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O cinema de Jonas Mekas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Multimeios

O CINEMA DE JONAS MEKAS

PRISCYLA BETTIM

Campinas

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

PRISCYLA BETTIM

O CINEMA DE JONAS MEKAS

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, para a obtenção do título de Mestra em Multimeios.

Orientador: Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes

Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Bettim, Priscyla,

B466c BetO cinema de Jonas Mekas / Priscyla Bettim. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

BetOrientador: Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos.

BetDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Bet1. Mekas, Jonas, 1922-. 2. Cinema experimental. 3. Filme cinematografico. I. Ramos, Fernão Pessoa, 1957. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Jonas Mekas' cinema Palavras-chave em inglês:

Mekas, Jonas, 1922-Experimental cinema Cinematographic film

Área de concentração: Multimeios Titulação: Mestra em Multimeios Banca examinadora:

Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos [Orientador] Hermes Renato Hildebrand

Rubens Luis Ribeiro Machado Junior

Data de defesa: 27-08-2014

Programa de Pós-Graduação: Multimeios

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Rachel e Marcos, por todo o amor que sempre me deram.

Aos meus irmãos Lucas e Marina, pela amizade incondicional.

À minha tia Debora, pela amizade, apoio constante e eterno espírito jovem. Às minhas avós Sonia, Magui e Maria, por sempre iluminarem minha vida. Ao meu orientador Fernão Pessoa Ramos, pelos valiosos conselhos.

Por fim e especialmente, agradeço ao meu namorado Renato, pelo amor, apoio e compreensão nos momentos mais difíceis.

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo traçar um estudo panorâmico da obra cinematográfica do cineasta lituano radicado em Nova York Jonas Mekas, bem como analisar, dentro da vasta obra de Mekas e do cinema experimental ou de vanguarda, as particularidades estéticas, os processos de criação do cineasta, e as características de filme-diário, nas quais Mekas toma como ponto de partida sua vida e seu cotidiano para realizar seus filmes. A dissertação também delineia a trajetória do cineasta no chamado underground de Nova Iorque, evidenciando suas principais contribuições para a cena artística da época.

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ABSTRACT

This thesis aims to draw a panoramic study of the cinematic work of the Lithuanian filmmaker living in New York Jonas Mekas, and analyze, among his vast work and other experimental and avant-garde films, aesthetic characteristics, the filmmaker's creative process, and the diary films features, in which Mekas takes his own everyday life to compose his films. The paper also outlines Jonas Mekas' trajectory in the so-called New York's underground scene, pointing out his main contributions to the artistic environment of the time.

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO...01

I. INTRODUÇÃO 1. JONAS MEKAS ATRAVÉS DOS TEMPOS...03

2. A LITUÂNIA, NOVA IORQUE E O UNDERGROUND...07

II. ANTES DOS FILMES-DIÁRIO 1. GUNS OF THE TREES...31

2. THE BRIG...43

III. OS FILMES DIÁRIO EM 16MM 1. O CONTEXTO: NOTAS GERAIS...53

2. WALDEN: DIARIES, NOTES AND SKETCHES...57

3. LOST LOST LOST...77

IV. CONCLUSÃO 1- A PRODUÇÃO EM VÍDEO; EXPOSIÇÕES; LIVROS...95

2- CONSIDERAÇÕES FINAIS...109

BIBLIOGRAFIA...113

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo investigar a vasta trajetória, bem como as principais características da produção fílmica de Jonas Mekas, em suas diferentes fases, através da análise de um recorte de sua filmografia, evidenciando as diferenças e mudanças de sua obra relacionadas ao contexto histórico e aos suportes utilizados pelo cineasta desde os anos 1940 até os dias atuais.

O primeiro capítulo consiste em uma pequena biografia de Jonas Mekas, antes de sua chegada aos Estados Unidos, seguido de um relato de suas principais atividades dentro do contexto do chamado underground nova-iorquino, sobretudo o seu papel de protagonista na criação da revista Film Culture, da

Film-Makers’ Cooperative e da Anthology Film Archives, assim como sua atividade

como crítico no jornal Village Voice, em Nova Iorque.

O segundo capítulo traça análises de seus dois primeiros filmes de longa-metragem: Guns of the Trees (1962) e The Brig (1964), obras que destoam do restante da filmografia de Jonas Mekas, composta sobretudo por filmes-diário.

O terceiro capítulo busca evidenciar as principais particularidades dos filmes-diário de Mekas rodados na bitola 16mm, através da apreciação de dois longas-metragens fundamentais em sua filmografia: Walden: Diaries, Notes and

Sketches (1969) e Lost Lost Lost (1976).

A capítulo conclusivo versa sobre as propriedades da produção de diários em vídeo do cineasta, passando por algumas de suas obras hoje divulgadas pela internet, como também seus longas, médias e curtas-metragens realizados em formato analógico e digital. Bem como sobre sua obra como artista visual e escritor. Por fim, as considerações finais, com o intuito de empreender uma reflexão crítica da importância da obra de Jonas Mekas para a história do cinema, sobretudo do chamado cinema experimental.

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I-

INTRODUÇÃO

1- JONAS MEKAS ATRAVÉS DOS TEMPOS

“_Morre, Se pensas ter aquilo que buscas!” 1

Allen Ginsberg

Jonas Mekas é um homem de seu tempo, e “seu tempo é hoje”. Tem sua história marcada pelo interesse no “novo”. Desde o fim dos anos cinquenta, atravessando os anos oitenta, Jonas Mekas assumiu para si o papel de garantir que o cinema independente pudesse acontecer em Nova Iorque, mesmo em situações mais adversas como em épocas de censura, falta de dinheiro, falta de locais para exibição, etc., e se tornou uma espécie de herói do underground. Foi o fundador da Film Culture, uma das mais importantes revistas norte-americanas sobre cinema de vanguarda, criou a Film-Makers’ Cooperative, uma cooperativa de cineastas independentes que visava garantir a distribuição e exibição de seus próprios filmes, e por fim fundou a Anthology Film Archives, um dos mais importantes acervos de preservação e exibição de filmes experimentais nos Estados Unidos.

Sua extensa produção cinematográfica, que se iniciou oficialmente em 19622, e que continua ainda hoje somando incontáveis horas de material fílmico, passou por diversas fases e transformações através dos tempos.

1 Epígrafe do poema Kaddish, presente em: GINSBERG, Allen. Uivo, Kaddish e outros poemas.

Porto Alegre: L&PM, 1999.

2 1962 foi o ano do lançamento de seu primeiro longa metragem, Guns of the Trees, porém Jonas

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Em uma primeira fase, mais engajada politicamente, Jonas Mekas faz os seus dois primeiros longas-metragens: Guns of the Trees, um filme de ficção com influências do movimento Beatnik, que fala sobre o vazio existencial e o mau estar causados pela Guerra, tendo como personagens dois casais que vivem em Nova Iorque; e The Brig, de 1964, no qual registra uma peça ultrarrealista sobre a crueldade militar, encenada pela companhia de teatro Living Theatre, em Nova Iorque. The Brig foi vencedor do Grande Prêmio de Documentário no importante Festival Internacional de Cinema de Veneza, nesse mesmo ano de 1964.

