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UMA EDUCAÇÃO PARA A PAZ: TRANSDISCIPLINARIDADE E AMPLIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HUMANA

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Academic year: 2023

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UMA EDUCAÇÃO PARA A PAZ:

TRANSDISCIPLINARIDADE E AMPLIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HUMANA1

A EDUCATION FOR PEACE:

TRANSDISCIPLINARITY AND EXTENSION OF HUMAN CONSCIOUSNESS

ARNT, Rosamaria de Medeiros2 HOLANDA, M. Júlia B. de3

RESUMO

Neste artigo buscamos o entendimento do que é a paz e enfatizamos a paz interior ligando-a aos processos de conscientização tendo como fio condutor a atenção plena, a consciência espiritual. Buscamos na transdisciplinaridade a ampliação da nossa visão humana de mundo, da vida e do conhecer para o aperfeiçoamento do saber, do fazer e do sentir. Também a necessidade do contato com o sagrado, por onde alcançamos a compreensão da realidade utilizando a razão, mas também, o amor. Propomos algumas sugestões concernentes a uma educação para a paz, no campo do ‘cuidar do ser’, como forma de iniciarmos, nas formações de professores, momentos de cultivo da paz para que possam ser levadas, como atividade às salas de aula.

Palavras-Chave: Consciência; Transdisciplinaridade; Educação para a paz.

ABSTRACT

This article tries to understand what is to emphasize the peace and inner peace by connecting it to the consciousness of processes having as thread mindfulness, the spiritual consciousness.

Nicer in transdisciplinarity to expand our human world view, life and meet for the improvement of knowledge, of doing and feeling. Also the need for contact with the sacred, where we reach the understanding of reality using reason, but also love. We propose some suggestions concerning a peace education in the field of 'care of the self' as a way to begin, in the training of teachers, moments of culture of peace so that they can be taken as an activity to classrooms.

Keywords: Consciousness; Transdisciplinarity, Education for peace.

1 Artigo apresentado no XVII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2014.

2 Doutora em Educação pela PUC/SP. Membro do Grupo de Pesquisa Ecotransd: Ecologia dos saberes, transdisciplinaridade e educação, com pesquisas na área da docência e didática transdisciplinar e educação para a paz. E-mail: rmarnt@gmail.com. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6161577718275362.

3 Mestra em Educação da UCB/DF. Membro do Grupo de Pesquisa ECOTRANSD - Ecologia dos saberes, Transdisciplinaridade e Educação - UCB/DF. E-mail: juliaholanda1@hotmail.com, CV Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4298961141386037.

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Introdução

Iniciar uma abertura para os conceitos que consideramos fundamentos científicos do paradigma tradicional, além de apresentar um contexto cronológico histórico nos traz também o sentido de entender e, por conseguinte, transpor rupturas para se compreender o paradigma emergente a ser descrito posteriormente neste trabalho

Em 20 de novembro de 1997, as Nações Unidas proclamaram o ano 2000 como o Ano Internacional da Cultura de Paz, iniciando mobilização mundial para transformar os princípios norteadores da cultura de paz em ações concretas. A década 2001-2010 foi marcada como a Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência.

Estamos em 2014. Pouco sentimos de diferença, em nosso cotidiano, passados quase 20 anos das resoluções da ONU. As notícias de jornais, revistas, rádio e televisão continuam alarmantes em relação ao número de mortes por dia, às ações de violência contra a mulher, crianças, comunidades, entre outras. Os gestos de preconceito, discriminação, indiferença, intolerância pelos motivos mais variados seguem… As escolas, como outras instituições sociais, também abrigam o medo, o desrespeito, o desânimo, a apatia frente a uma educação afastada das necessidades e realidade dos alunos e alunas e um modo de viver insustentável que não conseguimos transformar.

A educação para a paz nos parece uma urgência. Há iniciativas em muitos setores, em escolas, em instituições educativas não formais, em instituições de ensino superior. Mas ainda não temos diretrizes que nos apontem caminhos a serem trilhados e adotados como políticas públicas, capazes de orientar as práticas pedagógicas para uma civilização planetária e para a ética do gênero humano, como aponta Edgar Morin (2000).

