação da
mulher no mercado de trabalho e no contexto social, familiar e econômico no Brasil.
No terceiro capítulo, serão analisados os desafios da implementação da
transversalidade de gênero nas políticas públicas e a sua relevância enquanto instrumento
precursor de eficácia do princípio constitucional da isonomia. Outrossim, serão estabelecidas
distinções entre as políticas públicas de gênero e aquelas de cunho assistencialista, voltadas
jurídico-formal da isonomia e a sua substituição pelos preceitos da igualdade material, de modo a
salientar a importância da elaboração de ações afirmativas para conferir tratamento isonômico
às mulheres, haja vista que a igualdade a esta direcionada, para se concretizar, deve
contemplar os critérios que reduzem a condição feminina aos efeitos da prática
discriminatória disseminada pela sociedade.
Por fim, o quarto e último capítulo terá como tema os fatores que inviabilizam o
ingresso das mulheres brasileiras às instâncias formais de poder. Nesse capítulo, tratar-se-á da
necessidade da superação da exclusão feminina mediante mecanismos legais que efetivem a
paridade participativa. Desta feita, será caracterizado o sistema eleitoral brasileiro e os
problemas que restringem o ingresso feminino às instâncias formais de poder, os quais se
devem, principalmente, às limitações de uma lei de cotas que, apenas, focaliza as candidaturas
e deixa de conferir sanção aos demais fatores que inviabilizam a consolidação de um
procedimento eleitoral consoante com os preceitos do Estado Democrático de Direito, bem
como com o princípio constitucional da isonomia. Nesse sentido, serão apresentados dados
estatísticos correlatos aos pleitos eleitorais realizados durante os anos de 2006, 2010 e 2014, a
fim de evidenciar, de forma mais elucidativa, os problemas estruturais do sistema eleitoral
brasileiro vigente que acarretam na sub-representação feminina, cujos alicerces, sequer,
sofrem abalo diante das exigências legais atualmente existentes.
2. A TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO NO CONTEXTO INTERNACIONAL
Durante a Idade Média até os dias atuais, tornou-se notória a marginalização a que
se submeteu a mulher ao longo de séculos de luta por emancipação e reconhecimento social.
Dentre os fatores que a relegaram a uma condição discriminatória e submissa, pode-se citar o
machismo perpetrado pela cultura judaico-cristã, a divisão sexual do trabalho e o ideal
segundo o qual a mulher deveria se restringir às atividades domésticas, que reverberou na
sociedade civil durante séculos7.
Historicamente, não obstante o machismo estivesse presente – principalmente, ao
longo do período Iluminista e durante a Revolução Francesa – a história de luta das mulheres
pela inserção feminina em espaços sociais tornou-se notória a partir do século XVII –
momento em que diversos movimentos feministas se insurgiram contra a estrutura patriarcal
dominante. Durante a Revolução Francesa, Olympe de Gouges elaborou “La declaration des
droits de la femme et de la citoyenne”, o qual, segundo FRANCO, foi considerado por especialistas como “o primeiro documento a positivar a existência de direitos naturais relativos, especificamente, às mulheres”8
. Em seu teor, Gouges conferiu às mulheres o direito
de eleger seus representantes, bem como de serem eleitas pelo povo.
Ainda assim, durante o século XIX, no Brasil, os ditames de uma sociedade
patriarcal e machista reverberavam, inclusive, no que tange ao tratamento conferido ao
adultério, o qual encontrava guarida nas doutrinas morais tradicionais. Nesse sentido,
admitia-se uma postura tolerante frente à infidelidade masculina, cujos efeitos admitia-se haviam de suportar,
tendo em vista que as relações conjugais se restringiam aos escopos da descendência e não
proporcionavam quaisquer interações de intimidade entre o casal. Desta feita, os homens
buscavam amantes para lhes satisfazer as necessidades que o matrimônio não lhes supria,
conforme explana Mary Del Priore9:
Tempo de desejos contidos ou frustrados, o século XIX se abriu com as libertinagens de um jovem imperador e se fechou com o higienismo frio de médicos.
