Injetividade de Aplica¸c˜
oes de classe
C
1
no Plano e a
Conjectura de Markus-Yamabe
Marcelo Tavares Ramos Luiz
UFRJ
Rio de Janeiro
2006
Injetividade de Aplica¸c˜
oes de classe C
1no plano e a
Conjectura de Markus-Yamabe
Marcelo Tavares Ramos Luiz
Disserta¸c˜ao de Mestrado apresentada ao Programa de P´os-gradua¸c˜ao do Instituto de Matem´atica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necess´arios `a obten¸c˜ao do t´ıtulo de Mestre em Matem´atica.
Orientador: Bruno Sc´ardua
Rio de Janeiro Dezembro de 2006
Luiz, Marcelo Tavares Ramos
L953i Injetividade de aplica¸c˜oes de classe C1 no plano
2006 e a conjectura de Markus-Yamabe / Marcelo Tavares Ramos Luiz. - Rio de Janeiro: UFRJ/IM, 2006.
v,60p.; 29 cm
Disserta¸c˜ao(Mestrado) - UFRJ/IM. Programa de P´os-Gradua¸c˜ao em Matem´atica, 2006.
Orientador: Bruno Sc´ardua Referˆencias: p.56.
1. Sistemas Dinˆamicos-tese. I. Scardua, Bruno Cesar Azevedo (orientador). II.Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Matem´atica. III. T´ıtulo.
Agradecimentos
Agrade¸co `a minha fam´ılia, aos meus amigos e aos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro por terem me permitido chegar at´e aqui. Especialmente ao meu professor e orientador Bruno Sc´ardua.
Resumo
Neste trabalho, apresentamos um resultado que garante a injetividade de uma aplica¸c˜ao X : R2 → R2 de classe C1 a partir de uma hip´otese no espectro do campo X, ou seja,
no conjunto formado por todos os auto-valores de DX(p), quando p varia em R2. Tal
resultado ´e suficiente para demonstrar a conjectura de Markus-Yamabe em dimens˜ao dois, que versa sobre a estabilidade assint´otica de um campo vetorial a partir de uma hip´otese feita no seu espectro.
Abstract
In the text, we present a result that guarantees the injectivity of a C1 map X :R2 → R2
from a hypothesis on the spectrum of X, that is, on the set of all eigenvalues of DX(p), when p varies in R2. This result is sufficient to prove the 2-dimensional Markus-Yamabe
conjecture, which tells about asymptotic stability of a vector field from a hypothesis on its spectrum.
Sum´
ario
Introdu¸c˜ao 1
1 Preliminares 3
1.1 E.D.O. e Sistemas Dinˆamicos . . . 3
1.2 Resultados cl´assicos em an´alise . . . 12
1.3 Folhea¸c˜oes . . . 13
1.4 Integra¸c˜ao e Medida de Lebesgue . . . 20
2 Injetividade de Aplica¸c˜oes no Plano 30 2.1 N˜ao-injetividade . . . 30
2.2 Injetividade . . . 38
3 Estabilidade assint´otica global de campos no plano 49 3.1 Contra-exemplo . . . 54
Introdu¸c˜
ao
Iniciamos este trabalho enunciando a famosa conjectura proposta por Markus e Yamabe em [9].
Problema 1 (Conjectura de Markus-Yamabe, 1960). Seja X :Rn → Rnum campo
vetorial de classe C1 tal que X(0) = 0. Se para cada p ∈ Rn, os autovalores complexos
de DX(p) tem parte real negativa, ent˜ao a origem ´e um atrator global.
Em [17], Olech demonstra que o caso bidimensional desta conjectura ´e equivalente ao problema enunciado abaixo.
Problema 2. Seja X = (f, g) : R2 → R2 uma aplica¸c˜ao de classe C1. Se para cada
p ∈ Rn, os autovalores complexos de DX(p) tem parte real negativa, ent˜ao X ´e injetiva.
Diversos matem´aticos tentaram arduamente demonstrar esses resultados. No fim da d´ecada de oitenta, Meisters e Olech demonstram em [10] uma vers˜ao mais fraca da conjectura bidimensional, considerando campos vetoriais polinomiais. Na primeira metade da d´ecada de noventa, foram exibidas trˆes demonstra¸c˜oes independentes para o Problema 2. Estava, portanto, resolvida a conjectura de Markus-Yamabe no plano. Em [21], Glutsyuk demonstra exatamente o Problema 2. J´a Fessler e Gutierrez provam resultados mais gerais em [13] e [8] respectivamete. Em ambos os trabalhos est´a contido o seguinte resultado:
Teorema 0.0.1. Uma aplica¸c˜ao X : R2 → R2 de classe C1 ´e injetiva se existe um
compacto K tal que, para cada p ∈ R2\K, os autovalores reais de DX(p) s˜ao negativos.
Em [11] Bernat e Llibre constroem contra-exemplos para a conjectura em dimens˜oes maiores do que trˆes. Assim, o Problema 1 permanecia aberto apenas para o caso tridi-mensional. Existia ainda interesse no caso de campos polinomiais em dimens˜ao n. No
ano de 1997, Cima et al exibem em [20] um contra-exemplo polinomial simples e supreen-dente para dimens˜oes maiores do que dois, resolvendo definitivamente a Conjectura de Markus-Yamabe.
Em [19], Gutierrez, Fernandes e Rabanal provam o seguinte resultado:
Teorema 0.0.2. Uma aplica¸c˜ao X :R2 → R2 de classe C1 ´e injetiva se existe um ² > 0
tal que, para cada p ∈ R2, DX(p) n˜ao possui autovalores em [0, ²).
O contra-exemplo exibido por Pinchuck em [12] garante que um difeomorfismo local no plano n˜ao ´e necessariamente injetivo, mesmo no caso polinomial. Nesse sentido, o Teorema 0.0.2 possui um car´ater optimal. Em [19], discute-se a vers˜ao n-dimensional do Problema 2, conhecida como conjectura fraca de Markus-Yamabe. Em [16], Smith e Xavier provam que para algum inteiro n > 2, existe uma aplica¸c˜ao polinomial X :Rn→
Rn n˜ao injetiva, tal que, para cada p ∈ Rn, os autovalores reais de DX(p) s˜ao negativos.
´
E exibido ainda um teorema que garante a injetividade com condi¸c˜oes mais fortes. Em [18], Gutierrez, Fernandes e Rabanal provam que o Teorema 0.0.2 e a conjectura de Markus-Yamabe no plano possuem uma generaliza¸c˜ao para aplica¸c˜oes diferenci´aveis, n˜ao necessariamente de classe C1.
Nesta disserta¸c˜ao, seguindo [19] e [18], provaremos o Teorema 0.0.2 e o caso bidimen-sional da conjectura de Markus Yamabe. O trabalho apresenta-se na seguinte ordem:
No cap´ıtulo 2, exibiremos resultados cl´assicos e importantes em an´alise real, equa¸c˜oes diferenciais, sistemas dinˆamicos e folhea¸c˜oes reais.
No cap´ıtulo 3, provaremos o Teorema 0.0.2. Primeiramente, demons-traremos que a n˜ao-injetividade da aplica¸c˜ao X = (f, g) : R2 → R2 garante que a folhea¸c˜ao definida
por f possui uma semi-componente de Reeb. Em seguida, provaremos um lema que nos permitir´a assumir que a proje¸c˜ao sobre o eixo das abscissas desta semi-componte ´e um intervalo de comprimento infinito. Com isto, e algumas ferramentas de an´alise, concluiremos o resultado desejado.
Com a injetividade, demonstraremos no cap´ıtulo 4 a conjectura de Markus-Yamabe para n = 2, seguindo o trabalho de Olech em [17].
Cap´ıtulo 1
Preliminares
1.1
E.D.O. e Sistemas Dinˆ
amicos
Todos os resultados n˜ao demonstrados desta se¸c˜ao podem ser encontrados em [2], [4] ou [5]. Daqui por diante, U e V s˜ao abertos de Rm.
Teorema 1.1.1 (Teorema de Peano). Se X : U → Rm ´e um campo vetorial cont´ınuo,
e p ∈ U, existe um intervalo aberto I 3 0 onde est´a definida alguma solu¸c˜ao do seguinte problema de valor inicial:
˙α(t) = X(α(t)) α(0) = p. (1.1) Teorema 1.1.2 (Teorema de Picard). Seja X : U → Rm uma aplica¸c˜ao cont´ınua e
localmente Lipschitziana. Para cada p ∈ U, existe um intervalo aberto I 3 0 onde est´a definida uma ´unica solu¸c˜ao de 1.1.
Corol´ario 1.1.1. Seja X : U ⊂ Rm → Rm campo vetorial de classe C1. Para cada
p ∈ U, existe um intervalo aberto I 3 0 onde est´a definida uma ´unica solu¸c˜ao de 1.1. Defini¸c˜ao 1.1.1. Uma solu¸c˜ao φp : Ip = (ω−(p), ω+(p)) → U de 1.1 ´e dita m´axima se
n˜ao existe um intervalo Jp % Ip e uma extens˜ao ˜φ : Jp → U de φ sendo ainda uma solu¸c˜ao
Teorema 1.1.3. Seja X : U ⊂ Rm → Rm um campo vetorial de classe Cr, r ≥ 0, tal
que, para cada p ∈ U, existe um intervalo aberto onde est´a definida uma ´unica solu¸c˜ao de 1.1. Ent˜ao,
1. para cada p ∈ U, existe um intervalo aberto Ip onde est´a definida a ´unica solu¸c˜ao
m´axima φp : Ip → U de 1.1.
2. o conjunto D = {(p, t); p ∈ U e t ∈ Ip} ´e aberto em Rm+1 e a aplica¸c˜ao
φ : D → U (p, t) 7→ φp(t)
´e de classe Cr.
3. se t ∈ Ip e q = φ(p, t), ent˜ao Iq= Ip− t = {r − t; r ∈ Ip} e
φs◦ φt(p) := φ(q, s) = φ(p, t + s) := φt+s(p).
Defini¸c˜ao 1.1.2. A aplica¸c˜ao φ definida no Teorema 1.1.3 recebe o nome de fluxo do campo X. Quando para cada p ∈ Rm, I
p =R, a aplica¸c˜ao φ : U × R → U recebe o nome
de fluxo completo de X. Neste caso, o item 3 do teorema acima, garante que a aplica¸c˜ao t 7→ φt ´e um homomorfismo do grupo aditivo dos n´umeros reais sobre o conjunto dos
difeomorfismos de U (homeomorfismos no caso de fluxos cont´ınuos), munido da opera¸c˜ao de composi¸c˜ao.
Teorema 1.1.4. Seja X : U → Rm um campo cont´ınuo. Se φ
p : Ip = (ω−(p), ω+(p)) →
U ´e uma solu¸c˜ao m´axima ´unica de 1.1, ent˜ao a aplica¸c˜ao φp(t) tende `a fronteira de U
quando t → ω±(p).