Estamos em 2014. A pergunta ainda permanece: como educar para a paz?

Sem termos respostas prontas, ou um manual elucidativo, vamos investigando este tema iniciando pelo entendimento do que é a paz. Destacamos a paz interior e fazemos a ligação com os processos de conscientização, especialmente da consciência atenta, da consciência espiritual. A transdisciplinaridade nos amplia a visão de mundo, de homem/mulher, da vida e do conhecer. E nos aponta também a necessidade do contato com o sagrado, por onde alcançamos a compreensão da realidade utilizando a razão, mas também, o amor. E concluímos com algumas sugestões, no campo do ‘cuidar do ser’, como forma de iniciarmos, nas formações de professores, momentos de cultivo da paz para que possam ser levadas às salas de aula.

Paz

Ubiratan D’Ambrósio (2014) nos apresenta a paz como um conceito pluridimensional. E afirma que nosso objetivo deve ser alcançar um estado de paz total, sem o quê o futuro da humanidade estará comprometido. Define paz total como a integração das dimensões: paz interior - estar em paz consigo; paz social - estar em paz com os outros; paz ambiental - estar em paz com as demais espécies e com a natureza em geral; paz militar - a ausência de confronto armado.

O conceito de paz associa-se não só à ausência de conflito bélico, mas também à ausência de violência de qualquer tipo. Para Paulo Freire (1997), a paz se cria e se constrói com a superação das realidades sociais perversas, com a edificação incessante da justiça social.

Xesus Jares (2007) utiliza a noção de

‘paz positiva’. Em contraste com a ausência de luta declarada, uma relação pacífica deveria significar – em escala individual – amizade e compreensão suficientemente

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amplas para superar quaisquer diferenças que pudessem surgir. Em escala maior, as relações pacíficas deveriam implicar uma associação ativa, uma cooperação planejada, um esforço inteligente para prever ou resolver conflitos em potencial.

Podemos pensar a paz como a situação caracterizada por um nível reduzido de violência e um nível elevado de justiça.

A cultura de paz é uma iniciativa de longo prazo, um processo constante, cotidiano que leva em conta os contextos, histórico, político, econômico, social e cultural de cada ser humano e sociedade.

De acordo com o Relatório Delors (UNESCO, 2010), pela educação espera-se que todo ser humano seja preparado para a autonomia intelectual e para uma visão crítica da vida, de modo a poder formular seus próprios juízos de valor, desenvolver a capacidade de discernimento e de como agir em diferentes circunstâncias da vida.

Espera-se, também, que possibilite a todos, capacidades e referências intelectuais que lhes permitam conhecer o mundo que os rodeia e agir como atores responsáveis e justos. Para tanto, é imprescindível uma concepção de desenvolvimento humano que tenha por objetivo a realização plena das pessoas, em processo dialógico, no fortalecimento dos vínculos do ser consigo, com o outro/sociedade e com a natureza.

O economista chileno Manfred Max- Neef (1998), ganhador em 1983 do prêmio Nobel Alternativo, indicado a pessoas que trabalham na busca e aplicação de soluções para as mudanças mais urgentes e necessárias no mundo atual, escreveu a obra Desenvolvimento na Escala Humana, com pesquisas de mais de 20 anos mapeando as necessidades humanas e diferenciando necessidades – que considera como universais -, dos fatores de satisfação - que variam de acordo com o tempo, com a cultura, com a sociedade. Destaca nove necessidades, interdependentes e não hierarquizadas: subsistência, proteção, afeto, entendimento, participação, ócio, criação, identidade e liberdade. A educação

está, em sua matriz, mais especificamente na necessidade de entendimento. Olhando- se por este viés, os fatores de satisfação, em relação ao ser e à atitude são: a consciência crítica, abertura, curiosidade, capacidade de espantar-se, de disciplinar-se, a intuição e racionalidade. Na perspectiva do ‘fazer’, a necessidade de entendimento pressupõe como fatores de satisfação a habilidade de investigar, estudar, experimentar, atuar, analisar, meditar, interpretar.