7
ALVES, Fernando de Brito, BREGA FILHO, Vladimir. O Direito das mulheres: Uma abordagem crítica, p. 2162. Disponível em: <http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/130>. Acesso em: 05/02/2015.
8
FRANCO, Helga Paula Patrício. A Política de cotas para mulheres no Legislativo, o feminismo e as ações
afirmativas, p. 2 e 3. Disponível em: < http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Jpa-BIiNWkEJ:www.spell.org.br/documentos/download/12299+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em 05/02/2015.
9
DEL PRIORE, Mary. Histórias íntimas – sexualidade e erotismo na História do Brasil, p.73. São Paulo:
Editora Planeta do Brasil, 2011. No mesmo sentido, conferir: MARQUES JÚNIOR, William Paiva. Aspectos
jurídico-hermenêuticos na análise literária de elementos dialógicos na interface de Dom Casmurro de Machado de Assis e São Bernardo de Graciliano Ramos, ps. 20 e 21. Disponível em:
Século hipócrita que reprimiu o sexo, mas foi por ele obcecado. Que vigiava a nudez, mas olhava pelos buracos da fechadura. Que impunha regras ao casal, mas liberava os bordéis. A burguesia emergente, nas grandes capitais, somada aos senhores de terras e entre eles a aristocracia rural, distinguia dois tipos de mulher: a respeitável, feita para o casamento, que não se amava, forçosamente, mas em quem se fazia filhos. E a prostituta, com quem tudo era permitido e com quem se dividiam as alegrias eróticas vedadas, por educação, às esposas.
Ainda no século em análise, os movimentos feministas se organizaram
estruturalmente e suscitaram demandas concernentes ao direito de voto, à educação – a qual
se tornou a principal demanda das reivindicações – e à profissionalização. Em um contexto
em que a sociedade civil demonstrava-se apta para discutir sobre ideias abolicionistas,
divórcio e escravidão, as mulheres procuravam tornar-se reconhecidas enquanto sujeitos de
direitos, a fim de se pronunciarem acerca desses temas, e não apenas sobre costura, bordado
ou culinária10. Contudo, mesmo diante dos esforços em tornar efetivas suas reivindicações, as
investidas e mobilizações dos movimentos feministas ainda não se demonstraram suficientes
para sanar o problema da desigualdade de gênero, o qual fora estruturado ao longo de séculos
de opressão e marginalização feminina.
Diante da problemática ora instaurada e das escassas repercussões das demandas e
das reivindicações de mulheres frente aos Estados Nacionais e às instituições governamentais,
não restou alternativa aos movimentos feministas, salvo buscar agir de maneira mais
expressiva e contundente, sobretudo, na Europa Ocidental. Nesse contexto, emergiram as
raízes conceituais e a origem histórica da expressão “transversalidade de gênero” 11.
A partir da primeira Conferência Mundial de Mulheres, realizada no México, em 1975, segundo BARTKY, “foram formuladas propostas e recomendações para melhorar a condição de vida das mulheres do globo e de acesso às mesmas oportunidades que os homens” 12
. Primeiramente, os governos nacionais se comprometeram em cumprir as aludidas
recomendações, entretanto, após sucessivas Conferências, foi constatado que o compromisso
firmado pelos governos nacionais não logrou êxito, em virtude do pouco empenho
demonstrado na implementação de políticas públicas precursoras da isonomia entre mulheres
10
FRANCO, Helga Paula Patrício. A Política de cotas para mulheres no Legislativo, o feminismo e as ações
afirmativas, p. 2 e 3. Disponível em: < http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Jpa-BIiNWkEJ:www.spell.org.br/documentos/download/12299+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em 05/02/2015.
11 O conceito de “transversalidade de gênero” é conhecido como “
gender mainstreaming”. 12
e homens. Desta feita, apenas algumas melhoras foram registradas em relação à situação
feminina 13.
