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Apostila Do Estado Do Tocantins

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Emancipação

O Estado do Tocantins foi criado no dia 5 de outubro de 1988, com a promulgação da oitava Constituição Brasileira. A conquista foi resultado de uma luta que começou no século XIX e culminou com um projeto de lei do então deputado federal José Wilson Siqueira Campos, aprovado pelo Congresso Nacional, em 1985, após ter sido vetado em duas ocasiões pelo

presidente da República, José Sarney, que considerava o plano oneroso e desprovido de interesse público.

A luta pela autonomia do Estado sempre foi um desejo antigo do povo do então norte de Goiás. Já em 1821, o desembargador Joaquim Theotônio Segurado rebelara-se contra o isolamento imposto na região, proclamando o Governo Autônomo do Tocantins. Apesar da pouca duração desse governo, a iniciativa serviu para espalhar o sentimento separatista entre a população. Mais tarde, em 1920, a divisão entre o norte e o sul de Goiás foi novamente defendida por José Pires do Rio, ministro da Viação e Obras Públicas do presidente Rodrigues Alves. A idéia foi bem recebida, mas não se materializou.

A luta recente pela emancipação do Tocantins foi personificada na figura de Siqueira Campos que, antes de conseguir a vitória na Constituinte, já havia apresentado a proposta diversas vezes ao longo de 18 anos em que atuara como deputado em Brasília (DF). Enquanto Siqueira Campos fazia gestões na esfera federal, a luta pela autonomia a Região continuava com a mobilização da população pelas lideranças de Porto Nacional, Tocantinópolis, Natividade e outras localidades. Para dar ênfase à prioridade da emancipação, Siqueira Campos submete-se a uma greve de fome, determinado a ir às últimas conseqüências. Como resposta, ele conseguiu a aprovação quase unânime no Congresso Nacional.

A Capital

Com a criação do Tocantins, era necessária uma Capital provisória até a aprovação da sede definitiva do Governo pela Assembléia Estadual Constituinte, e a cidade escolhida foi Miracema do Tocantins. Já em novembro, foram realizadas as eleições para o legislativo e o executivo, sendo José Wilson Siqueira Campos eleito o primeiro Governador do mais novo Estado da Federação, tendo como vice, o juiz federal aposentado Darci Coelho.

A capital definitiva, Palmas, foi instalada em 1º de janeiro de 1990 à margem direita do rio Tocantins e com um plano diretor especialmente elaborado. Os poderes executivo, legislativo e judiciário foram transferidos de Miracema para a nova Capital, que nascia em terras cercadas pela Serra do Carmo e em menos de dois anos já atraíra 30 mil pessoas vindas de todos os cantos do País em busca de oportunidades.

Os negócios tomaram vulto, especialmente no ramo imobiliário e de construção civil. Palmas, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) conta com uma população que ultrapassa 150 mil habitantes. É a cidade que mais cresce no País.

Geografia

O Estado do Tocantins está localizado no Centro Geodésico do Brasil, e possui uma

área de 278.420,7 Km2. Com uma população de 1.157.098 (IBGE 2000), o Estado faz

divisa com seis Estados: Pará, Maranhão, Piauí, Bahia, Mato Grosso e Goiás. Por estar

em uma área de transição, apresenta características climáticas e físicas tanto da

Amazônia Legal quanto na zona central do Brasil, com duas estações: seca e chuvosa.

O clima é tropical e a vegetação predominante é o cerrado, que cobre 87,8% da área

total do Estado. O restante é ocupado por florestas. O relevo tocantinense é formado por

depressões na maior parte do território, planaltos a Sul e Nordeste, e planícies na região

central. O ponto mais elevado é a Serra Traíras (1.340 metros). O Tocantins é dono de

muitas belezas naturais, entre elas a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo,

localizada na região sudoeste do Estado, onde também estão o Parque Nacional do

Araguaia e o Parque Nacional Indígena.

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A maior bacia hidrográfica totalmente brasileira também está localizada no Estado - a

bacia do rio Tocantins - Araguaia com uma área superior a 800.000 km2. Seu principal

rio formador é o Tocantins, cuja nascente localiza-se no estado de Goiás, ao norte da

cidade de Brasília. Dentre os principais afluentes da bacia Tocantins - Araguaia,

destacam-se os rios do Sono, Palma e Manuel Alves, todos localizados na margem

direita do rio Araguaia.

História

Apresentação

"O que será toda essa riquíssima região no dia em que tiver transporte fácil pelo rio, ou uma boa rodovia ligando todos esses núcleos de civilização. E sonhamos... com as linhas aéreas

sobrevoando o Tocantins, vindo ter a ele ou dele saindo para os diversos quadrantes.

As rodovias chegando a Palma, a Porto Nacional, a Pedro Afonso, a Carolina, a Imperatriz, vindos de beira mar! O tráfego imenso que a rodovia Belém do Pará - Imperatriz - Palma teria, se aberta ! (...)

E pensamos: quantas gerações passarão antes que este sonho se realize! (...) mas tudo vem a seu tempo!" (Lysias Rodrigues)

Já sonhava Lysias Rodrigues na década de quarenta quando defendia a criação do território do Tocantins. E o tempo chegou !

Foi criado pela Constituição de 1988 o Estado do Tocantins. Sua capital não é a Palma de que fala Lysias mas é Palmas em homenagem a esta, a vila da Palma, antiga sede da Comarca do Norte. E as rodovias e linhas aéreas já vêm e saem do Tocantins "para diversos quadrantes".

Muitas gerações compartilharam o sonho de ver o norte de Goiás independente. Esse sentimento separatista tinha justificativas históricas. Os nortistas reclamavam da situação de abandono, exploração econômica e descaso administrativo e não acreditavam no desenvolvimento da região sem o seu desligamento do sul.

O norte de Goiás

O norte de Goiás deu origem ao atual Estado do Tocantins. Segundo Parente (1999) esta região foi interpretada sob três versões.

Inicialmente norte de Goiás foi denominativo atribuído somente à localização geográfica dentro da região das Minas dos Goyazes na época dos descobrimentos auríferos no século XVIII. Com referência ao aspecto geográfico essa denominação perdurou por mais de dois séculos, até a divisão do Estado de Goiás, quando a região norte passa a ser o Estado do Tocantins.

Num segundo momento, com a descoberta de grandes minas na região, o norte de Goiás passou a ser conhecido como uma das áreas que mais produziam ouro na capitania. Esta constatação despertou o temor ao contrabando que acabou fomentando um arrocho fiscal maior que nas outras áreas mineradoras.

Por último, o norte de Goiás passou a ser visto, após a queda da mineração, como sinônimo de atraso econômico e involução social, gerador de um quadro de pobreza para a maior parte da população.

Essa região foi palco primeiramente de uma fase épica vivida pelos seus exploradores que "em quinze anos abrem caminhos e estradas, vasculham rios e montanhas, desviam correntes,

desmatam e limpam regiões inteiras, rechaçam os índios e exploram, habitam e povoam uma área imensa...." (PALACIN, 1979, p. 30).

Descoberto o ouro a região passa, de acordo com a política mercantilista do século XVIII, a ser incorporada ao Brasil. O período aurífero foi brilhante, mas breve. E a decadência, quase sem transição, sujeitou a região a um estado de abandono.

Foi na economia de subsistência que a população encontrou mecanismos de resistência para se integrar economicamente ao mercado nacional. Essa integração, embora lenta, foi se

concretizando baseada na produção agropecuária, que predomina até hoje e constitui a base econômica do Estado do Tocantins (PARENTE, 1999,p.96).

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"(...) descobrimento, um período de expansão febril, caracterizado pela pressa e semi - anarquia; depois, um breve, mas brilhante, período de apogeu, e, imediatamente, quase sem transição, a súbita decadência, prolongada, às vezes, como uma lenta agonia. Tal é o ciclo do ouro"(PALACIN).

As descobertas de minas de ouro em Minas Gerais no ano 1690 e em Cuiabá em 1718 despertaram a crença de que em Goiás, situado entre Minas Gerais e Mato Grosso, também deveria existir ouro. Foi essa a argumentação, segundo Palacin (1979), da bandeira do

Anhanguera, Bartolomeu Bueno da Silva (filho do primeiro Anhanguera que esteve com o pai na região anos antes), para conseguir a licença do rei de Portugal a fim de explorar a região. O Rei cedia a particulares o direito de exploração de riquezas minerais mediante o pagamento do quinto que "segundo ordenação do reino este era uma decorrência do domínio real sobre todo o subsolo (...) o rei (...) não querendo realizar a exploração diretamente cedia a seus súditos este direito exigindo em troca o quinto do metal fundido e apurado a salvo de todos os gastos" (PALACIN, 1979, p. 46).

