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GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP

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Academic year: 2021

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Intervenções macroprudencIaIs no

mercado de crédIto e no mercado de câmbIo

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Introdução

A crise global de 2008, ao explicitar o equívoco da hipótese dos mercados eficientes e auto-disciplinados, relançou o debate sobre a responsabilidade de os bancos centrais de assegurarem a estabilidade financeira e prevenirem a acumulação de desequilíbrios financeiros no conjunto do setor privado, a qual sempre redunda em perdas significativas para a economia como um todo. Relegada ao segundo plano nas últimas três décadas, quando imperou a ênfase na estabilidade de preços como objetivo único da atuação dos bancos centrais, a política macroprudencial voltou a ser enfatizada pelos organismos internacionais, tais como o Banco de Compensações Internacionais (BIS) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Embora ainda não haja um consenso sobre como operacionalizar essa política, a literatura sugere que as medidas de natureza macroprudencial são aquelas cujo efeito direto sobre as opera-ções ativas e passivas das instituiopera-ções bancárias ajudariam a evitar riscos potenciais de instabilidade financeira sistêmica decorrentes do comportamento procíclico do sistema bancário. Com esse propó-sito, procura-se limitar a tendência de assunção de riscos excessivos pelas nas instituições bancárias, na fase ascendente do ciclo econômico, por meio do requerimento adicional de capital, do ajustamen-to de faajustamen-tores de ponderação de risco e da imposição de limites ao descasamenajustamen-to de prazo e moedas, dentre outros instrumentos.

A política macroprudencial articula-se com outras políticas macroeconômicas – ou seja, ins-trumentos de políticas monetária, cambial e fiscal podem ser empregados para limitar o risco sis-têmico2. Do mesmo modo, medidas macroprudenciais podem ser instrumentos auxiliares na busca

dos objetivos das demais políticas. Por exemplo, medidas para evitar o risco sistêmico no mercado

1. Texto elaborado com informa-ções disponíveis até o dia 14 de abril.

2. Risco sistêmico refere-se à possibilidade de espraiamento, para o conjunto dos sistemas bancário e financeiro, dos proble-mas de iliquidez e/ou insolvência de uma ou mais instituições, re-sultando na iliquidez dos merca-dos, na venda forçada de ativos, na deterioração dos balanços e na contração abrupta do crédito.

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de crédito podem auxiliar no combate à inflação, uma vez que o controle sobre a oferta de crédito afeta o consumo e desacelera a atividade econômica, potencializando os efeitos da política de ju-ros. De igual modo, medidas de política monetária contracionistas adotadas na fase ascendente do ciclo econômico podem ajudar a prevenir o endividamento excessivo dos agentes e a formação de “bolhas” especulativas nos mercados de ativos, contribuindo assim para a estabilidade financeira sistêmica.

No Brasil, o Banco Central (BCB) adotou recentemente, em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN), uma série de medidas de natureza macroprudencial, com vistas a aperfeiçoar os instrumentos de regulação existentes e manter a estabilidade do sistema financeiro nacional. No dia 3 de dezembro de 2010, foram introduzidas medidas com o propósito de garantir a continuidade do desenvolvimento sustentável do mercado de crédito. No dia 6 de janeiro do ano corrente, o alvo foi o mercado de câmbio, com o intuito de melhorar o funcionamento do seu segmento à vista e de reduzir as posições vendidas do sistema.

Com o propósito de analisar essas medidas de natureza macroprudencial e discutir os seus prováveis impactos, essa breve nota está organizada em três seções, além dessa introdução. Nas duas seções seguintes, são apresentadas as medidas introduzidas no mercado de crédito e no mer-cado de câmbio, além do diagnóstico que as justificaram. Na última seção, são discutidos os efeitos prováveis dessas medidas.

MedIdas MacroprudencIaIs no Mercado de crédIto

No dia 3 de dezembro de 2010, o BCB anunciou a elevação de 8% para 12% (Circular n. 3.514) do adicional do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, em vigor desde 2002, e de 11,0% para 16,5% (Circular n. 3.515) do capital mínimo para operações de crédito a pessoas físicas com prazo superior a 24 meses. Foram excluídas da exigência de maior requerimento de capital as operações de crédito rural, as operações de financiamento habitacional e finan-ciamento a veículos de carga e os empréstimos consignados com prazo inferiores a 36 meses (Quadro 1).

