• Nenhum resultado encontrado

DISSEMINAÇÕES DA MODERNIDADE. O cinema e a invenção da vida moderna.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "DISSEMINAÇÕES DA MODERNIDADE. O cinema e a invenção da vida moderna."

Copied!
37
0
0

Texto

(1)

Capa:fotograma dos irmãos Lumière, Paris, início do século xx © iggsThe Regents of the University of Califórnia

Publicado originalmente pela University of Califórnia Press, como Cinema and the Invention ofModern Life

© 2001 Cosac & Naify Edições Todos os direitos reservados

Coleção Cinema, teatro e modernidade

Projeto editorial e coordenação Ismail Xavier

Projeto gráfico e capa Elaine Ramos Tradução Regina Thompson

Revisão Paulo Roberto de Moraes Sarmento e Sandra Brasil

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro Fundação Biblioteca Nacional

(org.) Charney, Leo e Schwartz, Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna

Título original: Cinema and the Invention ofModern Life Tradução: Regina Thompson

São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001 576 p.

ISBN 85-7503-051-5

i. Divertimentos públicos 2. Cinema

3. Leo Charney e Vanessa R. Schwartz (org.) CDD:79i

Cosac & Naify Edições Ltda. Rua General Jardim, 770 2° Andar o i 2 2 3 - o i o - S ã o Paulo-SP T (55n) 255-8808

F (55n) 255-3364 info@cosacnaify.com.br

(2)

SEIS

Disseminações da

modernidade:

representação e

desejo do consumidor

nos primeiros

catálogos de venda

por correspondência

Alexandra Keller

Professora de escola dominical: De onde vêm os Dez Mandamentos? Estudante rural de Idaho: Da Sears, Roebuck, de onde mais?1

Ós catálogos de venda por correspondência funcionam como um emblema central da modernidade de modo notavelmente similar ao cinema. Ao con-trário deste, no entanto, os catálogos são um ícone exclusivamente norte-ame-ricano. Em seus primeiros anos de desenvolvimento, de 1895 a 1906, passa-ram, como os filmes da virada do século, por grandes mudanças ao buscar codificar sua abordagem e sua construção do espectador, assim como con-solidar seu público^m 1930, haviam desde muito tempo sido incluídos nos vocabulários "clássicos" de comunicação, rituais de recepção e processos de circulação de forma até mais sólida do que o cinema. O período inicial, no entanto, foi de caos e mudança, tentativas e erros. Desenvolveram-se conven-ções de discurso, como no cinema, à medida que o sujeito que via, lia e con-sumia foi sendo iniciado no discurso da venda por correspondência, e por ele influenciado/éste ensaio se concentrará nos catálogos da Sears, Roebuck and Company o modelo que recentemente deixou de existir — publicados entre 1899 e 1906, em especial a edição de 1902, na qual muitos aspectos

(3)

estru-turais e de abordagem do leitor, que se tornaram parte do vocabulário clás-sico, apareceram pela primeira vez.

Essencialmente, os catálogos de venda por correspondência e o cine-ma funcionaram como cine-manifestações interligadas da mescine-ma episteme que envolve a reprodução mecânica e a disseminação em massa. Como argu-mentou Walter Benjamin em relação à arte, antes da era da reprodução mecânica,"a presença do original [era] o pré-requisito para o conceito de autenticidade", ao passo que nessa nova era "a obra de arte reproduzida torna-se a obra de arte planejada para a reprodutibilidade".2 Há aí um ponto comum entre o cinema e os catálogos de venda por correspondência. Estes, como o filme, não possuem original aurático, embora o filme seja, nesse sentido, uma representação de si mesmo — algo consumido sem um resí-duo material. Uma representação fílmica de Lillian Gish supre, de certa ma-neira, a ausência de uma Lillian Gish real, mas os espectadores de cinema não tratam sua imagem como uma substituição momentânea da mulher real que irão em breve possuir fisicamente, como se ela fosse uma blusa ou um porta-relógio,

rOs primeiros catálogos de venda por correspondência, no entanto, incor-poraram um sistema de representação de dupla face. Por um lado, eles signi-ficavam a mercadoria ausente, mantendo o desejo por meio da representa-ção do objeto. Como nos indica Freud em sua descrirepresenta-ção do jogo do "fort-da", seu neto, ao fazer desaparecer e aparecer repetidamente um pequeno carre-tei, articulava as ansiedades da ausência momentânea e ao mesmo tempo buscava dominar e aniquilar essas perdas. Isto é, os catálogos se colocavam na intersecção do desejo e da ausência por meio da representação. Por outro lado, no entanto, como tentarei mostrar, o consumo dos catálogos nos Esta-dos UniEsta-dos rural e não no urbano permitiu que passassem a ser utilizaEsta-dos e valorizados como literatura e entretenimento. O catálogo podia funcionar como um mercado — um centro comercial entre duas capas — e ao mesmo tempo fazer-se passar por algo não-comercial que, como um filme, parecia existir para o entretenimento, a edificação e a fantasia. Seu disfarce era até mais completo do que o do cinema. Não havia ingresso para comprar;

(4)

rece-ber o catálogo não custava nada e algumas vezes ele chegava até os consu-midores independentemente de sua vontade.

b s primeiros catálogos, portanto, forçaram modulações do sujeito recep-tor mais incisivas que as do cinema: o "sujeito" em questão, como "leirecep-tor" dos catálogos, era primeiro construído como um "espectador" que se tornaria em seguida um "consumidor", e é em parte esse modelo único de interpelação que torna os catálogos de venda por correspondência um fenômeno tão inte-ressante da virada do século/Por meio dessas modulações, o catálogo reali-zou um tipo deflânerie rural para aqueles que folheavam suas páginas. A princípio isso parece contraditório: o flâneur, que vagueia pela cidade obser-vando seus espetáculos e desfrutando seus parques e cafés, é um sujeito ciné-tico, em constante movimento.3 No entanto, há uma certa flânerie invertida que pode ser atribuída tanto às primeiras idas ao cinema quanto às primei-ras leituprimei-ras de catálogos: o sujeito imobiliza-se, ao passo que o objeto da curiosidade é cinético. No cinema, é claro, esse movimento é literal, visto que as imagens movem-se na tela. Os catálogos, no entanto, na medida em que reuniam milhares de itens com centenas de propósitos categorizados para fácil conferência e seleção, promoviam um movimento sem precedentes para o sujeito receptor no meio rural. O mundo, como foi levado ao lar rural por intermédio do catálogo de venda por correspondência, era um lugar abundante e concorrido, apinhado de mercadorias, a representação de um mercado cuja materialização seria igualmente apinhada de vendedores, con-sumidores e espectadores. É em relação à multidão que o flâneur é definido, seja como uma figura em posição privilegiada de ocultamente ou proximi-dade, seja em oposição crítica a essa multidão.4 Ao se mover pelo catálogo, o leitor rural não apenas mudava constantemente entre posições de sujeito, mas também vagava pelas ruas invisíveis da metrópole que a Sears, Roebuck havia criado. E embora o catálogo da Sears sempre afirmasse dirigir-se ao público rural nos termos locais, sua estrutura e propósito o tornavam um veículo de urbanização desse sujeito ruraL

M o levar a cidade para o campo e a loja de departamentos para o com-prador, a Sears levou o mundo externo para o lar. Vistos dessa maneira, os

(5)

primeiros filmes e catálogos de venda por correspondência se mostram igualmente instrumentais na reconfiguração das noções de espaço público e privado, noções que vinham há muito tempo sendo articuladas quanto à divisão de gênero. De fato, um aspecto da codificação do cinema dos pri-meiros tempos tanto como sistema de narrativa quanto como modelo de evento público foi a construção do espectador feminino como uma reação à mercantilização do desejo.5 O cinema oferecia um dos poucos espaços aceitáveis para as mulheres na esfera pública, e como a esfera privada e do-méstica estava havia muito tempo configurada como, de fato, exemplifi-cando o feminino, a presença das mulheres inevitavelmente comunicava uma sensação do privado para esses espaços públicos/Se a cidade e seus mercados, praças e teatros impeliam as mulheres para a esfera pública como nunca antes, exigia-se delas, contudo, uma dupla tarefa. Sua nova condição de figuras públicas, ratificada tanto pelo mercado quanto pela crescente atividade política e social progressista, não atenuava suas responsabilida-des no e para com o lar — e sua identificação com o lar —, cuja manuten-ção exigia uma média de 27 horas por semanal Do mesmo modo, a indis-tinção das esferas pública e privada que era intrínseca aos catálogos de venda por correspondência inverteu o "espetáculo privado" da sala de cinema, no qual um conjunto de pessoas não obstante assistia a qualquer filme individualmente

Os catálogos de venda por correspondência levaram para os lares a ati-vidade normalmente pública do consumo de mercadorias. Assim, a esfera privada foi invadida, tornou-se — se não realmente pública — em algo de certa forma paralelo ao público, algo que decididamente não tinha mais a aparência do privado/Eles também, por essa mesma razão, procuraram refor-çar, pela forma de representar homens e mulheres e pelo discurso voltado para ambos, as mesmas noções que a cultura de massa e o consumo de massa ameaçavam desestabilizar. Isto é, esses primeiros catálogos da Sears procu-raram expor textualmente, e portanto sedimentar, modelos tradicionais de espacialização dos gêneros — o espaço público para os homens e o espaço privado para as mulheres.