Em um segundo momento encontramos no pensamento de Jonas Mekas o apreço pelo “amadorismo” e uma tendência ao desengajamento politico. Já em 1963, Mekas, em sua coluna Movie Journal, no jornal The Village Voice, aponta a bitola 8mm como a possível “salvadora” do cinema:

“Está chegando o dia em que os filmes amadores em 8mm serão colecionados e apreciados como uma boa arte popular, como as canções e a poesia lírica que foram criadas pelo povo. Como estamos cegos, ainda levaremos alguns anos até entendermos isso, mas algumas pessoas já compreendem. Elas veem a beleza do pôr do sol filmado por uma mulher do Bronx viajando através do Arizona; estilo documentário, com planos desajeitados, mas que começam a cantar de repente de maneira maravilhosa.” 3

Jonas Mekas vinha filmando momentos de sua vida desde sua chegada à Nova York. Walden: Diaries, Notes & Sketches, filmado entre 1964 e 1968, e lançado em 1969, é seu primeiro grande filme-diário, dividido em seis rolos e com duração total de três horas, definindo um estilo único e artesanal de captar e

3 MEKAS, Jonas. Cinema em 8mm como arte popular in MOURÃO, Patrícia (org). Jonas Mekas.

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montar suas imagens. A partir daí, Mekas continua sua incessante produção de diários filmados, que perdura até hoje: são mais de cinquenta anos de carreira e mais de sessenta filmes.

Jonas Mekas com uma de suas câmeras Bolex.

Realizando seus filmes praticamente sozinho (captação, montagem, sonorização), filmando sua própria vida e o mundo que o cerca, Jonas Mekas cria poemas audiovisuais, quase sempre narrados por ele próprio em primeira pessoa, e se aproveita de imperfeições da película (o que seria defeito para a maioria é para ele o que dá vida ao filme), efeitos de velocidade / obturador, e técnicas como o single-frame (ou frame único), criando por vezes espécies de mantras audiovisuais, imagens de extrema força poética.

Jonas Mekas filma o cotidiano e o transforma em algo extraordinário, e seus principais temas giram em torno da retenção da memória, talvez o grande poder da fotografia e do cinema; e da questão do “paraíso perdido”: no seu caso sua terra natal, a Lituânia.

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Desde meados dos anos oitenta o cineasta vem realizando seus filmes em vídeo. Jonas Mekas desenvolve uma outra maneira de filmar; não filmando em vídeo com uma nostalgia da película, mas utilizando as particularidades do vídeo para criar uma nova estética para seus diários. Mekas também passou a compartilhar alguns de seus diários em vídeo em seu sítio na internet, e em 2007 realizou o que chamou de 365 Day Project, que consistiu na divulgação de um pequeno vídeo diariamente em seu site, durante todo ano, somando um total de 365 vídeos de curta duração.

A partir do ano 2000, Jonas Mekas passa a fazer videoinstalações em importantes museus e galerias de arte ao redor no mundo, como na Serpentine Gallery em Londres, no Centro Georges Pompidou em Paris, no Museu de Arte Moderna de Paris, na Bienal de Veneza, entre outros.

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2- A LITUÂNIA, NOVA IORQUE E O UNDERGROUND

“O grande artista de amanhã será underground.” 4

Marcel Duchamp

Jonas Mekas nasceu numa pequena vila na Lituânia em 1922, e passou parte da infância dividindo seu tempo entre o trabalho no campo e as atividades escolares do primário. Poeta em sua língua materna, publica muito precocemente seus primeiros poemas, com apenas 14 anos de idade.

Quando o exército alemão invade seu país, no início da Segunda Guerra Mundial, Mekas começa a editar um jornal clandestino de resistência antinazista. Com o roubo de sua máquina de escrever, que escondia nos campos ao redor da casa onde morava, Mekas decide fugir, pois sabia que caso prendessem o ladrão, poderiam chegar até ele através do reconhecimento tipográfico da máquina de escrever e que, assim, acabaria sendo preso.

Tenta então embarcar para Viena com documentos falsos, para lá cursar a universidade, mas seu trem é interceptado pelos alemães. Jonas Mekas e seu irmão Adolfas, que também tentava fugir, são enviados para um campo de trabalhos forçados na Alemanha. Algum tempo depois, conseguem escapar e embarcar num barco de refugiados. Os dois ficam escondidos numa fazenda na fronteira com a Dinamarca até o fim da guerra.

Com o fim da guerra, Mekas passa a viver em diversos abrigos para expatriados, e cursa Filosofia na Universidade de Mainz, na Alemanha. Publica

4 No ano de 1961, durante uma mesa de discussão no Philadelphia Museum College of Art,

Duchamp proferiu a profética frase “The great artist of tomorrow will go underground”, informação presente no livro Marcel Duchamp: Appearance Stripped Bare, de Octavio Paz. No catálogo da mostra Jonas Mekas (CCBB, 2013), Patrícia Mourão aponta que o uso do termo underground passou a substituir em determinado momento a expressão New American Cinema, pois esta estaria muito ligada a uma suposta Nouvelle Vague Americana ou ao cinema direto. Com o passar do tempo, a expressão underground sofreu um desgaste de significação, passando a ser utilizado com cautela pelo próprio Jonas Mekas.

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em 1947 um livro de anotações e poesia 5. Em seu país, Jonas Mekas é tido como um autor clássico da literatura e poesia nacional.

Muda-se para Nova Iorque em 1949, onde duas semanas depois compra sua primeira câmera, uma Bolex 16mm, época em que inicia o registro de cenas de seu cotidiano, e também do cotidiano de outros imigrantes lituanos que viviam nos arredores de sua vizinhança, no bairro Williamsburg, no Brooklin. As imagens desse período, ainda alinhadas com uma estética mais documental e menos experimental, seriam usadas somente em Lost, Lost, Lost, de 1976, seu terceiro filme diário de longa-metragem.

Jonas Mekas se muda do Brooklin para Manhattan em 1953, onde mais tarde acabaria se envolvendo fortemente com a cena de artistas da vanguarda nova-iorquina, e se tornaria uma espécie de mentor, organizador e defensor de um novo tipo de cinema que lá surgiria, o chamado New American Cinema. Mekas iria travar contato com cineastas como Jack Smith, Kenneth Anger, Amos Vogel, Maya Deren, Stan Brakhage, Shirley Clarke, Robert Frank, Gregory Markopoulos, entre outros artistas, como George Maciunas, Nam June Paik, John Cage e Yoko Ono, do movimento Fluxos, e com Judith Malina e Julian Beck, do Living Theatre, personagens que foram peças indissociáveis da vida e obra que Jonas Mekas acabaria por viver e criar.

*

Em 1954, Jonas Mekas funda a revista Film Culture, que teria seu primeiro número publicado em janeiro de 1955. Mekas atuava com editor-chefe da revista, que contava ainda com a colaboração de George Fenin, Louis Brigante, seu irmão Adolfas Mekas e Edouard de Laurot, um crítico marxista cujos longos artigos teóricos dominavam muitas das primeiras edições.

Em seu início a Film Culture, que se dedicava mais ao cinema autoral

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europeu, tendo a revista francesa Cahiers du Cinéma como inspiração, assume uma postura rude diante do cinema experimental americano. Na edição de número 3, de 1955, Jonas Mekas escreve um artigo intitulado “The experimental film in

America”, no qual condena “o temperamento adolescente”, a “conspiração

homossexual”, a “rudez técnica e a limitação temática”, e a “falta de inspiração criativa” do cinema experimental americano. Posteriormente, Jonas Mekas declara que nessa época era como “Santo Agostinho antes da conversão”, e que havia sido muito influenciado por Edouard de Laurot, cujo o ponto de vista marxista propiciava pouca tolerância ao que ele considerava como reflexões apolíticas.

Pode-se considerar os três primeiros anos da Film Culture como um período de formação, no qual a revista contava com muitos correspondentes estrangeiros que contribuíam com artigos e cartas, como o cineasta Carl Theodor Dreyer. Embora inicialmente a Film Culture tenha publicado críticas ásperas em relação ao cinema de vanguarda americano a revista foi, nesse momento, uma das poucas publicações nas quais este cinema embrionário foi levado a sério.