Quadro 1. operaçõescom capital mínimo reQueridode 16,5%

Operação Prazo Valor da entrada do bem versus Valor do bem

Financiamento ou arrendamento mercantil de veículo automotor

De 24 a 36 meses Abaixo de 20% De 36 a 48 meses Abaixo de 30% De 48 a 60 meses Abaixo de 40% Acima de 60 meses Qualquer Crédito consignado Acima de 36 meses Não se aplica Outros créditos a pessoa natural Acima de 24 meses Não se aplica

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A adoção de medidas macroprudenciais no mercado de crédito baseou-se no diagnóstico de forte ampliação do crédito a pessoas físicas, sobretudo nas modalidades de financiamento para aqui-sição de veículos e empréstimos consignados, com alongamento de prazo e redução de juros. O BCB identificou risco potencial de instabilidade associado ao endividamento das famílias, ao desequilíbrio entre o volume de crédito e o valor das garantias no caso do financiamento para aquisição de veículos e ao descasamento de prazo das operações ativas e passivas do sistema bancário. Como se sabe, desde 2003 vêm-se ampliando os prazos dos financiamentos ao consumo – os quais, recentemente, chegaram a superar 72 meses na modalidade aquisição de veículos –, bem como dos empréstimos consignados, cujo prazo para servidores públicos atingiu 60 meses. Esse alongamento dos prazos dos empréstimos não foi, contudo, acompanhado da ampliação dos prazos de captação dos bancos, a qual continuou concentrada em depósitos, à vista e a prazo, com liquidez diária, constituindo assim uma fonte de fragilidade financeira.

Na mesma ocasião, deu-se continuidade ao processo de retirada gradual dos incentivos in-troduzidos entre o último trimestre de 2008 e primeiro trimestre de 2009 para minimizar os efeitos da crise financeira internacional na liquidez do sistema bancário brasileiro. De um lado, por meio da Resolução n. 3.931, o CMN definiu o cronograma de extinção dos depósitos a prazo com garantia especial do Fundo Garantidor de Crédito (DPGE), estabelecendo redução gradual de volume em 20% ao ano entre janeiro de 2012 e janeiro de 20163. De outro lado, o BCB determinou a recomposição

dos níveis dos recolhimentos compulsórios sobre depósito a prazo (Circular n. 3.513), com a elevação dos percentuais de 15% para 20% e redução do limite máximo de dedução (de 45% para 36%) das compras de carteiras de crédito e depósitos interfinanceiros da exigibilidade do compulsório sobre depósitos a prazo.

Desde o Plano Real até a eclosão da crise global, o percentual de recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo foi mantido em nível consideravelmente elevado para os padrões internacionais. Embora, com a adoção do regime de metas em junho de 1999, o BCB só reconheces-se oficialmente a meta da taxa Selic como variável operacional da política monetária, o compulsório elevado funcionou, na prática, como instrumento complementar à política monetária contracionista. Por isso, com a normalização das condições de liquidez do mercado interbancário doméstico e com o intuito de conter a forte expansão do crédito, sobretudo ao consumo, a autoridade monetária voltou a lançar mão desse instrumento, considerado anacrônico por analistas conservadores, que só reconhe-cem a eficácia da taxa de juros no combate a inflação.

Introduzidas em um contexto de pressões inflacionárias crescentes e de inflação corrente próxi-ma ao teto da meta, considerando-se a variação em doze meses, a recomposição do compulsório so-bre o depósito a prazo e as medidas de natureza macroprudenciais no mercado do crédito permitiram adiar, de dezembro de 2010 para janeiro de 2011, o início da fase de alta da meta da taxa básica de juros. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2010, o BCB explicou sua decisão, ressaltando que as ações macroprudenciais precederam as ações convencionais de política monetária, dado que o comportamento dos bancos em relação à assunção de riscos é um dos canais de transmissão da política monetária.