2.1. A Plataforma de Ação adotada em Beijing e a incorporação do princípio da “transversalidade de gênero” pela União Europeia
Superadas as frustrações oriundas das tentativas governamentais em implementar
políticas públicas que contemplassem a isonomia de gênero, diversos debates acerca da
implementação de uma política mundial de promoção de igualdade e de oportunidade para
mulheres foram realizados, com o intuito de definir os métodos pelos quais as referidas
reivindicações poderiam se efetivar. Nesse contexto, em 1995, foi realizada a IV Conferência
Mundial das Mulheres, em Beijing, na qual surgiu a denominação de “gender mainstreaming”, ou “transversalidade de gênero” 14
. Segundo STIEGLER15:
El gender mainstreaming consiste en la reorganización, mejora, desarrollo y evaluación de procesos de decisión en todas las áreas políticas y de trabajo de una organización. El objetivo del gender mainstreaming es incorporar la perspectiva de las relaciones existentes entre los sexos en todos los procesos de decisión y hacer que todos los procesos de decisión sean útiles a la igualdad de oportunidades.
Assim, a documentação produzida nesse evento procurou, em seu teor, garantir a
incorporação da melhoria das condições das mulheres em todos os âmbitos da sociedade –
econômico, político, cultural e social – com repercussões nas esferas jurídicas e
administrativas. O aludido documento abordou, também, outras temáticas, como
remuneração, segurança social, educação, a partilha de responsabilidades profissionais e
familiares e a paridade nos processos de decisão16.
Assim, a partir da IV Conferência Mundial das Mulheres, em Beijing (1995),
vislumbrou-se que a política de promoção das mulheres, conforme a definição da
13
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 9. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
14
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 9. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
15
STIEGLER, Barbara (2003). Género, Poder y Política. División de Cooperación Internacional de la Friedrich-Ebert-Stiftung. Departamento América Latina y el Caribe, Bonn/Alemanha. Disponível em: http://library.fes.de/fulltext/iez/01658a.htm. Acesso em 18 de dezembro de 2014.
16
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 10. Disponível em:
“transversalidade de gênero”, não deveria ser incorporada, apenas, por uma perspectiva de um ministério ou secretaria específica de atuação na área da mulher, mas, sim, por todas as
políticas públicas adotadas pelos Estados, a fim de serem desenvolvidas, em cada área
governamental, com base nas especificidades das mulheres e dos homens. Desta feita, ficou
acordado que as ações políticas com especificidade de gênero deveriam se associar e dialogar
com todos os setores das ações governamentais17.
No âmbito da União Europeia, alterações importantes às políticas de igualdade
entre os sexos foram realizadas, concedendo às discriminações positivas previsão legal.
Outrossim, as ações de promoção das mulheres passaram a incorporar a transversalidade de
gênero enquanto mecanismo de efetivação para o empoderamento das mulheres. Esse fato
culminou na abertura da elaboração de múltiplas ações governamentais com base nessas
considerações18.
Desta feita, a partir da influência do movimento internacional das mulheres, das
Organizações Não Governamentais (ONGs) e dos grupos sociais organizados, em 1993, foi
reconhecido, na União Europeia, o princípio da “transversalidade de gênero”, segundo o qual já se estabelecia, enquanto objetivo, “a igualdade de oportunidades para mulheres e para homens”. Assim, a igualdade de oportunidades para mulheres foi registrada, enquanto objetivo geral, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em seu art. 23 (1999)
19
.
Em 1999, com a vigência do Tratado de Amsterdã, corroborou-se o princípio da “transversalidade de gênero”, conforme preceituam os arts. 2º e 3º, da União Europeia. Desde então, os Estados membros da União acordaram em aplicar o aludido princípio em suas
políticas públicas, a fim de eliminar as formas de desigualdades entre os sexos nas políticas
sociais (de emprego, da educação, entre outras). Destarte, conforme as palavras de BARTKY,
17
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 10. Disponível em:
<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
18
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 10. Disponível em:
<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
19
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 11. Disponível em:
“tratou-se de uma estratégia de largo alcance que envolveu o conjunto de políticas sociais da comunidade Europeia” 20
. Ainda segundo a autora21:
O princípio da transversalidade de gênero passou a se fazer presente em todas as comissões e grupos que planejam e discutem políticas governamentais. Esta mudança foi significativa na esfera política e também na esfera jurídica e articulou o princípio aos níveis nacional, estatal e municipal. Estenderam-se também às ações da cooperação internacional junto aos países em desenvolvimento.