(6)

Na virada do século, as mulheres estavam se dirigindo para a esfera pú-blica em números recordes, constituindo-se na vasta maioria dos consumi-dores — 85% em 1915.7 Nos catálogos da Sears, em especial com artigos de vestuário e medicamentos, a questão de como representar as mulheres era inseparável da sensação de que sua presença cada vez mais pública e ativa as tornava perigosas e de que suas imagens, portanto, precisavam ser controla-das de um modo que as dos homens não eram. Era como se houvesse um risco da consumidora tornar-se o próprio "Consumo" caso sua imagem fosse muito variável ou recebesse muita liberdade de movimentaí'Lembrando que fazer um pedido em um catálogo requer um elemento de atividade inexis-tente no ritual de recepção do cinema, iniciaremos uma breve excursão pelos procedimentos e pela história da venda por correspondência antes de tratar de questões específicas da construção dos gêneros e da abordagem do sujeito receptor em face da reprodução e da disseminação em massa, além das questões de espaço público versus espaço privado.

. Os catálogos de venda por correspondência proliferaram entre 1895 e 1925 e, embora o catálogo da Sears tenha aberto novos caminhos no setor, ele não foi de modo algum o primeiro do gênero. Ele imitou de muitas ma-neiras seu gigante predecessor e maior concorrente, Montgomery Ward, prin-cipalmente ao se dirigir exclusivamente a um público rural e na sua finali-dade declarada de eliminar o revendedor. Mas ele foi especial principalmente porque Richard Warren Sears escreveu praticamente todos os textos de cada item de seus catálogos e supervisionou a diagramação de cada edição até se aposentar em 1908. Isto é, havia um único — e singular — autor operando de um modo que, para a maioria dos catálogos, era apenas um ideal.^/As estatísticas do"Wishbook" ["Livro do desejo"] de Richard Sears (cujo título apenas bastava para inseri-lo na arena do desejo do consumidor) refletiam sua importância: em sua fase mais vigorosa, chegou a pesar 2,7 quilos, atin-giu 1.500 páginas, listou cem mil produtos e chegou nos lares de vinte mi-lhões de norte-americanos.9 Sears foi, como observou David McCullough, "o homem mais lido nos Estados Unidos".1®

(7)

uma diferença fundamental entre eles e o cinema da época: enquanto este era um fenômeno incontestavelmente urbano, o catálogo da Sears jamais poderia ter existido sem uma população rural, cujo poder de compra — em grande parte pela elevação dos preços agrícolas e dos valores das proprieda-des — crescia rapidamente/'Assim, embora alguns aspectos da reprodução mecânica sejam similares, os métodos e motivações de disseminação dife-rem, principalmente, por três fatores históricos, e cada um deles permite uma breve discussão: a invenção dos fusos horários, a localização da sede da Sears em Chicago e a promulgação da Lei de Entrega Rural Gratuita (Rural Free Deli ver y Act).

O catálogo de venda por correspondência, como emblema da moderni-dade, foi ainda mais exclusivo dos Estados Unidos do que o trem, um sím-bolo mais óbvio da competição entre progresso veloz e exploração rápida." No caso de Richard Sears, no entanto, esses dois ícones cruzam-se de modo único. Com 19 anos, ele começou sua empresa vendendo relógios, tendo como base seu posto de agente de estação ferroviária no pequeno povoado de North Redwood, em Minnesota. Seu sonho de menino de ser um homem dos trilhos e o incidente lucrativo de vender uma mala de relógios de bolso abandonados uniram-se em uma alegoria especialmente apropriada da mo-dernidade/A entrada de Sears nos negócios não poderia ter sido mais for-tuita; sua adequação ao tempo foi perfeita. Em 1888, os fazendeiros dos Esta-dos UniEsta-dos estavam comprando relógios de Sears não porque finalmente podiam se dar a esse luxo, mas porque o relógio havia repentinamente se tornado uma necessidade: por insistência das companhias ferroviárias de Chicago, os Estados Unidos haviam sido divididos em fusos horários em 18 de novembro de 1883, o que exigiu que as pequenas vilas e as grandes cida-des se adequassem ao "horário-padrão das ferrovias". Antes disso, as pes-soas acertavam seus relógios pelo sol, e as horas eram padronizadas somente de acordo com cada linha férrea, o que criava não quatro regiões orientadas verticalmente, mas mais de cem fusos horários sobrepostos:/

vAlém do argumento oficial para a mudança, que era o de agilizar os horá-rios dos trens,12 o uso dos fusos horários efetivamente homogeneizou a

(8)

per-cepção de cada região de como era o tempo. Em todo o país, de Nova York a Chicago e São Francisco (e em cada pequena comunidade agrícola entre uma cidade e outra), 15 horas e 30 parecia mais ou menos a mesma coisa. Além do mais, ao poder ser reproduzido em todo o país, o tempo tornou-se uma mercadoria/^Esse efeito de uniformidade e de repetição infinita da mercado-ria tem uma ressonância óbvia diante da reprodução em massa — cada cópia de um dado filme, cada item do catálogo da Sears será homogêneo a outro de seu tipo. Esse padrão extremamente amplo de homogeneização propor-cionou um alicerce essencial sobre o qual foram construídos discursos e estratégias homogeneizantes, como a capacidade de envio postal em massa, da qual a Sears dependia decisivamente.

Quatro anos após a invenção do horário-padrão das ferrovias, Sears transferiu sua atividade de Mineápolis para Chicago, que, em 1887, era a metrópole mais moderna do mundo. A cidade havia sido consumida pelo fogo em 1871, e Henry Louis Sullivan, Frank Lloyd Wright e outros arquite-tos revolucionários a estavam reconstruindo com arranha-céus e outros em-blemas do momento moderno. Os bondes da cidade circulavam por toda parte, transportando cidadãos "modernos" lendo um dos vários jornais diá-rios, possivelmente a caminho do trabalho em uma das siderúrgicas, fábri-cas de processamento de carne, estaleiros ou estradas de ferro, onde iriam certamente encontrar o uso da eletricidade.^

Desse centro de modernidade, Sears enviou seus catálogos para poten-ciais consumidores agrários que, apesar de extremamente desconfiados dos modos da cidade, estavam experimentando uma era de prosperidade, como indica este trecho escrito em 1931:

O fazendeiro, que desde o Pânico de 1893 vivia à beira da insolvência finan-ceira, aguardou com esperança renovada; entre 1900 e 1910 os preços dos produtos agrícolas aumentaram... enquanto o valor da terra dobrou... A fazenda típica tinha agora sua casa de madeira e celeiros espaçosos, e o Oeste agrícola, que por três déca-das havia fervilhado com inquietação, mostrava com suas construções bem cuidadéca-das, seus novos equipamentos e estradas melhoradas que uma nova era havia começado.

(9)

Havia poucos fazendeiros bem estabelecidos que não podiam ter um coche,

móveis estofados, um telefone e até mesmcrum piano.li/

Dirigido basicamente para os milhões de famílias rurais espalhadas nas planícies e no coração dos Estados Unidos, o catálogo da Sears procurou explorar a tecnologia recente para a disseminação da informação sem inti-midar sua clientela pouco soíist içada/Para esse fim, como veremos a seguir, Richard Sears estabeleceu uma retórica de arregimentação inclusiva, que, ao mesmo tempo em que deixava os clientes à vontade para fazer os pedidos também os impedia de articular desejos além dos parâmetros indicados pelo catálogo.

O terceiro fator essencial no desenvolvimento dos catálogos foi a apro-vação da Lei de Entrega Rural Gratuita em 1896. Em vez de terem de ir ao entreposto mais próximo para recolher a correspondência, os fazendeiros podiam agora recebê-la diretamente em casa sem custos. Essa mudança intro-duziu contatos praticamente diários com um carteiro rural, que também fazia pequenos favores, como regar as plantas e dar de beber aos animais, ou até mesmo favores um pouco maiores, como solicitou um fazendeiro nesta nota deixada em seu portão:

Carteiro:

Eu não tinha troco esta manhã. Você venderia essa meia dúzia de ovos para comprar um selo para essa carta? E com o que sobrar, me traga uns seis cartões-postais e o restante em selos de três centavos.^

A Lei de Entrega Rural Gratuita mudou a forma do fazendeiro adquirir informações: de um sistema que exigia uma vontade considerável (atrelar um cavalo a uma carroça e dirigir dezenas de milhas) a outro que não exigia nem mesmo sua presença. Na virada do século, a Lei de Entrega Rural Gra-tuita havia levado o catálogo aos fazendeiros de todo o país.

Mas a passividade envolvida no ato de receber um catálogo não se repe-tia no processo de encomendar um item. Além da quantidade significativa

(10)

mento para Chicago, o consumidor era obrigado a esperar a mercadoria chegar por trem de carga, o que poderia levar semanas e ocasionalmente até mais tempo. A Sears, Roebuck and Co. garantia um período de 24 horas do momento em que o pedido chegava ao seu depósito até o momento em que o despachava, mas uma vez que o pacote chegava à estrada de ferro a em-presa não podia se responsabilizar pelo acesso imediato à mercadoria.