Defini¸c˜ao 1.1.3. Dizemos que p ∈ U ´e uma singularidade do campo vetorial X : U → Rm se X(p) = 0. Caso contr´ario, dizemos que p ´e um ponto regular. Se X define um
fluxo φ, e p ´e uma singularidade de X, ´e ´obvio que φ(t, p) = p e Ip =R.
Defini¸c˜ao 1.1.4. Seja X um campo cont´ınuo que define um fluxo φ. O conjunto γp :=
chama-se singular. Se γp ´e uma curva homeomorfa a um c´ırculo, dizemos que a trajet´oria
´e fechada ou peri´odica. O conjunto γ+
p := {φ(p, y); t ∈ [0, ω+(p))} recebe o nome de
semi-trajet´oria positiva partindo de p. Analogamente definimos γ−
p. Quando n˜ao houver
risco de d´uvidas, identificaremos a solu¸c˜ao m´axima φp : Ip → U com sua imagem, ou
seja, com a trajet´oria de X que passa por p.
Proposi¸c˜ao 1.1.1. Seja X um campo cont´ınuo que define um fluxo φ. Se φ(t1, p) =
φ(t2, p) e t1 < t2, ent˜ao Ip =R e, para todo t ∈ R,
φ(t + (t2− t1), p) = φ(t, p),
ou seja, γp ´e peri´odica.
Defini¸c˜ao 1.1.5. Seguindo o enunciado da Proposi¸c˜ao 1.1.1, o n´umero real T = t2 − t1
recebe o nome de per´ıodo da trajet´oria fechada γp.
Defini¸c˜ao 1.1.6. Sejam U e V subespa¸cos topol´ogicos de Rm
, X : U → Rm e Y : V → Rm campos cont´ınuos que definem fluxos. Dizemos que X e Y s˜ao topologicamente
equiv-alentes (resp. Cr-equivalentes) se existe um homeomorfismo (resp. um difeomorfismo Cr) h : U → V levando ´orbitas de X em ´orbitas de Y , preservando a orienta¸c˜ao dada
pelos fluxos.
Defini¸c˜ao 1.1.7. Sejam φX : DX → Rm, φY : DY → Rm fluxos associados a campos
X : U ⊂ Rm → Rm e Y : V ⊂ Rm → Rm respectivamente. Dizemos que X e Y s˜ao
topologicamente conjugados (resp. Cr-conjugados) se existe um homeomorfismo (resp.
um difeomorfismo Cr) h : U → V tal que h(φ
X(t, p)) = φY(t, h(p)) para todo (t, p) ∈ DX.
Observa¸c˜ao 1.1.1. Toda conjuga¸c˜ao ´e uma equivalˆencia. A rec´ıproca n˜ao ´e necessaria-mente verdadeira.
Observa¸c˜ao 1.1.2. As no¸c˜oes de equivalˆencia e conjuga¸c˜ao, definem rela¸c˜oes de equivalˆencia entre campos definidos em abertos de Rm.
Lema 1.1.1. Se X : U ⊂ Rm → Rm e Y : V ⊂ Rm → Rm s˜ao campos de classe Cr e
h : U → V ´e um difeomorfismo Cr, h ´e uma conjuga¸c˜ao entre X e Y se, e somente se,
Lema 1.1.2. Sejam X : U → Rm e Y : V → Rm campos vetoriais cont´ınuos, sendo que
Y define um fluxo. Seja h : U → V um difeomorfismo de classe Cr. Se, para alguma
aplica¸c˜ao cont´ınua a : U → R+, tivermos Dh(p)X(p) = a(p)Y (h(p)), ∀p ∈ U, ent˜ao X
define um fluxo e h ´e uma equivalˆencia de classe Cr entre X e Y .
Demonstra¸c˜ao. Seja p ∈ U. Pelo Teorema 1.1.1, existe um intervalo I = (−², ²) onde est´a definida alguma solu¸c˜ao β de X para o problema (1.1). Considere a fun¸c˜ao b = 1
a◦β :
I → R+. Pelo Teorema 1.1.1, se i ∈ I, existe um intervalo J
i 3 0 onde o problema de valor inicial ˙s(t) = b(s(t)) s(0) = i. (1.2) possui alguma solu¸c˜ao si. Como b > 0, si´e uma aplica¸c˜ao crescente, sendo um
difeomor-fismo sobre sua imagem. Considere agora a aplica¸c˜ao αi = Ji → V t 7→ h ◦ β ◦ si(t). Temos que d dtαi(t) = Dh(β(si(t))) · d dsβ(si(t)) · d dtsi(t) = Dh(β(si(t))) · X(β(si(t))) · 1 a(β(si(t))) = Y (αi(t)).
Analizemos primeiramente o caso em que p ´e uma singularidade. Neste caso, h(p) ´e uma singularidade de Y . Se i ∈ I ∩ β−1(p), a imagem de β(s
i(Ji)) por h est´a contida na ´unica
trajet´oria de Y que passa por h(p), que se trata exatamente da aplica¸c˜ao constante igual a h(p). Isto implica que o intervalo aberto si(Ji) 3 i est´a contido em β−1(p), e que este
´
ultimo, portanto, ´e aberto. Como β−1(p) cont´em o zero, e ´e tamb´em fechado, temos
que β ´e constante e igual a p. Como β foi tomada arbitrariamente, conclu´ımos que a ´
unica solu¸c˜ao de X para o problema 1.1 neste caso ´e a aplica¸c˜ao constante e igual a p. Suponhamos agora que p ´e regular. Como β0(s) 6= 0, para todo s ∈ I, podemos supor
´e a ´unica solu¸c˜ao do problema 1.2 definida no intervalo Ji. Pelo Teorema 1.1.1, b define
um fluxo. Denotaremos por J = J0 o intervalo m´aximo da trajet´oria s = s0 de b que
passa por 0. Pelo Teorema 1.1.4, s(J) = I. Fica claro que α0 = α ´e a trajet´oria de Y que
passa por h(p), restrita ao intervalo J. Suponhamos que exista uma outra solu¸c˜ao β1 de
X para o problema 1.1, definida em I1 = (−²1, ²1), ²1 ≤ ². Seja δ o maior n´umero real em
[0, ²1] tal que β1 permanece injetiva em (−δ, δ). Procedendo analogamente, concluiremos
que a imagem por h de β[(−δ, δ)] tamb´em conter´a h(p) e estar´a contida na trajet´oria de Y que passa por h(p). Como h ´e uma bije¸c˜ao, verifica-se facilmente que δ = ²1, e que o
problema 1.1 tem solu¸c˜ao ´unica em I. Temos pelo Teorema 1.1.3 que X define um fluxo. Se p ´e um ponto regular, e a trajet´oria β de X que passa por p n˜ao ´e fechada, podemos tomar I como sendo o intervalo maximal de defini¸c˜ao de β e repetir o procedimento acima, garantindo que β ´e mandada por h sobre a trajet´oria de Y que passa por h(p). Como h ´e difeomorfismo, podemos usar a express˜ao
Dh−1(q)Y (q) = 1
a(h−1(q))X(h
−1(q)),
e concluir que h−1 leva a trajet´oria de Y que passa por h(p) em β. Dessa forma,
con-clu´ımos que a fun¸c˜ao s ´e um difeomorfismo crescente entre os intervalos maximais Ih(p) e
Ip. No caso em que a trajet´oria β de X passando por p ´e fechada, tomamos δ menor do que
o per´ıodo T de β, e consideramos o intervalo I = (δ − T, δ). Ap´os proceder como acima, verificamos facilmente que h|β ´e um difeomorfismo (preservando orienta¸c˜oes) entre β e a
trajet´oria (tamb´em fechada) de Y que passa por h(p). Isto conclui a demonstra¸c˜ao. Proposi¸c˜ao 1.1.2. Seja X :Rm → Rm um campo cont´ınuo que define um fluxo. Existe
um campo cont´ınuo ˜X : Rm → Rm que define um fluxo completo, e ´e equivalente a X
pela identidade.
Demonstra¸c˜ao. Considere o campo ˜X = 1+kXkX . Como a fun¸c˜ao a = 1+kXk1 ´e cont´ınua e positiva, temos pelo Lema 1.1.2 que a identidade ´e uma equivalˆencia entre X e ˜X. Basta agora verificar que, para cada p ∈ Rn, o intervalo m´aximo I
p da trajet´oria ˜φp de ˜X ´e
igual aR. Temos obviamente que ˜φp satisfaz a seguinte equa¸c˜ao:
˜ φp(t) = p + Z t 0 X( ˜φp(s)) 1 + kX( ˜φp)(s)k ds.
Suponha que ω+(p) < ∞. Como k ˜X(t)k < 1, ∀t ∈ Ip, temos que k ˜φpk ≤ kpk+ω+(p), para
todo t ∈ [0, ω+(p)). Logo, a semi-trajet´oria positiva ˜φ+p est´a contida na bola centrada na
origem com raio kpk+ω+(p). Isto ´e absurdo pelo Teorema 1.1.4. Analogamente, prova-se
que ω−(p) = −∞.
Defini¸c˜ao 1.1.8. Seja X : U ⊂ Rm → Rm um campo que define um fluxo. Considere o
conjunto
B²δ := {(x, y) ∈ R × Rm−1; |x| < ² e |yi| < δ, i = 1, . . . , m − 1},
onde ², δ > 0. Seja e1 : Rm → Rm o campo constante determinado pelo primeiro vetor
da base canˆonica de Rm. Dizemos que (L, h) ´e um fluxo tubular de X se L ´e um aberto
contido em U , e h : L → B²δ ´e uma equivalˆencia topol´ogica entre X|L e e1|B²δ.
Teorema 1.1.5 (Teorema do Fluxo tubular). Seja X : U → Rm um campo de classe
Cr, r ≥ 1. Se p ´e um ponto regular de X, existe um fluxo tubular (L, h) de X tal que
i. p ∈ L, e h(p) = 0. ii. h ´e uma Cr conjuga¸c˜ao.
Teorema 1.1.6 (Teorema do Fluxo tubular longo). Seja X : U ⊂ Rm um campo
de classe Cr, r ≥ 1. Se γ ´e um arco de trajet´oria compacto de X, existe um fluxo tubular
(L, h) de X tal que
i. γ ⊂ L, e h(γ) ⊂ B²δ∩ ({0} × Rm−1).
ii. h ´e uma Cr-conjuga¸c˜ao.
Observa¸c˜ao 1.1.3. Seja X :Rm → Rmum campo de classe C1. Dado um ponto regular
p ∈ Rm, existe uma subvariedade Σ
p 3 p de Rm com dimens˜ao m − 1 que ´e transversal a
todas as trajet´orias de X que encontra. Basta considerar o fluxo tubular (L, h) fornecido pelo Teorema 1.1.5, e tomar Σp = h−1(Bδm−1(0)).