Destarte, pode-se afirmar que a Plataforma de Ação adotada em Beijing (reiterada
em Beijing mais cinco) alertou os governos nacionais acerca da necessidade de se integrar
perspectivas de gênero na legislação, nas políticas públicas e nos programas e projetos,
levando-se em consideração, antes de realizar decisões em matérias de política
governamental, uma análise de suas repercussões nas mulheres e nos homens. Além disso, foi
sugerida uma revisão periódica da implementação e dos resultados das políticas, programas e
projetos nacionais, para garantir às mulheres a condição de beneficiárias diretas do
desenvolvimento e para permitir com que suas contribuições (remunerada ou não remunerada)
sejam levadas em consideração na política e no planejamento econômicos22.
Com base no exposto, pode-se afirmar que a Plataforma corroborou o conceito de
transversalidade de gênero enquanto estratégia para se promover a equidade, ressaltando o
fato de que as demais estratégias adotadas anteriormente não lograram êxito. Outrossim, todos
os Estados membros nela reunidos – dentre eles, o Brasil – se comprometeram a implementar
a transversalidade de gênero nas políticas públicas23.
Dentre outras contribuições realizadas pela Plataforma de Beijing, pode-se citar a
constatação da necessidade de medidas específicas para atender as peculiaridades da condição
social das mulheres na pobreza, com base na relação existente entre gênero e pobreza. Essas
considerações serão abordadas no próximo tópico. A priori, é relevante ressaltar que a Declaração de Beijing, em seu artigo 14, especificou que “os Direitos da Mulher são Direitos
20
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 11. Disponível em:<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandei ra.pdf>. Acesso em: 06/06/2015.
21
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 11. Disponível em:
<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
22
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres p. 11. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
23
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 12. Disponível em:
Humanos”, e o teor desse documento viabilizou a consolidação de mecanismos legais criados em prol das mulheres24. Salienta-se, inclusive, que o governo chinês, inserido nas políticas do
mercado livre, desde a década de 1980, auxiliou centenas de milhões de pessoas a saírem da
pobreza. Essa iniciativa, apesar de ter beneficiado algumas mulheres, não foi suficiente para
reverter as condições desfavoráveis a que muitas delas estão submetidas na sociedade, pois,
embora tenha sido elaborado um Estatuto de Igualdade de Direitos na Educação, no
Casamento e na Liberdade, todavia, a importância conferida à legalidade dos direitos da
mulheres chinesas tem sido ignorada no âmbito laboral, familiar e social25.
Além da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995), outros
organismos internacionais se reuniram com fins de atender ao mesmo escopo, como a Cúpula
do Desenvolvimento Social (Copenhague/1995), a Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (Durban/2001) e a
Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena/1993) – esta última reconheceu os
direitos humanos da mulher e da menina como inalienáveis, integrais, universais e
indivisíveis. A Cúpula do Desenvolvimento Social (Copenhague/2005) contribuiu
consideravelmente aos interesses da transversalidade de gênero, ao constatar que os efeitos da
pobreza, do desemprego, da degradação ambiental, da violência e da guerra atingem mais as
mulheres. Por fim, a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (Durban/2001) ressaltou o problema sofrido
pelas mulheres e jovens afrodescendentes e indígenas, as quais são atingidas, duplamente,
pelo preconceito sexual e pelo preconceito racial26.
Embora, após a abordagem realizada pelos referidos eventos internacionais, as
legislações de diversos Estados tenham se mobilizado em prol da transversalidade de gênero,
ainda assim, o tratamento isonômico conferido a homens e mulheres ainda é considerado uma
24
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 14. Disponível em:
<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
25
PATRÍCIO, Fátima Cristina das Neves. Os Direitos da Mulher na China, p. 8. Disponível em: http://mechineses.yolasite.com/resources/Projectos/Fatima/Os%20direitos%20da%20Mulher%20na%20China.p df. Acesso em: 06/06/2015.
26
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 14. Disponível em:
utopia, uma virtualidade, a qual ressalta a dolorosa face da condição feminina, em pleno
século XXI27.