Analistas do mercado financeiro procuraram mensurar o impacto das medidas macropruden-ciais no mercado de crédito, em termos de aumento equivalente na meta da taxa Selic. Um desses exercícios, realizado pelo ex-diretor do BCB e atual economista-chefe do Banco Itaú, llan Goldfajn,

3. Criados em março de 2009, os DPGE foram fundamentais para o desempoçamento da liquidez no mercado interbancá-rio brasileiro e para a reativação da concessão de crédito pelos dos bancos de menor porte. Sobre o impacto da crise global no mercado de crédito brasileiro e as ações do BCB e dos ban-cos públiban-cos, ver as Notas Téc-nicas do Grupo de Economia / Fundap: O mercado de crédito

bancário em 2008 e Mercado de crédito em 2009: a força dos bancos públicos, disponíveis em

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indicou que as medidas introduzidas em dezembro teriam efeito semelhante a uma alta de 0,75 ponto na meta da taxa Selic. Esse acréscimo também foi o indicado na mediana das estimativas do conjunto do mercado financeiro apuradas na pesquisa Focus, conduzida pelo BCB.

Se, por um lado, equivalem ao incremento da meta da taxa Selic, as medidas macropruden-ciais apresentam, por outro lado, duas vantagens em relação a esse instrumento, no caso brasileiro. Em primeiro lugar, não acarretam a elevação do custo de rolagem da dívida pública mobiliária, que tem parcela expressiva sob a forma de títulos pós-fixados. Em segundo lugar, não contribuem para aumentar o diferencial de juros doméstico, evitando assim maior afluxo de investimento estrangeiro de portfólio e, por consequência, a apreciação adicional do real, com efeitos deletérios para o setor industrial brasileiro e para a balança comercial.

No dia 7 de abril, nova medida de contenção ao crédito para pessoas físicas foi adotada pelo governo federal. Por meio do Decreto n. 7.458, a alíquota de IOF sobre as operações de empréstimo foi elevada de 1,5% para 3,0%. Como o alvo é o crédito ao consumo – financiamento para aquisição de bens (veículos e outros bens), rotativo do cartão de crédito, cheque especial e crédito pessoal, inclusive consignado –, as operações de financiamento habitacional permaneceram isentas de IOF. Esse aumento do IOF, em vigor desde 9 de abril, aliado à medida de requerimento de capital adicional para as operações com prazo superior a 24 meses, deverá encarecer o valor da prestação mensal, uma vez que a alta do custo do empréstimo dificilmente será diluída por meio da ampliação do prazo de amortização, desestimulando novas contratações.

MedIdas MacroprudencIaIs no Mercado de câMbIo

No dia 6 de janeiro de 2011, o BCB anunciou, por meio da Circular n. 3.520, a criação de um depósito compulsório (em reais) de 60% do valor das posições vendidas em câmbio e assumidas pe-los bancos, que exceder o menor dos seguintes valores: US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência (nível I)4. De acordo com declarações feitas à imprensa, o BCB busca impor limites a uma polarização

das apostas das instituições bancárias no mercado de câmbio que, em uma possível alteração do ce-nário externo, poderia acarretar perdas importantes a essas instituições, elevando o risco sistêmico. Sob a influência da expressiva entrada de capitais estrangeiros decorrente de operações do tipo carry trade5, a moeda brasileira retomou uma trajetória de apreciação a partir de abril de 2009. O

patamar da taxa média de câmbio caiu 28% entre abril de 2009 (R$ 2,21) e a primeira semana de abril de 2011 (de R$ 1,60). Colaborando para esse movimento, a partir do segundo trimestre de 2010, os bancos ampliaram suas apostas na apreciação do real, elevando suas posições líquidas vendidas em câmbio de US$ 3 bilhões, em abril, para US$ 16,7 bilhões, em dezembro de 2010 (Gráfico 1).