Destacamos, por inovadores, os fatores intuição e racionalidade colocados lado a lado e juntamente com a valorização da habilidade de pesquisar e estudar, a meditação e a experiência, como fundamentais ao entendimento ou à compreensão de nós mesmos, da realidade em que vivemos e das relações nas quais estamos imersos.

Sabemos que a quantidade de conhecimento adquirido por nossa civilização no último século é assombrosa.

Mas, quando pensamos em paz, em educação para a paz, sentimos que ainda falta algo. Edgar Morin (2000), quando aborda os sete saberes para a educação do século XXI, destaca que a informação, se for bem transmitida e compreendida, traz inteligibilidade, condição primeira necessária, mas não suficiente, para a compreensão. Segundo este autor, existem duas compreensões que devem ser cuidadas na educação: a intelectual ou objetiva e a humana intersubjetiva. A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação. “Explicar é considerar o que é preciso como objeto e aplicar-lhe todos os meios objetivos de conhecimento. A explicação é, bem entendido, necessária para a compreensão intelectual.” (MORIN, 2000:92) A compreensão humana vai além, pois vincula-se ao conhecimento de sujeito a sujeito. Exemplifica Morin (idem):

[...] se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim minhas aflições infantis,

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identificando-a comigo e identificando- me com ela. [...] Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção.

Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia, generosidade.

Relacionamos a necessidade de entendimento, apontada por Max-Neef, à compreensão objetiva e intersubjetiva de Edgar Morin. Lembramos, neste contexto, da definição de Jorge Larrosa (2002), professor e escritor espanhol, para o saber da experiência. Faz-nos pensar a educação a partir do par experiência/sentido. Para ele, a experiência é o que nos acontece, não o que acontece simplesmente. Pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou

“argumentar”, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece.

Assim, o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, receptividade, disponibilidade, abertura. “Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo [...] como uma receptividade primeira.” (LARROSA, 2002:24).

Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que estejam juntas num mesmo acontecimento, não passam pela mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é singular. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. A aprendizagem da experiência não pode ser transmitida por outra pessoa, deve ser vivida ela mesma.

Se a aprendizagem da experiência não pode ser transmitida a outra pessoa, como podemos fazer para ensinar a paz? Como se aprende a viver em paz? Que educação dá conta da compreensão, ou da necessidade de entendimento, como vimos?

De acordo com Batalloso (2012), precisamos de uma educação concebida sob a égide da responsabilidade social, capaz de responder e corresponder eficazmente às emergências e necessidades existenciais em todas as dimensões da pessoa humana. Esta

educação deve ser dotada de fundamentos ontológicos, epistemológicos, metodológicos e axiológicos. Apta a

‘prever e afrontar’ a incerteza, a imprevisibilidade, a não-linearidade, o indeterminismo. Uma educação capaz de

“[...] Criar condições para que emerjam teorias mais explicativas e compreensivas da realidade [...] dotada de recursos e tecnologias [...] de harmonia e bem estar a todos os seres humanos, sem exceção”

(BATALLOSO, 2012:149-184).

Transdisciplinaridade e consciência atenta

Numa perspectiva transdisciplinar, há uma relação direta e incontornável entre paz e transdisciplinaridade. O pensamento fragmentado é incompatível com a busca da paz nesta Terra. O surgimento de uma cultura e de uma educação para a paz pede uma evolução transdisciplinar da educação e, muito particularmente, da Universidade (NICOLESCU, 2008:140).

A transdisciplinaridade, ao se constituir como uma nova postura perante o conhecimento e a realidade, segundo Nicolescu (2008:76), nos leva a uma “[...]

transgressão generalizada que abre um espaço ilimitado de liberdade, de conhecimento, de tolerância e de amor”.