27
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 15. Disponível em:
3. A “FEMINIZAÇÃO” DA POBREZA ENQUANTO FATOR DE
SUBDESENVOLVIMENTO
A Plataforma de Beijing contribuiu para ressaltar a importância em se considerar a
relação existente entre gênero e pobreza e a consequente urgência em se implementar medidas
que contemplem a condição das mulheres pobres, pois foi constatado um aumento
desproporcional de indivíduos do gênero feminino, vivendo na pobreza, em relação aos
homens, principalmente, nos países do Terceiro Mundo28.
Nesse sentido, o conceito de “feminização da pobreza” está associado ao processo
de empobrecimento das mulheres, em decorrência do aumento na proporção de famílias
pobres chefiadas por indivíduos do gênero feminino. Para entender o referido processo, é
salutar investigar as consequências sociais e econômicas da mulher chefe de família (sem o
apoio de um marido), em um contexto social discriminatório e excludente, visto que esse
processo, muitas vezes, culmina em reduzi-la à condição de pobreza29.
Enquanto fenômeno especificamente urbano, sugere-se que a “feminização” da
pobreza deve ser estudada por aspectos distintos, quais sejam: pelas fontes de renda e pelos
resultados das políticas públicas de redução da pobreza. Assim, ela caracteriza as fontes de
renda em salarial, em transferência privada (como a pensão alimentícia), e em transferência
pública. Esta última poderá ser de duas naturezas: aquela recebida por mulheres em caso de
licença ou aposentadoria, nos casos em que elas tiverem direito à seguridade social, e aquela
que é recebida por mulheres pobres beneficiadas por programas de redução da pobreza que
fazem parte das políticas públicas do Estado30.
No que tange à renda proveniente do próprio trabalho, observa-se que, embora o
número de mulheres que participam do mercado de trabalho venha aumentando
consideravelmente a cada ano, a sua renda ainda é inferior à dos homens. Outrossim, a
maioria delas ocupa atividades tipicamente consideradas femininas, a quais não lhes exige
qualquer capacitação ou treinamento profissional. Nesse sentido, a concentração de mulheres
28
BARTKY, Sandra. Fortalecimento da Secretaria Especial de Política para Mulheres, p. 11. Disponível em:
<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BAFFE3B012BCB0932095E3A/integra_publ_lourdes_bandeira.p df>. Acesso em: 06/06/2015.
29
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 3. Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_51.pdf>. Acesso em: 07/03/2015.
30
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 4. Disponível em:
nessa condição apresentou-se estável durante muito tempo, pois muitas delas se ativeram a
um número de ocupações de baixa remuneração.
Conforme leciona a especialista31:
Enquanto as mulheres bem como seus empregadores vejam seu trabalho como temporário/secundário, enquanto suas casas e suas famílias sejam seu compromisso principal, elas terão menor probabilidade de se engajar em atividades que representem gastos [com pagamento de benefícios ou treinamento] para seu empregador.
Com base no exposto, muitas mulheres não são valorizadas ou não recebem a
capacitação profissional devida por parte do empregador, em virtude de terem seu tempo
comprometido com as responsabilidades domésticas ou com seus filhos. Em decorrência
dessa realidade, muitas chefes de família optam por abandonar, temporariamente, a força de
trabalho, sendo mal interpretadas por seus empregadores, os quais, em certos casos, as
julgam, equivocadamente, enquanto profissionais descompromissadas com o trabalho ou com
a carreira.
Outro aspecto que ressalta a relação existente entre pobreza e mulheres com filhos
e sem cônjuges é a transferência de renda, ou seja, a parte do salário do marido destinado à
mulher, com fins a custear as despesas com os filhos e com o lar. Estudos comprovam que a
possibilidade da mulher separada ou divorciada receber uma quantia referente ao mesmo
valor daquela destinada pelo marido quando ambos ainda se encontravam casados ou em
união estável é, consideravelmente, baixa. Além disso, existem muitas que não recebem
quaisquer valores, em virtude do companheiro ou esposo não deter condições de lhes fornecer
qualquer quantia, haja vista ele encontrar-se, também, em situação de pobreza32.
No que tange à transferência pública, esta engloba toda renda não-salarial
recebida pelo Estado, a qual pode ser, basicamente, de dois tipos: aquela que é recebida como
uma consequência da participação na força de trabalho (seguridade social: pensão, licença,
seguro-desemprego) e aquela que é recebida dentro de um programa de renda mínima33.