O controle das minas

Desde quando ficou conhecida a riqueza aurífera das Minas de Goyazes, o governo português tomou uma série de medidas para garantir para si o maior proveito da exploração das lavras. Foi proibida a abertura de novas estradas em direção às minas. Os rios foram trancados à navegação. As indústrias proibidas ou limitadas. A lavoura e a criação inviabilizadas por pesados tributos: braços não podiam ser desviados da mineração. O comércio foi "fiscalizado e vexado". E o fisco, insaciável na arrecadação.

"Só havia uma indústria livre: a mineração", concluiu Alencastre (1979, p.18), "(...) mas esta mesma sujeita à capitação e censo, à venalidade dos empregados de registros e contagens, à falsificação na própria casa de fundição, ao quinto (...) ao confisco por qualquer ligeira desconfiança de contrabando (...)".

À época do descobrimento das Minas dos Goyazes vigorava o método de quintamento nas casas de fundição. A das minas de Goiás era em São Paulo. Para lá que deveriam ir os mineiros para quintar seu ouro. Recebiam de volta, depois de descontado o quinto, o ouro fundido e selado com selo real. O ouro em pó podia ser usado como moeda no território das minas, mas se saísse da capitania, tinha que ser declarado ao passar pelo registro e depois quintado, o que praticamente ficava como obrigação dos comerciantes. Estes, vendendo todas as coisas a crédito, prazo e preços altíssimos acabava ficando com o ouro dos mineiros e eram os que, na realidade, canalizavam o ouro das minas para o exterior e deviam, por conseguinte, pagar o quinto correspondente.

A decadência da produção

A produção do ouro goiano teve nos primeiros dez anos de estabelecimento das minas (1726-1735) o seu apogeu, foi o período em que o ouro aluvional aflorava por toda a região, resultando numa produtividade altíssima. Quando se iniciou a cobrança do imposto de capitação em todas as regiões mineiras, nesse momento, a produção começou a cair "é possível afirmar que essa queda da produtividade está mascarada pelo incremento do contrabando - principalmente nessa região - que, infelizmente é impossível mensurar"(PARENTE, 1999, p.42).

De 1752 a 1778 a arrecadação chegou a um nível mais alto, é o período da volta da cobrança do quinto nas casas de fundição. Mas a produtividade continuou decrescendo. O motivo dessa contradição era a própria extensão das áreas mineiras que compensava e excedia a redução de produtividade.

As distâncias das minas do norte, os custos para levar o ouro e os perigos dos ataques indígenas aos mineiros justificaram a criação de uma casa de fundição em São Félix em 1754. Mas, já em 1797, foi transferida para Cavalcante "por não arrecadar o suficiente para cobrir as despesas de sua manutenção" (PARENTE, 1999, p. 51).

A Coroa Portuguesa mandou investigar as razões da diminuição da arrecadação da Casa de Fundição de São Félix. Foram tomadas algumas providências como a instalação de um registro, posto fiscal, entre Santa Maria (Taguatinga) e a vila do Duro (Dianópolis). Outra tentativa para reverter o quadro da arrecadação foi a organização de bandeiras para tentar novos

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dirigiu-se rumo ao Pontal (região de Porto Real), pela margem esquerda do Tocantins e entrou em conflito com os Xerente, resultando na morte de seu comandante. A outra saiu de Traíras (nas proximidades de Niquelândia, Goiás) para as margens do rio Araguaia em busca dos Martírios, serra onde se acreditava existir imensas riquezas auríferas. Mas a expedição só chegou até a ilha do Bananal onde sofreu ataques dos Xavante e Javaé, dali retornando.

No período de 1779 a 1822, ocorreu a queda brusca da arrecadação do quinto com o fim das descobertas do ouro de aluvião predominando a faiscagem nas minas antigas. Quase sem transição, chegou a súbita decadência.

A crise econômica

O declínio da mineração foi irreversível "arrastando consigo os outros setores a uma ruína parcial: diminuição da importação e do comércio externo, menos rendimentos dos impostos, diminuição da mão-de-obra por estancamento na importação de escravos, estreitamento do comércio interno, com tendência à formação de zonas de economia fechada e um consumo dirigido à pura

subsistência, esvaziamento dos centros de população, ruralização, empobrecimento e isolamento cultural" (PALACIN, 1979, p.133).

Toda a capitania entrou em crise e nada foi feito para a sua revitalização. Endividados com os comerciantes, os mineiros estavam descapitalizados. Não investiu em técnicas mais sofisticadas para a exploração do ouro nem resolveu o problema da falta de escravos. A avidez pelo lucro fácil, tanto das autoridades administrativas metropolitanas quanto dos mineiros e comerciantes, não admitiu perseveranças. O local onde não se encontrava mais o ouro ia sendo abandonado. "Os arraiais de ouro, que surgiam e desapareciam no Tocantins, nada nos legaram em benefícios de civilidade, a não ser o expansionismo geográfico", concluiu Silva (1997, p. 41). Cada vez se adentrava mais para o interior procurando o ouro aluvional, mas as buscas foram em vão. Foi no norte da capitania que a crise foi mais profunda. Parente (1999) aponta os fatores determinantes. Isolada tanto propositadamente quanto geograficamente, essa região sempre sofreu medidas que frearam o seu desenvolvimento. A proibição da navegação fluvial pelos rios Tocantins e Araguaia eliminou a maneira mais fácil e econômica de a região atingir outros

mercados consumidores das capitanias do norte da colônia. O caminho aberto que ligava Cuiabá a Goiás não contribuiu em quase nada para interligar o comércio da região com outros centros abastecedores visto que o mercado interno estava voltado ao litoral nordestino. Esse isolamento, junto com o fato de não se incentivar a produção agro-pecuária nas regiões mineiras, tornava abusivo o preço de gêneros de consumo e favorecia a especulação. A carência de transportes, a falta de estradas e o risco freqüente de ataques indígenas dificultavam o comércio.

Além destas dificuldades o contrabando e a cobrança de pesados tributos contribuíram para drenagem do ouro para fora da região. Dos impostos, somente o quinto era remetido para Lisboa. Todos os outros (entradas, dízimos, contagens, etc.) eram destinados à manutenção da colônia e da própria capitania. "Para facilitar e agilizar a cobrança desses tributos, a capitania de Goiás se dividia em duas (sul e norte), no momento de se repassarem as rendas, essa divisão não valia, o que beneficiava os arraiais mais próximos da sede do governo, localizados no sul, que faziam parte dos povoamentos nas rotas comerciais com as outras capitanias" (PARENTE, 1999, p.92). Isso explica por quê essa renda não ficava na região de origem.

Inviabilizadas as alternativas de desenvolvimento econômico devido à falta de acumulação de capital e o atrofiamento do mercado interno, findo o ciclo da mineração, a população se volta para a economia de subsistência.

Nas últimas décadas do século XVIII e início do século XIX toda a capitania estava mergulhada numa situação de crise levando, diante desse quadro, os governantes goianos voltarem "suas atenções para as atividades econômicas que antes sofreram proibições, objetivando soerguer a região da crise em que mergulhara" (PARENTE, 1999, p. 93).

A Subsistência da população e a integração econômica

"Realizada a transmutação, por toda a geografia de Goiás na segunda década do século XIX, encontram-se carcaças de antigas povoações mineiras outroras cheias de vida, o capim cresce nas ruas, a maior parte das casas abandonadas por seus habitantes se desmancham e até as igrejas, a começar por suas torres, vão caindo aos pedaços (...) O norte, sobretudo, foi mais de século em recuperar-se" (PALACIN).

Finda a mineração, os aglomerados urbanos estacionaram ou desapareceram e grande parte da população abandonou a região. Os que permaneceram foram para zona rural e dedicaram-se à criação de gado e agricultura, produzindo apenas algum excedente para aquisição de gêneros essenciais (PALACIN, 1989, p.46).

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Toda a capitania entrou num processo de estagnação econômica. No norte o quadro de abandono, despovoamento, pobreza e miséria foi descrito por muitos viajantes e autoridades que passaram pela região nas primeiras décadas do século XIX.

Saint-Hilaire na divisa norte/sul da Capitania revelou: "À exceção de uma casinha que me pareceu abandonada, não encontrei durante todo o dia nenhuma propriedade, nenhum viajante, não vi o menor trato de terra cultivada, nem mesmo um único boi".

Johann Emanuel Pohl, anos depois, passando pelo povoado de Santa Rita constatou ..."é um lugar muito pequeno, em visível decadência .(...)Agora por não haver negros, por falta de braços, as lavras de ouro estão inteiramente descuradas e abandonadas".