Em 1957 essa postura rude em relação ao novo cinema de vanguarda americano inicia a mudar com um número da revista dedicada ao cinema experimental, no qual Jonas Mekas escreve um editorial enfatizando o desejo da

Film Culture por uma revitalização do movimento experimental dormente no

cinema norte-americano.

Mas é somente em 1959 que a revista começa a se direcionar quase que exclusivamente para o novo cinema de vanguarda nascente nos Estados Unidos . Essa mudança se deve em grande parte ao impacto causado em Jonas Mekas pelos filmes Shadows, de John Cassavets, e Pull My Daisy, de Robert Frank e Alfred Leslie, ambos de 1959. Mekas compara sua história à de Santo Agostinho pois teve uma espécie de epifania ao ver esses filmes, que transformou bruscamente seu modo de ver e pensar o cinema.

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“Finalmente estreou no Cinema 16 Pull My Daisy, de Alfred Leslie e Robert Frank, e aqueles que assistirem agora irão entender (eu espero) o porque de eu ter sido tão entusiástico ao falar dele. Eu não sei como poderei falar sobre qualquer outro filme depois de Pull

My Daisy sem usar ele como parâmetro. É um parâmetro tão forte

para o cinema como The Connection 6 é para o teatro moderno.

Tanto The Connection como Pull My Daisy claramente apontam para novas direções, novos caminhos para fora do oficialismo congelado e da senilidade atual das nossas artes, em busca de novos temas, de uma nova sensibilidade.” 7

A partir dessa época a Film Culture passa a assumir uma nova postura, na qual reconhece um potencial para o desenvolvimento de um cinema experimental nos Estados Unidos – o que posteriormente Jonas Mekas nomearia como New

American Cinema –, e faz de seus artigos um canal para dar visibilidade e

defender esse tipo de produção.

Como forma de atrair a atenção para os filmes mais inventivos, mais “outsiders” do esquema comercial de produção, a Film Culture cria, já em 1959, o

Independent Film Award, que premiava cineastas independentes anualmente. Os

premiados eram, invariavelmente, os mais radicais experimentadores, tendo-se em conta a forma dos filmes e os temas que abordavam. Seguem abaixo os cineastas premiados nas dez primeiras edições do prêmio:

1959: John Cassavetes, por Shadows (Sombras). 1960: Robert Frank e Alfred Leslie, por Pull My Daisy.

6 Produção teatral encenada em 1959 pela companhia de teatro Living Theatre.

7 MEKAS, Jonas. Pull My Daisy e a verdade do cinema in MOURÃO, Patrícia (org). Jonas Mekas.

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1961: D.A. Pennebaker, Richard Leacock, Robert Drew e Albert Maysles por

Primary (Primárias).

1962: Stan Brakhage, por The Dead and Prelude. 1963: Jack Smith, por Flaming Creatures.

1964: Andy Warhol, por Sleep, Haircut, Eat, Kiss e Empire. 1965: Harri Smith, pelo conjunto de sua obra.

1966: Gregory Markopoulos, pelo conjunto de sua obra. 1968: Michael Snow, por Wavelength.

1969: Kenneth Anger, por Invocation of My Demon Brother.

P. Adams Sitney aponta8 que, talvez influenciado pelo sucesso dos filmes do grupo de críticos que escrevia na revista Cahiers du Cinema (Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette, entre outros), Jonas Mekas decidiu filmar seu primeiro longa-metragem, Guns of the Trees, contando com a participação de seus co-editores Brigante, de Laurot e de seu irmão Adolfas. O filme foi rodado sem nenhum dinheiro, custeado com a ajuda de alguns amigos, e a equipe chegou a literalmente passar fome para conseguir terminar as filmagens. Essa experiência teria transformado a relação de Mekas com o cinema, pois agora possuía um conhecimento prático. Dessa maneira, a Film Culture passa a se tornar um fórum de ideias, discutindo modos alternativos e econômicos para a produção e distribuição de filmes.

Embora a revista continue a empreender revisões de filmes europeus sob um ponto de vista acadêmico e intelectual, gradualmente a Film Culture se torna um veículo de defesa do chamado New American Cinema. Figuras relacionadas ao cinema independente, como Richard Leacock, Stan Brakhage e Amos Vogel iniciam a contribuir com artigos para a revista. Foram publicados na Film Culture escritos que se tornaram verdadeiros clássicos, como o ensaio Metáforas da

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Visão 9, escrito por Stan Brakhage para edição de número 30, cujo o design foi criado por George Maciunas, mentor do grupo Fluxos.

*

No ano de 1958, Jonas Mekas começa a escrever sua célebre coluna no jornal independente nova-iorquino Village Voice, intitulada Movie Journal. O

Village Voice se iniciou em 1955, alguns meses depois da Film Culture, como um

pequeno jornal de apenas doze páginas, mas rapidamente ganhou leitores da cena artística e boêmia da cidade.

Na edição em que Jonas Mekas escreveu seu primeiro artigo, também contribuíram para o jornal o poeta Allen Ginsberg, com uma análise do livro The

Dharma Bums, obra recém lançada pelo escritor beatnik Jack Kerouac, além do

escritor Norman Mailer, um dos fundadores e financiadores do jornal.

O jornal também publicou artigos de outros autores consagrados como Henry Miller e Ezra Pound, e foi o primeiro que refletiu as paixões e preocupações da vizinhança do bairro boêmio de Greenwich Village. Essas circunstâncias foram propícias para que Mekas convertesse os leitores do jornal também em admiradores do New American Cinema.

Além de publicar artigos defendendo arduamente filmes experimentais em sua coluna, Jonas Mekas criticou pesadamente os filmes e os padrões industriais hollywoodianos, bem como atacou os críticos dos grandes jornais, comumente desfavoráveis ao cinema de vanguarda. Em um artigo publicado em 1962, Mekas defendeu fervorosamente o filme The Connection 10, de Shirley Clarke:

9 Metaphors on Vision, publicado em 1963.

10 Filme dirigido por Shirley Clarke em 1961, baseado na peça teatral do Living Theatre de mesmo

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“Na semana passada vocês estraçalharam o que talvez seja o melhor filme – certamente um dos melhores – entre os produzidos nesse país este ano: “The Connection”. Vocês enganaram completamente as plateias americanas com essas malditas críticas. Vocês não fizeram nenhum esforço para entender uma obra de arte, cuja beleza poderia ter feito vocês chorarem. Vocês ficaram diante da tela, mas não ouviram a sua voz, nem viram as suas imagens. No que diz respeito a cinema, vocês são surdos, cegos e estúpidos.” 11

Em seus textos passionais, Jonas Mekas mais exaltava o novo cinema que estava surgindo, do que propriamente escrevia críticas sobre algum filme. Sua preferência um tanto radical pelos filmes mais experimentais o fez renegar obras de cineastas como Federico Fellini, pois as classificava como um cinema “comercial de arte”. Em um artigo polêmico, do ano de 1961, Mekas critica a

Nouvelle Vague francesa, sugerindo que esta seria tradicional demais em

comparação ao cinema underground norte-americano:

“A Nouvelle Vague francesa não é assim tão nova – e nem tão diferente do restante do cinema comercial francês, nem de nenhum outro cinema. Se são assim tão convencionais aos 20, imagine como serão aos 40!” 12

11 Carta aberta aos críticos de cinema do New York Daily in Village Voice. Nova Iorque:

11/10/1962.

12MEKAS, Jonas. A alegria criativa do cineasta independente in MOURÃO, Patrícia (org). Jonas

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Uma das mais famosas controvérsias de sua coluna foi acerca das duas versões do filme Shadows, de John Cassavetes. Jonas Mekas, que ao assistir a primeira versão do filme ficou profundamente impressionado, havia publicado artigos nos quais defendia veementemente o filme. Escreveu fascinado sobre a liberdade que existia em Shadows, e sobre como o filma provava que longas-metragens poderiam ser feitos com pouco dinheiro, sem estar vinculados à indústria do cinema.