31
PEARCE, Diane. The feminization of poverty: women, work and welfare. Urban and Social Review, p. 28-36. Ano 1978.
32
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 3. Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_51.pdf>. Acesso em: 07/03/2015.
33
Segundo a autora Diane Pearce34:
(...) as mulheres estão sub-representadas entre os beneficiários da seguridade social, e estão ainda mais sub-representadas quando se trata de valor recebido. Sub-representadas estão, também, no seguro-desemprego, pois há certas ocupações que estão excluídas deste benefício e que são exercidas, majoritariamente, por mulheres, como o trabalho doméstico”.
Conforme se pode inferir, muitas mulheres que recebem auxílio financeiro
oriundo de programas governamentais estão sujeitas a um círculo vicioso, em que elas
recebem um valor abaixo da estimativa do custo de vida da região em que vivem – o qual,
nem sempre, corresponde à necessidade mínima da sobrevivência da família e, muitas vezes,
não leva em consideração o seu tamanho – de modo que não lhes resta outra alternativa, salvo
complementar os benefícios recebidos com empregos. Contudo, observa-se que, na maioria
dos casos, a remuneração estipulada por esses empregos é muito baixa, de modo que as
mulheres sujeitas a essa situação não conseguem deixar de solicitar auxílio financeiro em
programas governamentais. Nesse sentido, constata-se, pois, a deficiência desses programas,
visto que eles não incluem qualquer iniciativa que viabilize a essas beneficiárias a
possibilidade de sobrepujar a condição de extrema pobreza35.
Com fulcro nas considerações supramencionadas, pode-se inferir que a pobreza
masculina e a pobreza feminina requerem soluções distintas, em virtude de se tratarem de
problemas distintos, pois, de acordo com seu entendimento, vários estudos comprovam que o
número de filhos nas famílias lideradas por indivíduos do gênero masculino é maior do que
nas famílias de chefia feminina, o que atribui aos homens uma maior carga de dependência.
Quanto às mulheres, o maior desafio se reflete em relação às dificuldades por elas enfrentadas
no mercado de trabalho36.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
ressaltam-se as seguintes informações: quase metade das mulheres chefes de família têm
cinquenta anos ou mais; o nível de instrução dessas mulheres é mais baixo que o dos homens;
menos da metade das mulheres chefes de família são economicamente ativas; menos de 20%
34
PEARCE, Diane. The feminization of poverty: women, work and welfare. Urban and Social Review, p. 28-36. Ano 1978.
35
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 5. Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_51.pdf>. Acesso em: 07/03/2015.
36
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 5. Disponível em:
recebem pensão ou aposentadoria; e os rendimentos das mulheres são muito mais baixos do
que os dos homens37. Assim, presume-se que as dificuldades vividas por mulheres pobres que
se separam de seus maridos ou companheiros ou que nunca os tiveram, em manterem a si
mesmas e a seus filhos, encontram raízes na menor ou na pior participação feminina na força
de trabalho.
Conforme dados do IBGE, no Brasil, o percentual de famílias chefiadas por
mulheres (reconhecidas como responsáveis pelo lar) progrediu de 22,2% para 37,3%, entre
2000 e 201038. Nesse sentido, “os domicílios chefiados por mulheres estão sobrerepresentados entre os pobres, fato que é atribuído à discrepância de renda entre esses domicílios e os de chefia masculina, visto que conta, em geral, com a renda de apenas um adulto, cujo capital humano é menos qualificado” 39. Embora tenha havido uma maior iniciativa feminina pela inserção no mercado de trabalho, ainda assim, dados do IBGE
comprovam que os níveis de atividade ainda se apresentaram mais elevados para os homens
40
. Desta feita, os aludidos autores constataram que a situação das crianças nos domicílios de
chefia feminina é pior do que em outros tipos de domicílio, apesar de existir entendimento
diverso, no sentido de inferir que as famílias lideradas por homens pobres e sem cônjuge
sofreriam maior desvantagem em relação às demais categorias familiares, embora o número
de domicílios pobres com chefia masculina sem cônjuge seja considerado muito pequeno41.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), em um levantamento
demográfico realizado no primeiro trimestre de 2014, constatou que as mulheres
permaneceram enquanto maioria entre as pessoas em idade de trabalhar. No 4º trimestre de
37
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 5. Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_51.pdf>. Acesso em: 07/03/2015.