Ainda que a Circular n. 3.520 tenha entrado em vigor só a partir de 4 de abril de 2011, seu impacto pôde ser verificado já no mês de janeiro. A posição líquida dos bancos foi reduzida para um saldo vendido de US$ 11 bilhões em janeiro de 2011, queda de 34% em relação ao saldo de dezem-bro de 2010. O objetivo do BCB era trazer esse saldo para no máximo US$ 10 bilhões a partir de abril. A retomada da fase de alta da meta da taxa Selic pelo CMN, a partir de janeiro de 2011, ao ampliar o diferencial entre os juros internos e externos – aumentando, assim, a rentabilidade das operações de carry trade –, colaborou, contudo, para desestimular a antecipação do ajustamento das posições vendidas dos bancos, que fecharam em US$ 12,7 bilhões no mês de fevereiro. Em março,

4. Patrimônio de referência é a medida de capital utilizada para verificar o cumprimento dos limites operacionais das insti-tuições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Segundo a Resolução do CMN n. 3.444, de 28 de feve-reiro de 2007, o Patrimônio de Referência é composto do so-matório do capital de nível I e do capital de nível II. O capital de ní-vel I é composto principalmente do patrimônio líquido, depósito em conta vinculada para suprir deficiência de capital (Resolu-ção n. 3.398/2006) e contas de resultado credoras, com as devidas deduções previstas nas Resoluções n. 3.059/2002 e n. 3.444/2007. Já o capital de nível II compreende, sobretudo, instrumentos híbridos de capi-tal, como instrumentos de dívida subordinada, e dividendos obri-gatórios não distribuídos. 5. As operações de carry trade consistem em tomar emprésti-mos em moedas que apresen-tam taxas de juros baixas e apli-car esses recursos em moedas com elevadas taxas de juros. Se, até o agravamento da crise das hipotecas subprime, o endivi-damento em iene japonês para operações de carry trade havia sido privilegiado, a redução das taxas de juros americana e eu-ropéia estimulou a ampliação da tomada de empréstimos de-nominados em dólar e em euro.

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os bancos retomaram o esforço de enquadramento de suas posições vendidas em câmbio, cujo saldo fechou em R$ 8,8 bilhões, abaixo da meta almejada pelo BCB.

Contudo, a captação de recursos externos por bancos e empresas continuou forte no início de 2011. A dívida externa de curto prazo do setor público e do setor privado atingiu US$ 67,4 bilhões, em fevereiro de 2011 (um crescimento de 17,5% em relação a dezembro de 2010 e de 46,7% em relação a junho do mesmo ano), sendo que o item “Demais”, que contabiliza as captações externas dos bancos para aplicações domésticas (arbitragem), atingiu mais de US$ 27 bilhões, representando um crescimen-to de 84% em relação a dezembro e de 148% em relação a junho de 2010. Essas captações externas financiam, a baixo custo, as atividades operacionais das empresas e a expansão da oferta doméstica de crédito dos bancos, mas também alimentam as operações especulativas do tipo carry trade.

Tal como no caso da política monetária, as medidas macroprudenciais no mercado de câmbio também se confundem com a política cambial. A Circular n. 3.520 faria parte, assim, de um conjunto de medidas adotadas desde outubro de 2010 no intuito de conter a apreciação do real. No último trimestre de 2010, o Ministério da Fazenda foi responsável pelas principais medidas, com a elevação da alíquota de IOF de 2% para 4% sobre as aplicações de investidores estrangeiros em títulos de renda fixa, em 4 de outubro, e com um novo aumento de alíquota, em 18 de outubro, para 6% sobre investimentos em renda fixa e sobre as margens de garantia nos mercados futuros realizados por não residentes6. Em 2011, sob a presidência de Alexandre Tombini, além da Circular n. 3.520, o BCB criou

um conjunto de instrumentos de forma a ampliar sua capacidade de atuação nos mercados de câm-bio (retomou os leilões de swaps reversos, em 14 de janeiro, e criou o leilão de dólares com entrega