Esta atitude transgressora exige: rigor, abertura e tolerância. Nos torna capazes, tanto no plano individual, quanto social de manter uma “[...] orientação constante, imutável, qualquer que seja a complexidade de uma situação e dos acasos da vida”

(NICOLESCU, 2008:86). Entendemos esta

‘orientação constante’ como uma outra maneira de pensarmos a paz individual, nos propiciando serenidade, no encontro de um espaço interior, no qual valores, história de vida, experiências, propósitos, intenções se integrem para que nossas ações reflitam coerência entre o que somos, pensamos, sentimos.

Como afirmado no Artigo 7 da Carta

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da Transdisciplinaridade (1994:97), “a transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências.” Em relação a este artigo, D’Ambrósio (2001) elucida que esta não é uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma nova ciência das ciências, nem uma nova postura religiosa.

Nem mesmo um modismo, mas “[...]

repousa sobre uma atitude aberta de respeito mútuo e mesmo de humildade com relação a mitos, religiões e sistemas de explicações e conhecimentos [...]. A transdisciplinaridade é transcultural”

(D’AMBROSIO, 2001: 47).

Este olhar da transdisciplinaridade se apoia nos três elementos: a complexidade, os níveis de realidade e a lógica do terceiro incluído.

Nicolescu (2006:7) aborda a lógica do terceiro incluído como uma ferramenta para um processo integrativo que “[...] nos permite atravessar dois diferentes níveis de Realidade ou de percepção”. Desta forma, nos é permitido efetivamente “[...] integrar, não apenas no pensamento, mas também em nosso próprio ser, a coerência do Universo”. Com isso, a descoberta e a utilização do terceiro escondido/incluído

“[...] é um processo transformativo”, onde o terceiro incluído deixa de ser uma ferramenta abstrata, para ser uma ferramenta lógica, que “[...] se torna uma realidade viva tocando todas as dimensões do ser”. Para este autor, tal fato é imprescindível na educação e no aprendizado. Para nós, proporciona uma abertura ao que podemos chamar de educação para ampliação da consciência, ou educação espiritual, como veremos adiante.

Contudo, não haverá progressão se esta coerência estiver limitada apenas aos níveis de realidade, seja no nível mais alto ou no mais baixo. Portanto, para que a coerência continue para além destes dois níveis limitados, constituindo um terceiro nível, ou terceiro incluído para assim, se transformar em uma unidade aberta, “[...] é

preciso considerar que o conjunto dos níveis de realidade prolongue-se para a zona de não-resistência às nossas experiências, representações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas”

(NICOLESCU, 2008: 55).

Para Nicolescu (2008:56), a zona de não-resistência corresponde à região do sagrado, àquilo que não se submete a nenhum tipo de racionalização. Estes diferentes níveis de realidade são acessíveis ao conhecimento humano devido à existência de diferentes níveis de percepção que permitem uma visão geral, unificante e englobante da realidade, sem que jamais se esgote completamente. Assim, a zona complementar de não-resistência constitui o Objeto transdisciplinar e o conjunto de níveis de percepção, como também o Sujeito transdisciplinar. O objeto transdisciplinar é formado pelos níveis de realidade e a zona de não-resistência e o sujeito transdisciplinar, pelos níveis de percepção e a zona de não resistência.

Ambos formam uma unidade aberta que se traduz pela orientação coerente do fluxo de energia e de informação que “[...] atravessa os níveis de realidade e pelo fluxo de consciência que atravessa os níveis de percepção. [...] Este todo se abre para a zona de não-resistência, ou o sagrado, que é comum ao sujeito e ao objeto” por meio de uma experiência vivida que integra o saber.

A zona de não-resistência é o “[...]terceiro secretamente incluído que une ciência e consciência [...]. Surge um novo tipo de evolução, ligada à cultura, à ciência, à consciência, à relação com o outro”

(NICOLESCU, 2008:76).

Assim, Nicolescu (2006:9) ressalta que “[...] precisamos encontrar uma dimensão espiritual”, onde a transdisciplinaridade pode contribuir para melhorias nos aspectos: “[...] transcultural, transreligioso e trans-espiritual”. Segundo o autor, é através da trans-espiritualidade, que a pobreza espiritual pode ser erradicada, tornando obsoleta a guerra das civilizações.