Porém o filme faz pouco sucesso de público, com exibições nas quais grande parte da plateia abandonava a sala nos primeiros momentos. É nesse contexto que o diretor John Cassavetes decide filmar mais dezoito horas de material e remontar Shadows, para deixá-lo mais narrativo, mais palatável para os espectadores.

Ao assistir a segunda versão Jonas Mekas ficou extremamente decepcionado, por achar que o filme áspero e livre que assistira anteriormente já não estava mais ali. E novamente escreveu sobre Shadows, mas dessa vez sobre sua segunda versão, que para ele não passava de “um filme híbrido que não estava nem perto da espontaneidade da primeira versão, nem de sua inocência, nem de seu frescor”. Na concepção do crítico, a versão reeditada havia traído o espírito de um cinema livre, no qual os cineastas não poderiam fazer concessões com o intuito de unicamente atingir o sucesso comercial.

“Nesta noite fatídica eu percebi que o que eu tenho a dizer, se é que tenho algo, só poderei dizer como um artista! Minha percepção de que eu havia sido traído pela segunda versão de

Shadows foi a gota d’água. Isso me ajudou a notar que aquilo sobre

o que eu falava, aquilo que eu realmente vi na primeira versão de

Shadows, ninguém mais viu: eu perseguia meu próprio ideal, meu

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que dependia de acidentes do acaso.” 13

No prefácio de seu livro Movie Journal: The Rise of a New American

Cinema, no qual reuniu uma seleção de artigos publicados em sua coluna entre

1959 e 1971, Jonas Mekas declarou que nesse período deixou as pretensões como crítico de lado para atribuir para si o papel de “parteira”14 do New American

Cinema. Ele deveria então ajudar a alavancar o “nascimento” desse novo cinema,

usando sua coluna para cuidar e defender esses filmes, que não eram bem aceitos pela crítica ou compreendidos pelo público, e muitas vezes censurados.

“Eu tive que pegar, segurar, proteger todas as coisas belas que eu via acontecer no cinema e que eram execradas ou ignoradas por meus colegas escritores e pelo público (...). Então, continuei a correr atrás de minhas galinhas, cacarejando, veja como elas são bonitas, mais belas que qualquer coisa no mundo, e todos pensam que são uns patinhos feios.” 15

13 Citação de Jonas Mekas presente em: HOBERMAN, J. The Forest and The Trees In To Free the

Cinema. Tradução livre do original: At this fateful night I realized that what I have to say, if I have anything to say, I’ll be able to say it only as an artist... My realization that I was betrayed by the second version of Shadows was the last stone. It helped me realize that what I was talking about, what I really saw in the first version of Shadows, nobody else really saw: I was pursuing my own ideal, my own dream. They didn’t know what they had: a blind man’s improvisation which depended on chance acidents.

14 Jonas Mekas se apropria da metáfora utilizada por Sócrates para nomear seu método de ensino,

a Maiêutica, termo que em grego significa “dar à luz”. Segundo essa metáfora, Sócrates seria como uma parteira – a profissão de sua mãe –, que ajudaria seus alunos a darem à luz à ideias complexas.

15 MEKAS, Jonas. Movie Journal: The Rise of a New American Cinema, 1959–1971. New York:

Macmillan, 1972. Tradução livre do original: “I had to pull out, to hold, to protect all the beautiful things that I saw happening in the cinema and that were either butchered or ignored by my colleague writers and by the public. (!) So I kept running around my chickens, cackling, look look how beautiful my chickens are, more beautiful than anything else in the world, and everybody thins they’re ugly ducklings”.

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Jonas Mekas também defendia em sua coluna filmes provenientes de outros países que considerava inventivos, como quando cobriu o Grove Press Film

Festival 16 para o Village Voice. Publicou na época um texto intitulado “Sobre a miséria do filme de arte comercial”, no qual discorre de modo negativo e até um pouco agressivo sobre os filmes europeus que assistiu no festival. No final do artigo, Mekas diz que no dia seguinte assistiu, fora do festival, a um filme de Glauber Rocha, e explica como esta obra destoaria das outras produções exibidas no Grove Press Film Festival.

“O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro [1969] (Brasil; Glauber Rocha): Eu fiquei pensando por que raios esse filme não entrou no festival da Grove! O dragão da maldade. Oh, quanta diferença entre todos os outros novos filmes comerciais e O dragão da maldade. Aqui está um filme de carne e osso. Aqui está um filme que lida com algo extremamente real. Provavelmente você não pode apreender verdadeiramente o que é esta realidade, mas a podemos sentir vibrar. O dragão da maldade contra o santo guerreiro é um belo filme e muito autêntico. É um filme profundamente político. Todos os filmes documentários, todos os filmes de atualidades se empalidecem comparados ao de Rocha.” 17

*

Em setembro de 1960, a convite de Jonas Mekas e Lewis Allen (um produtor de cinema e teatro), vinte e três cineastas independentes participaram de um encontro, e decidiram se unir em uma organização livre e aberta, o New

16 Festival que aconteceu em Nova Iorque, no ano de 1970.

17 MEKAS, Jonas. Sobre a miséria do filme de arte comercial in MOURÃO, Patrícia (org.). Jonas

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American Cinema Group. É então publicado, em 1961, na Film Culture, a “Primeira

declaração do Novo Cinema Americano” 18, uma espécie de manifesto, contendo as aspirações e princípios do cinema underground norte-americano. A partir daí, a revista efetivamente assume a voz desses cineastas, o que fica explícito em trechos do manifesto:

“Se o Novo Cinema Americano tem sido até agora uma manifestação inconsciente e esporádica, sentimos que chegou a hora de nos unirmos. Somos muitos – o movimento está alcançando proporções significativas – e sabemos o que deve ser destruído, e o que defendemos. (...)

Não queremos filmes falsos, polidos, lisos – os preferimos ásperos, mal-acabados mas vivos; não queremos filmes cor-de-rosa –, os queremos cor de sangue.” 19

O fato do filme Antecipation of the Night (1958), de Stan Brakhage, ter sido recusado pelo Cinema 16, fundado por Amos Vogel e naquele tempo o maior centro de exibição e distribuição de cinema de vanguardanos Estados Unidos, fez com que em reuniões do New American Cinema Group, fossem discutidos e repensados os mecanismos de distribuição e exibição dos filmes experimentais. “Esse foi o sinal de que algo teria que ser feito” 20, declarou posteriormente Jonas Mekas.

Em janeiro de 1962, Jonas Mekas convida para um encontro em seu apartamento em Manhattan cerca de vinte cineastas experimentais. Entre os

18 The First Statement of the New American Cinema Group in Film Culture. Nova Iorque: 1961. 19 Primeira declaração do Novo Cinema Americano, in MOURÃO, Patrícia (org). Jonas Mekas. São

Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2013.

20 MEKAS, Jonas. The Filmmaker’s Cooperative: a brief history. O texto está no site da

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presentes estavam Stan Vanderbeek, Ron Rice, Rudy Burckhardt, Jack Smith, Lloyd Williams, Robert Breer, David Brooks, Ken Jacobs, Gregory Markopoulos, Ray Wisniweski, Doc Humes e Robert Downey. O objetivo do encontro foi discutir sobre a criação de um centro de distribuição de filmes que pertencesse aos próprios cineastas.

Surgiria nessa ocasião a Film-Makers’ Cooperative, com o intuito de organizar e fortificar a distribuição dos filmes independentes através da união dos cineastas envolvidos, devolvendo aos próprios cineastas o controle da circulação de suas obras.

