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"A gente tem que se humilhar": a atuação da Igreja Mundial do Poder de Deus em Juazeiro do Norte

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. Clécio Jamilson Bezerra dos Santos. “A GENTE TEM QUE SE HUMILHAR”: A ATUAÇÃO DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS EM JUAZEIRO DO NORTE. Natal 2017.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. Clécio Jamilson Bezerra dos Santos. “A GENTE TEM QUE SE HUMILHAR”: A ATUAÇÃO DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS EM JUAZEIRO DO NORTE. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Junior.. Natal 2017.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Santos, Clécio Jamilson Bezerra dos. A gente tem que se humilhar: a atuação da Igreja Mundial do Poder de Deus em Juazeiro do Norte / Clécio Jamilson Bezerra dos Santos. - 2017. 100f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Natal, RN, 2017. Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Junior.. 1. Pentecostalismo. 2. Igreja Mundial do Poder de Deus. 3. Teologia da Prosperidade. 4. Sofrimento. 5. Classificações. I. Lopes Junior, Orivaldo Pimentel Lopes. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 279.125.

(4) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. A Banca Examinadora da Defesa de Dissertação de Mestrado, em sessão pública realizada em 29 de agosto de 2017, considerou o candidato Clécio Jamilson Bezerra dos Santos ___________________________________________________________________________.. BANCA EXAMINADORA:. Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior (Orientador). Prof. Dr. Luiz Carvalho de Assunção (Membro interno). Profa. Dra. Renata Marinho Paz (Membro Externo).

(5) “A GENTE TEM QUE SE HUMILHAR”: A ATUAÇÃO DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS EM JUAZEIRO DO NORTE. Resumo Em seu livro Neopentecostais ([1999] 2010), o sociólogo Ricardo Mariano, assim como fazem outros autores, propõe uma tipologia do pentecostalismo brasileiro, enfatizando, sobretudo, as principais características da “terceira onda” do pentecostalismo (FRESTON, 1993), denominada por ele de “neopentecostalismo”, e o tom de novidade que caracteriza sua emergência. Imersa nesse mesmo contexto está a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), denominação fundada em 1998 a partir de uma cisão da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na década de 90. Em detrimento dos diversos templos que ela possui, neste trabalho eu me dediquei a uma reflexão crítica acerca de aspectos de sua atuação na cidade de Juazeiro do Norte - CE, analisando sua presença no contexto religioso local e a situando diante do protestantismo nacional. A IMPD em Juazeiro do Norte apresenta as típicas características de uma igreja neopentecostal, podendo ser considerada, a priori, pertencente a tal segmento e equiparando-se à IURD, seu maior expoente. Apesar disso, a partir de pesquisa de campo preliminar efetuada entre 2012 e 2014, composta pela participação em cultos no templo central da IMPD na cidade e realização de entrevistas com os seus membros, eu percebi divergências entre a caracterização típica do neopentecostalismo, especialmente no que se refere à Teologia da Prosperidade (TP), e discursos e práticas peculiares apresentados pela Igreja local em torno da categoria “humilhação”, concebida mediante sua correlação com o tema do sofrimento. Frente a isso, questionei o emprego da tipologia pentecostal vigente no meio acadêmico para a leitura da atuação da Igreja em Juazeiro do Norte, levando em conta as relações de convergência e de contraposição entre elementos dessa denominação e aqueles presentes no meio pentecostal e cristão de forma geral. Interessado em compreender a presença da “humilhação” na IMPD, ao longo do trabalho, eu problematizo a adequação, pertinência e possíveis limitações do uso das classificações usualmente empregadas ao pentecostalismo no meio acadêmico para a leitura da referida igreja.. Palavras-chave: Pentecostalismo. Igreja Mundial do Poder de Deus. Humilhação. Teologia da Prosperidade. Classificações..

(6) “WE HAVE TO HUMILIATE OURSELVES”: THE WORK OF THE ‘IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS’ IN JUAZEIRO DO NORTE. Abstract In his book Neopentecostais ([1999] 2010), the sociologist Ricardo Mariano, like other authors, proposes a typology of Brazilian Pentecostalism emphasizing strongly the main characteristics of the "third wave" of Pentecostalism (FRESTON, 1993) - it was named by him as "neo-Pentecostalism" -, and he also emphasizes the tone of novelty that characterizes its emergence. Immersed in this same context is the ‘Igreja Mundial do Poder de Deus’ (IMPD), denomination created in 1998 from a split of the ‘Igreja Universal do Reino de Deus’ (IURD) in the decade of 90. To the detriment of the several temples it has, in this research I have decided to focus on create a critical reflection about the aspects of its work in the city of Juazeiro do Norte - CE, analyzing its presence in the local religious context and comparing it to national Protestantism. IMPD in Juazeiro do Norte presents the typical characteristics of a Neo-Pentecostal church, which can be considered, a priori, belonging to this segment and equating it with IURD, its greatest exponent. Nevertheless, from a preliminary field survey conducted between 2012 and 2014, composed by participation in cults in the central temple of the IMPD in the city and interviews with its members, I noticed differences between the typical characterization of "neo-Pentecostalism" - especially with regard to Prosperity Theology (TP) -, and peculiar discourses and practices presented by the local Church around the category "humiliation", conceived through its correlation with the theme suffering. Against this, it is questioned the use of Pentecostal typology in the academic environment for an analysis of the Church's activity in Juazeiro do Norte, taking into account the relations of convergence and opposition between elements of this denomination and those present in the Pentecostal and Christian milieu in general. Interested in understand the presence of "humiliation" in the IMPD, I problematize the adequacy, pertinence and possible limitations of the use of the classifications usually utilized to Pentecostalism in the academic environment for the analysis of the previous mentioned church.. Key words: Pentecostalism. Igreja Mundial do Poder de Deus. Theology of Prosperity. Classifications..

(7) Agradecimentos Resultante de trabalho de pesquisa e reflexão, esta dissertação contou com a participação de muitas pessoas, que direta e indiretamente contribuíram para o sucesso no transcurso dos altos e baixos que compuseram sua elaboração. Mesmo não sendo possível agradecer a cada uma em particular, a todas eu dirijo minha gratidão. Primeiramente, aos meus pais, Dona Socorro e Seu Cícero, que mesmo distantes do ambiente da universidade são meus maiores alicerces. Suas vidas são inspiração para perseguir meus objetivos e superar todo e qualquer obstáculo. Eu não seria o que sou sem o amor que eles dedicam a mim. Agradeço aos fieis, pastores, obreiras, obreiros e demais pessoas com as quais compartilhei conversas, afetos e experiências, pela disponibilidade e tempo dispendido em me receber no templo central da Igreja Mundial em Juazeiro do Norte. Especialmente às obreiras Meire, Francisca e Valdenia que me ajudaram a entender a trajetória da Mundial na cidade. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que fomentou a pesquisa da qual resultou esta dissertação. Ao Departamento do curso de graduação e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cujos professores me proporcionaram momentos ricos de aprendizado, discussão e reflexão significativamente relevantes para minha formação. Em especial, à Secretaria do PPGCS, nas pessoas de Otânio e Jefferson, sempre solícitos e dedicados. Aos colegas de pesquisa Anderson e Andrezza, com os quais eu partilhei do interesse por religião e também pelas vivências e saberes partilhados; aos colegas de curso que me acompanharam durante o mestrado: Carol, Juliana, Sidney, Zeneide, Fátima, Michael, Eudivânia e Erika. Por todos os momentos, dentro e fora da universidade, sou imensamente grato. Especialmente a Marlla, que mesmo distante esteve comigo nos melhores e piores momentos da construção deste trabalho e em outros momentos únicos e inesquecíveis. Às pessoas que me acolheram na cidade de Natal, pelo cotidiano, laços fraternos e pelos afetos compartilhados, em especial Luciano, Elaine, Valéria, Gilberto, Mana, Leonardo e Gleison, pelo suporte nas tarefas cotidianas e pelas celebrações nos fins de semana. Às amizades fixadas no Cariri antes e durante o curso de mestrado. Priscila, Itamara e Erivan, por terem me inspirado nas primeiras etapas da iniciação científica, pelo saber partilhado e pelo suporte nas discussões e pesquisa ainda durante a graduação. À minha turma de graduação da Universidade Regional do Cariri, em especial Dayara, Renatinha, Clara pela.