O Desembargador Theotônio Segurado, que mais tarde tornaria ouvidor da Comarca do Norte, em relatório de 1806, deu conta das penúrias em que vivia a região em função tanto do abandono como da falta de meios para contrapor esse quadro: "(...) A Capitania nada exportava; o seu comércio externo era absolutamente passivo: os gêneros da Europa, vindos em bestas do Rio ou Bahia pelo espaço de 300 léguas, chegavam caríssimos; os negociantes vendiam tudo fiado: daí a falta de pagamentos, daí as execuções, daí a total ruína da Capitania".

Diante dessa situação, a Coroa portuguesa tomou consciência de que só através do povoamento, da agricultura, da pecuária e do comércio com outras regiões que a capitania poderia retomar o fluxo comercial de antes. Como saída para a crise voltaram-se as atenções para as possibilidades de ligação comercial com o litoral, através da capitania do Pará, pela navegação fluvial dos rios Tocantins e Araguaia. "Voltar as atenções, naquele momento para essas vias de comunicação constituía-se numa necessidade premente da Capitania por não ser mais possível manter gastos com o único meio de transporte utilizado até então - as tropas de animais - devido á baixa produtividade das minas" (CAVALCANTE, 1999, p.39).

As picadas, os caminhos e a navegação pelos rios Tocantins e Araguaia, todos interditados na época da mineração para conter o contrabando, foram liberados desde 1782. Como efeito

imediato o norte começou a se relacionar com o Pará, ainda que de forma precária e inexpressiva. Nas primeiras décadas do século XIX, o Desembargador Theotônio Segurado já apontava a navegação dos rios Tocantins e Araguaia como alternativa para o desenvolvimento da região através do estímulo à produção para um comércio mais vantajoso tanto no norte como em toda a Capitania, diferente do tradicionalmente realizado com a Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Com esse fim propôs a formação de companhias de comércio, o estímulo à agricultura, o povoamento das margens desses rios oferecendo isenção por dez anos do pagamento de dízimos aos que ali se estabelecessem, e, aos comerciantes, concessão de privilégios na exportação para o Pará. Com estas propostas chamou a atenção das autoridades governamentais para a importância do comércio de Goiás com o Pará, através dos rios Araguaia e Tocantins (CAVALCANTE, 1999, p.55). Foi ele próprio realizador de viagens para o Pará incentivando a navegação do Tocantins.

Destacou-se como um grande defensor dos interesses da região quando foi Ouvidor da Comarca do norte. A criação dessa comarca visava promover o povoamento no extremo norte para fomentar o comércio e a navegação dos rios Araguaia e Tocantins.

Mas, só a partir dos anos 40 do século XIX que o poder público - tanto provincial quanto imperial - investiu no sentido de explorar a navegação com fins comerciais. O governo imperial instalou na Província presídios e colônias militares e estabeleceu aldeamentos ao longo dos rios Araguaia e do Tocantins. "Os presídios incumbiam-se de afastar os índios hostis, prover os navegantes de víveres e garantir apoio logístico à navegação". Também buscaram atrair a população não-índia para as terras próximas a esses rios através da isenção fiscal por dez anos aos lavradores que ali se estabelecessem. Na linha do rio Tocantins não obtiveram sucesso no seu intento. O isolamento, as dificuldades de administração e os ataques indígenas foram os principais empecilhos. "Os aldeamentos, sob a direção de padres capuchinos, promoviam a fixação dos índios, tornando possível utilizá-los como tripulação dos barcos que desciam rumo ao Pará" (ROCHA, 1998, p59). Esses aldeamentos foram mais promissores na medida em que constituíram, no norte, os núcleos iniciais de cidades como Tocantínia (antiga Piabanha), Pedro Afonso e Araguacema (antiga Santa Maria do Araguaia). Os esforços governamentais se concentraram principalmente no rio Araguaia na intenção de trazer também para os julgados do sul as vantagens do comércio com o Pará, visto que, " (...) as importações de sal, ferro e manufaturas, via Bahia e Pará, saíam por um preço três vezes menor do que os julgados do sul pagavam às importações oriundas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro" (CAVALCANTE, 1999, p.39). Contudo, nem o aldeamento dos índios, a formação de sociedades mercantis e a instalação da navegação a vapor no Araguaia não foram suficientes para viabilizar a comunicação dos julgados do sul com o Pará. A navegação do Tocantins prosseguiu, embora cercada de imensos obstáculos.

Além dos entraves naturais do próprio rio - cachoeiras e corredeiras - somavam-se os custos das viagens, a falta de suporte para as mesmas, a carência de mão-de-obra para a navegação das embarcações, o tempo gasto nas viagens e o perigo dos ataques indígenas.

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Obstáculos que o poder público não conseguiu transpor como também não conseguiu

suprir a ausência de um produto exportável que mantivesse a região vinculada à

metrópole ou mesmo às outras Províncias mais desenvolvidas economicamente. A

agricultura não alcançou um nível de produção comercial por fatores ponderáveis como

o isolamento geográfico em relação aos grandes centros produtores, as dificuldades dos

meios de transportes e de comunicação, a inexistência de mercados consumidores e as

constantes ameaças de ataques da população indígena. Plantava-se, portanto, o

indispensável para o consumo e para a aquisição de alguns produtos básicos de

importação como sal, pólvora, etc. A pecuária, praticada de forma extensiva,

predominou.

A navegação prosseguiu, então, sustentada pela perseverança dos comerciantes do

norte. Se não atendeu aos propósitos de soerguer economicamente toda a região, ela foi

de vital importância para a economia do norte na medida em que integrou o sertão ao

mercado de Belém, proporcionando um surto de desenvolvimento em vilas e povoados.

No final do século XIX, saíam botes, canoas, batelões e, mais tarde, barcos motorizados

carregados de mercadorias como fumo, algodão, cana-de-açúcar, couro de boi, peles

silvestres e carne seca, rumo a praça de Belém. De lá, vinham as manufaturas, ferro e

produtos do reino. Entrepostos comerciais, de onde eram redistribuídas as mercadorias

importadas de Belém e repassados os produtos sertanejos, transformaram-se em

prósperas vilas como Porto Imperial (atual Porto Nacional), Pedro Afonso, São Pedro

de Alcântara (Carolina-Ma) e Boa Vista (Tocantinópolis).

Paralelamente, o gado também abriu caminhos para o interior do sertão. "As pastagens

naturais, ao norte, tornaram-se forte atrativo aos criadores de gado do Maranhão e Piauí

que, ao longo do século XIX, se desenvolveram e alcançaram autonomia e maior

expressão na região. Duas foram as razões: `(...) a proximidade do norte e nordeste de

Goiás ao litoral norte e nordeste e, a segunda, em razão do declínio da exploração

aurífera ter sido mais rápido na região e, ainda, o incentivo geral da Coroa na concessão

de sesmarias mais extensas aos interessados na atividade pecuária (...)

´"(CAVALCANTE, 1999, p.19). Sesmarias eram lotes de terra cedidos pela Coroa

portuguesa.

A pecuária praticamente determinou o processo de ocupação econômica da região nos

séculos XIX e XX.. Já no final do século XVIII e por todo o século XIX

multiplicaram-se as fazendas de gado no norte. Sob o estímulo da pecuária surgiram agrupamentos

humanos ruralizados, constituídos de vaqueiros, criadores e tropeiros. Da conjugação

das várias fazendas, originaram-se os núcleos urbanos. Araguatins, Lizarda, Ponte Alta

do Bom Jesus, Silvanópolis, Taguatinga, Tocantinópolis e Nazaré são exemplos de

cidades do estado do Tocantins que nasceram de currais de gado.

No século XX, as fazendas de gado já estavam consolidadas e revelaram um novo tipo

de sociedade onde a criação de gado, apesar de dominante, não foi exclusiva. Nas

próprias fazendas, desenvolveu-se a pequena lavoura para complemento alimentar.

Além de gado, criavam porcos, cabras e ovelhas. A caça e a pesca também eram

atividades subsidiárias. Alguns fazendeiros dividiam seu trabalho entre o campo e a

cidade, onde residiam e estabeleciam comércio onde vendiam querosene, cachaça, fumo

em rolo, pimenta-do-reino, cravo-da-índia, ervas, rapadura, açúcar grosso, sal, botões,

novelo de linha, medicamentos diversos, etc. Os vaqueiros, constantemente,

intercalavam seu trabalho no campo com a atividade de barqueiro no rio Tocantins.

Eram vaqueiros e remeiros. Os filhos dos fazendeiros ricos ou iam estudar em Carolina,

Porto Nacional, Salvador, Rio de Janeiro; ou permaneciam na tradição familiar com a

criação de gado.