38
Dados divulgados pelo sítio eletrônico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=692:dados-estatisticos-revelam-mudancas-na-situacao-socio-economica-das-mulheres-no-brasil&catid=69:antiga-rok-stories. Acesso em: 19.12.2014.
39
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 7.
Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_51.pdf>. Acesso em: 07/03/2015.
40
Dados disponíveis em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/mapa_mercado_trabalho/comentarios.pdf, p. 51.. Acesso em: 07/03/2015.
41
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os Estudos Sobre Feminização da Pobreza e Políticas Públicas para
Mulheres, p. 7 e 8.
2014, elas representavam 52,4% da população brasileira. Ressalta-se que este resultado foi
similar nos demais trimestres observados pela PNAD42.
A análise dos dados coletados pelo aludido instituto confirmou um contingente
maior de mulheres em idade de trabalhar em todas as Grandes Regiões, conforme ilustra o
gráfico a seguir.
Os dados do PNAD comprovam que, mesmo sendo consideradas as mulheres a
maioria na população em idade de trabalhar, todavia, entre as pessoas ocupadas, verificou-se a
predominância de homens (57,0%). Este fato foi observado em todas as regiões, sobretudo na
Norte, onde os homens representavam 61,1% dos trabalhadores no 4º trimestre de 2014,
conforme ilustra o quadro a seguir. Segundo o instituto, ao longo da série histórica da
pesquisa, este quadro não se alterou significativamente43.
42
Dados divulgados no sítio eletrônico do IBGE, disponível em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Comen tarios/pnadc_201404_trimestre_comentarios.pdf, p. 6. Acesso em: 23.12.2014.
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Dados divulgados no sítio eletrônico do IBGE, disponível em:
Ainda segundo os dados coletados, as análises refletiram diferenças no nível da
ocupação entre homens e mulheres, ou seja, a proporção de homens com 14 anos ou mais de
idade trabalhando era superior ao de mulheres deste mesmo grupo etário também trabalhando.
Desta feita, o nível da ocupação dos homens, no Brasil, foi estimado em 68,2% e o das
mulheres, em 46,7%. O comportamento diferenciado deste indicador entre homens e mulheres
foi verificado nas cinco Grandes Regiões da Federação, com destaque para a região Norte,
onde a diferença entre homens e mulheres foi a maior (cerca de 27 pontos percentuais), e a
Sul com a menor diferença (cerca de 19 pontos percentuais), conforme demonstra o gráfico a
seguir44:
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Diferentemente do que foi observado para as pessoas ocupadas, o percentual de
mulheres na população desocupada foi superior ao de homens. No 4º trimestre de 2014, elas
representavam 51,7% dessa população. Em quase todas as regiões, o percentual de mulheres
na população desocupada era superior ao de homens, exceto na Nordeste (49,8%). Na Região
Norte, a participação das mulheres era ainda maior, elas representavam 55,3% das pessoas
desocupadas, conforme ilustra o gráfico abaixo45:
Em relação às taxas de desocupação, as análises demonstraram que a taxa de
desocupação feminina se sobrepôs à taxa de desocupação masculina de maneira significativa,
45
e esse comportamento foi verificado nas cinco Grandes Regiões da Federação. Assim, a taxa
foi estimada em 5,6% para os homens e em 7,7% para as mulheres. A taxa total para este
período ficou em 6,5%, ou seja, a taxa de desocupação feminina se sobrepôs à taxa total de
desocupação, segundo expõe o gráfico abaixo:
Por fim, a população fora da força de trabalho, segundo o levantamento realizado
pela PNAD, era composta, em sua maioria, por mulheres. No 4º trimestre de 2014, elas
representavam 66,2%. Em todas as regiões, o comportamento foi similar e, conforme os dados
coletados pelo aludido instituto, essa configuração também não se alterou significativamente