A Film-Makers’ Cooperative tinha como princípio não discriminar qualquer tipo de filme, não excluir qualquer cineasta que quisesse se associar. O próprio apartamento de Jonas Mekas, em Manhattan, foi usado durante cinco anos como sede da cooperativa, como local onde foram feitas importantes exibições de filmes subterrâneos, muitas vezes proibidos pela censura. A Film-Makers’ Coop passou a ser um lugar frequentado por artistas de vanguarda como Andy Warhol, Salvador Dalí, George Maciunas, entre outros.

“Declarações foram enviadas para todos dos Estados Unidos e ao exterior. Meu apartamento tornou-se a casa temporária da Coop (se é possível chamar cinco anos de temporário!) Eu dormia debaixo da minha mesa de edição. O resto do local fora tomado por cineastas, que estavam quase sempre ali, projetando seus filmes uns aos outros e aos amigos. Foi um período entusiasmante, todos estavam lá, de Salvador Dali a Allen Ginsberg, de Andy Warhol a Jack Smith a Barbara Rubin – todo mundo! 21

21 MEKAS, Jonas. The Filmmaker’s Cooperative: a brief history. Texto presente em:

http://film-makerscoop.com/. Tradução livre do original: “Announcements were sent to across the United

States and abroad. My loft became the Coop’s temporary home (if one can call five years time temporary!) I slept under my editing table. The rest of the place was taken over by filmmakers, who were almost always there, screening their films to each other and friends. It was a very exciting

(33)

Jonas Mekas e seu irmão Adolfas, no apartamento de Jonas, sede Film-Makersʼ Coop., em 1962.

period, everybody was there, from Salvador Dali to Allen Ginsberg, to Andy Warhol to Jack Smith to Barbara Rubin – everybody!”.

(34)

Reunião da Filmmakersʼ Coop., em 1964. Da esquerda para a direita: Gregory Markopoulos, P. Adams Sitney, Andy Warhol, Ron Rice e Jonas Mekas.

*

O filme Flaming Creatures (1963), de Jack Smith, havia sido selecionado para exibição no festival de cinema de Kinokke-le-Zoute, também conhecido como EXPRMNTL, na Bélgica, em dezembro de 1963. O festival, que contou somente com cinco edições (entre 1949 e 1974, sendo a de 1963 a terceira), foi um dos mais importantes eventos já organizados, entre os dedicados ao cinema experimental. Enquanto os festivais de Cannes e Veneza funcionavam mais como “feiras” para produtores, em geral dedicados a superficialidade e determinados por influências mais políticas do que estéticas, o de Kinokke-le-Zoute permanecia como o único encontro internacional de cineastas de vanguarda. 22

22 SITNEY, Paul Adams. Report on the fourth International Experimental Film Exhibition at

(35)

Essa edição do festival se tornou mítica pelos embates intercontinentais históricos que aconteceram entre o cinema underground norte-americano e a Nouvelle Vague francesa, personificados sobretudo por Jonas Mekas e Jean-Luc Godard, a respeito dos critérios criativos e econômicos que definiriam o experimental como um gênero. Mas a grande polêmica desta edição do EXPRMNTL foi causada por conta do média-metragem Flaming Creatures.

O filme de autoria de Jack Smith havia sido feito com negativos vencidos, com um orçamento de apenas cem dólares, apresentando imagens repletas de ruídos e estética “amadora”. Flaming Creatures mostra um grupo de atores, atrizes e travestis se emaranhando com seus corpos meio nus, em uma orgia de drogas, na qual dançam, brincam e simulam um estupro. Em clima onírico que cria uma atmosfera alucinatória, a ambiguidade sexual é escancarada mostrando partes dos corpos como seios e pênis sobrepostos, no que parece ser uma loucura coletiva, em forma de orgia.

Com medo de sofrerem um embargo e prejudicar o festival, pois o filme mostrava vários closes de órgãos genitais, o júri de seleção decidiu cancelar a exibição, pois mesmo para um festival dedicado ao cinema experimental seria “muito arriscado” exibir um filme como Flaming Creatures. No programa do festival EXPRMNTL 3, o júri se manifestou dessa forma:

“Durante sua deliberação final, o júri decidiu manifestar explicitamente que a maioria de seus membros reconhecia as qualidades estéticas e experimentais do filme Flaming Creatures, de Jack Smith (EUA, 1963), mas tinham que constatar de forma unânime que sua exibição era impossível devido às leis belgas.” 23

23 CAMMAER, Gerda Johanna. EXPRMNTL 3 / Knokke-le-Zoute 1963; Flaming Creatures, Raving

Features. Texto presente em: http://www.synoptique.ca/core/en/articles/cammaer_flaming/. Tradução livre do original: “During its final deliberation, the selection jury decided to state explicitly

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Jonas Mekas, que havia sido convidado para integrar o júri da competição, e que através da Film-Makers’ Coop representava o filme Flaming Creatures, ficou furioso, desistindo de participar do júri em protesto. Depois de tentar pressionar de várias maneiras para que a decisão fosse revogada, Mekas promoveu exibições em seu quarto de hotel para cineastas que estavam no festival, entre estes Jean-Luc Godard, Roman Polanski e Agnès Varda. As exibições contavam às vezes com mais de quarenta pessoas espremidas dentro do quarto, e ganharam grande notoriedade entre os participantes do festival.

Posteriormente em Nova York, no início de março de 1964, Flaming

Creatures estava sendo exibido no New Bowery Theatre. O filme era assistido por

um policial, que o considerou “indecente, libidinoso e obsceno”. Após a sessão acabaria sendo decretada a prisão de quatro pessoas sob a acusação de obscenidade.

Foram presas as duas pessoas responsáveis por vender os ingressos e o cineasta Ken Jacobs, que estava na sessão. Jonas Mekas, que não estava na sessão no momento do ocorrido, ficou sabendo sobre as detenções por telefone e logo foi ao New Bowery Theatre, exigir que também fosse preso.

“Jonas Mekas se regozijava com sua prisão. Era o momento de perseguição que ele esperava para ampliar esse movimento de libertação sem fim (do cinema).” 24

No mesmo ano, a exibição da obra foi proibida oficialmente, considerada

film FLAMING CREATURES by Jack Smith (USA, 1963) but had to ascertain unanimously that the showing of it was impossible in regards to Belgian laws’ (Festival Program EXPRMNTL 3)”.

24 HABERSK, Raymond. Freedom to offend: How New York remade movie culture. Lexington-EUA:

The University Press of Kentucky, 2007. Tradução livre do original: “Mekas rejoiced in his arrest. It

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“obscena” pela corte criminal norte-americana. Neste período, Jonas Mekas igualmente organizou exibições clandestinas de Flaming Creatures, bem como de outros filmes tidos como “impróprios” pela censura, como Un Chant d’Amour (1950), de Jean Genet. Em meados de 1964, acabou sendo preso novamente. Em artigo publicado no Village Voice após suas prisões, Mekas defende a liberdade incondicional da arte e critica as restrições impostas pela moral vigente:

“Na sexta-feira passada foi publicado um veredito na Corte Criminal de Nova York determinando como obsceno o filme “Flaming

Creatures”, de Jack Smith. Uma decisão similar foi aprovada pela

corte de Los Angeles sobre “Scorpio Rising”, o filme de Kenneth Anger. Em termos práticos, o que isso significa é o seguinte: de agora em diante, pelo menos nessas duas cidades, será considerado crime exibir “Flaming Creatures” ou “Scorpio Rising”, seja publicamente ou em ambiente privado. Na verdade, se Kenneth Anger ou Jack Smith fossem pegos assistindo aos filmes que eles mesmos fizeram, poderiam ser processados. O projetor e a tela, que foram apreendidos junto com o filme e são de propriedade de cineastas de Nova York, também serão apresentados como armas do crime.” (...)