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O intercâmbio comercial dessa região era maior com as praças de Belém, Maranhão,

Piauí e Bahia. Eram vendidos couros de boi e peles silvestres (Pará e Maranhão), látex

de mangabeira (Belém e Bahia) e gado em pé (Bahia e Piauí). O sal vinha de Mossoró

(RN) via Barreiras e o café, de Corumbá de Goiás. As transações eram feitas a dinheiro

ou à base de permuta (SILVA, 1997, p. 89). Boa Vista, atual Tocantinópolis, possuía a

maior frota de barcos e era o maior centro urbano de todo o norte goiano na metade do

século XIX. No século XX, perde para a pacata vila de Pedro Afonso que com o látex

da mangabeira (caucho) assume a liderança de empório do sertão, centralizando os

negócios do Médio Araguaia e Tocantins com a praça de Salvador, na Bahia (SILVA,

1997, p.75).

Nos anos 20, 30 e 40 do século XX, a ocupação econômica do extremo norte e do

Médio Tocantins foi sustentada pelo extrativismo mineral e vegetal: o babaçu, o caucho

e o cristal.

Nas décadas de 1940 e 1950, essa atividade continuou movimentando a economia

regional e trouxe surto de prosperidade para algumas povoações. Pium, Cristalândia,

Arapoema e Xambioá foram favorecidas com a exploração do quartzo (cristal de rocha)

que ganhou mercado com a Segunda Guerra Mundial. Em Araguatins, o babaçu e o

mogno aqueceram o comércio da região. O extrativismo, como fonte de renda, fez parte

de uma época áurea na história desses municípios.

Nesse mesmo período, a instalação de charqueadas incrementou o comércio de Pedro

Afonso e Araguacema com o Pará. O charque - carne das partes dianteiras do boi,

salgada e dobrada em forma de manta - era vendido para a praça de Belém. Esse

comércio foi feito inicialmente por via fluvial e continuou por via aérea, até o final da

década de 1950.

Na década de 1960, com a construção da rodovia Br-153 ou Belém-Brasília ligando o

Planalto Central à Belém do Pará, declina a navegação mercantil. As linhas hidroviárias

Porto Nacional-Lajeado; Tocantínia-Pedro Afonso-Carolina;

Carolina-Tocantinópolis-Belém foram desativadas. A rodovia promoveu uma nova rearticulação do comércio

inter-regional que, se praticamente inexistia, tinha ficado ainda mais debilitado depois

da construção da ferrovia no sudeste goiano, no início do século XX. A construção da

estrada-de-ferro integrou economicamente o centro-sul de Goiás ao centro-sul do país,

alargando a distância das relações entre o norte e o sul de Goiás. Com a BR-153 essa

situação foi amenizada. Anapólis, pólo industrial do Estado de Goiás, se tornou o novo

centro abastecedor do norte goiano, provocando um redirecionamento do comércio,

visto que, esta região se relacionava basicamente com o Maranhão, Pará e Bahia. Só a

rodovia, porém, não foi suficiente para superar a debilidade dessa relação inter-regional

devido ao desequilíbrio existente na estrutura viária do estado. Os investimentos -

federais ou estaduais - nessa área eram destinados principalmente a promover a

integração do centro sul de Goiás com o centro sul do país. "Há informação de que até

1983 alguns municípios do norte de Goiás, como Goiatins, Itacajá e outros, ficaram

praticamente ilhados. Essa situação obrigou o Banco do Brasil a recusar, naquele

momento, pedidos de financiamento agrícola sob a alegação de que as safras não seriam

escoadas" (CAVALCANTE, 1999, p.43).

No norte goiano, a Belém-Brasília provocou muitas alterações na economia local.

Cidades como Gurupi, Paraíso, Miranorte, Guaraí, Colinas e Araguaína, todas

localizadas à margem esquerda do rio Tocantins, tiveram sua origem ou se

desenvolveram, com a construção da Br-153. Por outro lado, as povoações situadas à

margem direita do rio ficaram isoladas da nova rota de desenvolvimento. Ainda se

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tentou reativar a navegação dos rios Araguaia e Tocantins com a criação da Companhia

Interestadual dos Vales Araguaia e Tocantins - CIVAT, da Comissão de Estudos e

Obras dos Rios Tocantins e Araguaia - CEORTA e, mais tarde, com o Projeto de

Desenvolvimento Integrado da Bacia Araguaia - Tocantins (PRODIAT). Mas as

estradas de rodagem já se expandiam oferecendo uma opção de tráfego mais fácil e

viável. Ainda assim, em proporção muito menor, a navegação fluvial como meio de

subsistência, continua a fazer parte do cotidiano de algumas cidades. Araguatins, através

do rio Araguaia e Itaguatins, do rio Tocantins, por exemplo, ainda preservam um

intercâmbio comercial e cultural com o Pará e Maranhão.

A Belém-Brasília "ligando o Centro-Oeste com a orla marítima do Norte transformou-se

em área de nova fronteira de desenvolvimento" (SILVA, 1997, p.94), o que permitiu

que a partir da década de 1970, o norte de Goiás se tornasse alvo para investimentos

governamentais com o objetivo de incorporar a região ao mercado nacional como

produtora de bens exportáveis. O governo federal criou programas dirigidos

principalmente à Amazônia, mas também difundidos em 60 municípios do norte goiano,

iniciando uma nova fase de modernização no processo de ocupação e causando

impactos na organização da produção e na estrutura fundiária da região.

Quanto à produção, a agricultura foi reorientada, objetivando a exportação de arroz e

soja, em detrimento dos tradicionais milho e feijão; a pecuária foi consolidada como

atividade econômica básica e, no lugar do gado vacum pé duro, passou a predominar as

raças gir e nelore. As pastagens naturais e a vegetação nativa cederam espaço para o

plantio de novos pastos.

Em relação a estrutura fundiária, o novo modelo de desenvolvimento possibilitou a

concentração de terras com a formação de latifúndios voltados para a pecuária. Isso

ocorreu principalmente no espaço que compreende o rio Araguaia e a Belém - Brasília

onde "a pata de boi invade os babaçuais que passam a ser vítimas das queimadas. E o

babaçu - o boi vegetal - com seus 80 subprodutos, como óleo comestível ou industrial,

álcool, borra, carvão ativado, torta para ração animal etc. vai dando espaço ao

desenvolvimento da SUDAM..." (SILVA, 1997, p.93). Como conseqüência desse

processo houve a desapropriação dos antigos moradores locais pelos grandes

proprietários desencadeando graves conflitos sociais.

Nas décadas de 1970 e 1980 na região norte de Goiás configurou-se uma nova paisagem

marcada pela descontinuidade e heterogeneidade da expansão modernizadora. A

polarização de recursos em pontos diferenciados acentuou o desequilíbrio regional. Um

exemplo concreto desse fenômeno foi a posição privilegiada que o município de

Araguaína conseguiu em relação aos demais com o recebimento de mais recursos. Já a

persistência de métodos tradicionais na produção e nas relações de trabalho diante do

novo demonstrava a heterogeneidade dessa expansão. Com o fim da política de

investimentos e de crédito do governo federal, a consolidação da integração econômica,

com a expansão da modernização e a incorporação de novas áreas, constituía-se num

desafio para o futuro Estado do Tocantins.

A Primeira Cisão - 1736

Na época da mineração, as minas localizadas ao norte da capitania de Goiás eram consideradas mais ricas do que as do centro-sul, todavia, a arrecadação de impostos era inferior. Por isso, a cobrança do quinto - pagamento em ouro em pó sobre a produção - foi substituída pela capitação que passou a cobrar uma taxa de imposto sobre cada escravo utilizado, acrescido de uma

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sobretaxa para as minas do norte. Essa diferenciação fiscal teve como justificativa o alto índice de contrabando na região em função do seu isolamento.

Contra essa discriminação se levantaram os mineiros do norte ameaçando desligarem-se da Superintendência do centro-sul e ligar-se ao Maranhão, caso o governo insistisse na cobrança de um imposto que consideravam injustas. Ficaram dois anos sem pagar e só voltaram em igualdade de condições com as outras regiões.

Este episódio deixava evidente o caráter esporádico das relações entre o norte e o sul que só existia "em função de atos administrativos isolados com finalidades meramente fiscais ou jurídicas" (CAVALCANTE, 1999, p.50).

A atitude dos mineiros, segundo Palacin, causou "a primeira cisão, nunca de toda reparada, na consciência de unidade do território de Goiás" (PALACIN, 1979, p.52). Tal situação alimentou o sentimento de desligamento regional que mais tarde iria se evidenciar como "algo natural, geográfico e histórico" (CAVALCANTE, 1999, p.50).