'Além do mais, as taxas de remessa eram quase sempre proibitivas; no catálogo de 1902, por exemplo, Sears imprimiu um aviso para seus leitores, recusando-se a remeter qualquer "pedido não-lucrativo" (p.5). Na edição de 1902 havia quatorze páginas de instruções, incluindo tabelas detalhadas de fretes e até mesmo um testemunho de página inteira do Banco Metropoli-tano de Chicago assegurando a solvência da empresa. A isto se somavam duas dúzias de observações específicas.16

Essas informações tão explícitas eram necessárias para adestrar os con-sumidores no processo de encomenda. No início, Sears não tinha uma idéia clara e detalhada de seus consumidores, aos quais, no entanto, ele se dirigia como "querido amigo" e cujos perfis ele podia somente esboçar em termos amplos: "fazendeiro", "consumidor", "alfabetizado" e assim por diante. En-quanto o cinema envolvia certos rituais provenientes do teatro — comprar ingressos, ficar sentado, intervalo — , Sears precisava oferecer a seu lei-tor-espectador-consumidor um treinamento mais detalhado.

O texto do catálogo de 1902 que ensinava "como" fazer um pedido é repleto de proibições e advertências. O leitor é instruído, com termos bas-tante severos, a preencher o formulário exatamente de acordo com o modelo fornecido. Dos quinze parágrafos da seção "Como fazer um pedido", cinco começam com "sempre" e quatro começam com "certifique-se" (p. 3). A seção intitulada "Sobre trocas" começa assim: "Somos rigorosamente contrários às trocas". Além disso, o catálogo estabelecia também uma proibição quanto às cartas pessoais. Uma seção detalhada desencorajava "correspondências des-necessárias", ou seja, quase qualquer coisa que não incluísse um formulário de pedidos: embora nessa época a empresa empregasse mais de cem estenó-grafos para cuidar das correspondências do consumidor, Sears assegurava

(11)

aos seus leitores que"é muito raro ser necessário nos escrever", observando que "nossos clientes antigos raramente têm motivos para nos escrever" e rei-terando que "cartas referentes a remessas podem quase sempre ser evitadas" (p. 6). Tudo isso estava em um catálogo enviado com uma carta que come-çava com "Querido amigo".

Assim, o discurso de 1902 que desaconselhava expressões de indivi-dualidade resultava da incapacidade do catálogo para precisar a quem estava se dirigindo. A única parte em que trazia um sentimento de cordia-lidade tinha por objetivo diminuir a sensação de isolamento do destinatá-rio. Prefaciando as tabelas de fretes, encontrava-se esta afirmação: "Onde quer que você more, podemos economizar o seu dinheiro ... A D I S T Â N C I A N Ã O É N E N H U M I N C O N V E N I E N T E " (p. 7). Em 1906, no entanto, o quadro já

estava mais claro, ou porque os consumidores estavam escrevendo com mais freqüência e mais personalidade, ou porque mudanças nos padrões de migração e colonização estavam mais evidentes. O texto introdutório havia não apenas encolhido um pouco, mas também adotado uma postura nitidamente corrigida, dirigindo-se ao leitor em um tom relaxado, atento à individualidade e à clientela. Sears estava ativamente abordando e cons-truindo o seu público./

Os primeiros formulários de pedidos dos catálogos apresentavam um problema aos potenciais consumidores: ou era possível se adaptarem às ins-truções, e portanto eram capazes de exprimir seus desejos, ou não conse-guiam fazer a encomenda. O consumidor hipotético era com certeza mas-culino: o exemplo de formulário de pedidos era preenchido por um Mr. William Johnson, do distrito de Cherry, em Nebraska (p. 13). E, em 1902, se ele não conseguisse dizer o que queria, não conseguia obter o que queria. No entanto, na primeira página da edição da primavera de 1906, vemos diversas mudanças substanciais que procuram remover todos os impedimentos ao poder do consumidor.

Em primeiro lugar, o grande livro passou a ser gratuito para todos os lares. O consumidor potencial era construído como a vedete do show, com o sempre solícito Sears dando as deixas. "Escreva uma carta ou um

(12)

cartão-postal dizendo ENVIE-ME SEU GRANDE CATÁLOGO e ele será enviado a você

imediatamente, sem custos, por correio." E em vez de prefaciar o guia do consumidor com o título em negrito "Só aceitamos pedidos acompanhados de dinheiro", como havia feito no passado, o cabeçalho foi reescrito com ter-mos que decididamente não intimidavam: "Regras simples para pedidos". E, como se sentisse culpado por ter imposto regras, Sears passou a convidar o consumidor a quebrar quase todas elas, se necessário f o s s o

Se um fazendeiro não tivesse um formulário em branco, ele podia "usar qualquer papel". "Diga-nos da sua maneira o que você quer", exortava Sears,

não tenha medo de errar. Recebemos centenas de pedidos todos os dias, de pessoas de todas as idades, que nunca antes enviaram pedidos de mercadorias. Estamos acostumados a lidar com todos os tipos de pedidos. Diga-nos o que você quer da sua maneira, escrevendo em qualquer linguagem, não importa se em bom ou mau estilo, e as mercadorias serão prontamente enviadas a você. Temos tradutores para ler e escrever em todas as línguas.

E é claro que os pedidos se multiplicaram, algumas vezes em rabiscos tão ilegíveis que as habilidades de improvisação dos que os liam foram exaustiva-mente testadas, e muitas vezes em línguas diferentes do inglês.^ E não era de se estranhar. O componente que mais se destacou na edição de 1906 foi a tra-dução das instruções em inglês para o sueco e o alemão, para melhor servir e atrair os dois maiores grupos de imigrantes não falantes de inglês.

Essa fase particular da história do catálogo marca sua afinidade com o início do cinema, precisamente na aparente diferença entre ambos e parti-cularmente no que diz respeito aos rituais e processo envolvidos na recep-ção de um filme por platéia de imigrantes. O cinema proporcionava um local e uma razão para a convocação de diferentes grupos de imigrantes e assimilava todos eles, no escuro, como norte-americanos. Era parte do "surgimento de uma nova cultura de consumo que enevoava todas as divi-sões de classe e etnia, formando uma comunidade ilusória de abundân-cia".18 Nos limites privados do lar, o imigrante mantinha uma identidade nacional e de classe. Na esfera pública do cinema, a diferença era marcada

(13)

ainda que fosse obscurecida: à medida que se reuniam para se tornarem norte-americanos, os imigrantes podiam ver quem mais à sua volta aspirava à fluência na leitura dos letreiros e tudo que isso implicava. Além disso, o cinema e a cultura de consumo convergiam, de tal modo que "a freqüência ao cinema tornou-se a forma de recepção da mercadoria".^ Os espectado-res se viram capturados pelo fetichismo da mercadoria, embora, propria-mente falando, não pudessem possuir o que haviam comprado, exceto o que restava do ingresso.

Mas, no isolamento do mundo rural, os imigrantes se reuniam com muito menos freqüência com seus conhecidos e menos ainda com outras pessoas. A disseminação em massa de imagens e mercadorias de Chicago (e a res-posta igualmente intensa do consumidor do campo) torna fácil esquecer que só muito recentemente o mesmo espaço geográfico para o qual Sears enviava seus catálogos havia feito a transição de território de fronteira para a condi-ção de Estado da federacondi-ção. Sears iniciou sua empresa em 1886, quatro anos

antes do censo norte-americano ter declarado as fronteiras de expansão

ofi-cialmente fechadas. Três anos depois do censo, Frederick Jackson Turner apresentou pela primeira vez sua famosa tese sobre as fronteiras de expan-são (uma tentativa aparentemente progressista de definir a identidade nor-te-americana em relação ao Oeste recém-colonizado) na Exposição Mun-dial de Colúmbia, em Chicago, em 1893.^Durante esse período, entre 1889 e 1893, as Corridas da Terra em Oklahoma — nas quais dezenas de milhares de pessoas se reuniram de fato em uma linha de largada e fisicamente corre-ram para fincar estacas de propriedade — simbolizacorre-ram a velocidade em que a terra de fronteira podia se tornar terra de cultivo colonizada. Durante essas corridas frenéticas, algumas vezes cidades eram erguidas literalmente da noite para o dia.21 No entanto, na época em que o catálogo de Sears estava cobrindo totalmente a nação (por volta de 1899), o elástico da expansão para o Oeste havia se estendido ao máximo, e os mesmos imigrantes que para lá afluíram nos anos de 1890 (um número semelhante havia se estabelecido em áreas urbanas durante cada década precedente) já estavam de volta na dire-ção das cidades, escasseando as populações nas áreas rurais.2^

(14)

Mssim, a congregação "natural" de espectadores que subordinaram suas diferenças ao efeito equalizador da imagem, do enredo e do letreiro no cinema urbano não ocorreu nas planícies. No curso normal da vida agrária havia poucas oportunidades de fusão no cadinho cultural. Um desses fóruns, no entanto, era o catálogo da Sears. Instruções traduzidas realmente ofere-ceram ao consumidor o que, em termos cinematográficos, poderia ser algo ->como letreiros e atos de vaudeville em língua nativa. A colocação de várias línguas diferentes em uma única página tirava o consumidor do isolamento cotidiano. Para os suecos e alemães abordados em 1906, isso foi um sinal de que, embora o inglês predominasse como status quo e aspiração (ainda mais por ocupar toda a parte superior da página, acima das outras duas línguas), eles não estavam sozinhos em sua diferença. Essa apresentação multilíngüe pode ter visado aumentar os lucros, mas ela representou também um sinal de vida, um registro de que alguém mais estava lá, enquanto se trabalhava entre as fronteiras do isolamento relativo do fazendeiro nas planícies. Além do mais, o catálogo realizou uma dupla assimilação do imigrante como um norte-americano precisamente na forma do consumismo — nessa altura o ícone apropriado dos Estados Unidos e da vida norte-americana. O consu-mismo transformou o imigrante em norte-americano.