“[...] A atitude trans-espiritual não é

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simplesmente um projeto utópico – ela está gravada nas profundezas de nosso ser”.

A presença do sagrado não implica crenças, dogmas, doutrinas. “O sagrado é aquilo que liga. [...] É a experiência de uma realidade e a origem da consciência de existir no mundo”. A humanidade é uma pluralidade complexa e uma unidade aberta.

Porém, é preciso despertar o terceiro secretamente incluído que existe em cada um de nós. (NICOLESCU, 2008:126).

Para tratar do sagrado apresentamos uma reflexão que nos alerta para um educar no caminho do amor: um “[...] educar não somente para o desenvolvimento das inteligências e do pensamento, mas, sobretudo, para a evolução da consciência e do espírito”, valorizando a experiência da comunhão, do coração, do espírito e do sagrado, reprimidos durante séculos (MORAES, 2003:121).

Vivenciar esses valores e aprender a viver/conviver, traz-nos o sentido da necessidade em começarmos a compreender o significado do transcendente. E nestes termos, “[...] vê-lo vivo na própria pessoa, na própria vida, no trabalho, nos amigos e no meio ambiente [...] começar a abrir-se para um mundo expansivo da ausência de limites” (Moraes, 2003:158). Quando esse processo transcorre corretamente, a identidade, o próprio eu, tende a expandir-se também em qualidade, até atingir dimensões mais ou menos globais, momento em que o espírito fica saturado de profundidade (MORAES, 2003).

Portanto, se compreendermos o significado da verdadeira atitude espiritual, da interiorização, ao mesmo tempo ética e moral e, sobretudo, do profundo respeito e responsabilidade social para conosco, o outro e o planeta, perceberemos então que, em todas as nossas ações poderá haver esta prática, que é a absoluta expressão de consciência espiritual. Todavia, “[...] todo ato surge da eternidade, da ausência de limites e, desse modo, é uma expressão perfeita e desobstruída do Todo”

(WILBER, 2001:181). Interiorizar a prática de uma consciência espiritual significa modificar e vigiar o próprio comportamento. Significa colocá-la em tudo que fazemos. Significa torná-la nossa prática, nossa prece, nossa vontade, enfim, tudo, desde as tarefas mais simples e incômodas até as mais elaboradas e prazerosas (WILBER, 2001).

Mas, de que maneira isto é possível?

É necessário promover rupturas, que por sua vez provocam diferentes conflitos e duelos que nos direcionam ao enfrentamento de padrões criados e identificados para manter uma segurança e valores construídos ao longo da história da humanidade. Estas rupturas, destes modelos de sociedade, tendem a provocar profundas transformações e em decorrência disto, somos levados a deixar que emerja um novo ser (HOLANDA, 2014).

A ampliação da consciência humana, entendida como consciência espiritual, que se manifesta também no exercício da atenção plena docente, dando forma a uma aprendizagem consciente e atenta, deve originar a abertura para melhorias no campo da educação, algo que já reluz a passos lentos há algumas décadas (HOLANDA, 2014). Deve ser um processo ao qual se possa conjugar a condição de seres humanos que há em nós, seres que pertencem a uma mesma ‘nave planetária’, conjugar nosso caráter individual e singular que nos conduza para uma educação humana amorosa e não-sectária, onde “[...]

se condensam pensamentos, emoções, motivações, vivências e experiências presentes em nosso caminhar”

(BATALLOSO, 2012:163).

Entendemos como consciência espiritual (HOLANDA, 2014) a atenção plena ao fluxo de energia e de informação presentes na inteireza do ser humano. Nesta perspectiva, o termo consciência espiritual implica a aprendizagem fundamentada na consciência plena, no cérebro consciente, que encontra ressonância no mindfulness.

Este conceito, por sua vez, implica em uma

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forma especial de atenção capaz de desenvolver uma maneira concreta de compreender as experiências vividas da própria natureza da mente em tempo real, no aqui e no agora, trazendo, em consequência, para o ato de ensinar, uma aprendizagem consciente, implicada no momento presente e nas diferentes nuances que emergem no/do momento docente.