A Criação da Comarca do Norte - 1809

Para facilitar a administração à aplicação da justiça e, principalmente, incentivar o povoamento e o desenvolvimento da navegação dos rios Tocantins e Araguaia, o Alvará de 18 de março de 1809 dividiu a Capitania de Goiás em duas comarcas (regiões): a comarca do sul e a comarca do norte. A Comarca do Norte recebeu a denominação de Comarca de São João das Duas Barras, assim como chamaria a vila que, na confluência do Araguaia no Tocantins se mandaria criar com este mesmo nome para ser sua sede. Para nela servir foi nomeado o Desembargador Joaquim Theotônio Segurado como o seu Ouvidor.

A nova comarca compreendia os julgados de Porto Real, Natividade, Conceição, Arraias, São Félix, Cavalcante, Traíras e Flores. O arraial do Carmo que já tinha sido cabeça de julgado perde essa condição que foi transferida para Porto Real, ponto que começava a prosperar com a navegação do Tocantins.

Enquanto não se fundava a vila de São João das Duas Barras, Natividade teria a sede da

ouvidoria. A função primeira de Theotônio Segurado era designar o local onde deveria ser fundada essa vila.

Alegando a distância e a descentralização em relação aos julgados mais povoados, o Ouvidor e o povo do norte solicitaram a D. João autorização para a construção da sede da comarca em outro local. No lugar escolhido por Segurado, o Alvará de 25 de janeiro de 1814 autorizava a construção da sede na confluência dos rios Palma e Paranã, a vila de Palma, hoje a cidade de Paranã. A vila de São João das Duas Barras recebeu o título de vila comarca, mas nunca chegou a ser

construída. O ouvidor Theotônio Segurado, administrador da comarca do norte, muito trabalhou para o desenvolvimento da navegação do Tocantins e o incremento do comércio com o Pará. Assumiu posição de liderança como grande defensor dos interesses regionais e, "tão logo se mostrou oportuno, não hesitou em reivindicar legalmente autonomia político administrativa dessa região" (CAVALCANTE, 1999, p.54).

O 18 de março foi, oficialmente, considerado o Dia da Autonomia pela Lei nº 960 de 17 de março de 1998, por ser a data da criação da Comarca do Norte, estabelecida como marco inicial da luta pela emancipação do Estado.

O Movimento Separatista do Norte de Goiás - 1821 a 1824

A Revolução do Porto no ano de 1820, em Portugal, exigindo a recolonização do Brasil mobilizou, aqui na colônia, especificamente no litoral, a elite intelectualizada em prol da emancipação do país. Em Goiás, essas idéias liberais refletiram na tentativa de derrubar "aquele que era a própria personificação da dominação portuguesa": o capitão-general Manoel Sampaio.

Houve uma primeira investida nesse sentido em 1821, sob a liderança do capitão Felipe Antônio Cardoso e do Pe. Luiz Bartolomeu Marques. Coube ao primeiro mobilizar os quartéis e ao segundo, conclamar o povo e lideranças para a preparação de um golpe que iria depor Sampaio. Contudo, houve uma denúncia sobre o golpe e, em seguida, foi ordenada a prisão dos principais líderes rebeldes. O Pe. Marques conseguiu fugir e novamente articulou contra o capitão-general. Mais uma vez Sampaio impôs sua autoridade e os rebeldes foram expulsos da capital Vila Boa. Alguns vieram para o norte, como o capitão Cardoso, que teve ordem para se retirar para o distrito de Arraias, e o Pe. José Cardoso de Mendonça, enviado para a aldeia de Formiga e Duro. O Pe. Marques recebeu ordens para se manter afastado da capital.

Mas os acontecimentos que ocorreram na capital não ficaram isolados. A idéia da nomeação de um governo provisório, depois de fracassada na capital, foi aclamada no norte onde já havia anseios separatistas. O desejo do padre Luiz Bartolomeu Marques não era outro senão a

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independência do Brasil. E a deposição de Sampaio seria apenas o primeiro passo. Para este fim contavam com o vigário de Cavalcante, Francisco Joaquim Coelho de Matos "(...) mas este, não tendo bastante prestígio e influência, cedeu a direção das coisas ao desembargador Joaquim Teotônio Segurado (...)" (ALENCASTRE, 1979, p.358).

No dia 14 de setembro, um mês após a frustrada tentativa de deposição de Sampaio,

instalou-se o governo independencista do norte, com capital provisória em Cavalcante.

O Ouvidor da Comarca do Norte, Theotônio Segurado, presidiu e estabeleceu essa Junta

provisória até janeiro de 1822. "No dia seguinte, o governo provisório da comarca da

Palma fez circular uma proclamação em que declarou-se desquitado do jugo despótico

do governo, mas deu vivas a D. João VI e às cortes de Lisboa" (ALENCASTRE, 1979,

p.358).

As justificativas para a separação do norte em relação ao centro-sul de Goiás eram, para

Segurado, de natureza econômica, política, administrativa e geográfica. Alegava que as

demais províncias já haviam destituído seus capitães generais, reclamava da falta de

assistência da administração pública na região que só se fazia presente na oneração de

tributos; da carência de uma força política representativa e da necessidade de um

governo mais centralizado.

- Proclamação. - Habitantes da comarca da Palma! É tempo de sacudir o jugo de um

governo despótico; todas as províncias do Brasil nos têm dado este exemplo; os nossos

irmãos de Goiás fizeram um esforço infrutífero, ou por mal delineado, ou por ser

rebatido por força superior. Eles continuam na escravidão, e até um dos principais

habitantes dessa comarca ficou em ferros. Palmenses! Sejamos livres, e tenhamos

segurança pessoal; unamo-nos e principiemos a gozar as vantagens que nos promete a

constituição! Abulam-se esses tributos que nos vexam, ou por sermos os únicos que os

pagamos, ou por não serem conformes às antigas leis adaptáveis a esta pobre comarca.

Saídas de gados, décima, banco, papel selado, entrada de sal, ferro, aço e ferramentas

ficam abolidas, todos os homens livres têm direitos aos maiores empregos; a virtude e a

ciência, eis os empenhos para os cargos públicos. Todas as cabeças de julgado darão um

deputado para o governo provisório; os arraiais de São José, S. Domingos, Chapada e

Carmo ficam gozando da mesma prerrogativa. Esses deputados devem ser eleitos, e

dirigirem-se imediatamente a Cavalcante, onde reside interinamente o governo

provisório. Depois de reunidos todos os deputados, se decidirá qual deve ser a capital, e

nela residirá o governo.

No dia 14 de setembro, um mês após a frustrada tentativa de deposição de Sampaio,

instalou-se o governo independencista do norte, com capital provisória em Cavalcante.

O Ouvidor da Comarca do Norte, Theotônio Segurado, presidiu e estabeleceu essa Junta

provisória até janeiro de 1822. "No dia seguinte, o governo provisório da comarca da

Palma fez circular uma proclamação em que declarou-se desquitado do jugo despótico

do governo, mas deu vivas a D. João VI e às cortes de Lisboa" (ALENCASTRE, 1979,

p.358).

As justificativas para a separação do norte em relação ao centro-sul de Goiás eram, para

Segurado, de natureza econômica, política, administrativa e geográfica. Alegava que as

demais províncias já haviam destituído seus capitães generais, reclamava da falta de

assistência da administração pública na região que só se fazia presente na oneração de

tributos; da carência de uma força política representativa e da necessidade de um

governo mais centralizado.

- Proclamação. - Habitantes da comarca da Palma! É tempo de sacudir o jugo de um

governo despótico; todas as províncias do Brasil nos têm dado este exemplo; os nossos

irmãos de Goiás fizeram um esforço infrutífero, ou por mal delineado, ou por ser

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rebatido por força superior. Eles continuam na escravidão, e até um dos principais

habitantes dessa comarca ficou em ferros. Palmenses! Sejamos livres, e tenhamos

segurança pessoal; unamo-nos e principiemos a gozar as vantagens que nos promete a

constituição! Abulam-se esses tributos que nos vexam, ou por sermos os únicos que os

pagamos, ou por não serem conformes às antigas leis adaptáveis a esta pobre comarca.

Saídas de gados, décima, banco, papel selado, entrada de sal, ferro, aço e ferramentas

ficam abolidas, todos os homens livres têm direitos aos maiores empregos; a virtude e a

ciência, eis os empenhos para os cargos públicos. Todas as cabeças de julgado darão um

deputado para o governo provisório; os arraiais de São José, S. Domingos, Chapada e

Carmo ficam gozando da mesma prerrogativa. Esses deputados devem ser eleitos, e

dirigirem-se imediatamente a Cavalcante, onde reside interinamente o governo

provisório. Depois de reunidos todos os deputados, se decidirá qual deve ser a capital, e

nela residirá o governo.