(8) amizade fraterna e sincera e aos amigos de turmas posteriores, principalmente Anny e Jamerson, pelas celebrações vivenciadas aos fins de semana em suas residências. Com amor, a Ana Paula, Jucilene e Emerson, que há tempos me despertam os mais sinceros sorrisos e a certeza de que tenho com quem contar; a Natália e Izaias, pelas conversas duradouras, pelas vivências partilhadas e pelo ombro amigo na dor e na alegria; e a Ruanna e Amanda, que de João Pessoa e Recife partilharam comigo das aventuras e desventuras da vida na pós-graduação. Aos integrantes do Movimento Ocupa URCA 2016 por redesenharem o cotidiano da universidade, por intervirem na atuação pacata do corpo estudantil, pelos ensinamentos sobre a vida dentro e fora da universidade; pelos afetos inéditos, pelo toque dos corpos, pela face humana do erro e do insucesso; pelo potencial de renovar nas pessoas, especialmente em mim, a esperança e a certeza de que a luta muda a vida. Agradeço a todos os professores do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri que estiveram presentes na minha formação durante a graduação: Cícera Silva, Carlos Tolovi, Roberto Marques, André Álcman, Leandro Oliveira, Sávio Cordeiro, Davi Simões, José Carlos, Márcio Renato, Rocildo Alves, Roberto Siebra, Antônio Santos, Gislene Farias e Graça Cabral (em memória). De forma afetuosa, à Paula Cordeiro, que me incentivou a sempre acreditar em mim e nos outros, pelos ensinamentos e pelo encanto com o qual vê e vive a vida. Ao Professor Luiz Assunção do PPGCS/UFRN, que acompanhou de forma atenta e dedicada minha pesquisa desde sua fase mais rudimentar, participando da minha banca ainda na seleção, na qualificação e na defesa. Obrigado! Com afeto, à Professora Renata Marinho, que tem estado presente em minha formação desde os primeiros anos da graduação. Pelo encanto despertado em mim pela pesquisa, por ter contribuído significativamente para o meu ingresso no mestrado, para meu desenvolvimento enquanto pesquisador e no desfrute de oportunidades, vivências e ensinamentos que sempre levarei comigo; pela sua competência, dedicação e atenção, pelo investimento e crença em mim, dirijo toda minha gratidão! Finalmente, ao meu orientador Professor Orivaldo, que me inquietou, incentivou e inspirou a trilhar novos caminhos na pesquisa e neles me norteou com suas reflexões, discussões e questionamentos; por ter partilhado do seu saber, por sua confiança, generosidade e paciência, sou imensamente grato!.

(9) Aos meus pais, Socorro e Cícero..

(10) “E vou viver as coisas novas Que também são boas O amor, humor das praças Cheias de pessoas Agora eu quero tudo Tudo outra vez”. (Belchior, 1979).

(11) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13 1.1 Estrutura e modelo de trabalho .................................................................................. 17 1.2 Recursos e procedimentos metodológicos .................................................................. 20 2 CAPÍTULO 1 - ENTRE O “NEO” E O “PÓS-PENTECOSTALISMO”: A IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS NA TRAMA DAS CLASSIFICAÇÕES .............. 24 2.1 Campo religioso: concepções gerais e preliminares .................................................. 24 2.2 A emergência do pentecostalismo face à hegemonia católica .................................. 28 2.3 Um breve histórico do pentecostalismo no Brasil: as três ondas ............................. 29 2.4 Terceira onda: “neopentecostalismo” ou “pós-pentecostalismo”? ......................... 31 3 CAPÍTULO 2 - O CONTEXTO RELIGIOSO JUAZEIRENSE E A ATUAÇÃO DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS ................................................................. 37 3.1 Juazeiro do Norte e o Cariri cearense ........................................................................ 37 3.1.1. A religiosidade no Cariri ...................................................................................... 38 3.1.2. Padre Cícero, o milagre e o movimento de Joaseiro ............................................ 41 3.1.4. A religiosidade popular e as romarias de Juazeiro .............................................. 43 3.2 Práticas religiosas divergentes em um cenário tipicamente católico ...................... 49 3.2.1. A atuação protestante evangélica em Juazeiro do Norte...................................... 52 3.2.2 Uma retrospectiva dos censos sobre religião ........................................................ 54 3.2.3 O declínio de adeptos do catolicismo e a ascensão pentecostal em Juazeiro ....... 55 3.3 Breve histórico da Igreja Mundial do Poder de Deus no Brasil .............................. 59 3.3.1 O censo de 2010 e a mudança no padrão de migração ........................................ 59 3.3.2 Origem e primeiro templo da Igreja Mundial do Poder de Deus .......................... 60 3.3.3 A Igreja Mundial do Poder de Deus em Juazeiro do Norte .................................. 63 3.4 O templo sede da Mundial em Juazeiro do Norte .................................................... 66 3.4.1 Um encontro: a reunião no templo sede ................................................................ 67 3.4.2 Momentos, elementos e características da reunião ............................................... 70 3.4.3 Cura e Prosperidade: análise da música O Choro ................................................ 74 4 CAPITULO 3 - “A GENTE TEM QUE SE HUMILHAR”: ANÁLISE DA “HUMILHAÇÃO” NA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS ......................... 78 4.1 A Igreja e seus fieis ...................................................................................................... 78 4.2 Guerra Espiritual e Teologia da Prosperidade ......................................................... 79.

(12) 4.3 O sofrimento como humilhação .................................................................................. 81 4.4 A humilhação na reunião da Mundial de Juazeiro ................................................... 84 4.5 Em linhas gerais ........................................................................................................... 91 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 93 6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 97.