“Artistas de todos os tempos, assim como artistas dos dias atuais estiveram e estão engajados em questionar os “padrões da comunidade”, em elevar a alma humana, em levar o ser humano para um nível mais alto – mesmo que para isso seja preciso puxar o ser humano pelas orelhas. Os padrões comunitários de hoje, como os de ontem, são baixos e vulgares. A comunidade permanece sentada sobre o próprio traseiro, como se fosse um pato doente. Os artistas, profetas, santos e idiotas continuarão lembrando aos homens sobre suas asas e sobre os portões sempre abertos que

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levam às mil e uma noites e ao Paraíso.” 25

A proibição ao filme de Jack Smith, de apenas quarenta e três minutos, teria passado desapercebida se não fossem os esforços de Jonas Mekas. De certa maneira Mekas assumiu para si a tarefa de lutar, almejando garantir não somente a liberação do filme, mas a liberdade em um sentido maior: a liberdade da vida, da criação, do espírito. Anos mais tarde, Jack Smith acusaria Jonas Mekas de tentar se autopromover utilizando o seu filme, Flaming Creatures.

Depois deste episódio, Jonas Mekas esteve à frente da criação de um fundo de apoio contra a censura, o Anti-Censorship Fund, fundado pela

Film-Makers’ Coop. ainda em 1964, com o intuito de conseguir assegurar total

liberdade para exibições de filmes. Em junho publicou no Village Voice uma carta assinada pelo Film-Makers' Cooperative Anti-Censorship Fund, na qual um trecho ilustrava que:

“Não estamos procurando por briga. Não estamos interessados em ganhar este ou qualquer caso. Tudo o que queremos é fazer mais filmes bonitos e compartilhá-los com outras pessoas. Mas estamos sendo empurrados contra a parede, ameaçados com prisão e nossos filmes já não estão a salvo; a Musa está sendo estrangulada.” 26

25 MEKAS, Jonas. Sobre a miséria dos padrões da comunidade in Village Voice. Nova Iorque,

18/06/1964.

26 Filmmakers' Cooperative Anti-Censorship Fund in Village Voice. Nova Iorque, 08/04/1964.

Tradução livre do original: “We are not looking for a fight. We are not interested in winning this or

any other cases. All we want is to make more beautiful films and share them with others. But we are being pushed against the wall, we are being threatened with imprisonment and our films are no longer safe; the Muse is being strangled.”

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Jonas Mekas compara alguns cineastas subterrâneos como Jack Smith, Ron Rice e Ken Jacobs, à Baudelaire, Marquês de Sade ou Arthur Rimbaud, e chama o cinema feito por estes de cinema baudelairiano, um cinema “de flores do mal, de iluminações, de carne dilacerada e torturada; uma poesia que é ao mesmo tempo bela e terrível, boa e má, delicada e suja.” 27 O cinema baudelairiano não seria uma arte compreendida pelo grande público, registrando experiências e sensibilidades nunca antes captadas pelo cinema americano, mas apenas pela literatura. Outra característica desta vertente de é que essas obras se afastariam de um tipo de cinema “engajado”, indo em direção a uma nova forma de liberdade.

“Sem dúvida, Blonde Cobra 28 é a obra-prima do cinema

baudelairiano, e trata-se de uma obra difícil de ser superada em termos de perversidade, riqueza, beleza, tristeza e tragédia. (...) Sei que o público mais amplo vai se equivocar na interpretação e no entendimento desses filmes. (...) Há agora um cinema para poucos, terrível demais, “decadente” demais para o homem “médio” de qualquer cultura organizada. Mas, pensando bem, se todos gostassem de Baudelaire, de Sade ou de Burroughs, o que seria da humanidade, meu Deus?” 29

*

No ano de 1964, Jonas Mekas funda a Film-Makers’ Cinematheque, que em 1969 iria se tornar a Anthology Film Archives, um dos mais importantes

27 MEKAS, Jonas. Sobre o cinema baudelairiano in MOURÃO, Patrícia (org). Jonas Mekas. São

Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2013.

28 Filme realizado por Ken Jacobs, em 1963.

29 MEKAS, Jonas. Sobre o cinema baudelairiano. In MOURÃO, Patrícia (org). Jonas Mekas. São

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acervos de preservação e exibição de filmes experimentais nos Estados Unidos. Além de Mekas, contribuíram para a fundação da Anthology Film Archives Jerome Hill – o principal financiador, até sua morte em 1974 –, Peter Kubelka, Stan Brakhage e o teórico P. Adams Sitney.

A Anthology foi a primeira cinemateca dedicada inteiramente ao cinema de vanguarda, e para definir os filmes que iriam compor o seu acervo permanente, foi criado um comitê de seleção composto por Jonas Mekas, P. Adams Sitney, Peter Kubelka e James Broughton. A partir de então, esse comitê deveria organizar uma lista de filmes abrangendo o que acreditavam ser “O Cinema Essencial”. As convicções do grupo ficam claras no manifesto da Anthology Films Archives:

“As cinematecas do mundo geralmente coletam e exibem as múltiplas manifestações do cinema: como documento, história, indústria, comunicação de massa. A Anthology Film Archives é o primeiro museu de cinema exclusivamente dedicado ao cinema como arte. Qual é a essência do cinema? A criação da Anthology Film Archives tem sido uma tentativa ambiciosa de prover respostas a essas questões; a primeira é física – construir uma sala de cinema em que os filmes possam ser vistos sob as melhores condições; e a segunda, crítica – definir a arte do filme em termos de trabalhos selecionados que indiquem sua essência e suas fronteiras.” 30

30 Manifesto da Anthology Film Archives in JAMES, David E. (org). To Free the Cinema: Jonas

Mekas and the New York Underground. Nova Iorque: Princeton University Press, 1992. Tradução

livre do orginal: “The cinematheques of the world generally collect and show the multiple

manifestations of film: as document, history, industry, mass communication. Anthology Film Archives is the first film museum exclusively devoted to the film as an art. What are the essentials of cinema? The creation of Anthology Film Archives has been an ambitious attempt to provide answers to these questions; the first which is physical – to construct a theater in which films can be seen under the best conditions; and the second critical – to define the art of film in terms of selected Works which indicate its essences and its perimeters.”

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Michel Auder, Jonas Mekas, e Andy Warhol na inauguração da Anthlogy Film Archives, em 1970.

Pode-se aferir que durante sua trajetória Jonas Mekas atuou como um dos grandes responsáveis pela criação de toda uma infraestrutura que visava organizar e fortalecer o cinema independente, desde a sua afirmação, legitimação e divulgação, tanto através de sua produção crítica (na a revista Film Culture e na coluna Movie Jornal), quanto pela criação de importantes órgãos voltados para produção, exibição e preservação de filmes (Filmakers’ Coop, Anthology Film

Archives), sendo aclamado como o principal mentor do chamado New American Cinema Group.

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Como aponta P. Adams Sitney, o New American Cinema nunca foi um movimento ou grupo coeso, mesmo porque o individualismo de muitos dos cineastas impedia que isso ocorresse. Estavam juntos sobretudo não por um propósito comum, mas por uma necessidade comum. Através da Film-Makers’

Coop e da Film Culture, os cineastas se mantinham informados sobre os trabalhos

uns dos outros. Como o próprio Jonas Mekas declarou em sua coluna Movie

Journal em 27 de setembro de 1962: “Diabos, isso não é um movimento – é uma

geração!”