Gráfico 1. posições líQuidasem câmbiodos bancose evolução mensalda taxade câmbio – jan./08 amar./11. -20 -15 -10 -5 0 5 10 15 ja n/ 08 fe v/ 08 m ar /0 8 ab r/ 08 m ai /0 8 ju n/ 08 ju l/ 08 ag o/ 08 se t/ 08 ou t/ 08 no v/ 08 de z/ 08 ja n/ 09 fe v/ 09 m ar /0 9 ab r/ 09 m ai /0 9 ju n/ 09 ju l/ 09 ag o/ 09 se t/ 09 ou t/ 09 no v/ 09 de z/ 09 ja n/ 10 fe v/ 10 m ar /1 0 ab r/ 10 m ai /1 0 ju n/ 10 ju l/ 10 ag o/ 10 se t/ 10 ou t/ 10 no v/ 10 de z/ 10 ja n/ 11 fe v/ 11 m ar /1 1 US $ bi lh õe s 1,30 1,45 1,60 1,75 1,90 2,05 2,20 2,35 2,50 R$ /U S$

Posição Líquida Comprada Posição Líquida Vendida Taxa de câmbio (média mensal)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

6. Em 20 de outubro, o CMN res-tringiu mecanismos de contor-nar o pagamento de IOF sobre as margens de garantia exigidas na operação com derivativos. A Resolução n. 3.914 vetou a realização de aluguel, troca ou empréstimo de títulos, valores imobiliários e ouro a investidor não residente cujo objetivo fos-se realizar operações nos mer-cados derivativos.

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efetiva, em 25 de janeiro). Essas iniciativas sugerem que, a partir de 2011, haverá maior coordenação entre o BCB e Ministério da Fazenda na adoção de medidas que possam conter a trajetória de apre-ciação do real.

O argumento do duplo objetivo das medidas macroprudenciais no mercado de câmbio é refor-çado pelo fato de a criação do compulsório sobre a posição vendida dos bancos ter sido anunciada três dias após a taxa de câmbio ter atingido a marca de R$ 1,65, em 3 de janeiro. Até o mês de março, essa cotação vinha-se reafirmando entre os analistas do mercado como sendo o piso implícito da taxa de câmbio adotado pelo BCB. A elevação da alíquota de IOF para 6% foi também implementada, por exemplo, pouco depois de a taxa de câmbio ter atingido esse mesmo patamar, em 13 de outubro de 2010.

Depois da cotação de R$ 1,64 em 4 de março de 2011, o Ministério da Fazenda e o BCB ex-pressaram preocupação em relação à evolução do endividamento externo de curto prazo, que fragili-zaria empresas e bancos nacionais diante de uma possível elevação das taxas externas de juros (Cf. SAFATLE (2011); TRAVAGLINI (2011)). Medidas macroprudenciais adicionais, voltadas a desincentivar captações externas, colaborariam, assim, para evitar episódios semelhantes àqueles verificados em 1999, na ocasião da mudança de regime cambial, e em 2008, quando importantes empresas brasi-leiras (Sadia, Aracruz, Votorantim, TAM, dentre outras) tiveram prejuízos expressivos em decorrência de operações cambiais.

Assim, em 28 de março, o Ministério da Fazenda, por meio do Decreto n. 7.456, elevou para 6% a alíquota de IOF sobre as captações externas de até 360 dias7, medida posteriormente estendida, no

dia 6 de abril, às captações externas (novas e repactuações) com prazo de até 720 dias (Decreto n. 7.457). A medida deve encarecer o funding externo dos bancos e desestimular as operações de carry

trade, tendo impacto tanto sobre a evolução da taxa de câmbio como sobre o ritmo de expansão do

crédito interno, reforçando o efeito das medidas prudenciais já introduzidas no mercado de crédito. No dia 4 de abril, a Resolução n. 3.967 do CMN estabeleceu a obrigatoriedade de realização de ope-ração de câmbio simultâneo8 na renovação de empréstimos externos (por meio de crédito bancário

ou emissão de títulos). Dessa maneira, bloqueou-se um dos canais de evasão do pagamento da nova alíquota de IOF para captações externas, garantindo maior efetividade às medidas do Ministério da Fazenda.

avalIação das MedIdas MacroprudencIaIs

Como qualquer medida de política econômica, as de natureza macroprudencial têm efeitos diferenciados sobre os agentes econômicos e com defasagem temporal, o que dificulta a avaliação de sua efetividade no curto prazo. De igual modo, nem sempre os agentes reagem às ações dos bancos centrais no sentido esperado. Isso também é válido para os bancos que, com o intuito de ampliar seus lucros, gerem ativamente seus balanços de acordo com suas preferências, escolhas e apetite a risco.