^O catálogo de venda por correspondência tornou evidente a presença da mercantilização na reprodução tecnológica, à medida que ele especifica-mente confundiu as fronteiras entre o espaço privado e o público. Os lares eram um espaço privado, mas os que recebiam e utilizavam os catálogos eram impelidos para a esfera pública. O catálogo como uma forma de esfera pú-blica estava especificamente atado à mercantilização — ele chegava aos lares de sujeitos isolados, e, ao inspirar uma articulação de desejo, os tornava con-sumidores. Ao serem representados metonimicamente por seus formulários de pedido, eram impelidos para uma arena mais ampla de consumo.,

4 Esse consumo rural ampliado inevitavelmente entrou em atrito com a estrutura urbana que o incitou, e Sears teve que negociar com muito cui-dado as aspirações rurais à urbanidade e as desconfianças do campo em relação aos modos da cidade. À época da Exposição de 1893, Sears já estava

(15)

sediado em Chicago havia cinco anos; caso tivesse visitado a exposição, teria ficado mais consciente da forma cautelosa com a qual os visitantes de regiões afastadas inspecionavam as várias instalações e apresentações. Livros de comentários dos visitantes dessa exposição refletem uma profunda ambiva-lência em relação à cidade. De um lado, os visitantes rurais escreviam com orgulho sobre o que estava sendo exibido; de outro, registravam o desejo de que mais deveria ter sido feito para expressar as identidades regionais no contexto urbano, e até global, que definia a feira de 1893: "A feira lembrou as pessoas de algo nem sempre tão óbvio em sua região: o lugar em que viviam era uma hinterlândia, cujo valor cultural seria medido pela visão metropo-litana tão claramente exemplificada [por Chicago]'>3

Àssim como as instruções de como fazer os pedidos se tornaram cada vez mais fáceis, também Sears oferecia ao fazendeiro uma voz calorosa para , guiá-lo pelas avenidas do catálogo-cidade, sem nunca deixá-lo esquecer que a voz (ao contrário de outras que o fazendeiro possa ter encontrado em Chi-cago) era real e genuína jbomo observei, Richard Sears escreveu praticamente todos os textos e supervisionou pessoalmente quase todas as páginas do catá-logo. Em parte por essa univocidade, seu catálogo serviu para homogenei-zar os Estados Unidos, à medida que os fazendeiros podiam, por meio dele, confiar em Sears para ajudá-los a compensar um duradouro sentimento de inferioridade, profundamente alimentado, ao comprar o que as pessoas da cidade compravam. Mas se Sears era o autor absoluto do texto, a técnica que empregava aproximava dele os consumidores, dando-lhes um sentimento ilusório de autoria e de poder (também ilusório). Os catálogos sempre mani-festaram um profundo respeito pelo pragmatismo, engenho e espírito de economia dos consumidores rurais. Com base no que e quanto cada família comprava, Sears desenvolveu uma "lista dos melhores clientes" e enviava a algumas pessoas catálogos adicionais, com instruções para que fossem dis-tribuídos entre compradores com o mesmo perfil. Tais pessoas seriam recom-pensadas por seus esforços; dependendo do retorno, esses distribuidores podiam ganhar mercadorias tão significativas quanto um piano. Com esses incentivos, Sears teve acesso a um retrato do fazendeiro norte-americano

(16)

que era, em alguns aspectos, muito mais completo e preciso do que a ima-gem que o governo dos Estados Unidos podia obter com o censo e com a declaração de impostos. O governo podia saber quanto cada pessoa tinha e como o dinheiro era obtido. Sears sabia o que cada pessoa desejava e para onde ia o dinheiro.

A "lista dos melhores clientes" (também conhecida por "iowaização", por ter sido implantada pela primeira vez no Estado de Iowa) consolidou em um procedimento rotineiro os novos padrões do fluxo de capital iniciados pelo catálogo. A lista dos melhores clientes de Sears beneficiou-se de rela-ções sociais e familiares duradouras nas comunidades rurais e, em alguns aspectos, ajudou a consolidá-las. Mas ela também prejudicou gravemente a natureza comunitária do armazém, para onde os fazendeiros eram anterior-mente obrigados a fazer viagens semanais, mensais ou sazonais para estocar suprimentos. Os catálogos da Sears jamais substituíram completa, ou mesmo fundamentalmente, o armazém rural, embora esse último tenha sempre expressado sua animosidade em relação aos primeiros, mesmo quando finalmente capitulou e se tornou agente das entregas dos volumes encomen-dados pelos clientes da Sears. No entanto, como essa última exigia pagamento antecipado, isso realmente ossificou as estruturas econômicas antes flexíveis, cortando de modo significativo os sistemas de pagamento mais internos à comunidade, como crédito e trocas em espécie.

/Essa interseção entre o controle social e o catálogo seria reforçada em 1913, quando Sears mais uma vez foi beneficiado com a combinação de textos legislativos e técnicos. A Lei de Encomendas Postais (Parcel Post Act) de 1913 não apenas tornou possível reduzir o custo do envio de pacotes por trem e correio, mas também, como a Lei de Entrega Rural Gratuita e a campanha para "eletrificar" o campo durante os primeiros quinze anos do século, fez com que um número enorme de comunidades rurais ficasse sob o controle de um discurso de poder altamente centralizado. Uma pessoa só podia se ocul-tar se suprimisse seu desejo de consumo: no momento em que um fazendeiro fizesse um pedido na Sears, ele podia ser localizado e encontrado.

(17)

dili-gentemente lidas por leitores agrários: American Woman, Youths

Compa-nion, American Fireside, Fireside CompaCompa-nion, Fireside Visitor, Harpers Hearth

Ã

and Home, Home Monthly e Peoples Literary Companion. Muitos desses

títu-los dão uma indicação de sua função adicional. Como o "companheiro" ou "visitante" antropomoríizado, elas ajudaram a abrandar o isolamento cau-sado pela enorme distância entre as fazendas. (Quando não estava em uso, o catálogo da Sears ficava na estante ao lado das revistas.) O catálogo em si era discursivo em um nível igualmente pessoal; quando não era usado para fazer pedidos, era lido em voz alta como literatura para todo mundo, de crianças doentes a mulheres costurando ao pé do fogo. No entanto, compa-rados às revistas um pouco mais sofisticadas, como Ladies Home Journal, os anúncios eram hiperbólicos e berrantes demais para funcionarem.24

De qualquer forma, Sears fez seu catálogo parecer uma ocorrência natural, algo que pudesse se camuflar como não tendo nada a ver com comércio, invertendo sua posição com essas revistas de literatura popular. Os anúncios da Sears eram embutidos no curso dessas coleções, e a rubrica "livros" era da mesma forma incluída no catálogo da Sears, fazendo com que parecessem parte do mesmo fluxo de material de leitura dentro do lar. Foi uma jogada duplamente notável: em primeiro lugar, permitiu que Sears tivesse um controle significativo sobre as preferências de leitura do fazen-deiro norte-americano; em segundo, aumentou a capacidade do catálogo de vender sem parecer estar vendendo — encobrir um aparato discursivo na roupagem de outro.