(13) 13. 1 INTRODUÇÃO A formação de novos grupos religiosos no Brasil está inserida em uma ampla dinâmica de transformações do campo religioso nacional, fenômeno que não é recente, mas que se acelerou, tornando-se mais evidente durante a década de 80, quando ocorreu o boom de igrejas neopentecostais no país. A ascensão desses grupos religiosos, e sua presença não só na esfera religiosa, veio a repercutir nos meios de comunicação e acadêmico, despertando interesses difusos acerca desse fenômeno. Neste trabalho, eu busquei analisar a atuação da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) em Juazeiro do Norte-CE, tendo como foco a compreensão da noção de “humilhação” 1 enquanto um dos elementos constituintes de suas práticas e crenças religiosas. Pretendeu-se problematizar o emprego da tipologia pentecostal, proposta por Ricardo Mariano e utilizada também por outros autores, na classificação da IMPD enquanto igreja neopentecostal, questionando a adequação, pertinência e possíveis limitações do seu uso. Aspectos do campo empírico, apreendidos a partir de atividades de campo, denotam haver na cidade um cenário religioso de hegemonia católica e de obscurecimento das práticas e crenças de outras religiões que atuam naquele contexto. Frente a isso, este trabalho associase a um corpo de abordagens acerca do fenômeno religioso em Juazeiro do Norte que busca apreendê-lo a partir de outros referenciais que não somente o catolicismo, ou seja, que não considerem como tema de pesquisa somente aspectos hegemônicos do campo empírico. Dentre as religiões que atuam na cidade e cuja análise pode ser considerada uma saída às abordagens referenciadas no catolicismo, tem-se, por exemplo, o protestantismo, aquelas de matriz afro-brasileira, entre outras. Além disso, pode-se tomar como relevante as subdivisões e distinções internas a cada um desses segmentos, como, por exemplo, a subdivisão do catolicismo em ortodoxo e popular, do protestantismo em igrejas de imigração, de missão ou pentecostais, e daquelas de matriz afro-brasileira, como umbanda e candomblé. Com esta empreitada não tenho como pretensão de desmerecer a gama de trabalhos sobre Juazeiro que enfatizam uma abordagem pautada no catolicismo e em seus elementos, bastante rica, diga-se de passagem. Os trabalhos desenvolvidos a partir desse viés são extremamente significativos por reforçarem a importância de considerar a influência do. O termo “humilhação” é uma categoria de origem nativa utilizado pelas lideranças da Igreja Mundial do Poder de Juazeiro do Norte para se referir a experiências do fiel diante das tribulações da vida neste mundo. Ela será empregada enquanto “categoria analítica”, cujo significado será apresenta a seguir. 1.

(14) 14. catolicismo, juntamente com a Igreja Católica, na composição de aspectos culturais, sociais e políticos que constituem a localidade. A atuação de outros grupos religiosos, que contrasta com o cenário citadino de consolidação do catolicismo, faz com que seja oportuna a reflexão acerca da ênfase atribuída à caracterização católica que se estabeleceu sobre a cidade, ora apresentada como “Terra do Padim Ciço e da Mãe das Dores”2. A opção pelo estudo de uma igreja do protestantismo denominado “neopentecostal” em Juazeiro do Norte, além de constituir uma perspectiva alternativa aos estudos do fenômeno religioso na cidade, atenta para a presença que essas igrejas vêm ocupando no quadro religioso nacional nas últimas décadas. Em seu livro Neopentecostais ([1999]2010), Mariano define o neopentecostalismo como a mais nova “onda” (FRESTON, 1993) do protestantismo pentecostal brasileiro, destacando as suas principais características e o histórico das igrejas a ela pertencentes. Pioneira desse segmento é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), podendo ser apontada como o seu maior expoente e cuja fundação marca o surgimento da terceira onda pentecostal no país. Em contraste com outras versões do pentecostalismo, ela contém as características centrais dessa nova versão. Dentre as características destacadas por Mariano na definição das igrejas neopentecostais, recebe maior relevância neste trabalho a pregação enfática da Teologia da Prosperidade (TP). Operando com base em tal teologia, as igrejas desse segmento difundem a possibilidade de se prosperar em todos os âmbitos da vida, almejando para este mundo um “paraíso” prometido, até então, após a morte. Paralelamente, os empecilhos que impedem o desfrute de uma vida próspera são concebidos como artimanhas do Diabo e de seus demônios, contra os quais se deve travar incessante “guerra espiritual” 3. Atrelada a essa noção de “guerra”, a TP condiciona os sujeitos a uma postura tipicamente aguerrida, tanto no âmbito interno aos templos neopentecostais, no que se refere às suas práticas rituais, como no âmbito externo a elas, quando a figura do Diabo e de seus demônios é associada a entidades e deuses de outras religiões. Além disso, no que diz respeito ao universo simbólico neopentecostal, o sofrimento humano, valorizado positivamente pelo cristianismo ao longo da história, passa a ser demonizado, tendo em vista a sua incompatibilidade com a vida de prosperidade prometida pela TP.. 2. Slogan comumente utilizado para se referir a Juazeiro do Norte em clara alusão a figuras relevantes do universo catolicismo citadino. 3 A “exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seu séquito de anjos decaídos” é destacada por Ricardo Mariano como um dos aspectos fundamentais do neopentecostalismo ([1999] 2010, p. 36)..

(15) 15. Essa distinção, a saber, de ordem teológica, é um aspecto que distancia as igrejas neopentecostais das formações pentecostais mais antigas do Brasil, sobretudo aquelas do início do século XX, nas quais, assim como na tradição católica e no cristianismo de forma geral, vigorava a promessa de uma vida paradisíaca posterior à morte. Enquanto recompensa pelo sofrimento inerente à existência humana neste mundo, a concepção de um “paraíso” pósmorte remete a uma escatologia pré-milenarista, na qual o sofrimento indica a iminente segunda vinda de Cristo. Invertendo essa lógica por meio da TP, o neopentecostalismo afirma o gozo das benesses deste mundo, não concebendo que as pessoas tenham uma vida de sofrimento. Esse último, apesar de existente, não deve ser desejado, já que os planos de Deus para com as pessoas objetivam a felicidade delas e, por direito, o desfrute do que há de “bom” na própria criação. Tal perspectiva fundamenta-se em uma escatologia pós-milenarista, segundo a qual o “reino de Deus” precede a segunda vinda de Cristo, sendo possível, portanto, usufruí-lo nesta vida. Acreditando, pois, no rigor das formulações de Ricardo Mariano e considerando que elas exprimem de forma bastante preliminar o estereótipo das igrejas neopentecostais e sua caracterização no que diz respeito à TP, entre os anos 2012 e 2014, munido de referencial teórico-conceitual e metodologia adequada, eu realizei pesquisa de campo no templo central da IMPD em Juazeiro do Norte, participando sistematicamente dos seus cultos, realizando observações e, posteriormente, análises e reflexões acerca dos mesmos4. Depois de longo período de atividades de pesquisa, percebi aspectos da atuação local da Igreja que se apresentavam divergentes daqueles expostos na tipologia de Mariano, sobretudo no que se refere à ênfase na TP, tema para o qual o autor dedica um capítulo do seu livro, além de outros trabalhos acadêmicos. É no mínimo curioso que uma denominação religiosa como a IMPD, que resulta de uma cisão com a IURD, maior expoente do neopentecostalismo, apresente além das principais características daquele segmento, outras que fogem à tipologia. A partir de atividades de campo, eu pude perceber, por parte das lideranças daquela denominação, dois tipos de atividades peculiares. Em primeiro lugar, discursos que. 4. A abordagem do fenômeno religioso em Juazeiro do Norte tomando como referência a atuação evangélica na cidade vem sendo trabalhada por mim desde a graduação, quando, como pesquisador na Universidade Regional do Cariri (URCA), participei do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica com projeto intitulado “O agenciamento de bens simbólicos: análise preliminar dos cultos das Igrejas Neopentecostais em Juazeiro do Norte”, elaborado e coordenado pela Professora Dra. Renata Marinho Paz e fomentado pelo CNPq..