(HOLANDA, 2014)

A ampliação da consciência humana fundamentada na consciência plena, no pensar consciente, encontra ressonância na atenção plena e nos liga à terminologia do mindfulness - o estar atento -, utilizada para identificar a atenção, tendo como base o conceito de consciência. Prestar atenção plena, segundo alguns estudiosos, como Jon Kabat-Zinn e Daniel J. Siegel, Ellen Langer, Robert J. Sternberg (2010; 2000;

2000), entre outros, significa atentar para a riqueza das experiências no momento presente, no aqui e no agora, e este procedimento traz melhorias para a fisiologia, para as funções cognitivas, para as relações interpessoais e o bem estar. Este procedimento, na continuidade, favorece a integração do ser, constituindo-se em desenvolvimento da paz interior (HOLANDA, 2014).

Segundo Siegel (2010), estar desperto para a plenitude da experiência do dia a dia, pode nos tornar mais conscientes do mundo interior da mente e nos submerger por completo em nossas vidas. E ainda, nos permite estabelecer uma relação de sintonia que pode ser definida a partir da perspectiva cotidiana de focar em algo.

Para tanto, é necessária a intencionalidade. Forçar a atenção de maneira intencional pode transformar a vida das pessoas. Esta intencionalidade aplicada por meio do mindfulness desenvolve uma habilidade atencional que permite focar a mente no presente, abandonando hábitos de desatenção, como se fosse um desaprendizado e não um aprendizado. A atenção rompe com a desatenção, abrindo a possibilidade de diferentes formas de

apreensão da realidade, de nós mesmos e das relações entre nós e o mundo. A conduta consciente (ARNT, 2007), nos permite agir a cada instante, na integralidade do ser, conservando as opções das negociações que fazemos com o meio.

Maturana (1997) nos diz que agimos de acordo com um domínio operacional criado pelas emoções. Ou seja, somos racionais, mas não somente racionais. Somos seres emocionais e, na interação com o meio, impactamo-nos, experimentamos sensações, percepções, que criam o domínio operacional no qual agimos. Mesmo assim, o fato de reconhecermos isto, não indica que nossas reações sejam sempre conscientes. Pelo contrário, é comum atuarmos por impulsos de nossa personalidade, e analisar depois, pelas consequências, se a conduta foi adequada ou não, se trouxe os resultados esperados ou não.

É a essa forma automatizada de agir que contrapomos o gesto de interrupção, descrito por Larrosa (2002), que nos convida a ouvir, falar, olhar, pensar mais devagar, atendo-se aos detalhes, às sutilezas, ampliando nosso contato com a realidade por meio da delicadeza, da paciência, do andar/fazer sem pressa, da atenção plena.

Fazer do gesto de interrupção um hábito leva-nos à consciência das possibilidades da mente que, ao invés de ser simplesmente reativa, torna-se criativa.

Através de instantes de quietude, reconhecendo os próprios pensamentos à medida que surgem, reconhecemos sentimentos, buscando suas origens.

Pela transdisciplinaridade, podemos dizer que a consciência espiritual permite- nos o trânsito pela zona de não-resistência, ampliando nossa compreensão, pela percepção dos diferentes níveis de realidade.

Docência transdisciplinar e educação para a paz

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De acordo com Arnt (2007), entre os princípios da docência transdisciplinar está o ‘cultivo do tempo de ser’. Ou seja, a necessidade do professor vivenciar a atenção plena, ou reflexão atenta, ou buscar a consciência espiritual para que possa integrar, em suas práticas educativas, a vivência do sagrado, como preconizado na Carta da Transdisciplinaridade.

A docência transdisciplinar deve incluir uma relação diferente do docente consigo mesmo. Pressupõe uma racionalidade aberta, uma nova relação com o meio, que somente pode consubstanciar- se através de uma nova relação consigo.