Mpesar dos níveis de alfabetização surpreendentemente altos dos Esta-dos UniEsta-dos rural, em contraste com a cidade, algumas famílias ainda man-tinham uma lista de leitura extremamente limitada.25 No mínimo, no entanto, cada casa de fazenda tinha uma bíblia, um catálogo da Montgomery Ward e um catálogo da Sears. As bíblias costumavam ser dispostas em suportes especialmente construídos ou guardadas com segurança em armários, mas os catálogos da Montgomery Ward e da Sears eram exibidos na mesa da sala de estar, e o primeiro era sempre maior do que o segundo/Aparentemente uma contradição à inclinação de Richard Sears à hipérbole e ao superlativo,

(18)

isso era na verdade uma tática sagaz: por ser menor, o catálogo da Sears seria sempre colocado por cima.26

A seção de livros no catálogo da Sears era precedida pela "Seção de Equi-pamentos e Acessórios de Entretenimento Público", onde podemos encon-trar a convergência material entre o cinema e o catálogo. A palavra-chave aqui é, com certeza, "público". Embora o catálogo se dirigisse a pessoas físi-cas, ele algumas vezes procurava estimular sua transformação em persona-gens públicas — nesse caso, em exibidores de filmes. Na virada do século, o cinema ainda não tematizava a vida privada, e a maioria dos filmes refletia isso, concentrando-se principalmente nos espaços públicos (UArrivée d'un

train en gare de la ciotat, 1895, de Lumière, Great Train Robbery e Romance of the Rail, 1903, de Porter), mesmo se, como em What Happened in the Tunnel,

1903, o que transpirava era de natureza privada. O kinetoscópio de Edison havia sido exibido na exposição de 1893. Também era possível ver filmes em feiras regionais sazonais e anuais, eventos que não apenas celebravam a vida e os costumes rurais, mas também apresentavam as novidades do entreteni-mento urbano.27 Além desses locais, no entanto, o acesso rural ao cinema era muito mais fortuito, e o catálogo da Sears tornou-se uma fonte de infor-mação e oferta de equipamentos e filmes, inclusive, embora, em comparação com a atividade na cidade, o número e o alcance dos filmes disponíveis con-tinuassem limitados.

Sears não apenas lançou a "versão melhorada" de 1901 do kinetoscópio de Edison e um equipamento de exibição similar ao Hales Tours (atração criada por George C. Hale, surgida em Saint Louis em 1904, que consistia numa sala decorada como um vagão de trem onde se projetavam filmes de viagem numa tela; o chão sacolejava e sons de locomotiva eram reproduzi-dos na sala), mas também intensificou sua política de identidade ao enco-rajar seus clientes a partilharem de sua própria aura, a participarem de seu sucesso no Sonho Americano, abrindo um negócio como apresentadores do Hales Tours e de curtas-metragens no novo kinetoscópio de Edison. Avan-çando na disseminação de poder e controle por meio do consumo, Sears os incentivou a emular seu próprio catálogo, comprando equipamentos extras

(19)

e arrendando-os para ter lucroX) cinema, na visão de Sears, era um local e um material ideal para expandir e diversificar a inserção do fazendeiro no complexo do capital.

É claro que Sears também vendia os filmes e os slides necessários, e um exame dessa seção do catálogo nos dá uma indicação interessante do ritmo no qual os temas de informação e entretenimento circulavam pelo Estados Unidos não-urbano. Edições dos primeiros anos do século xx listam os se-guintes títulos: "Pan-American Exposition";"The Philippines and Our New Possessions"; "The Passing of the Indian"; "Assassination of President Mc-Kinley"; "Around the World in Eighty Minutes"; "Life Under a Circus Tent" e "The Chicago Stockyards, or from Hoof to Market". Todos esses filmes são urbanos, nacionais ou mesmo globais em alcance e foco, assim como docu-mentários em sua natureza. O sujeito receptor foi dessa maneira estimulado a olhar além de sua própria comunidade, à medida que o cinema, uma nova tecnologia, articulava fatos correntes, história recente e fenômenos a mi-lhares de quilômetros de distância. Para o sujeito rural, portanto, o cinema e o mundo moderno para além de sua terra definiram um ao outro, e fizeram isso por meio do catálogo da Sears.

Assim como o modo de disseminar o catálogo e as mercadorias, o modo de fazer o pedido (que era o processo de inserir o sujeito no próprio discurso de Sears) mudou com o tempo. Os primeiros catálogos eram altamente dis-cursivos, com vários dos principais itens descritos não apenas com muitos detalhes mas também com um alto nível de teor narrativo acentuado. Como os pacotes normalmente iam por frete, o tempo de espera entre fazer um pedido (sempre por correio) e receber as mercadorias (normalmente via-jando até a cidade numa carroça e recolhendo-as na estação de trem) era significativo, com certeza cerca de semanas e, quase sempre, em áreas mais isoladas, de meses. De fato, em 1902 Sears havia abandonado seu lema e grito de guerra "Não mande dinheiro" Quando os trens de carga lentos que tra-ziam os itens encomendados finalmente chegavam, muitas pessoas haviam perdido seu desejo e enviavam os artigos de volta sem pagar, o que criou um sério encargo financeiro para a Sears. No entanto, a crise da dissipação do

(20)

desejo também teve soluções no nível da narrativa. Portanto, a retórica de vender o item também tinha que funcionar como uma retórica para manter o desejo. Era necessário misturar a fala persuasiva do vendedor com histó-rias curtas que podiam ser lidas em voz alta e repetidas vezes para reacender a chama do desejo, mesmo quando a única brasa tangível estivesse na forma de um recibo de ordem de pagamento preenchido meses atrás/yNa cidade, onde as mercadorias eram manufaturadas e vendidas mais próximas de onde seriam usadas, a retórica, assim como o uso exagerado de cores brilhantes, concentrou-se explicitamente na "intensificação do desejo"28 Em ambos os casos, no entanto, o desejo foi concebido como alguma coisa quantificável e maleável, capaz de ser formado e moldado pelas contingências do trans-porte e do capital. Na cidade, o desejo ardia vivo e rápido, mas no campo a chama precisava ser soprada suave e constantemente para que pudesse quei-mar devagar e por muito tempo.

'Consideremos o caráter excessivamente narrativo do verbete Vin Vitae, que ocupou um lugar proeminente na seção de medicamentos vendidos sem receita por muitos anos. Embora sua diagramação ocupe apenas uma página, (,èle consegue funcionar com muita eficiência como um épico. O texto extenso é contrabalançado por duas imagens, que, da esquerda para a direita, contam a história de um homem esgotado que foi reavivado por meros 69 centavos de dólar. Incitado pela nobre musa inspiradora do consumismo e da própria vida, ele parece, à esquerda da página, estar preenchendo um formulário para encomendar esse "vinho da vida", cujo título em latim o fazia parecer mais científico e, portanto, mais confiável em termos médicos. Ao se mover pelo texto e imagem que relatam suas indisposições, ele é transformado no outro lado da página em um Adonis domador de leões. Como a fórmula funcionou maravilhosamente, ele pode muito bem ser inspirado a reunir sua mulher e filhos e encorajá-los, como faz o texto abaixo da imagem, a compartilhar de seu bem-estar. A cadeia fantasiosa de sucessão causai esta-belecida convence pela auto-suficiência e círculo vicioso da narrativa, que é concluída com um convite à demanda constante que leva o leitor de volta à 240 imagem do frasco.29

(21)

Essas narrativas intermináveis enfatizam o modo com que o catálogo, à medida que representava coisas que não estavam presentes, mas cuja pre-sença era iminente, apresentava-se como uma arena para a fetichização. Os catálogos subseqüentes àqueles discutidos aqui mostram uma redução no seu teor narrativo, uma vez que, com o início do sistema de Encomendas Pos-tais em 1913 e de outras tecnologias, o desejo precisava ser mantido por perío-dos de tempo cada vez menores, tvías mesmo em 1915, Sears expressava um credo de modernidade que revertia em causa própria no prefácio de seu livro, exaltando as vantagens de economizar tempo e dinheiro por meio da comunicação de massa e da tecnologia de ponta:

Você pode ir até a cidade para saber o preço do trigo, ou usar o telefone —

O jeitO MODERNO.

Você pode escrever uma carta para aceitar o valor para cem acres de terra e descobrir que a oferta foi retirada antes da sua carta chegar, ou você pode

telegra-far sua aprovação e fechar a venda de imediato — o jeito MODERNO.

Você pode depender da força manual e achar o dia muito curto para fazer o seu trabalho, ou pode adquirir um motor a gasolina, melhorar o trabalho e ter

tempo livre — o jeito MODERNO.

Você pode ir até um armazém, despender seu tempo precioso e escolher entre um estoque limitado a preços do varejo, ou você pode receber em sua casa, neste catálogo, a nossa Grande Loja de Mercadorias Internacionais a preços econômicos

— O jeito MODERNO.

Não importa onde você more, quer chova ou faça sol, com este catálogo você pode fazer suas compras da sua poltrona. Consulte estas páginas de acordo com as suas necessidades e você experimentará o conforto e a economia nas compras que fizeram essa Grande Loja a casa de fornecimento de tantos milhões de lares —

compre do jeito MODERNO.

O que estava por trás desse credo, assim como por trás das instruções épicas das primeiras edições de como fazer um pedido, era a apresentação de dezenas de milhares de itens para serem encomendados entre as linhas minúsculas do formulárioy'Em 1902, a primeira seção do catálogo era a

(22)

linha de mercearia da Sears, que, embora destinada a funcionar como um chamariz, na verdade acabou sendo uma linha lucrativa porque os fazen-deiros pediam alimentos secos em enormes quantidades em antecipação a longos períodos de isolamento durante os meses de inverno. Na verdade, o sucesso inesperado da linha de mercearia demonstra a natureza aleatória de grande parte do processo inicial. Depois das mercadorias não-perecíveis vinha uma seção dedicada a relógios, um sinal de que Richard Sears ainda pensava em suas raízes.