(16) 16. enfatizavam a necessidade de o fiel “se humilhar”, instigando-o a valorização positiva da “humilhação” e, em segundo, práticas que proporcionavam aparente esforço físico, efetivadas principalmente, e de modo exemplar, pelas lideranças durante rituais específicos. Nesse sentido justifica-se o emprego da categoria “humilhação”5, que assume centralidade neste trabalho. A hipótese que alavancou as atividades de pesquisa pressupunha que a “humilhação”, categoria de origem nativa presente no âmbito discursivo e prático dos cultos da IMPD, consistia em uma valorização positiva e uma apologia ao sofrimento. Nesse sentido, apresentar-se-ia incongruente com a usual caracterização que se faz do neopentecostalismo, haja vista que as igrejas neopentecostais propõem a superação do sofrimento por meio da pregação enfática da TP, sendo esta concebida como um elemento distintivo em relação às igrejas das versões mais antigas do pentecostalismo. Partindo da evidência, obtida a partir de atividade de campo preliminar, de que há uma divergência entre características da atuação da IMPD em Juazeiro do Norte e aspectos da classificação neopentecostal utilizada no meio acadêmico, entre os anos de 2016 e 2017, retomei as atividades de campo interessado em compreender em que consistia a “humilhação” naquela denominação, que papel ela desempenharia dentro de seu universo religioso e como referenciá-la com relação ao protestantismo. Com base no exposto, o objetivo geral da pesquisa consistiu em analisar a “humilhação” presente nos discursos e práticas rituais da Igreja Mundial do Poder de Deus em Juazeiro do Norte-CE a fim de compreender o seu significado dentro daquela denominação, indicar características da atuação da Igreja no contexto local em correlação a aspectos de sua atuação em território nacional e, a partir disso, situá-la diante do pentecostalismo brasileiro e da tipificação produzida no meio acadêmico. Elencado tal objetivo, e em vista das atividades deles demandadas, pretendeu-se compreender a aparente incompatibilidade entre a “humilhação”, elemento aparentemente correlato à noção de sofrimento6, e o contexto denominacional da IMPD, tipicamente neopentecostal. Com isso, almejei provocar possíveis deslocamentos nos estudos acadêmicos 5. O seu emprego neste trabalho justifica-se por sua recorrência nos discursos das lideranças da IMPD efetivados durantes os cultos que participei, entre 2012 e 2014, no templo central dessa igreja em Juazeiro do Norte. 6 Weber afirma que “a avaliação do sofrimento na ética religiosa tem estado sujeita a uma transformação típica” (1982, p. 313.), passando de uma avaliação negativa, quando era associado à possessão demoníaca, para uma avaliação positiva, quando, a partir do surgimento de “disposições religiosas coletivas para o ‘sofrimento’” (p. 315), este passa a estar relacionado à promessa de salvação. Aparentemente, as igrejas denominadas neopentecostais teriam resgatado aquele primeiro aspecto, referente à sua avaliação negativa..

(17) 17. dos grupos religiosos pentecostais no sentido de fornecer aproximações sem reduções classificatórias. Para que isso fosse possível, eu segui o modelo de pesquisa bourdiano, que toma a noção de “ruptura” como ponto de partida para o desenvolvimento da pesquisa científica.. 1.1 Estrutura e modelo de trabalho. O formato desse trabalho reflete as etapas de elaboração da pesquisa ao passo que segue o modelo de trabalho cientifico proposto por Pierre Bourdieu (2002), a partir do qual a atividade de pesquisa, sua elaboração e consolidação, pode ser melhor expressa na seguinte sequência: 1) Ruptura; 2) Construção; 3) Verificação; 4) Nova Teoria. Devo aqui esclarecer sucintamente, a fim de favorecer sua compreensão, a noção de “ruptura”, empregada segundo a perspectiva bourdiana. Em O Poder Simbólico (1989), especificamente no primeiro capítulo, Bourdieu pretende uma “introdução à sociologia reflexiva” ao tratar do jogo da construção do conhecimento científico. Concebendo a existência de dois âmbitos a partir dos quais se processa o conhecimento nas ciências sociais - o teórico e o empírico -, afirma que. O cume da arte, em ciências sociais, está sem dúvida em ser-se capaz de pôr em jogo <<coisas teóricas>> muito importantes a respeito de objectos ditos <<empíricos>> muito precisos, frequentemente menores na aparência, e até mesmo um pouco irrisórios (p. 20).. Segundo Bourdieu, há uma distinção entre o saber científico, caracterizado por “uma postura activa e sistemática” na construção de seu objeto, e o “senso comum”, alheio a essa atividade e gerador de concepções superficiais sobre os fatos. O desafio da ciência consiste, pois, em propor um método de construção dos objetos que se distancie das pré-construções do “senso-comum”. Para o autor, “a eficácia de um método de pensar nunca se manifesta tão bem como na capacidade de reconstruir objectos insignificantes em objectos científicos” (1989, p. 20), ou seja, em formular problemas de ordem sociológica. Com relação aos dois tipos de conhecimentos supracitados – o do senso comum e o científico – concebe-se, respectivamente, a existência de duas realidades distintas: 1) aquela referente aos problemas sociais, às inquietações dos indivíduos em resolver os problemas considerados críticos à sociedade (LENOIR, 1998), que variam segundo épocas e regiões e; 2) a realidade referente à construção do objeto sociológico, fruto das inquietações do.

(18) 18. pesquisador em compreender a realidade social a partir da ciência. Com base nas proposições de Bourdieu, o sociólogo, e nesse sentido o próprio cientista social, deveria romper com as pré-construções resultantes de uma realidade primeira, da qual ele mesmo faz parte. Uma das características da sociologia é que o profissional se encontra profundamente imerso no seu universo de pesquisa, as relações sociais, de forma que “a familiaridade com o universo social constitui, para o sociólogo, o obstáculo epistemológico7 por excelência porque ela produz continuamente concepções ou sistematizações fictícias ao mesmo tempo que as condições de sua credibilidade” (2002, p. 23). Segundo essa perspectiva, um dos seus maiores desafios - não só para o sociólogo, mas para os cientistas sociais de forma geral -, é romper com o “senso comum”, que consiste na primeira “ruptura” que o cientista deve realizar. As proposições de Bourdieu em prol do rigor científico na sociologia se apresentam, no entanto, de forma demasiadamente categórica. A separação entre o que se conveio chamar equivocadamente de “senso-comum” e o que seria a ciência “pura” se constitui não só numa distinção entre duas formas de apreensão e produção do mundo, mas também na sua consequente hierarquização, haja vista o status de verdade do qual é dotada a ciência em relação a outros tipos de saberes que não o científico. Constantemente o sociólogo deve se ver impelido a se afastar incessantemente das noções construídas a partir do “saber imediato” e, mesmo dentro do campo científico, diferenciar a ciência das percepções primeiras, sendo esta uma atitude inseparável da atividade de pesquisa. No entanto, a proposta de “ruptura”, que busca reforçar o rigor científico e “clarificar” o papel da sociologia diante da realidade, pode também endossar uma visão colonialista sobre o conhecimento científico, expressa na disjunção entre saberes distintos - “senso comum” e ciência -, por exemplo, ou em dicotomias como sujeito-objeto. Ora, mesmo o conhecimento científico, quando reificado, tende a tornar-se um saber compartilhado, comum e, portanto, um “senso comum”. Não à toa, é no próprio campo do saber científico, referente à sociologia, que Bourdieu afirma haver um “senso comum”, expresso no termo “sociologia espontânea” (2002). A tentativa de tornar mais clara a intenção pedagógica da sociologia pode acabar implicando na produção de um novo habitus (1983, p. 7. Ao tratar da superação da invisibilidade que se abate sobre determinados aspectos das ciências Física e Química, Gaston Bachelard afirma que “é em termos de obstáculos que se deve pôr o problema do conhecimento científico” (BACHELARD, 2006, p. 165). A ciência, ao projetar luz sobre determinadas questões, negligencia outras, deixando de formula-las e, por consequência, deixando de alçar outros conhecimentos. A não percepção de outras questões possíveis de serem formuladas consiste em um obstáculo de ordem epistemológica que põe em cheque a validade de determinados teorias, conceitos ou metodologias, as quais, sendo fruto de um “espírito científico” acostumado com a confirmação de seu saber fechado, implicam em “lentidões e perturbações” para o progresso do conhecimento científico..