Observa¸c˜ao 1.1.4. Nos Teoremas 1.1.5 e 1.1.6, podemos supor que h ´e um difeomorfismo positivo de Rm, compondo com um isomorfismo adequado se necess´ario.
Defini¸c˜ao 1.1.9. Seja X : U → Rm um campo cont´ınuo que define um fluxo local. Se
p ∈ U e ω+(p) = ∞, definimos o conjunto ω-limite:
ω(p) := {q ∈ U; ∃(tn) tal que lim
n→∞tn= ∞ e limn→∞φ(p, tn) = q}.
Analogamente, se ω−(p) = −∞, definimos o conjunto α-limite:
α(p) := {q ∈ U; ∃(tn) tal que lim
n→∞tn = −∞ e limn→∞φ(p, tn) = q}.
Observa¸c˜ao 1.1.5. Se φ(t, p) ´e a trajet´oria de um campo X, verifica-se facilmente que ϕ(t, p) = φ(−t, p) ´e a trajet´oria do campo Y = −X. Portanto, o conjunto ω-limite de um ponto com respeito a X, ´e igual ao conjunto α-limite deste ponto com respeito a Y , e vice-versa.
Teorema 1.1.7 (Poincar´e-Bendixson). Seja X : R2 → R2 um campo de classe C1.
Seja φt = φ(t, p) uma curva integral de X definida para todo t ≥ 0. Suponha que a
semi-trajet´oria positiva γ+
p esteja contida em algum compacto K ⊂ R2, e que X possua
um n´umero finito de singularidades em ω(p). Temos, ent˜ao as seguintes possibilidades: i. Se ω(p) ´e composto apenas de pontos regulares, ent˜ao ω(p) ´e uma trajet´oria fechada. ii. Se ω(p) cont´em pontos regulares e singulares, ent˜ao ω(p) consiste de um conjunto de trajet´orias, cada uma das quais tende a um desses pontos singulares quando t → ±∞.
iii. Se ω(p) n˜ao cont´em pontos regulares, ent˜ao ω(p) ´e um ponto singular.
Lema 1.1.3. Seja X : R2 → R2 um campo de classe C1 com um n´umero finito de
singularidades, e que define um fluxo completo. Seja p ∈ R2. Se existe um ponto regular
q ∈ ω(p), ou o conjunto α(p) ´e uma trajet´oria fechada, ou α(p) possui singularidades. Demonstra¸c˜ao. Tome um segmento Σq 3 q transversal a todas as trajet´orias de X que
encontra (ver Observa¸c˜ao 1.1.3). Considere Σq orientado por uma parametriza¸c˜ao de
classe C1. Devido `a transversalidade, a trajet´oria positiva γ+
p deve intersectar Σq numa
sequˆencia mon´otona (ver Figura 1.1). Portanto, tomando dois pontos consecutivos pi e
PSfrag replacements q Σq
Figura 1.1: N˜ao ocorre.
K limitado pelos arcos [pi, pi+1]1 ⊂ γp+ e [pi, pi+1]2 ⊂ Σq (ver Figura 1.2). Agora basta
aplicar o Teorema 1.1.7 para o campo Y = −X.PSfrag replacements q
pi
pi+1
Σq
Figura 1.2: Semi-trajet´oria negativa contida num compacto.
Defini¸c˜ao 1.1.10. Seja X : U → Rm um campo de classe C1. Se p ´e uma singularidade
de X, o conjunto dos pontos q ∈ U tais que ω(q) = {p} recebe o nome de variedade est´avel de p, e ´e denotado por Ws(p).
Defini¸c˜ao 1.1.11. Seja X : U → Rm um campo de classe C1. Dizemos que uma
singularidade p de X ´e um atrator local se existe uma vizinhan¸ca W de p contida em Ws(p). Se Ws(p) = U = Rm, dizemos que p ´e um atrator global de X.
SejaK = R ou C. Denotemos por L (Km) o espa¸co vetorial dos operadoresK-lineares
deKm munido da norma
kAk = sup{kAvk; kvk = 1}.
Um elemento p ∈ Cm, pode ser escrito na forma p = u+v ·√−1, onde u e v pertencem
a Rm.
denotado por ˜A:
˜
A :Cm → Cm
(u + v√−1) 7→ Au + Av ·√−1. Observa¸c˜ao 1.1.6. Se A ∈ L (Rm), ent˜ao ˜A ∈ L (Cm).
Defini¸c˜ao 1.1.13. Seja A ∈ L (Rm). O conjunto de auto-valores de ˜A, recebe o nome
de espectro complexo de A, e ´e denotado por SpecA. Se X : U ⊂ Rm → Rm ´e uma
aplica¸c˜ao diferenci´avel, o conjunto
Spec(X) = [
p∈U
SpecDX(p) recebe o nome de espectro de X.
Lema 1.1.4. Se A ∈ L (Rm), o espectro complexo de A coincide com as ra´ızes do
polinˆomio caracter´ıstico associado a A.
Lema 1.1.5. Seja A ∈ L (R2). Se (a + b ·√−1) e (c + d ·√−1) pertencem a SpecA, existe uma base de R2 na qual matriz associada ao operador A tem a forma
a b d c .
Demonstra¸c˜ao. Pelo Lema 1.1.4, x = a + b√−1 e y = c + d√−1 s˜ao ra´ızes do polinˆomio caracter´ıstico associado a A. Logo, ou x e y s˜ao ambos reais, ou y = ¯x. Neste ´ultimo caso, os autovetores de ˜A associados aos autovalores x e ¯x tˆem a forma: w = u + v ·√−1 e ¯w = u − v ·√−1, para algum par (u, v) ∈ R2× R2. Com isto, temos que
A(u) = A˜· w + ¯w 2 ¸ = Re(x) · u − Im(x) · v, A(v) = A˜· √−1 · ( ¯w − w) 2 ¸ = Im(x) · u + Re(x) · v. Logo, u e v formam a base procurada.
Defini¸c˜ao 1.1.14. Um campo linear X ∈ L (Rn) ´e hiperb´olico se seu espectro complexo
´e disjunto do eixo imagin´ario. Neste caso, o n´umero de autovalores de X com parte real negativa ´e denominado ´ındice de X.
Proposi¸c˜ao 1.1.3. Se A ∈ L (Rn) tem ´ındice dois, ent˜ao a origem ´e um atrator global
para A.
Defini¸c˜ao 1.1.15. Seja X : Rm → Rm uma aplica¸c˜ao de classe Cr, tal que X(p) = 0.
Dizemos que p ´e uma singularidade hiperb´olica de X se DX(p) :Rm → Rm ´e um campo
linear hiperb´olico.
Teorema 1.1.8 (Grobman-Hartman). Seja X : Rm → Rm um campo de classe C1.
Se p ´e uma singularidade hiperb´olica, existem vizinhan¸cas U 3 p e W 3 0 , e uma conjuga¸c˜ao topol´ogica h : U → W entre X|U e DX(p)|W tal que h(p) = 0.
1.2
Resultados cl´
assicos em an´
alise
Nesta se¸c˜ao enunciaremos alguns resultados cl´assicos em An´alise.
Teorema 1.2.1 (Teorema da Aplica¸c˜ao Inversa). Seja f : U → Rn uma aplica¸c˜ao de
classe C1, onde U ´e um aberto de Rn. Se a ∈ U, e Df(a) : Rn → Rn ´e um isomorfismo,
existe uma vizinhan¸ca V de a tal que f |V ´e um difeomorfismo sobre a imagem.
Teorema 1.2.2 (Teorema da Aplica¸c˜ao Impl´ıcita). Seja f : U → Rn uma aplica¸c˜ao
de classe C1, onde U ´e um aberto deRn+m. Considere uma decomposi¸c˜ao em soma direta
Rm+n = Rn⊕ Rm. Se a = (a
1, a2) ∈ U e ∂1f (a) : Rn → Rn ´e um isomorfismo, existem
abertos W ⊂ Rm, V ⊂ U tais que
i. a2 ∈ W e a ∈ V .
ii. Para cada x ∈ W , existe um ´unico ξ(x) ∈ Rn tal que (ξ(x), x) ∈ V e f(ξ(x), x) =
f (a). A aplica¸c˜ao ξ : W → Rn ´e de classe C1.
Teorema 1.2.3 (F´ormula de Green). Sejam f : U → R e g : U → R fun¸c˜oes de classe C1, onde U ´e uma regi˜ao de R2. Se U ´e limitada por uma curva fechada C1 por
partes γ, orientada no sentido anti-hor´ario, ent˜ao Z γ f dx + gdy = Z Z U ³∂g ∂x − ∂f ∂y ´ dydx.
No que segue, Mm e Nn s˜ao variedades diferenci´aveis, sendo m e n suas respectivas
dimens˜oes.
Defini¸c˜ao 1.2.1. Dizemos que c ∈ Nn ´e um valor regular de uma aplica¸c˜ao f : Mm →
Nn se para cada p ∈ f−1(c), a derivada Df (p) : T
pM → TcN ´e sobrejetora.
Proposi¸c˜ao 1.2.1. Seja c ∈ Nn um valor regular de uma aplica¸c˜ao f : Mm → Nn de classe Cr, r ≥ 1. Ent˜ao, ou f−1(c) ´e vazio, ou f−1(c) ´e uma subvariedade de classe Ck
e dimens˜ao m − n. Neste caso, o espa¸co tangente a f−1(c) em um ponto p ´e o n´ucleo de Df (p) : TpM → TcN .
Teorema 1.2.4 (Forma Local das Submers˜oes). Seja f : Mm → Nn uma aplica¸c˜ao
de classe Cr, r ≥ 1. Se Df(p) : T
pM → Tf (p)N ´e sobrejetiva, existem cartas locais
ϕ : U → Rm e φ : V → Rn, e uma decomposi¸c˜ao Rm =Rn× Rm−n, tais que
i. p ∈ U e f(U) ⊂ V .
ii. A express˜ao de f nas cartas (ϕ, U ) e (φ, V ) ´e
φ ◦ f ◦ ϕ−1 : ϕ(U ) → φ(V ) (x, y) 7→ x.
1.3
Folhea¸c˜
oes
Todos os resultados n˜ao demonstrados desta se¸c˜ao podem ser encontrados em [1]. Defini¸c˜ao 1.3.1. Uma folhea¸c˜ao de classe Cr, r ≥ 1, e dimens˜ao n (codimens˜ao m − n)
´e um atlas m´aximo F de classe Cr em M com as seguintes propriedades:
i. Se (U, ϕ) ∈ F, ent˜ao ϕ(U) = U1 × U2, onde U1 e U2 s˜ao discos abertos de Rn e
Rm−n respectivamente.
ii. Se (U, ϕ) e (V, φ) pertencem a F e U ∩ V 6= ∅, ent˜ao a mudan¸ca de coordenadas φ ◦ ϕ−1 tem a forma
φ ◦ ϕ−1 : U1× U2 → φ(V )
Daqui por diante, F denota uma folhea¸c˜ao de classe Cr, r ≥ 1, e dimens˜ao 0 < n < m
de uma variedade Mm.