No que se refere às medidas adotadas no mercado de câmbio, seu impacto sobre a exposição ao risco dos bancos será percebido efetivamente somente depois do mês de abril, quando entrarão em vigor as disposições previstas na Circular n. 3.520. O que se verificou nesse primeiro trimestre de 2011 foi um movimento de antecipação no mês de janeiro, revertido em certa medida no mês

se-7. As captações externas com prazo inferior a 90 dias já eram tributadas com uma alíquota de IOF de 5,38%.

8. Uma operação de câmbio simultâneo consiste na con-tabilização de fluxo fictício de câmbio. Tudo se passa como se, ao renovar um crédito, o tomador brasileiro transferisse ao credor externo o volume de recursos de divisas referente ao pagamento da dívida (sujeito a uma alíquota de 0,38% de IOF) e, em seguida, internalizasse esse mesmo montante como se fosse um novo empréstimo (su-jeito à nova alíquota de 6% de IOF). Na prática, esses fluxos de divisas não acontecem porque se compensam (daí seu caráter “fictício”). O câmbio simultâneo também é obrigatório quando investidores não residentes mu-dam de aplicações sujeitas a tri-butações diferentes, como é o caso da migração de aplicações em ações e renda variável para aplicações de renda fixa (Reso-lução n. 3.912 do CMN).

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guinte. Quanto à sua capacidade de conter a apreciação do real, essa medida apresenta limitações. O recurso a captações de curto prazo no exterior não apenas se reafirmou como instrumento alternativo de arbitragem entre as taxas de juros internas e externas, mas também funcionou como meio de contornar a elevação do adicional de compulsório sobre depósitos à vista e a prazo determinada pela Circular n. 3.514. O Decreto n. 7.456 busca justamente obstruir esse canal de evasão.

Em relação ao mercado de crédito, as estatísticas divulgadas pelo BCB para os meses de janei-ro e fevereijanei-ro já evidenciavam alguns impactos das medidas de natureza macjanei-roprudencial adotadas em dezembro de 2010. A elevação das alíquotas dos recolhimentos compulsórios e do requerimento de capital em empréstimos a pessoas físicas com prazos superiores a 24 meses traduziu-se em au-mento das taxas de juros, que, na média, subiram 3,2 p.p. entre dezembro e janeiro (essa diferença sobe a 4,7 p.p. em relação ao mês de novembro), alcançando 43,8% e permanecendo estável nesse patamar em fevereiro.

Igualmente, as medidas desestimularam novos empréstimos, sobretudo para financiar a aqui-sição de veículos, e dificultaram a rolagem de empréstimos consignados, levando a uma desacelera-ção nos estoques de crédito com recursos livres concedidos para pessoas físicas. Em consequência, houve um claro arrefecimento no ritmo de expansão do crédito nessas modalidades (ver Tabela 1). Por exemplo, os saldos dos financiamentos para aquisição de veículos, que vinham registrando taxas de crescimento mensais de 3,4% no período janeiro a dezembro de 2010, aumentaram apenas 2,3% na média dos dois primeiros meses do corrente ano, enquanto nas operações de crédito consignado o aumento médio mensal dos saldos caiu de 2,6% ao longo de 2010 para 1,6% em 2011. Essa desa-celeração poderia ter sido ainda maior se os bancos não tivessem contornado as restrições impostas a suas fontes domésticas de funding, via elevação do compulsório adicional sobre os depósitos a vista e a prazo, pela ampliação da captação externa de curto prazo. Arbitragem regulatória que o já mencionado Decreto n. 7.456 pretende também neutralizar.

tabela 1. indicadoresda evoluçãodo créditoàs pessoas físicas

Modalidades Saldos em R$ milhões Variação em % Dez./09 Jun./10 Out./10 Dez./10 Fev./11 20102 20112 Trimestre3

Cheque especial 15.787 17.963 17.476 16.262 18.844 0,3 7,7 6,0 Crédito pessoal (ex.consignado)1 91.755 101.837 105.397 105.924 109.670 1,2 1,8 2,7