(19) 19. 65) científico que, talvez, reproduza as mesmas deficiências de uma “sociologia espontânea” com o qual se deveria realizar também uma “ruptura”. A noção de “ruptura” deve se afastar do ideal cientificista que concebe a ciência como única forma válida de apreensão e produção do mundo. A Ruptura é aqui entendida mais como a atividade de estranhamento daquilo que é familiar por meio de um novo olhar e ferramentas de indagação, do que um mecanismo de construção do conhecimento científico que rejeita as percepções primeiras acerca da realidade, o que viria a ampliar o “paradigma disjuntivo” e os obstáculos epistemológicos na ciência8. Abro mão do emprego do termo “senso comum” por considerar que, em algum momento, o pensamento propriamente científico, tanto quanto o pensamento não científico, estará sujeito a tornar-se inadequado à dada realidade em virtude do aspecto de falibilidade que lhe é inerente. Assim, a noção de ruptura aqui empregada parte do princípio de que certas convenções, quando reificadas irrefletidamente, têm de ser superadas, a fim de que não se tornem obstáculo para o pensamento científico. Diante de tais colocações, apresento agora a estrutura deste trabalho, os capítulos nos quais ele se divide e, resumidamente, o conteúdo de cada um deles, sendo que, em seu conjunto, o texto é composto por Introdução, Capítulos I, II e III e Considerações Finais, correspondentes às já mencionadas etapas do modelo de pesquisa bourdiano, a saber, ruptura, construção, verificação e, caso seja plausível, a formulação de nova teoria. A Introdução, na qual consiste esta primeira parte do trabalho, é composta pela apresentação do tema de pesquisa, sua justificativa e relevância, relacionando-as a aspectos do campo de pesquisa e a atividades que nele realizei anteriormente. Em seguida, de forma preliminar, formulei o problema de pesquisa e apresentei os objetivos que me guiaram até aqui, explicando, por fim, o modelo que inspirou a pesquisa e que deu origem a este trabalho. De maneira geral, pode-se dizer que nesta primeira etapa indiquei uma possível ruptura com a forma como vem sendo trabalhada o questão da tipologia pentecostal. Primeiramente, constatei a consolidação do conceito de neopentecostalismo e seu uso recorrente no meio acadêmico, ou seja, sua reprodução9. Por conseguinte, ao perceber o contraste entre as suas principais características e a “humilhação” presente na IMPD em. 8. No que se refere aos estudos das Ciências Sociais da Religião, LOPES JUNIOR (2013) apresenta uma discussão bastante relevante em prol da superação do paradigma disjuntivo na relação entre ciência e religião. 9 O termo “reprodução”, aqui empregado, refere-se à noção de “objetivação”, ou seja, conceber como “objetivo” algo que foi elaborado através de um processo subjetivo, algo que é intrínseco à tarefa de classificação..

(20) 20. Juazeiro do Norte, passei a tomá-lo como um conceito estranho para a apreensão e tipificação dessa denominação. Dedico o Capítulo I à construção do objeto, dado que uma possível ruptura com a visão corrente acerca do neopentecostalismo requer um diálogo com interlocutores do campo acadêmico, a partir do qual busco fundamentar teórica e conceitualmente a discussão por mim motivada. Um segundo aspecto desse capítulo é a apresentação clara e precisa dos materiais e métodos selecionados para o acesso do campo de pesquisa e sua posterior análise, tendo em vista, sobretudo, o interesse de delinear o (s) significado (s) que a “humilhação” assume na IMPD e a sua correlação com uma tipologia neopentecostal. No Capítulo II irei discorrer acerca do campo de pesquisa e das atividades nele realizadas, expondo uma caraterização da cidade e os aspectos do seu contexto religioso, descrevendo brevemente o histórico da IMPD, sua fundação no Brasil e no interior do Ceará. Nesse capítulo haverá espaço preferencial para relatar as atividades de observação em campo, assistência aos cultos da Igreja in locus e televisionados, as entrevistas realizadas e as demais informações acessadas a partir dos interlocutores do campo empírico. Tendo como base o referencial teórico acessado no capítulo I para a construção do objeto de pesquisa, no Capítulo III me debruçarei sobre o material obtido nas atividades de campo a fim de analisá-lo. O intuito desse capítulo é verificar o objeto construído a partir dos elementos obtidos no campo, buscando evidenciar a validade das divergências entre a “humilhação” na IMPD e a tipificação neopentecostal. Ao tensionar aspectos do campo empírico com aspectos do campo teórico, abre-se a possibilidade para avançar no questionamento da teoria já consolidada sobre o neopentecostalismo, sua definição e características. Dado o resultado da verificação, que pode confirmar ou não a proposta de “ruptura”, seguirei para as Considerações finais, etapa na qual realizarei um apanhado geral do trabalho. Serão retomados os objetivos a fim de averiguar até que ponto foi possível alcança-los e, caso a verificação tenha favorecido em alguma medida uma efetiva ruptura, tornar-se-á propício, em estudos do fenômeno em questão, a formulação de novas propostas teóricas e metodológicas que venham a auxiliar na realização de pesquisas futuras.. 1.2 Recursos e procedimentos metodológicos. O objeto do qual trata esta dissertação foi construído a partir de uma experiência de pesquisa de campo realizada entre os anos de 2012 e 2014 no templo sede da Igreja Mundial.