Uma carta local (ϕ, U ) ∈ F recebe o nome de carta trivializadora de F. Se ϕ(U) = U1 × U2 ⊂ Rn× Rm−n, os conjuntos da forma ϕ−1(U1× {c}), onde c ∈ U2, recebem o
nome de placas de U, ou ainda placas de F. Um caminho de placas ´e uma sequˆencia α1, . . . , αk de placas tal que αj ∩ αj+1 6= ∅ para todo j ∈ {1, . . . , k − 1}. Definimos a
rela¸c˜ao de equivalˆencia R: pRq se existe um caminho de placas α1. . . αk com p ∈ α1 e
q ∈ αk. Pela Defini¸c˜ao 1.3.1, M ´e coberta por placas de F. As classes de equivalˆencia
da rela¸c˜ao R s˜ao chamadas folhas de F.
Observa¸c˜ao 1.3.1. Placas de F s˜ao subvariedades de M.
Exemplo 1. Uma submers˜ao f : Mm → Nn de classe Cr, r ≥ 1, define uma folhea¸c˜ao
Cr em M de dimens˜ao m − n, cujas folhas s˜ao as componentes conexas das superf´ıcies
de n´ıvel f−1(c), c ∈ N. As cartas desta folhea¸c˜ao s˜ao obtidas a partir da Forma Local
das Submers˜oes.
Exemplo 2. Um campo X : U ⊂ Rm → Rm de classe C1 sem singularidades define
uma folhea¸c˜ao de classe C1 de Rm, cujas folhas s˜ao as trajet´orias de X. As cartas desta
folhea¸c˜ao s˜ao obtidas a partir do Teorema do Fluxo tubular.
Defini¸c˜ao 1.3.2. Seja ∼ a rela¸c˜ao de equivalˆencia em M que identifica os pontos de uma mesma folha de F. Considere a topologia quociente em M∼, ou seja, a topologia induzida
pela proje¸c˜ao π : M → M
∼. O conjunto M
∼ com esta topologia recebe o nome de espa¸co
de folhas. Seja A ⊂ M. O conjunto F(A) = {x ∈ M; x ∼ y, para algum y ∈ A} recebe o nome de saturado de A por F. Outra maneira de escrever tal conjunto ´e F(A) = π−1(π(A)) = ∪
x∈AFx, onde Fx denota a folha de F que cont´em x.
Teorema 1.3.1. A proje¸c˜ao π : M → M
∼ ´e uma aplica¸c˜ao aberta, ou seja, o saturado de
um subconjunto aberto de M ´e aberto.
O espa¸co de folhas de uma folhea¸c˜ao nem sempre ´e Hausdorff. Abaixo, exibiremos um caso em que isto n˜ao acontece.
Exemplo 3. Tome um ² > 0. Seja α :R → R uma aplica¸c˜ao de classe C∞ tal que
i. α(1) = 0
ii. α(t) = 1, se t ∈ [0, ²). iii. α(t) < 0, se t > ².˙
Considere a fun¸c˜ao f :R2 → R definida por f(x, y) = α(x2)ey. Tal aplica¸c˜ao ´e claramente
uma submers˜ao. Portanto, as curvas de n´ıvel de f formam uma folhea¸c˜ao de classe C∞ do plano. Verifica-se facilmente que uma folha γ contida em (−1, 1) × R pode ser
parametrizada por x ∈ (−1, 1) 7→ (x, ln(c/α(x2)), onde c > 0 e f−1(c) = γ. Al´em disso,
f−1(0) possui duas componentes conexas: {−1} × R e {1} × R. Essas duas folhas, vistas
como elementos de R2/ ∼, n˜ao podem ser separadas por abertos disjuntos (ver Figura
1.3). Tal exemplo ´e conhecido como folhea¸c˜ao de Reeb. De modo an´alogo, podemos obter uma folhea¸c˜ao de Reeb para o cil´ındro s´olido de R3, e a partir da´ı induzir no toro
s´olido uma folhea¸c˜ao que ´e pe¸ca fundamental da Teoria geom´etrica das folhea¸c˜oes.
Figura 1.3: folhea¸c˜ao de Reeb.
Defini¸c˜ao 1.3.3. Dizemos que uma subvariedade Σ de M ´e uma se¸c˜ao transversal de F se dim Σ + dim F = dim M e, para cada p ∈ Σ, TpM = TpL ⊕ TpΣ, onde L ´e uma placa
Defini¸c˜ao 1.3.4. Seja F uma folhea¸c˜ao de codimens˜ao um. Dizemos que Σ ´e uma se¸c˜ao transversal compacta de f se, para algum ² > 0, existe um mergulho Γ : (−², 1 + ²) → M de classe C1 tal que Γ([0, 1]) = Σ.
Observa¸c˜ao 1.3.2. Se α ´e uma placa de F e p ∈ α, ´e ´obvio que existe uma se¸c˜ao transversal de F tocando α apenas em p. Se F ´e definida por uma submers˜ao, tal se¸c˜ao tocar´a a folha que cont´em α apenas em p. Em geral, dado um ponto numa folha F , n˜ao existe necessariamente uma se¸c˜ao transversal da folhea¸c˜ao tocando F apenas em p. Observa¸c˜ao 1.3.3. Placas de F s˜ao sempre subvariedades de M. Quando F ´e definida por uma submers˜ao, temos que todas as suas folhas s˜ao subvariedades de M . Isto, em geral, n˜ao acontece. Entretanto, folhas possuem sempre uma estrutura de variedade induzida pelas cartas de F.
Os dois pr´oximos resultados esclarecem bem as observa¸c˜oes feitas acima.
Teorema 1.3.2. Toda folha F possui uma estrutura de variedade Crde dimens˜ao n, onde
os dom´ınios das cartas s˜ao placas de F. Com esta estrutura, a aplica¸c˜ao i : F → M, i(p) = p, ´e uma imers˜ao biun´ıvoca de classe Cr. Al´em disso, F ´e uma subvariedade Cr
de M se e somente se i ´e um mergulho.
Teorema 1.3.3. Sejam F uma folha e Σ uma se¸c˜ao transversal de F tal que Σ ∩ F 6= ∅. Existem trˆes possibilidades.
i. Σ ∩ F ´e discreto, e neste caso F ´e uma folha mergulhada. ii. O fecho de Σ ∩ F em P cont´em um aberto.
iii. Σ ∩ F ´e um conjunto sem pontos isolados e com interior vazio.
At´e o fim desta sec˜ao, (e1, . . . , en, en+1, . . . , em) representam os vetores da base canˆonica
deRm. Al´em disso, W ´e o subespa¸co deRmgerado por (e
1, . . . , en), enquanto V ´e o
sube-spa¸co gerado por (en+1, . . . , em). Fixada uma carta trivializadora (ϕ, U ), com p ∈ U,
denotaremos por ∂ ∂x1 (p), . . . , ∂ ∂xm (p) a base de TpM que satisfaz [dϕ(p)]−1ei = ∂x∂i(p).
Defini¸c˜ao 1.3.5. A aplica¸c˜ao de n-planos determinada por F associa, a cada p ∈ M, o subespa¸co de TpM gerado por (∂x∂1(p), . . . ,∂x∂n(p)). Tal aplica¸c˜ao ser´a denotada por
P . Fica claro que P (p) ´e exatamente o espa¸co tangente de uma placa no ponto p. Isto garante que aplica¸c˜ao est´a bem definida, ou seja, que n˜ao depende da escolha da carta trivializadora.
Defini¸c˜ao 1.3.6. Dizemos que F ´e orient´avel se existe um atlas
B = (Uk, ϕk)k∈K de M formado por cartas trivializadoras de F satisfazendo as seguintes
condi¸c˜oes equivalentes: i. Se (Ui, ϕi) e (Uj, ϕj) pertencem a B e p ∈ Ui∩ Uj, as bases ∂i ∂x1 (p), . . . , ∂ i ∂xn (p) e ∂ j ∂x1 (p), . . . , ∂ j ∂xn (p) determinam a mesma orienta¸c˜ao em P (p).
ii. Se p ∈ Ui∩ Uj, ent˜aoD[ϕj ◦ (ϕi)−1]ϕi(p)|W : W → W ´e um isomorfismo positivo.
Lema 1.3.1. Seja F uma folhea¸c˜ao de dimens˜ao um. Se existe um campo cont´ınuo X : M → T M tal que, para cada p ∈ M, P (p) ´e gerado por X(p), ent˜ao F ´e orient´avel. Demonstra¸c˜ao. Considere o conjunto B formado por todas as cartas (U, ϕ) de F, tais que, para alguma fun¸c˜ao cont´ınua a : U → R+
dϕ(p)X(p) = a(p) · e1, ∀p ∈ U.
Se (φ, V ) ∈ F, segue da conexidade de V , da continuidade de X, e do fato de que P (p) ´e gerado por X(p), que existe uma fun¸c˜ao cont´ınua b : V → R que n˜ao se anula, nem muda de sinal, satisfazendo
dφ(q)X(q) = b(p) · e1, ∀q ∈ V.
Considere a aplica¸c˜ao
L1 :Rm → Rm
(x1, x2, . . . , xm) 7→ (−x1, x2, . . . , xm).
Se b for negativa, a carta (ϕ = φ ◦ L1, V ) ∈ F. Portanto, os dom´ınios de cartas de B
No que segue, F ´e uma folhea¸c˜ao unidimensional de Rm, e X ´e um campo cont´ınuo
satisfazendo as hip´oteses do Lema 1.3.1. Nessas condi¸c˜oes, diremos que X orienta F. Al´em disso B ⊂ F denota o atlas constru´ıdo na demonstra¸c˜ao do Lema 1.3.1.
Proposi¸c˜ao 1.3.1. Se X orienta F, ent˜ao X define um fluxo. Al´em disso, as trajet´orias de X s˜ao exatamente as folhas de F.
Demonstra¸c˜ao. Por defini¸c˜ao X n˜ao possui singularidades. Tome um ponto p ∈ Rm e
uma carta (U, ϕ) do atlas B constru´ıdo na demonstra¸c˜ao do Lema 1.3.1. Aplicando o Lema 1.1.2 conclu´ımos que X|U define um fluxo e que ϕ ´e uma equivalˆencia entre X|U
e e1|ϕ(U ). Logo X tamb´em definir´a um fluxo, e a interse¸c˜ao das trajet´orias de X com
o aberto U s˜ao exatamente as trajet´orias de X|U. Como a placa de U que cont´em p ´e
exatamente a trajet´oria de X|U, temos o resultado desejado.