Dessa maneira, concluímos que Jonas Mekas foi uma figura essencial para a cultura cinematográfica de Nova Iorque – bem como para a cultura e as artes em geral nos EUA. Mekas conseguiu compreender que aqueles filmes registravam de certa maneira, também, a passagem e as mudanças de um tempo. De um período sufocante, como foram os anos quarenta e cinquenta, para os anos sessenta, uma década que clamava por liberdade, repleta de manifestações políticas e artísticas. Imagens que até eram reprimidas e que precisavam de alguma forma serem libertas. Mekas acreditava que os filmes podiam transformar a sociedade, se posicionando na linha de frente da batalha, erguendo a bandeira “Free the

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O comitê curador de filmes da Anthology Film Archives, em 1970. Da esquerda para a direita: Ken Kelman, James Broughton, P. Adams Sitney, Jonas Mekas e Peter Kubelka.

(44)
(45)

II-

ANTES DOS FILMES-DIÁRIO

1- GUNS OF THE TREES

Guns of the Trees é o primeiro longa-metragem de Jonas Mekas, e o único

que podemos enquadrar no gênero de ficção. Rodado em 1960 e lançado em 1961, foi realizado em meio à Guerra Fria e pouco tempo antes do início da Guerra do Vietnã.

O filme se passa na cidade de Nova York, onde dois jovens casais vivem sob um clima angustiante, no qual parece haver uma ameaça constante; vivem em meio a um vazio existencial e um sentimento de impotência, no qual se reverberam ecos da guerra, da bomba atômica e do capitalismo sem sentido.

Guns of the Trees se inicia com o próprio Jonas Mekas lendo um livro na

calada da noite, em um quarto à meia luz, sob o acompanhamento de uma música de suspense. O livro em questão é a peça Prometheus Unbond (1820), de Percy Bysshe Shelley, inspirada no clássico grego Prometheia, de Ésquilo. A peça de Shelley versa sobre os tormentos de Prometheus, que desafiando Deus, oferece o fogo à humanidade. Na sequência subsequente do filme vê-se dois homens vestidos de terno, maquiados de clown e chorando em meio a uma plantação, imagens que remetem à crise do homem moderno.

Um dos casais do filme é formado por Gregory, interpretado por Adolfas Mekas, um intelectual que se sente aflito e impotente diante dos acontecimentos, e Frances, interpretada por Frances Stillman, que busca algum sentindo para sua vida, mas é assolada por uma grave depressão.

O segundo casal é composto por Ben, interpretado por Ben Carruthers, e Argus, interpretada por Argus Spear Juillard, um casal que, apesar de também sentirem um certo mal estar e se questionarem sobre a existência, encontram

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algum alento para as circunstâncias em que vivem, no amor entre eles, e na gravidez de Argus.

Descobrimos logo no início do filme, através da voz off do personagem Ben, que Frances cometeu suicídio. Ele se pergunta: “Por que Francis cometeu suicídio? (...). Porque alguém comete suicídio?”. E então as imagens que se seguem mesclam o passado e o futuro, nas quais cenas de Francis, Gregory, Ben e Argus são apresentadas de forma não linear. No meio dessa atmosfera desoladora, os personagens tentam entender o que leva uma pessoa a cometer suicídio.

O primeiro casal tem um olhar um tanto niilista em relação ao futuro. Gregory, o personagem que teria um pensamento mais politizado, parece sentir uma paralisia diante dos fatos. Tenta teorizar por vezes, mas não encontra uma resposta. Ele vaga pela cidade, destrói seus livros (talvez depois da morte de Frances), e em certas passagens parece enlouquecer.

Já Frances não consegue ver um sentido para a sua existência, acha que a vida é simplesmente uma “agitação diária” sem nenhum sentido maior. O mal estar geral dos tempos em que vivem se confunde com próprio estado de suas almas, agravando-o.

O vazio e a incerteza também atingem o padre Frank, interpretado pelo poeta Frank Kuenstler, que já não consegue afirmar sua fé, ou ter uma resposta, propor algum tipo de salvação. Aliás, o religioso parece estar ainda mais pessimista. Em uma conversa com Gregory, o Padre questiona: “Você acredita que as pessoas que vivem de aparência por toda a vida serão capazes de alguma mudança fundamental? (...). Será que nossa geração será capaz de alguma mudança fundamental?”.

A essa sensação de completo vazio, de impotência e de morte, é contraposta a gravidez de Argus e a relação de afeto entre o casal. Argus fala gostar de ver uma mulher grávida e pensar em como será essa nova pessoa, tendo assim uma certa esperança com relação ao futuro: “Enquanto essa criança

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estiver em mim, eu vou ter os mais lindos e encantadores pensamentos por ela”, diz num trecho do filme.

Argus Spear Jullard e Ben Carruthers em Guns of the Trees.

*

O filme conta com uma atmosfera beatnik, também vista anteriormente em

Pull My Daisy (1959), de Robert Frank e Alfred Leslie, e em Shadows (1959), de

John Cassavetes, obras que haviam causado um grande impacto sobre Jonas Mekas, e que exerceram influência nítida no modo como foi realizado Guns of the

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Trees. Tal influência começa já na escolha do elenco: Ben Carruthers e Argus

Spear Julliard haviam atuado em Shadows; já Allen Ginsberg, que havia participado de Pull my Daisy, lê poemas em voz over ao longo de todo o filme de Jonas Mekas. Excertos de trilhas sonoras de Jazz e Folk aparecem de forma a acentuar ainda mais o clima beat do filme.

Ainda em sintonia com essa estética Beat, Guns of the Trees não possuía um roteiro prévio. O filme foi desenvolvido a partir de algumas ideias gerais das sequências, em torno das quais os atores deveriam improvisar. Jonas Mekas explica31 que dessa maneira pretendia romper com o jeito clássico de se contar uma história. Inspirado no modo que os “action painters” usam seus borrifos de tintas, Mekas buscava usar cenas desconexas como partes de um “afresco emocional acumulativo”.

No filme a atuação flui de maneira solta e minimalista, como se os atores interpretassem não meros personagens ficcionais, mas eles próprios. Não por acaso, os nomes da maioria dos personagens são os mesmos dos próprios atores. Jonas Mekas escreveu em sua coluna Movie Journal, em novembro de 1960:

“Eu quero que Frances seja Frances, Benny seja Benny! Quero que Frances aceite seu destino com uma triste e desamparada submissão, como faz em sua vida, e como sua geração faz.” 32

31 Segundo escreveu na revista Film Culture, nº 24.

32 Citação de Jonas Mekas presente em: HOBERMAN, J. The forest and the trees in JAMES, David

E. (org.). To free the cinema. Nova York: Princeton University Press, 1992. Tradução livre do original: “I want Frances to be Frances, Benny to be Benny... I want Frances to accept her fate with

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Já nessa época, podemos aferir que Mekas apresenta uma tendência a filmar não atores, pois grande parte do elenco de Guns of the Trees é constituído por pessoas próximas, amigos e conhecidos do cineasta. Renunciando a qualquer tipo de encenação rigidamente ensaiada, Jonas Mekas procurava um modo de chegar mais próximo a um certo frescor e espontaneidade da vida, características estas que o filmmaker iria elevar ao estado máximo em seus diários filmados.

“Todos os dias uma dúzia de envelopes com fotografias, com créditos no verso, chegam de atores que enviam suas fotos. E então eles pensam que nós estamos fazendo um filme sobre atores? Eles não podem desempenhar papel algum, senão de atores. Eles tem a aparência de atores, falam como atores, comportam-se como atores, e eles são atores. E eu odeio atores!” 33

O título do filme surge do poema Spring, do poeta beatnik Stuart Perkoff – que faz uma pequena aparição no filme, embora não creditada –, no qual o autor diz que tudo parece estar contra os jovens, naquela década de 1960 que então se iniciava. O poema expõe que mesmo nos parques, as árvores parecem conter armas apontadas para os jovens.