(21) 21. em Juazeiro do Norte. As observações aos cultos, o discurso do bispo Andrade e os rituais realizados me instigaram a investigar os discursos e as práticas da Igreja em torno da “humilhação”, tornando sua definição, suas dimensões e sua articulação com elementos externos ao templo sede meu problema de pesquisa. Ao longo do segundo semestre do ano de 2016 e início de 2017 eu realizei visitas ao templo sede da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), localizado em Juazeiro do Norte – CE, com o objetivo de reunir material empírico proveniente de atividades de observação e entrevista para escrita dos capítulos subsequentes deste trabalho. Tendo em vista que eu já havia desenvolvido pesquisa naquele templo, da qual resultou o projeto de pesquisa de mestrado, considerei importante revisitar o material obtido anteriormente, assim como trabalhos acadêmicos dele resultantes. Com a escrita do texto de qualificação, concretizada no primeiro semestre de 2016, eu havia exposto no formato textual o processo de construção do objeto de pesquisa e a compreensão geral sobre as leituras preliminares realizadas. A etapa seguinte foi constituída pela efetivação de atividades de campo, produção e análise de dados pertinentes ao tema com o propósito de tornar viável a verificação do objeto construído. Nessa etapa, optei por trabalhar com técnicas de observação sistemática e pública (CERVO, 2007; COSTA, 1997) e entrevista semipadronizada (FLICK, 2009). Como o objeto do qual trato foi construído a partir da assistência aos cultos da igreja, a observação apresentou-se como recurso mais eficiente para verificação da recorrência de discursos acerca da “humilhação”, sobretudo nos momentos de realização dos cultos. A opção por realiza-las durante os cultos justifica-se pela centralidade que esses assumem dentro da própria Igreja, pelo universo simbólico ao qual dão acesso e, sobretudo, por apreendê-los em sua dimensão ritual, mediante a qual se configuram como um ambiente em que as práticas e crenças religiosas são realimentadas (DURKHEIM, 1996 apud SANCHIS, 2007). Logo após eu ter adentrado no estudo de bibliografia pertinente ao tema, dei início às atividades de campo em Juazeiro do Norte, realizadas em 2016, tendo como propósito sondar a dinâmica dos cultos do templo sede, conhecer o quadro de suas lideranças e estabelecer os primeiros contatos com seus membros. O foco dessa primeira etapa foi me reaproximar do campo. Somente no início do segundo semestre do mesmo ano eu iniciei observações.

(22) 22. sistemáticas aos cultos, que foram realizadas a partir de duas visitas no mês agosto (dias 16 e 23), duas em setembro (dias 18 e 25) e uma em novembro (dia 24) do mesmo ano 10. A técnica de entrevista, por sua vez, foi escolhida com a finalidade de obter informações para construção do histórico da igreja e acessar a apreensão dos membros do templo acerca do objeto de pesquisa construído por mim. Os contatos regulares com o campo possibilitaram conversas informais com membros nas quais eu propunha a realização de entrevista. De formato semiestruturado, essa técnica também assume uma dimensão etnográfica, pois as perguntas que compuseram o guia de entrevista foram elaboradas com base em observações preliminares. As entrevistas foram elaboradas tomando como referência elementos do modelo de “entrevista centrada no problema” (FLICK, 2009, p. 154) e foram obtidas através de uso de gravador de voz11. O roteiro de entrevista semiestruturada foi composto por uma guia de perguntas preestabelecidas e por perguntas de imediato, elaboradas de acordo com o fluxo da conversa com os informantes. A escolha dos potenciais entrevistados ocorreu de forma processual. Eu tomei como referência a hierarquia institucional, preferindo interlocutores que ocupassem algum cargo dentro da Igreja e tomando como base o modelo de “entrevista com especialista” (Ibid., p. 158). Busquei direcionar as entrevistas a obreiras, obreiros e pastores, considerando estarem eles mais próximos de discursos e das práticas oficiais da Igreja e por permanecerem mais tempo no templo antes e após o culto, afastando-me de empecilhos relativos à realização de entrevistas fora do espaço físico e do horário de funcionamento do templo. Para a construção do histórico da Igreja, tomei como critério o maior tempo de pertencimento à Igreja, preferindo realizar entrevistas com membros que frequentavam a igreja desde ou próximo à data de sua fundação em Juazeiro. Esses entrevistados foram selecionados por indicação. Fiz uso de três estratégias comunicativas do modelo de entrevista centrado no problema: (1) a “entrada conversacional”, na qual eu me apresentava enquanto pesquisador, explicava o projeto de pesquisa e expunha os meus interesses com a realização da entrevista; (2) a “indução geral”, na qual eu confrontava o entrevistado com o problema de pesquisa e; 10. Além de participar das reuniões realizadas semanalmente no templo central da igreja, participei também de um evento de maior abrangência e importância para seus membros, a “Concentração de Fé e Milagres”, que contou com a presença do apóstolo Valdemiro Santiago, fundador e líder maior da Igreja, e da sua esposa e bispa Franciléia de Oliveira. O evento aconteceu no Ginásio Paulo Sarasate, localizado na cidade de Fortaleza, capital cearense, em 23 de agosto de 2016. Na ocasião, além de observação, realizei algumas entrevistas. O site oficial da Igreja noticiou o evento. Disponível em: https://www.impd.org.br/noticias/841. (Acesso em dez./2016). 11 Aplicativo de celular..

(23) 23. (3) a “indução específica”, que consistia em me aprofundar naquilo que foi dito pelo entrevistado acerca do problema a ele apresentado. No geral, as perguntas elaboradas almejavam à compreensão acerca do objeto de pesquisa de forma indireta, evitando o uso de formulações teóricas e linguagem demasiadamente distinta da do entrevistado12. As entrevistas obtidas no templo sede de Juazeiro ocorreram a partir de seis visitas em dezembro (nos dias 06, 08, 11, 18, 20 e 26) e uma visita em janeiro de 2017 (no dia 05). Nesses dias, recorrentemente se fazia necessário assistir a todo o culto para, somente após seu término, obter uma única entrevista. Isso ocorria porque, ao chegar à igreja, o curto período de tempo tinham as pessoas entre a chegada ao templo e o início do culto era dedicado à oração, geralmente de joelhos, cabeça abaixada e olhos fechados. Por vezes, quando era possível encontrar alguém disponível para entrevista, o volume consideravelmente alto das músicas preparatórias para o culto interferia no diálogo com o entrevistado e na gravação da entrevista. Um dos principais empecilhos encontrados para a efetivação das observações e entrevistas foi a relação desenvolvida por mim com a principal liderança do templo sede, o pastor. A recepção calorosa que obtive na primeira visita realizada ao templo em 2016, quando me apresentei como pesquisador, foi substituída pela animosidade em relação às solicitações de interesse da pesquisa. Esses acontecimentos afetaram de forma significativa meu desempenho na execução das atividades de campo. Malgrado os obstáculos do percurso, foi necessário ajustar as rotas, localizar um norte e dar continuidade à pesquisa.. 12. Optei por não citar os nomes dos entrevistados no texto em virtude de não terem expressado nítida e claramente consentimento quanto à divulgação de seus nomes..