Observa¸c˜ao 1.3.4. Uma carta de B ´e um fluxo tubular de X.
Observa¸c˜ao 1.3.5. Podemos definir facilmente o conceito de folhea¸c˜ao de classe C0,
exigindo que o atlas F da Defini¸c˜ao 1.3.1 seja apenas de classe C0. Vimos que um
campo cont´ınuo que orienta uma C1-folhea¸c˜ao unidimensional F de Rm, define um fluxo,
e que as trajet´orias deste campo s˜ao exatamente as folhas de F. No Exemplo 2, vimos que as trajet´orias de um campo C1 sem singularidades s˜ao folhas de uma C1-folhea¸c˜ao.
Se X = (f, g) : R2 → R2 ´e um campo cont´ınuo, sem singularidades, e localmente
lipschitziano, podemos utilizar o Teorema 1.1.2 (Picard) e as solu¸c˜oes do campo ortogonal (−g, f) para garantir que todo p ∈ R2 pertence ao dom´ınio de um fluxo tubular de X.
Com isto, verificamos facilmente que X define uma folhea¸c˜ao de classe C0 deR2, tamb´em
conhecida como folhea¸c˜ao planar.
Defini¸c˜ao 1.3.7. Um caminho injetivo γ : I = [0, 1] → M de classe C1, recebe o nome
de caminho simples em M .
Lema 1.3.2. Seja γ um caminho simples contido numa folha de F. Existe uma cobertura U1, . . . , Ur de γ(I), formada por dom´ınios de cartas de F tal que
ii. Para i = {2, . . . , r − 1}, Ui intersecta apenas Ui−1 e Ui+1.
Defini¸c˜ao 1.3.8. Uma cobertura (U1, . . . , Ur) de γ dada pelo Lema 1.3.2 recebe o nome
de cobertura subordinada a γ.
Teorema 1.3.4. Considere a folhea¸c˜ao L definida no produto dos discos Dm−n × Dn
cujas folhas s˜ao as superf´ıcies de n´ıvel da proje¸c˜ao
π2 : Dm−n× Dn → Dn, P (x, y) = y.
Seja F uma folhea¸c˜ao de classe Cr, r ≥ 1, e codimens˜ao n. Se γ : I → M ´e um caminho
simples cuja imagem est´a contida em uma folha F , existe uma vizinhan¸ca V ⊃ γ(I), e um difeomorfismo h : V → Dm−n× Dn, que leva folhas de F em folhas de L .
Demonstra¸c˜ao. Seja β = (U1, . . . , Ur) uma cobertura subordinada a γ. Para cada i ∈
{1, 2, . . . , r − 1}, tome um ponto pi ∈ Ui∩ Ui+1, e considere uma se¸c˜ao transversal Σi 3 pi
de F|Ui∩Ui+1. Denote γ(0) por p0, e γ(1) por p1. Tome se¸c˜oes transversais Σ0 3 p0 de
F|U1, e Σr+1 3 pr+1 de F|Ur.
Fixado j ∈ {0, . . . , r − 1}, existe um disco mergulhado Dj = Dj(pj) ⊂ Σj
suficiente-mente pequeno tal que toda folha de F|Uj que toca Dj cruza Σj+1 exatamente uma vez.
Considere a aplica¸c˜ao injetiva fγj : Dj → Σj+1 que associa, a cada p ∈ Dj, o ponto de
interse¸c˜ao entre Σj+1 e a folha de F|Uj que cont´em p. Como Uj ´e dom´ınio de uma carta
de F, fγj ´e um difeomorfismo C
r sobre sua imagem. Como β ´e uma cobertura finita,
existem discos D0 = D0(p0) ⊂ Σ0 e Dr+1 = Dr+1(pr+1) ⊂ Σr+1 suficientemente pequenos,
onde est´a definido um difeomorfismo fγ : D0 → Dr+1 de classe Cr, que associa, a cada
p ∈ D0, o ponto de interse¸c˜ao entre Σr+1 e a folha de F|∪r
k=1Ur que cont´em p. Segue do
Teorema 1.3.1 que a uni˜ao de todas as folhas de F|∪r
k=1Ur que cruzam D0 ´e um aberto U
de M contendo γ(I). Considere a submers˜ao f : U → D0 que associa, a cada x ∈ U, o
ponto de interse¸c˜ao entre D0 e a folha de F|U que passa por x.
Seja A a folha de F|U que cont´em γ(I). Utilizando as cartas (ϕk, Uk), k ∈ {1, . . . , r},
considere a retra¸c˜ao π : U → A de classe Cr que associa, a cada ponto de U , sua proje¸c˜ao
sobre a folha A. Reduzindo A se necess´ario, tome um difeomorfismo k1 : Dm−n → A
de classe Cr. Seja k
Definimos
h : V → Dm−n× Dn
p 7→ (k1−1(π(p)), k−12 (f (p))).
A aplica¸c˜ao h ´e um difeomorfismo de classe Cr que satisfaz as condi¸c˜oes desejadas.
Observa¸c˜ao 1.3.6. Se X orienta F, e γ ´e um arco compacto de alguma trajet´oria de X, o par (h, V ) obtido no Teorema 1.3.4 ´e um fluxo tubular para γ. De fato, a derivada de h leva X|V em um m´ultiplo do campo e1. Da´ı, basta compor h com o funcional
(x1, . . . , xm) 7→ (−x1, . . . , xm), se necess´ario, e aplicar o Lema 1.1.2.
1.4
Integra¸c˜
ao e Medida de Lebesgue
Nesta se¸c˜ao faremos uma r´apida exposi¸c˜ao sobre a σ-´algebra e a medida de Lebesgue na reta. Obteremos alguns resultados que ser˜ao utilizados na demonstra¸c˜ao do principal teorema deste trabalho. Para maiores detalhes, ver [3].
No que segue, utilizaremos o termo fam´ılia para designar um conjunto de conjuntos. A fam´ılia de todos os subconjuntos de um conjunto Ω ser´a denotada porP(Ω).
Defini¸c˜ao 1.4.1. Dizemos que uma fam´ılia A ⊂ P(Ω) ´e uma ´algebra se forem satisfeitas as seguintes condi¸c˜oes:
1. Se A e B pertencem a A , ent˜ao A ∪ B ∈ A . 2. Se A ∈ A , ent˜ao Ac ∈ A .
Observa¸c˜ao 1.4.1. Se A e B pertencem a uma ´algebra A , ent˜ao A∩B = (Ac∪Bc)c ∈ A ,
e A\B = A ∩ Bc ∈ A .
Defini¸c˜ao 1.4.2. Dizemos que uma ´algebra A ⊂ P(Ω) ´e uma σ-´algebra se para qualquer fam´ılia enumer´avel {An}n∈N contida em A , a uni˜ao S∞i=1An pertence a A .
Observa¸c˜ao 1.4.2. Uma σ-´algebra A tamb´em ´e fechada para interse¸c˜oes enumer´aveis. De fato, se {An}n∈N⊂ A , ent˜ao T∞ i=1An = ³ S∞ i=1Acn ¢c ∈ A .
Defini¸c˜ao 1.4.3. Seja ∅ 6= D ⊂ P(Ω). Uma fun¸c˜ao µ : D → (−∞, +∞] denomina-se uma fun¸c˜ao de conjunto.
Defini¸c˜ao 1.4.4. Seja A uma σ-´algebra. Dizemos que µ : A → [0, +∞] ´e uma medida quando µ¡ +∞ [ n=1 En¢ = ∞ X n=1 µ(En)
para qualquer sequˆencia En de conjuntos disjuntos dois-a-dois pertencentes a A .
Defini¸c˜ao 1.4.5. Se Ω ´e um conjunto, A ⊂ P(Ω) ´e uma σ-´algebra, e
µ : A → [0, +∞] ´e uma medida, a tripla (Ω, A , µ) recebe o nome de espa¸co de medida. Defini¸c˜ao 1.4.6. Seja (Ω, A , µ) um espa¸co de medida. Seja B ⊂ A a fam´ılia de subconjuntos cuja medida ´e zero. Dizemos que µ ´e completa quando, para todo B ∈ B,
A ⊂ B ⇒ A ∈ A .
Defini¸c˜ao 1.4.7. Seja (Ω, A , µ) um espa¸co de medida. Seja A ∈ A . Dizemos que uma propriedade P acontece em quase todo ponto de A com respeito `a µ quando existe um subconjunto B ⊂ A com µ(B) = 0 tal que propriedade P ´e verdadeira para todos os pontos de A\B.
Denotaremos o comprimento de um intervalo I ⊂ R por l(I).
Defini¸c˜ao 1.4.8. Para cada A ⊂ R, considere a fam´ılia H de todas as coberturas enumer´aveis α = {In} de A formadas por intervalos abertos. Seja
m∗(A) = inf
α∈H
¡ X
n
l(In)¢.
A fun¸c˜ao de conjuntos m∗ : P(Ω) → [0, +∞] recebe o nome de medida exterior de
Lebesgue.
Observa¸c˜ao 1.4.3. Se I ´e um intervalo, m∗(I) = l(I). Al´em disso, se A ´e um conjunto
finito, m∗(A) = 0.
Proposi¸c˜ao 1.4.1. Seja (An) uma fam´ılia cont´avel de subconjuntos de R. Temos que
m∗¡ ∪ An¢ ≤
X
Considere a fam´ılia L ⊂ P(Ω) definida pela seguinte senten¸ca: E ∈ L ⇔ ∀A ⊂ R, m∗(A) = m∗(A ∩ E) + m∗(A ∩ Ec).
Teorema 1.4.1. A fam´ılia L ´e uma σ-´algebra que cont´em todos os conjuntos abertos de R. Al´em disso, se E ⊂ R, e m∗
(E) = 0, ent˜ao E ∈ L Teorema 1.4.2. A fun¸c˜ao de conjunto m = m∗|
L : L → [0, +∞] ´e uma medida
completa.
Defini¸c˜ao 1.4.9. A σ-´algebra mencionada no Teorema 1.4.1 recebe o nome de σ-´algebra de Lebesgue em R. A medida m mencionada no Teorema 1.4.2 ´e denominada medida de Lebesgue em R.
No que segue, L e m denotam, respectivamente, a σ-´algebra e a medida de Lebesgue em R.
Proposi¸c˜ao 1.4.2. Seja E ∈ L . Dado ² > 0, existe uma uni˜ao finita U de intervalos abertos tal que
m∗¡(U\E) ∪ (E\U)¢ < ².