A próxima seção em destaque também fornece as primeiras sinaliza-ções da adoção de abordagens diferenciadas para os sexos no catálogo. Até a aprovação da Lei de Alimentos e Medicamentos (Pure Food and Drug Act) de 1906, não havia leis para regular os conteúdos dos produtos farmacêuti-cos. Dada essa ausência de regulamentação, as páginas de medicamentos vendidos sem receita freqüentemente tomavam o lugar do diagnóstico e dos cuidados médicos, já que muitas famílias rurais não contavam com um médico próximo. Embora esses "remédios" pudessem ser impróprios e até mesmo abusivos tanto para homens quanto para mulheres, a posição da mulher como prestadora de cuidados quase sempre a colocava tanto como doadora quanto como receptora de fórmulas que algumas vezes faziam mais do que simplesmente não funcionar. Um exemplo particularmente pungente foi um verbete para o "Xarope Calmante da Mrs. Winslow". A imagem que acompanhava era a de uma mãe como um anjo que cuidava de seu filhinho administrando-lhe algumas gotas preciosas. Infelizmente, poderia haver um subtexto sinistro: as gotas continham uma quantidade considerável de ópio, podendo ter conseqüências óbvias e desastrosas, e as mulheres sem saber tornaram-se o conduto para o vício de seus próprios filhos.

foutro medicamento, as "Pílulas do Dr. Hammond para Nervos e Cére-bro", vendidas como "uma dádiva para homens debilitados", era o único item no tópico de dificuldades fisiológicas inerentes ao homem. Nessas pá-ginas, no entanto, os corpos das mulheres eram inexoravelmente apresen-tados como fracos. As "Pílulas Dr. Worden para Mulheres", por exemplo, afirmavam curar "todas as doenças provenientes de uma condição fraca e

(23)

debilitada". No entanto, alguns dos problemas citados, como "falta de ambi-ção", "fraqueza de vontade" e "envelhecimento precoce", dificilmente eram de natureza médica.

Acompanhando a tendência das mulheres da burguesia européia, que ingeriam cobalto e arsênico para adquirir a aparência pálida e cinzenta ditada pelo culto aos enfermos, Sears também insinuava que um corpo frágil de mulher era mais feminino.30 As "Pastilhas do Dr. Rose para Compleição Arsê-nica" prometiam igualmente às mulheres da fazenda "uma transparência e alvura cristalina da tez". "Queridas amigas", exaltava, "vocês podem ser bo-nitas. Não importa quem vocês sejam e quais sejam os seus defeitos, vocês podem ficar tão formosas quanto qualquer mulher da nação".

Não surpreende que houvesse um contraste nítido entre a vida real e coti-diana das mulheres rurais e o discurso farmacêutico que Sears construía para elas. A vida rural era, talvez, mais árdua para as mulheres do que para os homens; a tecnologia agrícola superava em muito as inovações domésticas, incluindo aquelas que envolviam as necessidades mais básicas. Sem água corrente, grande parte do dia era gasto transportando água em baldes enor-mes, carregados com as mãos, de poços ou bombas. O dia de lavar roupas era uma tarefa que realmente consumia todas as horas do dia. Considerando-se todo esConsiderando-se esforço, tomar as pastilhas do Dr. RoConsiderando-se era em si um lazer mais do que uma atividade terapêutica.,

b e modo similar, o catálogo anunciava itens que sinalizavam a entrada da revolução pós-industrial nos lares numa relação de estrita reificação, uma vez que as pessoas podiam ser substituídas por coisas e o discurso tecnoló-gico podia substituir o discurso social. Muitos dos produtos tornaram a vida mais fácil para a dona de casa, ao mesmo tempo que, ironicamente, entrin-cheiravam-na ainda mais em um círculo vicioso de solidão. Uma mulher escreveu para Sears elogiando seu novo fogão, afirmando com exuberância que ela havia levado um sofá para a cozinha para que pudesse dormir perto dele e que "não havia se afastado dele, noite ou dia", desde que o comprara.31 (Viva a liberdade!) Do mesmo modo, Sears vendia uma máquina de costura a preço bem menor do que qualquer outro no país e em 1902 estava

(24)

ven-dendo uma máquina a cada minuto. Mas, como observa a historiadora so-cial Annette Atkins, as mulheres pagaram um preço soso-cial por essa facili-dade recém-descoberta.32 Antes da distribuição generalizada da máquina de costura, as donas de casa rurais empregavam costureiras por períodos de um a dez dias para ajudá-las a fazer roupas íntimas e sociais para suas famí-lias. Com a utilização permanente da máquina de costura, a presença oca-sional — ainda que esporádica — de outra mulher na casa desapareceu intei-ramente, privando a dona da casa do aspecto social dessa tarefa doméstica

Uma coincidência estranha ressalta a ampla gama de mercadorias esto-cadas e vendidas pela Sears. A última página do departamento de carrinhos de bebês confrontava a do departamento funerário, assegurando ao consu-midor, de forma subliminar, que o catálogo podia satisfazer todas as neces-sidades, do berço à sepultura jMas o início do século x x anunciou o começo de uma nova era na Sears, quando o vestuário teria uma proeminência cada vez maior nas suas páginas e nos seus lucros. O mesmo aconteceria com as hierarquias de poder e de gênero nas várias representações de mulheres, homens, bebês e crianças.

A maior parte da correspondência recebida na sede da Sears and Roe-buck em Chicago era de adultos, mas de vez em quando as crianças também escreviam, pedindo uma mudança na pauta do catálogo em seu benefício:

Caros Sears e Roebuck:

Por favor, coloquem pés nas senhoras do catálogo, para que elas sejam bone-cas de papel mais bonitas. Nós quase nunca encontramos senhoras com pés para completar nossas famílias. Temos u anos. Por favor, não coloquem preços nas per-nas delas. Por favor, entreguem isso a Mr. Sears.

Obrigada.^

Embutido nesse exemplo de correspondência infantil está o ponto cru-cial do problema do tratamento dos gêneros que se desenvolvia nos catálo-gos. Por um lado, temos apenas que recordar os prazeres escopofílicos semi-ilícitos do tornozelo exposto sobre um suporte no filme Gay Shoe Clerk, 1903, da Edison, para entender por que as mulheres não tinham pés. Mas os papéis

(25)

complexos das mulheres como "polidoras da família", assim como adminis-tradoras, são uma outra história/uma abordagem diferenciada dos sexos é discernível nos textos do fim do século xix, mas, no catálogo principal de 1902, a batalha já incluía a noção das mulheres não apenas como forças de consumo mas também como locais de desejo.

avia um conflito aparentemente insolúvel tanto na apresentação pública dos corpos reais das mulheres nos Estados Unidos quanto na sua represen-tação na "privacidade pública" do catálogo. A apresenrepresen-tação dos corpos das mulheres na esfera pública durante a virada do século baseou-se em um para-digma particular de modéstia. A parte superior do corpo podia ser exibida de modo provocante, com ombros à mostra, decotes revelados, costas leve-mente visíveis e assim por diante. No entanto, da cintura fina firmeleve-mente espartilhada até o chão, nenhuma parte da mulher podia ser visível. Essa esté-tica guiada pela moral foi tão persistente que pôs de lado preocupações mais práticas: as mulheres rurais usavam uma versão mais larga do espartilho quando trabalhavam no campo. De fato, a maioria das mulheres vestia-se como se não tivesse pernas, dando a impressão de que as partes visíveis de seu corpo estavam montadas em pedestais, como estátuas, e eram movidas por algum mecanismo invisível debaixo de suas saias.

Concomitantemente, o corpo inteiro da mulher não podia ser exibido com bom gosto no catálogo. Assim, para vender sapatos, somente estes podiam ser mostrados, o mesmo acontecendo com as roupas íntimas para serem usadas debaixo do espartilho. Mesmo os espartilhos eram ilustrados somente com um desenho da parte superior do corpo da mulher; a figura terminava na altura da cintura [fig. 6.1]. Esses constrangimentos próprios aos códigos de representação exigiam a fragmentação crescente e contínua dos corpos das mulheres.34 O tema do catálogo — o corpo da mulher — era des-truído, e o sujeito feminino ao qual Sears se dirigia era igualmente feito para se fragmentar. Isto é, para estar em sintonia com o que era apresentado no papel, a mulher tinha que se desmontar, perceber -se em pedaços, página a página, item a item, gradualmente montando-se à medida que encomen-dava as mercadorias//Poderíamos pensar que, algumas vezes, a

(26)

autodes-s r A R 9 . R O r n U C K & C O . . C h . M p . - autodes-s l Strpply H o i w o n F.iMh. C h l c d a o . C A T A L O C U t Ni

6.1 O corpo inteiro da mulher raramente era exibido em uma imagem isolada. Nesse caso, as blusas femininas eram vendidas com uma imagem que terminava onde terminava o artigo à venda — na cintura.

(27)

truição metafórica efetuada por essas imagens encontrava um eco literal — se de fato acreditarmos no que lemos nas páginas de medicamentos.