“Caminhe comigo pelos campos,

com roupas quentes contra o frio do sol poente, e dance entre essas árvores.

33 MEKAS, Jonas. Sobre filmar Guns of the trees in Village Voice. Nova Iorque: 14 de julho de

1960. Tradução livre do original: “Every day a dozen envelopes with photographs, credits on the

other side, came in, from actors, sending their pictures. So they think we are making a movie about actors? They can’t play anything but actors. They look like actors, they speak like actors, they behave like actors, and they are actors. And I hate actors!”.

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Seus braços erguem-se temerosamente para o céu. Suas bocas gritam.

Certamente, ao fundo, onde o olho humano não vê, uma arma está apontada para eles.” 34

Guns of the Trees foi feito sem dinheiro, de forma clandestina, e por isso

com grandes dificuldades. A equipe por vezes passava fome, filmava em lugares proibidos, equipamentos foram roubados e houveram brigas entre as pessoas envolvidas. Foram também abordados pela polícia e impedidos de continuar as filmagens em algumas locações por não possuírem licença.

A montagem do filme só pôde acontecer graças a Shirley Clarke, que emprestava a sua moviola para Jonas Mekas durante as madrugadas, já que no mesmo período, durante o dia, ela montava seu filme The Connection, de 1961. Além disso, para economizar no orçamento, a dublagem foi feita pelos atores diante da própria moviola.

Embora o baixo orçamento e precariedade da produção, Guns of the Trees era um projeto ambicioso, pois foi filmado na bitola 35 mm, o que elevou muito o custo do filme. Abaixo um trecho dos diários que Jonas Mekas escreveu durante as filmagens, e publicou em sua coluna no Village Voice:

“Muita fome – horrível. Nenhum pão, nada. (...).

Nenhum dinheiro. Todo material filmado durante as últimas três semanas permanece pouco desenvolvido, empilhado no chão. Nem mesmo sei o que tenho lá. Toda vez que escuto a palavra dinheiro – e isso me acontece pelo menos dez vezes por dia, a maldição –, meu queixo cai e procuro uma cadeira para me sentar. De qualquer maneira, isso só prova mais uma vez que os filmes não são feitos

(51)

com dinheiro. Filmes são feitos com convicção, paixão, entusiasmo, persistência, etc. – com qualquer coisa menos dinheiro.” 35

Apesar de toda a dificuldade enfrentada, Mekas continuava defendendo em sua coluna que fazer filmes era “tão fácil como escrever um poema, e quase tão barato quanto.” Porém, os percalços durante a realização do filme não se resumiam somente em dificuldades financeiras. Após a exibição de Guns of the

Trees, Jonas Mekas foi interrogado por um agente do FBI, como suspeito por

espionagem.

“Dois dias após a exibição de Guns of the Trees no Cinema 16, recebi um telefonema matutino. “Meu nome é Schwartz, do FBI”, disse a voz do outro lado da linha. “Eu quero te fazer algumas perguntas”. 36

No início do filme vemos algumas cartelas, assinadas pelo próprio Jonas Mekas, nas quais o realizador explica que o filme está em seu estado bruto, sendo apenas um esboço de seu projeto inicial, pois o autor fora impedido de concluir sua obra pelo “coração louco do mundo insano”:

“Mas eu decidi que o filme deveria ser visto, mesmo em sua forma pré-concebida. Não há tempo o suficiente, e existem tantas coisas

35 MEKAS, Jonas. Sobre filmar Guns of the Trees in Village Voice. Nova Iorque: 22 de setembro,

de 1960.

36 MEKAS, Jonas. A rendezvouss with the FBI in Village Voice. Nova Iorque: 21 de dezembro de

1961. Tradução livre do original: “Two days after the Cinema 16 screnning of Guns of the Trees I

received an early morning telephone call. ‘My name is Schwartz, from the FBI’, said a voice at the other end at the phone. ‘I want to ask you a few questions’.”

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por dizer que deveriam ser ditas, não, berradas! Através do grito da nossa loucura.” 37

O crítico de cinema J. Hoberman alude, em seu ensaio “The Forest and The

Trees”, que o filme não seria tão áspero e improvisado como o próprio Jonas

Mekas muitas vezes sugeriu. Segundo Hoberman, Guns of the Trees é cauteloso e intencional, pois sua narrativa é rigorosamente determinada pela comparação entre os dois jovens casais.

“O par branco é petulantemente auto-importante – Frances chorando pela feiura do mundo e assistindo tristemente a chuva; o sério Adolfas, aqui como “Gregory”, perguntando-se por que ela se matou ou comparando-se a Fidel Castro (se Mailer não tivesse escrito sobre “revolucionários em Cuba que se parecem com

beatniks”?) Ben e Argus, que mais tarde casaram-se na vida real,

assim como no filme, são, pelo contrário, crianças da natureza.” 38

*

37 Cartela inicial do filme Guns of the Trees, assinada por Jonas Mekas. Tradução livre do original:

“But I have decided that it should be seen, even in its unborn form. There is not enough time, and there are too many things that aren’t said, which should be said, no, shouted! Into the very mouth o our madness.”

38 HOBERMAN, J. The Forest and The Trees in JAMES, David E. (org.). To Free The Cinema.

Nova Iorque: Princeton University Press, 1992. Tradução livre do original: The white pair are

petulantly self-important – Frances whining about the world’s ugliness and moodily watching the rain; dour Adolfas, here give the name “Gregory”, wondering why she killed herself or comparing herself to Fidel Castro (had Mailer not written of “revolutionaries in Cuba who look like beatniks”?). Ben and Argus, who later married in life as well as the movie, are, by contrast, children of nature.

(53)

As locações são fundamentais para a construção do clima desolador que se sente ao assistir Guns of the Trees. Os personagens do filme por muitas vezes aparecem em locais abandonados, desertos, cheios de entulhos, restos de carros, ferros enferrujados, como se o mundo tivesse passado por um apocalipse, ou por uma guerra. Ou como se os ambientes em que circulam fossem escombros de uma espécie de cemitério da sociedade capitalista.

Já nas locações internas por vezes existem grades. Além disso, os espaços são pequenos, o que causa certa sensação de claustrofobia. Os personagens parecem pouco confortáveis em seu ambiente de trabalho, como se não conseguissem se encaixar na mecanicidade e competitividade que a função que desempenham lhes impõe. Argus parece ficar fora do ar enquanto todas as outras funcionárias trabalham compenetradas digitando em suas máquinas de escrever. Já Ben, por sua vez, ouve de seu chefe: ”Você ainda é um idealista. Você nunca será bem sucedido. Cedo ou tarde, todos desistem. Todos desistem.”

Há também imagens e sons documentais que reiteram, através do mundo exterior, as sensações experimentadas interiormente pelos personagens. Exemplos são o áudio de uma simulação de ataque nuclear, no qual os habitantes da cidade de Nova Iorque devem se dirigir a abrigos; ou cenas de protestos em Nova Iorque nas quais a polícia, sob o som de latidos de cães, ataca violentamente os manifestantes.

O estado de tensão constante também se repercute na banda sonora do filme. Ouve-se por vezes um ruído insistente que lembra o apito de uma fábrica, aquele mesmo ruído abjeto que obriga seus trabalhadores a iniciarem o trabalho compulsório.

Há ainda um ruído dissonante que sugere suspense e tensão, mesmo em situações cotidianas, como numa cena na qual Ben vai vender apólices de seguro para o Sr. Maciunas, interpretado pelo próprio George Maciunas, mentor do movimento Fluxus e compatriota de Jonas Mekas). Após a oferta um pouco

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