Os soldados que quizerem sentar praça de infantaria vencerão cinco oitavas por mês, e na cavalaria seis e meia. Palmense, ânimo e união! O governo cuidará da vossa felicidade. Viva a nossa santa religião, viva o Sr. D. João VI, viva o príncipe regente e toda a casa de Bragança, viva a constituição que se fizer nas cortes reunidas em Lisboa. Cavalcante, 15 de setembro de 1821. - Presidente Joaquim Theotônio Segurado, Manoel Antônio de Moura Teles, José Zeferino de Azevedo, José Vitor de Faria Pereira, Francisco Joaquim Coelho de Matos, Francisco Xavier de Matos, Luiz Pereira de Lemos e Joaquim Rodrigues Pereira (ALENCASTRE, 1979, p.358-359). A instalação de um governo independente - não necessariamente em relação à Coroa Portuguesa, mas sim ao governo do capitão-general da Comarca do Sul - parecia ser o único objetivo de Theotônio Segurado. A sua posição não-independencista provocou a insatisfação de alguns dos seus correligionários políticos e a retirada de apoio à causa separatista. Em outubro de 1821, transfere a capital para Arraias provocando oposição e animosidade dos representantes de Cavalcante. Com o seu afastamento em janeiro de 1822, quando partiu para Lisboa como

deputado representante de Goiás na Corte agravou a crise interna. "A partir dessa data uma série de atritos parecem denunciar que a Junta havia ficado acéfala. Na ausência de Segurado,

nenhuma liderança capaz de impor-se com a autoridade representativa da maioria dos arraiais conseguiu se firmar. Pelo contrário, os interesses particulares dos líderes de Cavalcante, Palmas, Arraias e Natividade se sobrepuseram à causa separatista regional" (CAVALCANTE, 1999, p.64). Um novo governo provisório foi organizado. O Capitão Felipe Antônio Cardoso, partidário da luta pela independência nacional, foi quem assumiu a chefia do movimento e organizou o novo governo, apesar de não participar diretamente dele. Através de um decreto, a Comarca da Palma foi desmembrada de Goiás e constituiu em sua jurisdição uma província independente. Foi mandado à Corte um deputado para comunicar o governo central da decisão tomada.

O sucessor de Segurado foi o tenente-coronel Pio Pinto Cerqueira que transferiu a capital para Natividade, destituiu o Ouvidor Febrônio José Vieira Sodré de suas funções e passou a acumular o cargo de Ouvidor. Tal decisão provocou reação em Cavalcante e Palma que não acataram as ordens de Cerqueira e mantiveram-se fiéis ao Ouvidor Febrônio, instalado em Cavalcante. A crise se instalara dividindo e enfraquecendo o governo do norte.

Em abril de 1822, com a instalação do governo provisório no sul, assume o poder naquela comarca o Pe. Camargo Fleury com a missão de restabelecer a unidade política da Província. A prisão do Capitão Felipe Antônio Cardoso, que resistia à unificação, foi sua primeira demonstração de força. Fleury também conseguiu a dissolução do maior foco de oposição contra a unidade política - o Clube de Natividade - que já estava enfraquecido por divergências internas. Assim, quando Luís Gonzaga, "o pacificador do norte", chegou à região não encontrou nenhuma resistência organizada que viesse a se tornar obstáculo à realização de seu objetivo.

Para entender a impossibilidade de sustentar o governo provisório do norte"é relevante não a posição antiindependencista de Theotônio Segurado mas sim, o seu afastamento da liderança do movimento por ter viajado a Lisboa (...).Em decorrência disso, com a ausência de um líder em condições de assumir tal posição, antes ocupada por Segurado, seria inevitável a cisão entre as lideranças regionais" (CAVALCANTE, 1999, p. 67).

Finalmente em 1823, com o Brasil já independente, o Brigadeiro Cunha Matos - na condição de Comandante das Armas e a serviço da Junta de Governo da Província de Goiás - foi enviado para Cavalcante a fim de garantir a consolidação da recém conquistada unidade política.

As divergências internas em relação à hegemonia política da região, as dificuldades de natureza econômica e financeira, o pulso forte de Luís Camargo Fleury e o não reconhecimento por parte de D. Pedro I do governo instalado no norte, foram todos fatores que, em conjunto, contribuíram

(12)

para o fracasso desse movimento.

Mas, ainda que remando contra a maré, o sentimento separatista continuou vivo ao longo do século XIX. A imprensa regional constantemente denunciava a situação de abandono, exploração econômica e descaso administrativo, contribuindo para a crença de que para o norte goiano se desenvolver seria preciso, obrigatoriamente, desligar-se do sul.

A trajetória de luta pela criação do Tocantins

No final do século XIX e no decorrer do século XX, a idéia de se criar o Tocantins, estado ou território, esteve inserida no contexto das discussões apresentadas em torno da redivisão territorial do país, no plano nacional. Mas, a concretização desta idéia só veio com a Constituição de 1988 que criou o Estado do Tocantins pelo desmembramento do estado de Goiás.

Ainda no Império, duas tentativas: a defesa de Visconde de Taunay, na condição de deputado pela Província de Goiás, propondo a separação do norte goiano para a criação da Província da Boa Vista do Tocantins, com a vila capital em Boa Vista (Tocantinópolis), em 1863; e, de modo mais

concreto, em 1889, com o projeto de Fausto de Souza para a redivisão do Império em 40 províncias, constando a do Tocantins na região que compreendia o norte goiano.

Nas primeiras décadas da República o discurso separatista sobreviveu na imprensa regional, principalmente de Porto Nacional - maior centro econômico e político da época - em periódicos como "Folha do Norte" e "Norte de Goiás". A partir da década de 1930 que o discurso retorna à esfera nacional.

Após a criação pela Constituição de 1937 dos territórios do Amapá, Rio Branco, Guaporé - atual Rondônia - Itaguaçu e Ponta Porã (extintos pela Constituição de 1946), houve também quem defendesse a criação do território do Tocantins.

Em 1944, o Brigadeiro Lysias Rodrigues, "que conhecia por terra, água e ar as vastidões

nacionais", abraçou a bandeira da criação do território do Tocantins tendo o seu projeto

acatado pelo presidente Getúlio Vargas e despachado para o IBGE. O território do

Tocantins seria criado com a divisão territorial do norte de Goiás e sul do Maranhão,

com a capital em Carolina (MA) ou Pedro Afonso (GO).

Em Pedro Afonso, houve a criação do Comitê de Propaganda Pró-Criação do Território

do Tocantins, acreditando ser pertinente a sua defesa devido a abertura dada pela

Constituição de 1946 que estabelecia normas para subdivisão ou incorporação de novos

estados. Contudo, as oposições internas e promessas políticas não cumpridas

provocaram desgastes e enfraqueceram a luta.

Em 1949, a Assembléia Legislativa não aceitou a representação da Comissão que

defendia a criação do território do Tocantins, sendo a mesma posteriormente rejeitada e

arquivada pela Comissão de Constituição e Justiça da Administração Federal.

Nos anos 50, vigorava no país as políticas do desenvolvimentismo e da integração

nacional marcadas pelo Governo Juscelino Kubistcheck. A viabilização de projetos

como a Br-153 e a construção de Brasília destacou Goiás no cenário nacional, com a

consolidação da expansão capitalista no centro-sul. O norte, na prática, não sentiu os

efeitos desse surto na década de 50, visto que, a Br-153 só foi asfaltada a partir de 1965.

A tentativa de integração do norte goiano à marcha desenvolvimentista partiu da

promoção do seu discurso separatista ressaltando sempre a situação de abandono da

região. Em 13 de maio de 1956, foi lançado em Porto Nacional o movimento

Pró-Criação Estado do Tocantins, liderado pelo Juiz de Direito dessa Comarca, o Dr.

Feliciano Machado Braga, com o apoio dos poderes legislativo e executivo local. Com o

objetivo de mobilizar a região em torno desse discurso foram realizados vários eventos.

Em outubro, a Câmara Municipal aprovou resolução que integrava Porto Nacional ao

estado do Tocantins e reconheceu este estado. O movimento ganhou apoio de

estudantes, adesão de outros municípios e manifestações de solidariedade de outros

estados como Maranhão e Bahia. Foi instituída a bandeira e escolhido o Nosso Senhor

do Bonfim como padroeiro do Estado.