Defini¸c˜ao 1.4.10. Seja xn uma sequˆencia de n´umeros reais. Definimos
lim sup xn := inf
n (supk≥nxk)
lim inf xn := sup
n (infk≥nxk).
Defini¸c˜ao 1.4.11. Seja I ⊂ R um intervalo. Dada uma fun¸c˜ao f : I → [−∞, +∞], e um ponto y ∈ I, definimos lim sup x→y f (x) := inf δ>0 ¡ sup 0<|x−y|<δ f (x)¢ lim sup x→y+ f (x) := inf δ>0 ¡ sup 0<x−y<δ f (x)¢ lim sup x→y− f (x) := inf δ<0 ¡ sup δ<x−y<0 f (x)¢ lim inf x→y f (x) := supδ>0 ¡ inf 0<|x−y|<δf (x) ¢ lim inf x→y+ f (x) := sup δ>0 ¡ inf 0<x−y<δf (x) ¢ lim inf x→y− f (x) := supδ<0 ¡ inf δ<x−y<0f (x)¢.
Defini¸c˜ao 1.4.12. Seja A ∈ L . Uma fun¸c˜ao f : A → [−∞, +∞] ´e dita mensur´avel se, para cada α ∈ R, o conjunto {x; f(x) < α} pertence a L .
Defini¸c˜ao 1.4.13. Seja A ⊂ R. Dizemos que uma fun¸c˜ao f : A → [−∞, +∞] ´e semi-cont´ınua superiormente em y ∈ A se f(y) 6= +∞ e lim supx→yf (x) ≤ f(y).
Equivalente-mente, f ´e semi-cont´ınua superiormente em y se, e somente se, dado ² > 0, existe δ > 0 tal que se |x − y| < δ, ent˜ao f(x) ≤ f(y) + ².
Lema 1.4.1. Seja I ⊂ R um intervalo. Se f : I → [−∞, ∞] ´e semi-cont´ınua superior-mente em quase todo ponto, ent˜ao f ´e mensur´avel.
Demonstra¸c˜ao. Seja E ⊂ I um subconjunto com medida de Lebesgue zero tal que f ´e semi-cont´ınua superiormente em F = I\E. Sejam α ∈ R, e Hα := {x ∈ R; f(x) < α}.
Seja y ∈ F ∩ Hα. Tomando ² = α−f (y)2 existe, por defini¸c˜ao, um δ > 0 tal que, se
x ∈ Iy = (y − δ, y + δ), ent˜ao f(x) ≤ f(y) + ² < α. Logo Iy ⊂ Hα. Portanto,
Hα =
¡ [
y∈F ∩Hα
Iy¢ ∪ (E ∩ Hα).
ComoS
y∈F ∩HαIy ´e aberto, e (E ∩ Hα) tem medida exterior zero, Hα pertence a L .
Defini¸c˜ao 1.4.14. Seja f : I ⊂ R → R uma fun¸c˜ao, e seja x ∈ I. Definimos abaixo um conjunto de quatro valores, que recebem o nome de derivadas de f em x:
D+f (x) := lim sup h→0+ f (x + h) − f(x) h D+f (x) := lim inf h→0+ f (x + h) − f(x) h D−f (x) := lim sup h→0− f (x + h) − f(x) h D−f (x) := lim inf h→0− f (x + h) − f(x) h .
Dizemos que f ´e diferenci´avel em x quando as quatro derivadas de f em x s˜ao iguais e finitas.
Observa¸c˜ao 1.4.4. Obviamente, temos que D+f (x) ≥ D
+f (x) e D−f (x) ≥ D−f (x).
O Lema abaixo ser´a de fundamental importˆancia para o nosso prop´osito. Sua demon-stra¸c˜ao pode ser encontrada em [22]
Lema 1.4.2. Seja f : [a, b] → R uma fun¸c˜ao mensur´avel tal que |f(x)| < K, para todo x ∈ [a, b]. Seja B o conunto dos pontos x ∈ [a, b] tais que, para alguma sequˆencia hn → 0,
lim
n→∞
|f(x + hn) − f(x)|
|hn| = σ ∈ R.
Ent˜ao m(Bc) = 0.
Corol´ario 1.4.1. Seja f : [a, b] → R uma fun¸c˜ao mensur´avel e limitada. Para quase todo ponto x ∈ [a, b] existe uma sequˆencia hn→ 0 de termos diferentes de 0 tal que
lim
n→∞
f (x + hn) − f(x)
hn = σ ∈ R.
Demonstra¸c˜ao. O resultado segue diretamente do Lema 1.4.2. Defini¸c˜ao 1.4.15. Seja E ∈ L . A fun¸c˜ao
χE(x) = 1, se x ∈ E 0, se x /∈ E recebe o nome de fun¸c˜ao caracter´ıstica de E.
Defini¸c˜ao 1.4.16. Dizemos que uma fun¸c˜ao mensur´avel ϕ ´e simples se existem conjuntos E1, E2, . . . , En pertencentes a L tais que
ϕ(x) =
n
X
i=1
ai· χEi(x).
Conv´em observar que uma fun¸c˜ao simples n˜ao se escreve de maneira ´unica como com-bina¸c˜ao linear de fun¸c˜oes caracter´ısticas.
Proposi¸c˜ao 1.4.3. Seja ϕ uma fun¸c˜ao simples que se anula fora de um conjunto de medida finita. Se ϕ = n X i=1 ai· χEi(x) = k X i=1 bi· χFi(x), temos que n X i=1 ai· m(Ei) = k X i=1 bi· m(Fi).
Defini¸c˜ao 1.4.17. Seja ϕ uma fun¸c˜ao simples que se anula fora de um conjunto de medida finita. Se ϕ =Pn
i=1ai· χEi(x), definimos abaixo a integral de Lebesgue de ϕ:
Z ϕ = Z ϕ(x)dx = n X i=1 ai· m(Ei).
Se E ´e um conjunto mensur´avel, definimos abaixo a integral de Lebesgue de ϕ sobre E: Z
E
ϕ = Z
ϕ · χE.
Proposi¸c˜ao 1.4.4. Uma fun¸c˜ao limitada definida num conjunto mensur´avel E com me-dida finita ´e mensur´avel se, e somente se,
inf f ≤ψ Z E ψ = sup f ≥ϕ Z E ϕ onde ψ e ϕ s˜ao fun¸c˜oes simples.
Defini¸c˜ao 1.4.18. Seja f uma fun¸c˜ao limitada definida em um conjunto mensur´avel E com medida finita. Definimos a integral de Lebesgue de f sobre E atrav´es da senten¸ca
Z E f = Z E f (x)dx = inf ψ≥f Z E ψ(x)dx, onde ψ ´e uma fun¸c˜ao simples.
Defini¸c˜ao 1.4.19. Seja f uma fun¸c˜ao mensur´avel n˜ao-negativa definida em um conjunto mensur´avel E. Definimos a integral de Lebesgue de f sobre E atrav´es da senten¸ca
Z E f = sup h≤f Z E h,
onde h ´e uma fun¸c˜ao mensur´avel limitada que se anula fora de um conjunto de medida finita.
Lema 1.4.3 (Lema de Fatou). Se fn ´e uma sequˆencia de fun¸c˜oes mensur´aveis
n˜ao-negativa, e fn(x) → f(x) em quase todo ponto de um conjunto mensur´avel E, ent˜ao
Z
Ef ≤ lim inf
Z
E
fn.
Defini¸c˜ao 1.4.20. Se f : A → [−∞, ∞] ´e uma fun¸c˜ao mensur´avel. As fun¸c˜oes n˜ao neg-ativas f+(x) = max{f(x), 0} e f−(x) = max{−f(x), 0} s˜ao chamadas de parte positiva
Observa¸c˜ao 1.4.5. AS fun¸c˜oes f+ e f− s˜ao mensur´aveis.
Defini¸c˜ao 1.4.21. Dizemos que uma fun¸c˜ao mensur´avel f : E → [−∞, ∞] ´e integr´avel sobre E se as integrais das fun¸c˜oes n˜ao-negativas f+ e f− s˜ao ambas finitas. Neste caso,
definimos abaixo a integral de f sobre E: Z E f = Z E f+− Z E f−.
Proposi¸c˜ao 1.4.5. Sejam f e g duas fun¸c˜oes integr´aveis sobre E. Ent˜ao: 1. Para qualquer constante c ∈ R, a fun¸c˜ao cf ´e integr´avel sobre E, e R
Ecf = c ·
R
Ef.
2. A fun¸c˜ao f + g ´e integr´avel sobre E, e Z E f + g = Z E f + Z E g. 3. Se f ≤ g em quase todos os pontos, ent˜ao R
Ef ≤
R
Eg.
4. Se A e B s˜ao conjuntos mensur´aveis disjuntos contidos em E, ent˜ao R
A∪Bf =
R
Af +
R
Bf.
Defini¸c˜ao 1.4.22. Seja I uma fam´ılia de intervalos. Dizemos que I cobre um conjunto E no sentido de Vitali se dados ² > 0, e x ∈ E, existe um intervalo I ∈ I tal que x ∈ I e l(I) < ².
Lema 1.4.4 (Lema de Vitali). Seja E um conjunto tal que m∗(E) < ∞. Se I ´e uma
cole¸c˜ao de intervalos que cobre E no sentido de Vitali, dado ² > 0, existe uma cole¸c˜ao finita {I1, . . . , IN} de intervalos pertencentes a I , dois a dois disjuntos, tal que
m∗³E\ N [ n=1 In ´ < ².
Teorema 1.4.3. Se f : [a, b] → R ´e uma fun¸c˜ao crescente, ent˜ao f ´e diferenci´avel em quase todo ponto. Al´em disso, se f0(x) denota a derivada de f no ponto x, temos que f0
´e mensur´avel e
Z b
a
Demonstra¸c˜ao. Devemos mostrar que o subconjunto dos pontos x ∈ [a, b] que possuem duas derivadas de f em x distintas tem medida nula. Provaremos que o conjunto dos pontos x ∈ [a, b] tais que D+f (x) > D
−f (x) tem medida nula. Para os casos restantes,
a demonstra¸c˜ao ´e an´aloga. Seja
E(u,v) := {x; D+f (x) > u > v > D−f (x)}.
Pela densidade dos racionais na reta, a igualdade abaixo ´e ´obvia: E = [
(u,v)∈Q×Q
E(u,v).
Portanto, ´e suficiente provar que m∗(E
(u,v)) = 0. Seja s = m∗(E(u,v)). Tomemos ² > 0.
Pela defini¸c˜ao de medida exterior, podemos tomar um aberto U tal que m(U ) < s + ². Se x ∈ E(u,v), ent˜ao D−f (x) < v. Pela Defini¸c˜ao 1.4.11, podemos tomar um h1 < 0 com
valor absoluto arbitrariamente pequeno, de forma que f (x + h1) − f(x)
h1
< v.