Pode-se também observar o problema da representação dos gêneros em relação à ordem de apresentação no catálogo. Sears dividiu os gêneros de forma cavalheiresca, apresentando primeiro as mulheres, começando com os bebês meninas e continuando em ordem cronológica. A seção dos homens, por sua vez, começava com ternos feitos sob medida e continuava na ordem inversa até chegar às roupas de meninos. Em cada caso, a imagem — sempre um corpo inteiro de homem, da cabeça aos pés — e o texto que a acompa-nhava recebiam espaço separado. Muitos itens chegaram a ser dispostos como se fossem retratos oficiais [fig. 6.2].

Ãs mulheres, ao contrário, eram sempre representadas em grandes nú-meros, com fotografias de cabeças assentando desconfortavelmente e quase sempre de modo grotesco em cima de corpos ou fragmentos de corpos dese-nhados à mão. Mas os ajuntamentos nos quais elas eram reunidas não tinham significação diegética. Os olhares não se cruzavam para indicar comunica-ção entre as figuras, portanto não se podia inferir uma presença nesse espaço. As representações eram vazias, sem promessas de serem preenchidas. Antes, nessa seção, bebês e crianças começando a andar, dos dois sexos, eram agru-pados na seção das mulheres em composições comprimidas [fig. 6.3]. Mas por volta da idade em que a sexualidade se torna socializada no âmbito da divisão do trabalho, os meninos recebiam seus próprios retratos, enquanto as meninas e mulheres continuavam representadas com se estivessem em desenvolvimento interrompido [fig. 6.4]. Os "meninos", em 1902, tornavam-se homens a partir dos três anos de idade. Sexualmente retardadas, as mu-lheres permaneciam enfiadas em agrupamentos como bebês.

A descrição das mulheres em aglomerados esboça uma alegoria comum que identifica mulheres, modernidade e cultura de massa. Essa equação refor-çou'^ noção que ganhou terreno no século xix de que a cultura de massa está de certo modo associada à mulher, enquanto a cultura real e autêntica per-manece prerrogativa dos homens".35 Isto é, a cultura de massa era subordi-nada, inferior, perigosa, precisava ser contida e controlada mas era,

(28)

parado-M e n ' 9 N a v y B l u e parado-M í x e d C h e v i o t S u i t , S 5 . S O . \o. 4rtKU<>* This suit 15 made from an almost plain navy blue cheviot. It bas an invisible grcen thread, whicb is interwoven in such a. way as lo give tbe cloth an almost plain navy blue effect. It 11 .. med;um we.gm. suit abie for ali seascns wear. espec.ally ler spting and summer use, made m round cul lack style. as shown by opposite illus-tration Well llned, tr.mmed ara flmshea. jusí such a sul! as you wouic !rr.ig;r,e would be cheap at $10 0 0 We are bound to get your cloihmg business We give such values as no other house can. We give you the opportunity oí ssv.ng nearly one-half on ready made clothing Sooner or later you wlll surely send us a trlal order because you cannot afford to pay double our low prlces elsewhere l( you send us one order we are sure that we will please you so well as to retaln your future clothing patronage. Thls suii Is a mest excellent one

Price lor lult, Jtylo No I orily .

Price for coat and vest 3-7/5 Price for panu 1.7JV IT IS UNNECESSARY

TO Sí ND EOR SAMPLES

C o n v e r s e . S t a n t o n & C o . ' s V e r y F i n e B l a c k a n d W h l t e C h e c k e d C a s s l m e r e S u l t . Xo. 4 a I O This suit is made from a very fine quality of fine ali wool black and wbite checked caíaimere, especlally for sprlng and summer wear The bandssmest fine ali wool llght colored summer sult we have ever been able to offer at thls figure Made up In round cut sacie style Made up wlth good lln-Ings. extra quality of sleeve llnings Halrcloth and llnen canvas Inter llnlng A strtctly flrst class. ready made sult. guaranteed to wear. for workmanshlp and flnlsh

Price for ault. »iyle No l only..$R.ríO Price for coal and vesl

Price for pinta. 1. < O

Y o u SA V E TIME br nrdfflnf dlranl frara Ittla c»l*-tofftt*. Yao mn nul th» BlIgbtMt dvr BMMtiILai u* 4«*«rfptM>n. «ntf u<* fo» imnnr7 IV» pf*(«r lo havf uMUifaflDfT rr Inraad.

Yoi nn not the sIlQhtest chance by orderlng from thls cataiogie,

O l b e r m a n & C o . ' s Darv Bmvi. M i t e d C h e v i o t S u i t , SO.OO. No. 4." K 1 This su:t -brown andgold mizfrd cheviot. •::.

ali wool, a very good »<•;«.: Can be worn m « t any -.e.v of tbe year. • Intended for a Jpr.ru" mer suit A goed. hcr.est <• that wlll »ear »eil. and íi one ot tbe besi suits • entlre llne. Please bear m:nd that ali cf our reaiiy - a . : suits are well made. We use gooa qua.ity cl llnmgs. tr-m:ngs. etc . thrcugbout V.' guarantee to flt ycu. we gua an:ee to please you In everv »a We do not see that you rui ar rtsk In sendlng us your orce because we take ali cl tfc chances. In the event of^yot not being perfectly satlsfled" wti the garments received you cs retum them to us at our e) pense and your money wtl' t cheerfully refunded.

P-lce forsull. style I (nly $ « . 0 Price for coal and vesl. 4.l> Price for panis . lí.O

WE ADVOCATE

rln* from ibU (;» D e r r l n g . M l l l l k e n & C o . ' s

C r a y C h e c k e d C a s s l m e r e S u l t , $ 6 . 0 0 . No. 4 R R 2 1 4 This suit is made from good weight, ali wool, very fine quality of cassimere in a médium sbade of gray. It Is a heavy weight. sultable for ali seasons wear, somathlng that wlll not show the dlrt. is posltlvely the best thlng for the money In the way of an ali wool fine casslmere sult. we have ev»r been able to offer Made up In round cut sack style. as shown by op-postte lllustratlon. The fact that we make these suits only In one style and make them In our own factory in very large quantltles. allows us to figure the prlces down lower than If we made several styles in one cloth Thls taken into conslderatlon. and the fact that you pay but one small proflt ihould. we belleve. entale us to at least a trlal order You wlll then flnd that we can fumlsh such extraordinary values that we are sure you wlll continue to favor us with your future patronage

Price lor sult. ityle I only . . $6.00 Price for coal and veat 4.4 >0 Price for panti. 2.IX)

IF vou oence FDOH TTLISCATALOCUC

6.2 Enquanto as imagens de mulheres eram quase sempre fragmentadas, o vestuário masculino era ilustrado com corpos inteiros que ocupavam espaço independente.

(29)

a t A H S , R O E B U C K 4; CO.. C h ^ a p e s t S u p p i v H o u s e Eiirth. Chi

$1.89 •"".r^v.l"--'.

6.3 As imagens de meninas, como as de mulheres e bebês, eram mostradas em

(30)

II.tN S t A R S . ROEBUCK O O Y S T W O - P i e C E K N E I

S U I T S .

Sunjiy Ho„», „ r.iMh, CI..CJKO Sch.iífncr, S i h r . m m

Co.-i Alt Wool Brown Mltctl Cliev-lo« Suit, 42 00. IMIS !*<> p.,tu St/T

15 «ítlt >MI« > (,.,( W * l i r í Uf t u *00L OUVI »HOHHO*«rWlM d CwtviDT W,IM an*-f :<£}, PUlOimCTI* *£»»„<, f • "l TMIS StlT *£ OF.

FEK »0U * 0000 SUB STA.1TIAL BflOWN STRIPE CHEVIOT CLOTH,

depanment ía makinf these «mu. Weaim

Io procure oniy lhe flrxt - 7 cost of the piecs joo<ii

We uie rhjj r.jinSíi only Io aijpoje of poodi ieft over írom our cu«-lom departmeot. llres

that have been díjoon- , , . tinued from laslaeason. In :hu w»y we give yoü dark. neat and dealrable panerns al a pnc» which U at latisl ono (hird than »e couíd or* quaüly aí fooda When yo*i order from thla about th* ahade that confident that we ean r>ea4e you ai lhe ume

lime you wtll recetve a beper vatoe than you oould c«' from any ol our 'rli/ cs. Tive JBill» are made Io deutrte breasièd : ,c 43 ihcwn in (Cuatratlan Panu are mane doubla jeat úouble knoaa.

N0.40R42 Prtce ! boyi tvo.f>i<ce krsce !>irí3

•uít í_r boya açrd S to ii years

J a c o b W e n d a l l & C o . ' s F a n c y Chevlot Sult S 3 . 0 0 . THIS TWOPIECE F»NCY CHEVIOT SUIT 1» ma!!» (um a dar» f«y broken check ali cHevtot and a-platd efíect In a l!*.read jí i!ark mar os -Mad* doutle breaated IT> a aa :l:tín hy txjpoaite i-tul-Irman Par.a have the' ujual ümbe» c( twcketj dsuble ai aeat and krees double sewes ihrcurbool crelch. Wall [-.-«j» Jbaíatittally made' Md throuçhout

No. 40M8 Prteelo, bovs t»i-r-;eí« kr.ee panta a'.il íor:5 jeara «Ci.uil 1 yi a[ed a I >

W

f. !o you can arder Boys' Clothing direct írom thu catalogue vith euery of s-usíaciiofv. II you wtsh íirjt lo seo sampies oi our enttre l:ne lí Boyj' and Ch!!dr?n's Cioiliíng. Sf NO 5 Cf M S f OR SAM-Plt BOOk So. (i4R.