(13)

Como instrumento de luta foi lançado o jornal O Estado do Tocantins, sob a direção de

Dioclesiano Ayres da Silva e redação de Fabrício Costa Freire e Dr. Feliciano Braga.

A aprovação da Emenda da deputada Almerinda Arantes à Constituição Estadual

criando o Estado do Tocantins pelo desmembramento de Goiás a partir do paralelo 13º,

seria um passo em direção à criação do Tocantins, mas dependia também da realização

de um plebiscito na região e da aprovação do Congresso Nacional, conforme estabelecia

a Constituição Federal. Mas, o artigo de solicitação do plebiscito, feito pelo deputado

Paulo Malheiros, foi rejeitado em agosto de 1957, pela Assembléia Legislativa Goiana.

Motivos para a criação do Tocantins continuaram sendo expressos em artigos de jornais

relacionando a importância de Brasília e a criação do novo estado para a interiorização

do Brasil. Contudo, a oposição do Legislativo goiano e a transferência do Dr. Feliciano

da região norte para Anápolis, enfraqueceram o movimento.

Nos anos 60, o movimento foi sustentado pela defesa isolada de alguns membros do

Legislativo estadual e de lideranças estudantis do norte, com destaque para a Casa de

Estudante do Norte Goiano (CENOG), fundada em Goiânia em 15 de maio de 1960,

com o objetivo inicial de dar assistência aos estudantes que iam para aquela capital para

dar prosseguimento aos seus estudos. A conscientização destes em relação aos

problemas da região permitiu que a entidade ampliasse seus objetivos e abraçasse a

causa separatista. Assim, através de congressos, comícios, distribuição de cartazes e

boletins, manteve acesa a luta pela criação do Tocantins durante uma década. Mas, em

decorrência da ditadura militar e do fechamento político do país a partir de 1965, o

movimento apresentou certa disposição ao desalento, pois, qualquer manifestação de

caráter autonomista poderia ser interpretada como ameaça à ordem e segurança

nacional. Assim, foi mais conveniente mobilizar as forças representativas da região para

uma ação unificada junto ao governo do estado, buscando sua integração aos progressos

do centro-sul. Neste contexto, vale destacar a atuação da CENOG que, através do seu

jornal O Paralelo 13, funcionou como um instrumento de denúncias e reivindicações do

povo nortense.

Em 1965, por ocasião da elaboração da Constituição de 1967, foi aberto um espaço para a abordagem da redivisão territorial, na Assembléia Constituinte, através de uma carta ao presidente Castelo Branco, redigida pelo Dr. Feliciano Braga. Nesta havia um apelo para que a Revolução de 31 de março realizasse a redivisão do país. "O magistrado considerava a disposição geográfica daquela época anacrônica e injustificável - herança da colonização com leves

modificações" (CAVALCANTE, 1999, p.123). E pedia que a futura Constituição não se omitisse na solução de "tão importante e vital problema do Brasil". A publicação dessa carta na imprensa regional trouxe novamente à baila as manifestações pró-criação do estado do Tocantins. Quando o governo federal, com base na ideologia da Segurança Nacional, acenou para a possibilidade de formar novos territórios na Amazônia, com a inserção do norte de Goiás na Amazônia Legal, mobilizou o meio político para a criação do Tocantins. Contudo, o

pronunciamento do ministro do Interior, general Albuquerque Lima, considerando "irreais" as informações extra-oficiais que anunciavam a redivisão do país em vários territórios, entre eles o do Tocantins, as mobilizações perderam as forças.

Até a primeira metade dos anos 70, as reivindicações políticas do norte goiano diziam respeito à sua inserção no mercado internacional, dentro da política econômica da época, direcionadas para a produção de bens de consumo duráveis e do incentivo à agricultura comercial voltada para a exportação. Para a região se enquadrar nessa política foram necessárias medidas urgentes como regularização de títulos de terras, abertura de créditos e financiamentos, etc. proporcionando a modernização do processo de ocupação econômica com a mecanização da lavoura e a pecuária intensiva. Isso provocou uma "justificada euforia". "Mas não com força suficiente para que a tese separatista fosse sustentada, principalmente se for considerado o fato de os divisionistas sempre terem levantado a bandeira do abandono e do isolamento a que essa região estivera relegada" (CAVALCANTE, 1999, p.128).

(14)

O discurso separatista veio novamente à tona quando o sul do Mato Grosso, em plena fase de prosperidade econômica, se mobilizou em torno de sua autonomia até conseguir em 1977 a aprovação pelo governo federal do projeto de criação do estado do Mato Grosso do Sul. Neste contexto, o deputado Siqueira Campos, representante do norte goiano, retomou a proposta da criação do Tocantins. Presidiu a Comissão da Amazônia e apresentou trabalho sobre a redivisão territorial propondo a criação de doze territórios, entre eles o do Tocantins. O mesmo deputado apresentou projeto de consulta plebiscitária para a posterior criação do Território do Tocantins, aprovado pela Câmara de Deputados e que, no ano seguinte, foi arquivado pelo Senado Federal. Nos anos 80, as expectativas em relação ao processo de democratização deflagrado, inicialmente, com as eleições diretas para governador em 1982, permitiu que fosse novamente levantado o discurso em defesa dos interesses do norte goiano. Havia ainda por vir a Campanha das Diretas-já, em 1984, e a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987.

A fundação da CONORTE - Comissão de Estudos do Norte Goiano - em 1981, em Brasília, foi de fundamental importância dentro desse contexto. Sustentada por lideranças políticas e intelectuais radicadas em Goiânia e Brasília, a CONORTE tinha como objetivos conscientizar a população das potencialidades econômica do norte goiano, do descaso governamental e da necessidade de se organizar politicamente para a defesa dos interesses da região. Isso foi feito através de congressos, seminários, conferências e manifestos publicados na imprensa.

Em abril de 1982, a CONORTE promoveu o 1° Congresso de Estudo dos Problemas do Norte Goiano. Em maio do mesmo ano, divulga em Brasília a Carta do Tocantins. Esta, além de fazer uma análise sócio-econômica da região, apela aos nortistas para reunirem forças em prol do aumento da representatividade da região na esfera governamental. Na prática a idéia era de que, em plena fase de abertura política, se votasse em políticos comprometidos com os interesses do norte, independente de opções partidárias.

No ano de 1984, o deputado Siqueira Campos apresentou um projeto de Lei

Complementar para criar o Estado do Tocantins. O projeto foi aprovado pelo Congresso

Nacional, mas vetado pelo Presidente José Sarney. Depois, o projeto foi reapresentado

no senado pelo Senador Benedito Ferreira, aprovado na Câmara e no Senado e, mais

uma vez, vetado pelo presidente.

Os dois vetos foram justificados com os argumentos de que a criação de mais um estado

implicaria em ônus para os cofres públicos e da inviabilidade econômica do novo estado

que não dispunha de recursos suficientes para sustentar-se.

Em protesto contra o segundo veto do presidente os deputados Siqueira Campos e Totó

Cavalcante iniciaram greve de fome, chamando a atenção da mídia de todo o país e

sensibilizando a opinião pública em favor da criação do estado do Tocantins. A

CONORTE mobilizou as lideranças conclamando para uma cruzada de mobilizações

populares e realizou seminários e conferências nas universidades de Goiás

demonstrando a falta de fundamentação nas justificativas do veto presidencial que, mais

uma vez, adiou o sonho dos tocantinenses.

Em junho de 1986, a Comissão de Redivisão Territorial, coordenada pelo Ministério do

Interior, concluiu ser inviável a criação do estado do Tocantins mas acenou com a

possibilidade de se instalar o Território do Tocantins. A maioria das lideranças era

contrária a essa posição. Articularam-se, então, para a aprovação do projeto de criação

do novo estado pela Assembléia Nacional Constituinte de 1987.

A criação do Estado do Tocantins - 1988

O ano foi 1987. As lideranças souberam aproveitar o momento oportuno para mobilizar a população em torno de um projeto de existência quase que secular e pelo qual lutaram muitas gerações: a autonomia política do norte goiano já batizado "Tocantins".

A CONORTE apresentou à Assembléia Constituinte uma Emenda Popular com cerca de 80 mil assinaturas como reforço à proposta de criação do estado. Foi criada a União Tocantinense, organização suprapartidária com o objetivo de conscientização política em toda a região norte para lutar pelo Tocantins também através de Emenda Popular. Com objetivo similar, nasceu o Comitê Pró-Criação do Estado do Tocantins que conquistou importantes adesões para a causa separatista. "O povo nortense quer o Estado do Tocantins. E o povo é o juiz supremo. Não há como contestá-lo", reconhecia o governador de Goiás na época, Henrique Santilo (SILVA, 1997,

(15)

p.237).