Como U ´e aberto, podemos tomar h1 suficientemente pequeno de forma que, se 0 < h =
−h1, ent˜ao
i. o intervalo [x − h, x] est´a contido em U. ii. f (x) − f(x − h) < vh.
Pelo Lema 1.4.4, podemos escolher uma cole¸c˜ao {I1, . . . , IN} de intervalos cujos interiores
cobrem um subconjunto A ⊂ E(u,v) tal que m∗(A) > s − ². Al´em disso, para cada
n ∈ {1, . . . , N}, temos que In = [xn− hn, xi], onde hn > 0 e xn ∈ E(u,v). Por (ii), temos
que N X n=1 ³ f (xn) − f(xn− hn) ´ < v · N X n=1 hn < v · m(U) < v · (s + ²).
Como D+f (x) > u, temos por argumento an´alogo que cada ponto de A ´e o extremo de
um intervalo (y, y + k) arbitrariamente pequeno, contido em algum In, e que satisfaz
f (y + k) − f(y) > uk.
Utilizando novamente o Lema 1.4.4, podemos tomar uma cole¸c˜ao finita
{J1, . . . , JM} de tais intervalos, tal que ∪Mi=1Ji cont´em um subconjunto de A de medida
maior do que s − 2². Portanto,
M X i=1 ³ f (yi+ ki) − f(yi) ´ > u · M X i=1 ki > u · (s − 2²).
Fixe n ∈ {1, . . . , N}. Considere todos os valores de i ∈ {1, . . . , M} tais que Ji ⊂ In.
Como f ´e crescente, temos que X i ³ f (yi+ ki) − f(yi) ´ ≤ f(xn) − f(xn− hn). Logo, N X n=1 ³ f (xn) − f(xn− hn) ´ ≥ M X i=1 ³ f (yi+ ki) − f(yi) ´ .
Portanto, v · (s + ²) > u · (s − 2²). Como ² ´e arbitr´ario, e u > v, s deve ser zero. Agora, consideremos a fun¸c˜ao
g(x) = lim
h→0
f (x + h) − f(x) h .
Pelo que vimos, g est´a definida em quase todos os pontos de [a, b]. Al´em disso, f ´e diferenci´avel nos pontos x ∈ [a, b] tais que g(x) < ∞. Estendamos a fun¸c˜ao f para o intervalo [a, +∞), fazendo f(x) = f(b) para todo x > b. Consideremos a seguinte sequˆencia de fun¸c˜oes:
gn(x) = n ·
³
f (x + 1/n) − f(x)´.
converge para g(x). Isto implica que g ´e mensur´avel. Pelo Lema 1.4.3, temos que Z b a g ≤ lim inf Z b a gn = lim inf à n · Z b a ³ f (x + 1/n) − f(x)´dx ! = lim inf à n · Z b+1/n b f − n · Z a+1/m a f ! = lim inf à f (b) − n · Z a+1/m a f ! ≤ f(b) − f(a).
Concluimos que g ´e integr´avel, portanto finita em quase todos os pontos de [a, b]. Logo, f ´e diferenci´avel em quase todos os pontos e g = f0.
Cap´ıtulo 2
Injetividade de Aplica¸c˜
oes no Plano
Neste cap´ıtulo, obteremos o teorema principal deste trabalho, que garante a injetividade de um campo C1 no plano sob certas condi¸c˜oes no seu espectro.
2.1
N˜
ao-injetividade
Nesta se¸c˜ao, X = (f, g) : R2 → R2 ´e uma aplica¸c˜ao de classe C1 tal que 0 /∈ Spec(X).
Provaremos que a n˜ao injetividade de X implica na existˆencia de componentes Semi-Reeb para as folhea¸c˜oes orientadas definidas por f e g.
Como para cada p ∈ R2, DX(p) ´e n˜ao singular, f : R2 → R ´e uma submers˜ao.
Portanto, pelo Exemplo 1, as componentes conexas das curvas de n´ıvel da fun¸c˜ao f definem as folhas de uma folhea¸c˜ao F(f) de classe C1 do plano. Al´em disso, o campo
Xf = (−fy, fx) n˜ao possui singularidades. Como o gradiente de f ´e ortogonal ao campo
Xf, e tamb´em `as folhas de F(f), ´e claro que Xf orienta F(f). Portanto, pela Proposi¸c˜ao
1.3.1, Xf define um fluxo, e suas trajet´orias s˜ao exatamente as folhas de F(f). Por
conveniˆencia, estaremos considerando o atlas D ⊂ F(f) mencionado na Observa¸c˜ao ??. Todos os argumentos acima, assim como os pr´oximos resultados, possuem uma vers˜ao an´aloga para a fun¸c˜ao g.
Lema 2.1.1. Seja F uma folha de F(f) orientada pelo fluxo de Xf. Temos que g|F ´e
Demonstra¸c˜ao. Considere a trajet´oria φt(p) de Xf que passa por um ponto arbitr´ario p. Temos que d dtg(φt(p)) = dg(φt(p)) · d dtφt(p) = dg(φt(p)) · Xf(φt(p)) = detDX(φt(p)) 6= 0. Como X ´e de classe C1, det DX(q) tem o mesmo sinal para todo q ∈ R2.
Lema 2.1.2. Sejam γ1 e γ2 duas folhas distintas de F(f). Existe um cami-nho simples
α tal que
i. α(0) = p1 ∈ γ1, α(1) = p2 ∈ γ2.
ii. α ´e transversal `a γ1 em p1, e `a γ2 em p2.
iii. α tem um n´umero finito de pontos de tangˆencia com F(f), todos quadr´a-ticos. Demonstra¸c˜ao. Tome pontos q1 ∈ γ1, q2 ∈ γ2. Considere o segmento de reta parametrizado
β(t) = q2· t + (1 − t) · q1, e os valores
t0 = sup{t ∈ [0, 1]; β(t) ∈ γ1} e t1 = inf{t ∈ [t0, 1]; β(t) ∈ γ2}.
Como γ1 e γ2 s´o se acumulam no infinito (ver Observa¸c˜ao 2.2.2), temos que
0 ≤ t0 < t1 ≤ 1, β(t0) ∈ γ1 e β(t1) ∈ γ2 (ver Figura 2.1).
PSfrag replacements
γ1 γ2
β(t0) β(t1)
Figura 2.1: Segmento unindo γ1 e γ2.
Como as folhas s˜ao subconjuntos fechados deR2, podemos tomar uma cobertura finita
(B1, B2, . . . , Br) de β([t0, t1]), formada por bolas abertas, tal que
2. se i ∈ {2, . . . , r − 1}, Bi intersecta apenas Bi−1 e Bi+1.
3. para cada i ∈ {1, . . . , r}, Bi est´a contida em algum dom´ınio de carta de A.
Agora ´e f´acil substituir β([t0, t1]) por um caminho satisfazendo as condi¸c˜oes desejadas
(ver Figura 2.2).
PSfrag replacements
γ1 γ2
Figura 2.2: Caminho com um n´umero finito de tangˆencias.
Devido ao Teorema 1.3.4, dados quaisquer pontos p1 ∈ γ1e p2 ∈ γ2, existe um caminho
α satisfazendo as condi¸c˜oes (i), (ii) e (iii) do Lema 2.1.2.
Considere o conjunto Ω(p1, p2) dos caminhos simples que satisfazem as condi¸c˜oes (i),
(ii) e (iii) do Lema 2.1.2. Um caminho α ∈ Ω(p1, p2) que possui o menor n´umero poss´ıvel
de pontos de tangˆencia com F(f) recebe o nome de caminho ideal em Ω(p1, p2).
Lema 2.1.3. Se um caminho simples α intersecta uma mesma curva de n´ıvel da fun¸c˜ao f em pontos distintos p1 = α(t1) e p2 = α(t2), existe um t ∈ (t1, t2) tal que α(t) = q ´e
um ponto de tangˆencia entre α e F(f).
Demonstra¸c˜ao. Considere a fun¸c˜ao h = f ◦ α : [t1, t2] → R. Como h(t1) = h(t2), existe
um t ∈ [t1, t2] tal que
Logo, α ´e tangente `a F em q = α(t).
Observa¸c˜ao 2.1.1. Pelo Lema 2.1.1, nenhuma se¸c˜ao transversal de F(f) pode tocar a mesma folha mais de uma vez.
Proposi¸c˜ao 2.1.1. Seja α um caminho ideal em Ω(p1, p2).
i. Se α intersecta uma folha em exatamente dois pontos, as interse¸c˜oes s˜ao transver-sais.
ii. α n˜ao intersecta uma folha mais do que duas vezes.
Demonstra¸c˜ao. Suponha que α intersecte alguma folha γ em dois pontos, e que a in-terse¸c˜ao em algum deles n˜ao seja transversal. Utilizando o Teorema 1.3.4, encontramos um caminho com um n´umero menor de pontos de tangˆencia com F(f) do que α (ver Figura 2.3).
PSfrag replacements
α
γ
h
Figura 2.3: Interse¸c˜oes transversais.
Da mesma forma, se α intersectar alguma folha γ em trˆes pontos, utilizando o Teorema 1.3.4 e o Lema 2.1.3, obtemos um caminho com um n´umero menor de pontos de tangˆencia com F(f) do que α (ver Figura 2.4).
PSfrag replacements
α
γ h
Figura 2.4: No m´aximo dois pontos de interse¸c˜ao.
Observa¸c˜ao 2.1.2. Utilizando o Teorema 1.3.4, o Lema 2.1.3 e a Proposi¸c˜ao 2.1.1, concluimos que um caminho ideal α ∈ Ω(p1, p2) intersecta γi apenas em pi, i = {1, 2}.
(ver Figura 2.5).
PSfrag replacements pi
γi
α
Figura 2.5: N˜ao ocorre.
Devido ao Teorema de Jordan, cada folha γ de F(f) divide o plano em duas regi˜oes, ambas limitadas por γ. Sejam γ1 e γ2 duas folhas de F. Se δγi(γj) ´e a regi˜ao do plano
limitada por γi que cont´em γj, considere µ(γ1, γ2) := δγ1(γ2) ∩ δγ2(γ1) (ver Figura 2.6).
Defini¸c˜ao 2.1.1. Fixemos duas folhas γ1e γ2de F(f). Diremos que duas se¸c˜oes
PSfrag replacements
γ1
γ2
µ(γ1, γ2)
Figura 2.6: regi˜ao entre folhas 1. Σ1 e Σ2 estiverem contidas no fecho de µ(γ1, γ2).
2. Σi possui um extremo pi pertencente a γi, i = 1, 2. Utilizaremos, a nota¸c˜ao (Σi, pi),
para explicitar tais extremos.