(24) 24. 2 CAPÍTULO I - ENTRE O “NEO” E O “PÓS-PENTECOSTALISMO”: A IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS NA TRAMA DAS CLASSIFICAÇÕES 2.1 Campo religioso: concepções gerais e preliminares. A fim de compreender, de modo amplo, porém introdutório, a atuação neopentecostal em Juazeiro eu optei por acionar as noções de “campo religioso” e “mensagem religiosa”, formuladas por Bourdieu (2007) com base, principalmente, na teoria weberiana da religião. Tais noções me ajudaram a refletir sobre aspectos internos à esfera religiosa e também na apreensão inicial da dinâmica das relações inter-religiosas que se estabelecem no contexto religioso de Juazeiro do Norte no que diz respeito, especificamente, às disputas em torno do monopólio da produção religiosa legítima e das tensões daí resultantes. Pressupondo que o contexto religioso local pode ser percebido como um “campo religioso” (2007) na medida em que ele possui uma lógica interna e se constitui como um espaço social determinado de relações dentro da sociedade, a dinâmica dessas relações pode ser pensada enquanto um “jogo” que possui suas regras próprias, incorporadas por agentes em diferentes posições e com diferentes interesses, os quais convergem na luta em torno de um mesmo capital, que é desigualmente distribuído e determinante na repartição do campo em dois polos: dominantes e dominados. A distribuição desigual do capital religioso, resultante de um processo histórico de tensão entre as forças que atuam no campo, estrutura-o hierarquicamente, situando as posições dos agentes entre “especialistas” e “leigos”. Mais do que uma simples organização, essa divisão é o corte estrutural que situa, respectivamente, dominantes e dominados, isso por que, na ordem hierárquica, os especialistas ocupam posição superior à dos leigos, já que estes últimos são “destituídos do capital religioso” na economia dos “bens de salvação”. Enquanto um corpo de especialistas organizado burocraticamente – a igreja - atua como produtor legítimo dos bens, competindo com outros produtores – denominados “bruxos” ou “profetas” -, os leigos, por sua vez, assumem o papel de consumidores, devido ao fato de serem desapropriados dos mecanismos de produção legítima e reconhecendo a “legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal” (BOURDIEU, 2007, p. 38)..

(25) 25. O estado das relações de força existente no campo pode ser caracterizado pela atuação estratégica dos especialistas em reproduzir a ordem dominante no campo – o status quo – e, nesse sentido, assumindo, comumente, a postura de conservadores, em contraste com a postura dos ditos “profetas”, que lançam mão de estratégias de subversão da ordem a fim de legitimarem a mensagem religiosa da qual são autores e que poderá ser acolhida ou não pelo público leigo-consumidor. O sucesso ou não da mensagem religiosa entre os leigos depende da homologia entre o grupo dos produtores e o grupo dos consumidores, ou seja, a mensagem ofertada deve atender a determinados aspectos do “habitus” dos consumidores13. Como há uma lógica de reprodutibilidade do campo, os agentes que nele atuam são imbuídos de predisposições condizentes com as regras em voga, de forma que, quando advinda de grupos não dominantes, o sucesso da mensagem religiosa depende da perspicácia destes em produzi-la mediante a iminência de alguns aspectos, até então implícitos, no grupo dos leigos. Concebendo-as como ferramentas de leitura, as noções bourdianas me foram uteis para a apreensão preliminar de alguns dos aspectos do campo religioso de Juazeiro do Norte. Porém, considerado o contexto de sua elaboração, “Gênese e estrutura do campo religioso” diz respeito a um campo religioso que parece se resumir, quase por completamente, à estrutura hierárquica da Igreja Católica, o que deve ser resultado da hegemonia desta instituição na época em que o autor realizou o seu estudo e que implica em possíveis limitações do seu uso. Num primeiro momento, a apreensão do contexto religioso juazeirense foi passível de ser realizada segundo a noção de campo religioso. Posteriormente, eu encontrei como primeiro obstáculo reconhecer onde se localizava a concentração do capital religioso, ou seja, qual o grupo que atuava exclusivamente sua produção. A Igreja Católica assumira a posição hegemônica no domínio do capital religioso e da produção religiosa legítima, mas não exclusivamente, pois outras organizações religiosas também atuam nessa produção, levando a crer que o capital religioso encontra-se mais disperso no campo. Atrelada a essa dúvida, trago a dificuldade de distinguir a cisão dual do campo entre dominantes e dominados, apresentada na relação hierárquica entre especialistas-leigos. Diante da atuação de outras organizações religiosas que não somente a Igreja Católica, algumas delas 13. A noção de habitus, na forma como ela é apresentada por Bourdieu, corresponde a [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (1983b, p. 65)..

(26) 26. munidas também de um corpo de especialistas organizado burocraticamente, a percepção das posições dos agentes (dominantes/dominados) se torna relativa na medida em que se escolhe por esse ou aquele grupo religioso como referencial de análise do campo. Apesar da Igreja Católica ainda atuar de forma hegemônica, tendo seus bens e serviços religiosos assim como a sua mensagem bastante difundidos e consolidados no campo religioso, a apreensão desse último não pode deixar de fora a presença de outras organizações religiosas que, atuando na difusão das mensagens por elas produzidas, assumem uma dinâmica interna semelhante àquela que distribuí os agentes entre produtores e consumidores. Assim, antes de uma situação de concentração do “capital religioso”, pode-se afirmar uma situação plural, na qual há vários centros de produção religiosa que encontram receptividade dentre os leigos-consumidores. Além disso, pressupõe-se que os próprios leigos não são receptores passivos das mensagens religiosas, mas agentes ativos no processo de percepção de seus sentidos e significados, haja vista que uma das características do campo religioso atual é o constante trânsito (STEIL, 2001, p. 120) inter-religioso e interdenominacional de pessoas, bens e serviços religiosos, os mais diversos, que acentua cada vez mais um pluralismo religioso e que oferece a possiblidade de perceber as relações inter-religiosas tomando como referência o campo da recepção da mensagem religiosa e não o de sua produção. O enfraquecimento do domínio da religião sobre setores da sociedade e da cultura e o problema da plausibilidade de suas explicações sobre a realidade, resultou na emergência de novas expressões religiosas, instaurando um cenário de pluralidade religiosa, haja vista a sua necessidade de oferecer explicações sobre o mundo. A separação entre Igreja e Estado expressou um marco no reordenamento do campo religioso, pois tal acontecimento implicou em uma série de mudanças não só estruturais, mas também culturais e simbólicas, que dão corpo a um processo maior, denominado “secularização”, do qual trata Hervieu-Léger (2008). Apesar de analisar o contexto francês, a autora aponta para questões amplas, passíveis de serem refletidas em outros contextos. Com um cenário plural, e com a perda do caráter institucional das religiões, as pessoas passam a gozar de maior autonomia no que se refere às opções religiosas, já que o campo se apresenta mais diversificado em relação aos bens nele ofertados. Esses aspectos, somados à cultura de mercado dos bens simbólicos, são colocados aqui como pano de fundo sob o qual se desenvolveram reflexões preliminares a respeito do quadro religioso nacional no que tange a relação entre o tradicional e o moderno, entre “velhas” e “novas” formas de crer (STEIL, 2001)..