2 5 0

6.4 As descrições de meninos eram semelhantes às imagens dos homens — separados : outros e individualmente associados a um texto específico.

(31)

xalmente, ingovernável e, essencialmente, incognoscível. Os homens eram representados como entidades separadas umas das outras por um espaço que cada um comandava. Eles podiam corresponder a tipos, mas isso não impedia sua individualidade. Eram vistos como representáveis de uma ma-neira que as mulheres não eram, como se houvesse um perigo em exibir o corpo feminino separado por inteiro, como se o corpo feminino fosse uma caixa de Pandora.

De fato, havia em certos momentos esforços concentrados para evocar vários discursos do poder masculino por meio do consumo colocando-se cabeças de atores, políticos e outras celebridades nos desenhos para o ves-tuário masculino. Em 1899, Teddy Roosevelt e seus Rough Riders eram as imagens fotográficas faciais cuidadosamente inseridas nos corpos dos ter-nos dos homens decididos. Nenhuma promoção dessa época era realizada com as roupas para mulheres. Na verdade, uma representação de mulher baseada em uma figura contemporânea não aconteceu até a década de 1920, quando as atrizes Gloria Swanson, Clara Bow e Joan Crawford posaram para peças desenhadas para elas ou para artigos que de alguma forma evocavam alguns de seus papéis famosos.36

Durante toda a década de 1920, os homens também foram retratados em agrupamentos, mesmo quando as representações das mulheres começaram, por força da influência das estrelas de cinema — Swanson, Bow e Crawford a desemaranhar-se. Esses aglomerados masculinos, contudo, eram de uma natureza completamente diferente, uma resposta claramente represen-tacional para o deslocamento demográfico maciço dos norte-americanos para áreas urbanas, assim como um produto das inovações nas tecnologias de reprodução fotográfica. Nessas composições havia contato corporal legí-vel, intencional e narrativo, com um sistema mais completo de expressões e olhares, como se esse grupo de rapazes encasacados fosse uma fraternidade em férias, enquanto as mulheres continuavam a aparecer como se tivessem sido dispostas aleatoriamente, uma sobrepondo a outra, como em uma cola-gem. É bastante significativo, em relação a essa suposta confraria presente na representação, que as mulheres tenham começado a aparecer na seção dos

(32)

Moleí )

6.5 As imagens adquiriram uma teor narrativo independente do texto, ao mesmo tempo em que a população urbana ultrapassava a rural. Nessa época, essas imagens começaram a implementar figuras de mulheres como figuras do desejo e não apenas como modelos de mercadorias à venda.

(33)

homens como um foco central de desejo. Sete anos antes do lançamento de

Metrópolis, de Fritz Lang, a edição do outono de 1920 do livro da Sears

mos-trava uma cena em que quatro jovens observam uma mulher em seu conver-sível; é impossível dizer para o que estão olhando com mais interesse [fig. 6.5]. 0 modo convincente com que Lang apresenta a ameaça combinada de sexua-lidade feminina e tecnologia exuberante encontra aqui um prólogo miste-rioso.37 Afinal, vemos mais do que simplesmente uma mulher fatal e uma máquina. Vemos uma mulher fatal em um automóvel, e como a fragmenta-ção do corpo feminino continua uma alegoria comum, existe a possibilidade de que a jovem mulher em questão esteja na verdade fundida ao carro: a vampe é o automóvel.,'

Esse automóvel-vampe sinaliza o momento em que a população urbana ultrapassou a rural, e o catálogo da Sears reflete isso. Mas mesmo nesses pri-meiros anos, ele sempre se apresentou como algo emanado de um grande centro urbano, embora tenha existido para um público rural. Sua dissemina-ção a partir de Chicago, o grande entreposto do século xix e porta de entrada para o Oeste, refez a paisagem do consumo norte-americano, e "até mais do que uma simples cartografia, ele ofereceu aos leitores um mapa do capital".38 Desse modo, os catálogos dependem tanto quanto o cinema da reprodução mecânica, da disseminação em massa e da reprodução de objetos ausentes, e por meio deles podemos ver a formação do norte-americano rural moderno de modo tão claro quanto por meio do cinema podemos descobrir o sujeito urbano moderno.

Notas

1 Viola I. Paradise,"By Mail", Scribners, v. 4, p. 480, abr., 1921.

2 Walter Benjamin,"The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction", em Illu-minations: Essays and Reflections, org. Hannah Arendt, trad. para o inglês de Harry Zohn, Nova York: Schocken Books, 1969, p. 220.

3 Representações em pinturas do período confirmam isso, em especial as dos impressio-nistas: as telas de Manet e Degas, em particular, são repletas de pessoas cujas imagens

(34)

foram cortadas pela borda da moldura, como se elas ou o pintor tivessem sido incapa-zes de fixar um olhar ou de manter um corpo imóvel o suficiente para ser pintado. Ou, talvez, como um precursor do cinema, os limites da tela também fossem mutáveis. 4 " É um imenso contentamento [para o flâneur] fazer seu domicílio no meio de muitos,

no meio da flutuação e do movimento, no meio do fugaz e do infinito". Charles Bau-delaire,"The Painter of Modern Life", em My Heart Laid Bare and Other Prose Wri-tings, Londres: Soho Book Company, 1986, p. 34. Ver também Baudelaire, Paris Spleen, trad. para o inglês de Louise Varèse, Nova York: New Directions, 1947. Ao discutir esse mesmo tema na obra de Baudelaire, Benjamin afirma que "Baudelaire conside-rou adequado equiparar o homem da multidão... com o flâneur. É difícil aceitar essa visão. O homem da multidão não é flâneur... Havia o pedestre que iria se deixar em-purrar pela multidão, mas havia também o flâneur que exigia espaço e que não estava disposto a renunciar à vida de um cavalheiro de lazer", Benjamin, "On Some Motifs in Baudelaire", em Illuminations, p. 172.

5 Miriam Hansen,"Early Cinema: Whose Public Sphere?", New German Critique, v. 29, PP- 155-59. spring/summer 1983; idem, "Adventures of Goldilocks: Spectatorship, Consumerism and Public Life", Camera Obscura 22, pp. 55-6, jan. 1990.

6 Ellen Richards, The Cost ofCleanness, Nova York, 1908, pp. 8-10, citado em Thomas J. Schlereth, Victorian America: Transformations in Everyday Life, I876-I9I5, Nova York: Harper Collins, 1991» P-131- P a r a uma perspectiva feminista contemporânea que, no entanto, mantém um foco no lar, ver Catharine Beecher & Harriet Beecher-Stow, The American Womes Home, or Principies of Domestic Science [1869]; reimp., Hartford, Conn.: Stow-Day Foundation, 1975.

7 William Leach,"Transformations in a Culture of Consumption: Women and Depart-ment Stores, 1890-1925 "Journal of American History,v. 71, p. 333, Set„ 1984.

8 Essa autoria "autêntica" encontra seus sucessores contemporâneos em catálogos como J. Peterman, cujo texto altamente narrativo e personalizado é tido como originário do próprio J. Peterman.

9 O catálogo da Sears não estava sozinho em suas proporções colossais. Na virada do século, o catálogo da Montgomery Ward tinha 1.200 páginas, listava setenta mil itens, apresentava dezessete mil ilustrações e enviava treze mil pacotes diariamente. Para mais informações sobre a Montgomery Ward, ver William Cronon, Natures

Referências

Documentos relacionados

Com todas as pesquisas pudemos concluir, que as fotos foram feitas em estúdios , pois as cameras não suportariam a mudança de temperatura, mas o homem foi para a lua, porque se

me parece decisivo: — onde não há perspectiva de va de “grande enterro”, também não é viável o “grande “grande enterro”, também não é viável o “grande comício”..

Dessa forma, pode-se inferir que aqueles que mais publicam nesse campo de estudo (Teoria Institucional) não foram os que desenvolveram os trabalhos mais relevantes

Esta Teoria do comportamento Planejado (TCP), de forma resumida, pode ser compreendida por meio de três constructos que precedem a formação da intenção: Atitude

permeabilidade vascular. 4) Fase degenerativa-necrótica: composta por células com alterações degenerativas reversíveis ou não (neste caso, originando um material

Os serviços disponibilizados pela PATENTIK, a serem executados, no âmbito nacional pela PATCORP GESTÃO EM MARCAS E PATENTES LTDA (CNPJ 07.338.646/0001-22) , tais como constam

Os resultados demonstram que a rizipiscicultura dispensa o uso de herbicidas, uma vez que a biomassa e abundância das plantas daninhas são fortemente reduzidas, principalmente,

• Gegants del Drac D’or - Santa Eulalia - Hospitalet de Llobregat • «Amics Dels Gegants» - Montblanc • Colla Gegantera de Riudoms7. • Colla de Geganters de Vilassar de Dalt