Defini¸c˜ao 2.1.2. Diremos que duas folhas γ1 e γ2 de F(f) s˜ao insepar´aveis (ver Figura
2.7) se existirem duas se¸c˜oes admiss´ıveis (Σ1, p1) e (Σ2, p2) para o par (γ1, γ2), onde
podemos definir um homeomorfismo π : Σ1\{p1} → Σ2\{p2}, tal que
1. Para cada x ∈ Σ1\{p1}, existe um arco de trajet´oria de Xf unindo x e π(x).
2. limx→p1π(x) = p2.
Observa¸c˜ao 2.1.3. Pelo Teorema 1.3.4, se soubermos que γ1 e γ2 s˜ao folhas insepar´aveis
de F(f), dados quaisquer pontos p1 ∈ γ1 e p2 ∈ γ2, existem se¸c˜oes admiss´ıveis (Σ1, p1),
(Σ2, p2) para (γ1, γ2) onde podemos definir um homeomorfismo π satisfazendo as condi¸c˜oes
estipuladas na Defini¸c˜ao 2.1.1. Al´em disso, podemos tomar Σ1 e Σ2 contidas em folhas
de F(g).
Observa¸c˜ao 2.1.4. Sejam γ1 e γ2 duas folhas insepar´aveis de F(f). Tomando duas
se¸c˜oes admiss´ıveis (Σ1, p1) e (Σ2, p2) para (γ1, γ2) contidas em folhas de F(g), podemos
utilizar o Teorema 1.3.4 e obter um caminho ideal η ⊂ Ω(p1, p2) tal que
PSfrag replacements
γ1 γ2
x
π(x) p1 p2
Figura 2.7: folhas insepar´aveis.
• Para algum 0 < a < 1, os conjuntos η([0, a]) e η([1 − a, 1]) est˜ao contidos em folhas de F(g).
O caminho η divide µ(γ1, γ2) em duas regi˜oes, cujas fronteiras cont´em a imagem de η.
Denotemos por S a ´unica dessas regi˜oes com a seguinte propriedade:
• Se uma trajet´oria de Xf cruza a imagem de η|(0,1), ent˜ao a interse¸c˜ao entre S e esta
trajet´oria possui fecho compacto.
Defini¸c˜ao 2.1.3. Seja S a regi˜ao mencionada na Observa¸c˜ao 2.1.4. Dizemos que A = S ´e uma semi-componente de Reeb de F(f) definida por γ1 e γ2 (ver Figura 2.8). Os
conjuntos s = A ∩ γ1 e r = A ∩ γ2 recebem o nome de fronteiras n˜ao-compactas de A,
enquanto η denomina-se fronteira compacta de A.
O teorema enunciado abaixo ´e o principal resultado desta se¸c˜ao.
Teorema 2.1.1. Se X n˜ao ´e injetiva, F(f) possui duas folhas insepar´aveis.
Demonstra¸c˜ao. Por hip´otese, existem pontos distintos, p1 e p2, tais que X(p1) = X(p2).
Como g(p1) = g(p2), temos pelo Lema 2.1.1, que p1 e p2 pertencem `a folhas distintas de
F(f), as quais denotaremos por γ1 e γ2. Seja α um caminho ideal em Ω(p1, p2). Pelo
PSfrag replacements γ1 γ2 η r s A
Figura 2.8: Semi-componente de Reeb.
a nota¸c˜ao de intervalos reais para a imagem de α. Tomando uma carta de F(f) cujo dom´ınio cont´em q, verifica-se que existem pontos p, T p ∈ α e um homeomorfismo T : (p, q] → [q, T p) tais que:
1. T q = q
2. ∀x ∈ (p, q), existe um arco de trajet´oria transversal a α unindo x e T x. 3. limx→pT x = T p.
Podemos tomar (p, T p) maximal com estas propriedades. Pela Proposi¸c˜ao 2.1.1, as folhas que cruzam o intervalo (p, T p) n˜ao tocam mais α. Por isso, tomando cartas locais em p e Tp, verifica-se facilmente que as trajet´orias de Xf que passam por esses pontos cruzam α
transversalmente (ver Figura 2.9). A maximalidade de [p, q], e o Teorema 1.3.4, garantem que tais folhas s˜ao insepar´aveis (ver Figura 2.10).
Em [15], Gutierrez, Jarque, Llibre e Teixeira provam que a rec´ıproca do Teorema 2.1.1 n˜ao ´e verdadeira.
PSfrag replacements
p1 p2
T p
γ1 γ2
h
Figura 2.9: N˜ao ocorre.
2.2
Injetividade
Provaremos nesta se¸c˜ao o principal resultado deste trabalho:
Teorema 2.2.1. Seja X = (f, g) :R2 → R2 uma aplica¸c˜ao de classe C1. Se para algum
² > 0, Spec(X) ∩ [0, ²) = ∅, ent˜ao X ´e injetiva.
Primeiramente, provaremos a seguinte vers˜ao mais fraca deste Teorema: Teorema 2.2.2. Seja X = (f, g) :R2
→ R2 uma aplica¸c˜ao de classe C1. Se para algum ² > 0, Spec(X) ∩ (−², ²) = ∅, ent˜ao X ´e injetiva.
Antes por´em, ser˜ao necess´arios alguns resultados importantes. No que segue, X = (f, g) ´e uma aplica¸c˜ao satisfazendo as hip´oteses do Teorema 2.2.2. Al´em disso, Xθ :=
(fθ, gθ) = Rθ◦ X ◦ R−θ, onde θ ´e um n´umero real diferente de qualquer m´ultiplo inteiro
de π2, e Rθ :R2 → R2 ´e a rota¸c˜ao representada pela matriz
cos θ − sin θ sin θ cos θ . A aplic˜a¸c˜ao π :R2 → R ´e a proje¸c˜ao (x, y) 7→ x.
PSfrag replacements
p1 p2
T p p
γ1 γ2
Figura 2.10: Obten¸cao de folhas insepar´aveis. Observa¸c˜ao 2.2.1. Seja γ+
p a semi-trajet´oria positiva de Xf partindo de p ∈ R2.
Supon-hamos que π(γ+
p ) seja um intevalo de comprimento finito. Tomemos uma sequˆencia
tn → +∞. Como γp s´o se acumula no infinito, kφp(tn))k → ∞. Existe uma subsequˆencia
qk de π(φp(tn)) tal que qk → q. Como rota¸c˜oes s˜ao isometrias, segue que π(Rθ(γp+)) ´e um
intervalo de comprimento infinito (ver Figura 2.11). PSfrag replacements p q θ qk Figura 2.11: Rota¸c˜ao
Lema 2.2.1. Fixe p ∈ R2, e sejam φ(t, p) e ϕ(t, p) trajet´orias de X
f e Xg
respectiva-mente. As fun¸c˜oes
fθ(Rθ◦ φ(t, p)) e fθ(Rθ◦ ϕ(t, p))
Demonstra¸c˜ao. Por defini¸c˜ao, temos que
fθ = cos θ · f ◦ R−θ− sin θ · g ◦ R−θ e gθ = sin θ · f ◦ R−θ+ cos θ · g ◦ R−θ.
Logo,
fθ(Rθ◦ φ(t, p)) = cos θ · a − sin θ · g ◦ φ(t, p)
fθ(Rθ◦ ϕ(t, p)) = sin θ · f ◦ ϕ(t, p) + cos θ · b,
onde a e b s˜ao constantes. Como θ 6= mπ
2, o resultado segue do Lema 2.1.1.
Lema 2.2.2. Seja K um subconjunto compacto de R2. Dado ² > 0, existe um δ > 0 tal
que, se |θ| < δ, |f(x) − fθ(Rθ(x))| < ², para todo x ∈ K.
Demonstra¸c˜ao. Temos que fθ = cos θ · f ◦ R−θ− sin θ · g ◦ R−θ. O resultado segue do fato
de que limθ→0| sin θ| = 0 e limθ→0| cos θ| = 1.
Lema 2.2.3. Suponha que X n˜ao seja injetiva. Existe um θ ∈ R tal que, Xfθ possui
uma semi-componente de Reeb cuja proje¸c˜ao no eixo das abscissas ´e um intervalo de comprimento infinito.
Demonstra¸c˜ao. Pelo Teorema 2.1.1, F(f) possui duas folhas insepar´aveis, γ1e γ2. Tomemos
um caminho β : (−a, 1 + a) de classe C1, onde 0 < a < 1, tal que
1. η = β|[0,1] seja a fronteira compacta de uma semi-componente de Reeb A definida
por γ1 e γ2.
2. As imagens de γ|(−a,a) e γ|(1−a,1+a) estejam contidas em folhas de F(g).
Se a proje¸c˜ao de alguma das fronteiras n˜ao compactas de A sobre o eixo das abscissas for um intervalo de comprimento infinito, n˜ao h´a o que demonstrar. Suponhamos que isto n˜ao ocorra. Pelo Lema 2.1.1, as fun¸c˜oes cont´ınuas h1 = f ◦ β|(−a,a) e h2 = f ◦ β|(1−a,1+a)
s˜ao estritamente mon´otonas. Al´em disso, por uma quest˜ao de orienta¸c˜oes, uma delas ´e crescente e a outra decrescente. Como h1(0) = h2(1), existe um 0 < δ < a suficientemente
pequeno tal que a fun¸c˜ao
ϕ : [−δ, δ] → (1 − a, 1 + a) s 7→ h−12 ◦ h1(s)
est´a bem definida. Tal fun¸c˜ao ´e cont´ınua, injetiva, inverte orienta¸c˜oes, e satisfaz: (a1) ϕ(0) = 1.
(a2) para s ∈ (−δ, δ), f(β(s)) = f(β(ϕ(s))).
(a3) para s ∈ (0, δ), existe um arco de trajet´oria de Xf partindo de β(s) e intersectando
a imagem de β|(1−a,1) exatamente em β(ϕ(s)).
Considere o conjunto Rθ(A). Como β([−δ, δ]) e β([ϕ(δ), ϕ(−δ)]) s˜ao compactos, podemos
utilizar o Lema 2.2.2, e a Figura 2.12, para verificar que existe um α > 0 tal que, se |θ| < α, a rela¸c˜ao de ordem entre as imagens de fθ exibida na Figura 2.13 ocorre. Pelo
PSfrag replacements f (β(−δ)) f (β(δ)) f (β(δ2)) f (β(0)) f (β(1)) f (β(1 + a)) f (β(1 − a)) Figura 2.12: Imagem de β por f
Lema 2.2.1, se |θ| < α, podemos proceder como acima, e garantir que existe uma fun¸c˜ao cont´ınua ϕθ : [−δ, δ] → (1 − a, 1 + a) que inverte orienta¸c˜oes, e satisfaz:
(b1) fθ(Rθ(β(s))) = fθ(Rθ(β(ϕθ(s))))
(b2) ϕθ(δ2) ∈ Rθ(β((1 − a, 1))).