Crédito Consignado1 72.568 84.119 94.723 98.966 102.076 2,6 1,6 5,1

Aquisição de veículos 94.133 111.228 130.181 140.339 146.758 3,4 2,3 7,7 Aquisição de outros bens 9.440 9.204 9.765 10.364 9.541 0,8 -3,9 -3,6 Cartão de crédito 25.669 28.550 29.870 29.170 31.868 1,1 4,5 6,9 Pessoa Física - total 323.782 368.354 402.748 417.347 436.988 2,1 2,3 5,7 Para comparação

Pessoa Jurídica - total 397.771 424.506 449.708 462.732 470.834 1,3 0,9 2,7 Crédito referencial ao setor privado 721.552 792.860 852.456 880.079 907.822 1,7 1,6 4,1

Notas: (1) Exclui cooperativas. (2) Média mensal. (3) Fevereiro 2011/Novembro 2010. Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.

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Os dados sobre a evolução de crédito às pessoas físicas trazem, porém, um indício preocu-pante. Houve uma elevação, bem superior ao aumento sazonal, no saldo dos empréstimos rotativos (cheque especial e cartão de crédito), modalidades que se caracterizam por taxas de juros extorsivas, possivelmente em razão do encurtamento do prazo do consignado, que de 60 meses passou a ser concedido, sobretudo, pelos bancos com menor folga de capital, com prazo máximo de 36 meses. Embora ainda incipiente, essa piora no perfil do endividamento poderá se traduzir, caso venha a se aprofundar, em elevação de inadimplência e em situação de estresse financeiro, efeito oposto ao buscado pelas medidas macroprudenciais.

O encarecimento do custo do crédito, em decorrência das recentes elevações das alíquotas do IOF – sobre as operações destinadas a pessoas físicas e sobre as captações externas dos bancos –, deverá resultar em desaceleração significativa do ritmo de expansão do crédito para pessoas físi-cas. Porém, é difícil avaliar se haverá arrefecimento significativo da demanda. Em contexto de forte dinamismo do mercado de trabalho, com elevação da ocupação e da renda, o acesso das famílias ao financiamento de bens de consumo pode ocorrer sob outras formas, por exemplo, por meio de cheque pré-datado ou do crédito parcelado “sem juros”, bancado pelo varejo, seja no carnê seja no cartão de crédito, ou ainda por meio de operações de arrendamento mercantil e/ou de consórcio, modalidades que não estão sujeitas às medidas de contenção.

Na ata da 157ª reunião do Copom, realizada nos dias 1º e 2 de março de 2011, a autoridade monetária assumiu a utilização de instrumentos de política macroprudencial com efeitos complemen-tares ao da política monetária. Ao decidir aguardar o efeito pleno das medidas de natureza macropru-dencial na potencialização da política de juros, o BCB sinalizou uma mudança importante na estraté-gia de condução da política monetária, que de modo algum pode ser interpretada como atitude lenien-te com a inflação. A busca de uma convergência rápida para o centro da meta, medianlenien-te alta maior da meta da Selic, como advoga grande parte dos analistas do mercado financeiro, seria desastrosa em momentos como o atual, de choque de oferta, no qual a elevação dos preços das commodities agrícolas e do petróleo no mercado internacional repercute sobre os preços dos alimentos no país.

A adoção pelo BCB de uma estratégia gradualista de combate à inflação confirmou-se com a divulgação, no dia 30 de março, do relatório trimestral de inflação. A decisão governamental de elevar a alíquota do IOF sobre o funding externo de curto prazo, além de constituir importante reforço às medidas de restrição ao crédito, bem como às operações de carry trade, pode ser interpretada como um avanço positivo, ainda que insuficiente, na coordenação macroeconômica, no sentido de tentar assegurar um crescimento mais sustentado.

reFerÊncIas bIblIoGrÁFIcas

SAFATLE, Claudia. “Governo estuda taxar empréstimo externo”. Jornal Valor Econômico, 14 de março de 2011.

TRAVAGLINI, Fernando. “BC vê teto de 15% para expansão do crédito”. Jornal Valor Econômico, 23 de março de 2011.

Referências

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