Qualquer tentativa de descrevê-la pode sem dúvida esclarecer, mas não é algo compreensível afastado da prática. Por isso, em nossas investigações em processos formativos na perspectiva da docência transdisciplinar, vamos gradativamente incorporando práticas de contemplação e quietude.

Nossas pesquisas na formação de professores, seja na graduação, em São Paulo, ou em projetos de formação continuada, em São Paulo e no Ceará (ARNT, 2010), apontam para a importância das práticas visando a reflexão atenta, que chamamos o ‘cuidado do ser’. Nas avaliações dos professores são momentos especiais, que impactam a vida pessoal, familiar, profissional.

Reconhecendo a necessidade da paz individual para a concepção de uma educação para a paz; reconhecendo que não podemos dar o que não temos;

reconhecendo que não ‘ensinamos a paz’ a não ser que tenhamos hábitos que nos possibilitem a paz interior, incluímos nas formações o momento de ‘cuidar do ser’, por meio de um espaço/tempo de recolhimento, em direção ao nosso ‘centro’, local único, individualmente falando, e plural, nos grupos que formamos.

Buscando uma pauta que orientasse este movimento, consideramos a importância de trabalharmos a atenção e a

concentração a partir dos cinco sentidos e, posteriormente, da mente, tida por algumas tradições como o sexto sentido.

Demos à sensibilização a força de um ritual, tomando ritual por um conjunto de gestos, de ações às quais atribuímos um valor simbólico, tornando-se uma tradição entre nós (ARNT, 2010:127).

Assim, a cada dia vamos trabalhando um sentido, buscando a consciência de si, a consciência do momento presente por meio da ‘atenção auditiva’, quando por instantes buscamos ouvir os sons sem, no entanto, analisá-los, permanecendo na escuta atenta, receptiva; ‘atenção ao paladar’, quando, saboreando, buscamos a consciência durante a alimentação; ‘atenção ao tato’, quando escolhemos objetos, conhecendo-os pelo tato, antes que pela visão, sendo capazes de reconhecê-los posteriormente ao vê-los; ‘atenção à mente’, por meio da respiração consciente, buscando asserenar a mente, aquietando-a, ‘pensando mais devagar’.

Os relatos dos professores nos afirmam serem estes momentos diferenciados, em que conseguem relaxar e sentirem-se em paz. Nos desdobramentos, a partir das vivências, animam-se a recriar a experiência em sala de aula, levando aos alunos de diferentes faixas etárias, também os momentos de atenção.

Considerações... voltando à pergunta inicial

Como educar para a paz?

Sem dúvida há um imenso trajeto a ser percorrido, sem rotas pré-definidas, sem receitas, sem certezas. Na missão da UNESCO encontramos o ato constitutivo:

“Uma vez que as guerras começam na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas.” É por onde iniciamos a sistematizar nossas pesquisas, nossas experiências. Os resultados ainda são provisórios. Vinculados ao ‘aprender a ser’, encontramos um imenso campo de trabalho

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para além dos conteúdos formais. Enquanto continuamos disciplinares, ousamos reconhecer-nos como sujeitos transcendentes, entrando em contato com nosso tempo de ser, descobrindo a quietude, a contemplação, a consciência, a atenção plena.

Como educar para a paz? Sem respostas prontas, nas mentes de homens e mulheres vamos construindo por meio da troca e da partilha, defesas de paz, tornando com isso, o diálogo o caminho mais certo para a paz. Quiçá, estas defesas tornem-se a via para o aperfeiçoamento do saber, do fazer e do sentir. E que esta via irrompa para além de uma educação para a paz, mas sim, para uma cultura de paz! Onde todos nós estejamos irreversivelmente imbricados e impulsionados para o descobrimento, o desvelamento do caminho que pode conduzir ao cuidado, ao amor, à saúde, à felicidade, à espiritualidade, e, por conseguinte, à paz planetária. Estamos todos conectados, influenciando e influenciados pelos sonhos, desejos, expectativas e perspectivas nossas, do outro e do mundo. Todos somos membros da mesma família humana!

. Referências

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Referências

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