Em junho, o deputado Siqueira Campos, relator da Subcomissão dos Estados da Assembléia Nacional Constituinte, redige e entrega ao presidente desta Assembléia, o deputado Ulisses Guimarães, a fusão de emendas criando o Estado do Tocantins que foi votada e aprovada no mesmo dia.

Pelo artigo 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, em 05 de outubro de 1988, nascia o Estado do Tocantins:

Art.13. É criado o Estado do Tocantins, pelo desmembramento da área descrita neste artigo, dando-se sua instalação no quadragésimo sexto dia após a eleição prevista no § 3º, mas não antes de 1º de janeiro de 1989.

§ 1º O Estado do Tocantins integra a Região Norte e limita-se com o Estado de Goiás pelas divisas norte dos Municípios de São Miguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minaçu, Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Campos Belos, conservando a leste, norte e oeste as divisas atuais de Goiás com os Estados da Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Mato Grosso.

§ 2º O Poder Executivo designará uma das cidades do Estado para sua capital provisória até a aprovação da sede definitiva do governo pela Assembléia Constituinte.

§ 3º O Governador, o Vice-Governador, os Senadores, os Deputados Estaduais serão eleitos, em um único turno, até setenta e cinco dias após a promulgação da Constituição, mas não antes de 15 de novembro de 1988, a critério do Tribunal Superior Eleitoral (...).

§ 4º Os mandatos do Governador, do Vice-Governador, dos Deputados Federais e Estaduais eleitos na forma do parágrafo anterior extinguir-se-ão concomitantemente aos das demais unidades da Federação; o mandato do Senador eleito menos votado extinguir-se-á nessa mesma oportunidade, e o dos outros dois, juntamente com o dos Senadores eleitos em 1986 nos demais Estados.

§ 5º A Assembléia Estadual Constituinte será instalada no quadragésimo sexto dia da eleição de seus integrantes, mas não antes de 1º de janeiro de 1989, sob a presidência do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, e dará posse, na mesma data, ao Governador e ao Vice-Governador eleitos.

§ 6º Aplicam-se à criação e instalação do Estado do Tocantins, no que couber, as normas legais disciplinadoras da divisão do Estado de Mato Grosso, observado o disposto no art. 234 da Constituição.

§ 7º Fica o Estado de Goiás liberado dos débitos e encargos decorrentes de empreendimentos no território do novo Estado, e autorizada a União, a seu critério, a assumir os referidos débitos. A eleição dos primeiros representantes tocantinenses foi realizada em 15 de novembro de 1988, pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, junto com as eleições dos prefeitos municipais. Além do Governador e seu vice, foram escolhidos os Senadores e Deputados Federais e Estaduais.

A cidade de Miracema do Norte, localizada na região central do novo estado, foi escolhida como capital provisória. No dia 1º de janeiro de 1989 foi instalado o Estado do Tocantins e empossados o Governador, José Wilson Siqueira Campos; seu vice, Darci Martins Coelho; os senadores Moisés Abrão Neto, Carlos Patrocínio e Antônio Luiz Maya; juntamente com oito deputados federais e vinte e quatro deputados estaduais.

Ato contínuo, o Governador assinou decretos criando as Secretarias de Estado e viabilizando o funcionamento dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos Tribunais de Justiça e de Contas. Foram nomeados o primeiro Secretariado e os primeiros Desembargadores. Também foi assinado decreto mudando o nome das cidades do novo estado que tinham a identificação "do Norte" e passaram para "do Tocantins". Foram alterados, por exemplo, os nomes de Miracema do Norte, Paraíso do Norte e Aurora do Norte para Miracema do Tocantins, Paraíso do Tocantins e Aurora do Tocantins. No dia 5 de outubro de 1989, foi promulgada a primeira Constituição do estado, feita nos moldes da Constituição Federal. Foram criados mais 44 municípios além dos 79 já existentes. Atualmente o estado possui 139 municípios.

Foi construída, no centro geográfico do estado, numa área de 1.024 Km2 desmembrada do município de Porto Nacional, a cidade de Palmas, para ser a sede do Governo estadual. Em 1º de janeiro de 1990, foi instalada a capital.

O desbravamento da região

A colonização do Brasil se deu dentro do contexto da política mercantilista do século XVI que via no comércio a principal forma de acumulação de capital, garantido, principalmente, através da posse de colônias e de metais preciosos.

Além de desbravar, explorar e povoar novas terras os colonizadores tinham também uma

justificativa ideológica: a expansão da fé cristã. "Explorava-se em nome de Deus e do lucro, como disse um mercador italiano" (AMADO, GARCIA, 1989, p.09). A preocupação em catequizar as

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populações encontradas foi constante.

A colônia brasileira, administrada política e economicamente pela metrópole, tinha como função fornecer produtos tropicais e/ou metais preciosos e consumir produtos metropolitanos. Portugal, então, iniciou a colonização pela costa privilegiando a cana de açúcar como principal produto de exportação.

Enquanto os colonizadores portugueses se concentravam no litoral, no século XVII ingleses, franceses e holandeses conquistavam a região norte brasileira estabelecendo colônias que servissem de base para posterior exploração do interior do Brasil. Os franceses, depois de devidamente instalados no forte de São Luís na costa maranhense, iniciam a exploração dos sertões do Tocantins. Coube a eles a descoberta do Rio Tocantins pela foz no ano de 1610 (RODRIGUES, 2001).

O rio Tocantins foi um dos caminhos para o conhecimento e exploração da região onde hoje se localiza o Estado do Tocantins. Nasce no Planalto Central de Goiás e corta, no sentido sul-norte, todo o território do atual Estado do Tocantins.

Só mais de quinze anos depois dos franceses foi que os portugueses iniciaram a colonização da região pela "decidida ação dos jesuítas". E ainda no século XVII os padres da Companhia de Jesus fundaram as aldeias missionárias da Palma (Paranã) e do Duro (Dianópolis) (SECOM, 1998).

Diversas expedições "entradas", "descidas" e "bandeiras" percorreram a região. Estas

expedições eram de caráter oficial destinadas a explorar o interior e buscar riquezas

minerais ou de particulares organizadas para a captura de índios.

De Belém partiam expedições de exploradores e jesuítas pelo rio Amazonas chegando

até os rios Tocantins e Araguaia.

Dos sertões da Bahia, Pernambuco e Piauí, seguindo os cursos dos rios, se expandiam

para a região as fazendas de gado. De São Paulo saíam as bandeiras em canoas pelos

rios Paranaíba-Tocantins-Araguaia até voltarem pelo Tietê a São Paulo. "Naquele

tempo, uma dessas viagens podia demorar-se dois ou três anos" (PALACIN, 1989,

p.06). Mais tarde depois de 1630 introduziu-se o uso de mulas e as bandeiras preferiram

a viagem por terra.

Jesuítas, criadores de gado e bandeirantes, foram os desbravadores da região ainda no

século XVII. Poucos contribuíram, na época, para o seu povoamento, muito para a sua

posterior exploração.

Até o início do século XVIII, a força motivadora para a exploração da região foi

predominantemente o índio. Os bandeirantes aproveitando a extinção destes nos grandes

centros colonizadores da costa - Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro - e a dificuldade de

importação, em certos períodos, de negros da África, transformaram a sua captura num

lucrativo negócio para atender a demanda de mão-de-obra na lavoura. Como subproduto

destas expedições os bandeirantes retornavam, algumas vezes, com pequenas

quantidades de ouro de aluvião dos rios, principalmente do Araguaia, contribuindo para

despertar lendas sobre o metal. Como os bandeirantes, os jesuítas também iam à busca

de índios. Como eles, tampouco se fixaram no território. Procuraram tão só "descer" as

tribos para suas aldeias no Pará (PALACIN, 1979, pp. 15-16).

Destes desbravadores, somente os criadores de gado vieram com a intenção de se fixar

na região. A criação de gado antecedeu a mineração. "Quando na terceira década do

século XVIII acontecia a descoberta de ouro no Sul do Tocantins, a região já detinha

um extenso corredor de picadas para os caminhos de gado entre Piauí, Maranhão e as

ribeiras do rio São Francisco" (SILVA, 1997, p. 25). Os currais de gado deram origem

aos primeiros núcleos coloniais "quando a região é sacudida com a febre do ouro de

aluvião", completa Silva.

Só no final do século XVII e início do século XVIII que bandeirantes com objetivo de

descobrir metais nobres tiveram a preocupação em fixar núcleos estáveis no interior do

Brasil. Mas a ocupação econômica e o povoamento efetivo só se dariam a partir da

segunda década do século XVIII com base na exploração do ouro dentro do contexto da

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