(27) 27. Uma das ideias que atua como base das reflexões neste trabalho consiste em pensar no campo religioso a partir de mudanças significativas que ocorreram como resultado de transformações sociais, culturais e simbólicas provenientes da modernidade14. Sob essa perspectiva, os elementos que compõem esse campo podem ser pensados a partir da relação entre tradicional e moderno, categorias que delimitam fenômenos como a secularização e o caráter “a-religioso” assumido pela sociedade moderna (STEIL, 2001.). Com base em Hervieu-Léger (2008), o processo de “secularização” é entendido como uma tendência de que a religião não mais assuma o papel central de explicação da realidade do ser humano em seus aspectos estruturais e culturais. A partir do cisma entre Igreja e Estado, a religião institucionalizada passa a atuar de forma menos intensa sobre outros âmbitos da sociedade, distinguindo-se do que era comum ocorrer anteriormente, quando a centralidade institucional aliada ao poder estatal de interferências na estrutura social oferecia à esfera religiosa a autonomia sobre as formas de explicar a realidade. As novas facetas sob as quais se apresenta o fenômeno religioso a partir da cisão entre Estado e Igreja, seguida por um processo de perda de um único princípio religioso ordenador, lugar que era ocupado exclusivamente pela Igreja Católica, abriu espaço para o “pluralismo religioso” que se instaurou sobre a sociedade moderna (STEIL, 2001, p. 116). Tais mudanças indicam uma adaptação da religião à modernidade, a partir da qual se estabelece um rico debate a respeito do diálogo entre o tradicional e o moderno a fim de indicar possíveis continuidades e rupturas no campo religioso. No entanto, sendo ambas as categorias de ordem analítica, não se pode estabelecer um corte histórico bastante preciso a partir do qual uma deixou de atuar e deu lugar à outra, de forma que, no âmbito prático, elas se encontram e se misturam. Uma leitura adequada do campo religioso atual deve levar em conta não só elementos já consolidados, mas também aqueles emergentes dessa situação de pluralismo religioso e a coexistência ambos. As religiões não se constituem como sistemas fechados em si, mas o próprio campo se reconfigura de acordo com o que lhe é demandado, de tal forma que as. 14. Talvez em referência a Zygmunt Bauman, mas de maneira não muito clara, Carlos Steil apresenta a ideia de “modernidade” associada às “promessas de ‘bem-estar social’” (2001, p. 116), afirmando seu insucesso. Ao longo do artigo, sem explicitar sua definição, Carlos Steil apresenta seus efeitos e afirma o seu sucesso no campo religioso ao dizer que a “pluralidade e fragmentação religiosa” são frutos da “dinâmica moderna” (Ibidem). Concebendo o “campo religioso moderno” como um contexto de pluralismo, sua concepção de modernidade se aproxima das formulações de Hervieu-Léger (2008), a partir das quais a “modernidade religiosa” pode ser entendida como um processo que dá ao indivíduo autonomia para compor seu próprio sistema de crenças..

(28) 28. bricolagens, novos arranjos e os sincretismos podem ser considerados fenômenos-chave para compreendê-lo.. 2.2 A emergência do pentecostalismo face à hegemonia católica. Ao tratar das imagens do pentecostalismo veiculadas pelos meios de comunicação de massa, pela hierarquia católica e pelos meios acadêmicos, Paul Freston (1993) ressalta a “posição intelectualmente exposta do pentecostalismo” e a “incompreensão do modelo pluralista religioso que ele implica” como dois temas sobressalientes. O primeiro diz respeito à escassez, no que se refere ao pentecostalismo, de “quadros e contatos intelectuais” e da ausência de sua associação com “um conceito poderoso de brasilidade”, como era feito, respectivamente, com relação às CEB’s e à umbanda (1993. p. 19). Naquele contexto, além de ser “popular” e “protestante”, dois aspectos que o levaram à margem dos interesses acadêmicos no respectivo contexto, “o protestantismo rompe com a tradição do campo religioso brasileiro e opera com os pressupostos do pluralismo”, um fator negativo, dado o “ânimo culturalista, de manutenção do status quo religioso” que caracterizava a postura da academia diante daquele fenômeno religioso (1993, p. 19). Para definir o modelo religioso pluralista no Brasil, Freston o distingue da tradição religiosa do país, afirmando que:. A tradição religiosa brasileira é sincrética, mas o modelo que se firma no país é o modelo pluralista. A diferença é matemática: no sincretismo, as religiões se somam; no pluralismo, elas se subtraem. O modelo sincrético é de uma relação não-exclusiva; no Brasil nós temos um sincretismo hierárquico, o qual combina a relação não-exclusiva com a aceitação da hegemonia institucional católica. O modelo pluralista é de várias opções em pugna. (1993. p. 20). Apesar da sua remota data, a citação não é anacrônica para a compreensão geral de algumas características do campo religioso brasileiro. Para demonstrar num exemplo o modelo sincrético hierárquico convém mencionar casos que envolvem tensões entre as religiões afro-brasileiras e a Igreja Católica, nas quais parece haver uma atitude passiva das primeiras em relação à segunda, evidenciando a sua postura de manutenção do status quo do campo religioso e, por consequência, legitimando o lugar hegemônico ocupado pela Igreja Católica em relação a essas religiões..

(29) 29. Diferente dessa acomodação à hierarquia do campo, o melhor exemplo de um grupo religioso que opera com os pressupostos do pluralismo é o próprio pentecostalismo, pois a relação que estabelece com outras religiões não é nada complacente. Ocorre, na verdade, o inverso. Por diversas vezes, as relações do pentecostalismo com a Igreja Católica e as religiões de matriz afro-brasileira têm se tornado caso de polícia devido sua postura bastante hostil para com elas, ainda que, concomitantemente, cresça à custa dos seus elementos15. O pentecostalismo assume uma posição tangente à ordem hierárquica do campo religioso, pois sua postura desafia a hegemonia católica e suas formações são facilmente perpassadas por elementos de outros universos religiosos. No que se trata da atuação da IMPD em Juazeiro do Norte, pode-se pensar em uma suscetibilidade e abertura dessa denominação à assimilação de elementos externos a ela, sendo válido inferir que esse processo possa ter ocorrido em relação ao contexto local ou tenha sua origem na gênese da própria Igreja.. 2.3 Um breve histórico do pentecostalismo no Brasil: as três ondas Nos últimos anos, quando se ouve falar em igrejas “neopentecostais”, principalmente em noticiários veiculados pelos meios de comunicação de massa, as noções evocadas acerca das mesmas estão associadas, sobretudo, à intolerância religiosa e às suas práticas monetárias, dois temas que, sem uma análise mais profunda, passam a ser acessados recorrentemente a fim de caracterizar a atuação de tais igrejas dentro e fora dos limites dos seus respectivos templos. Sem levar em conta a diversidade de denominações e as especificidades pertinentes a cada uma delas, há, portanto, e isso não é nenhuma novidade, uma naturalização de determinados aspectos da realidade social e de seus fenômenos. Paul Freston é pioneiro na ordenação tipológica do pentecostalismo no Brasil e assume importante papel para trabalhos posteriores por ter realizado uma síntese das tipologias mais comuns. empregadas. por. diversos. autores. acerca. do. pentecostalismo.. Intitulada. Protestantismo e política no Brasil, sua tese de doutorado, além de oferecer um amplo quadro de análise que correlaciona protestantismo e política no período entre a Constituinte de. 15. No trabalho intitulado Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras, Vagner Silva (2007) busca compreender as relações de “proximidade” e “antagonismo” entre as igrejas da vertente pentecostal denominada “neopentecostalismo” e religiões afro-brasileiras, tomando para análise a destacada atuação da IURD. Um dos argumentos principais de seu trabalho consiste na afirmação de que a IURD, como expoente do neopentecostalismo, passa a compartilhar do léxico de significados das religiões afro-brasileiras, introduzindo alguns dos seus elementos a fim de compor seu próprio universo religioso..

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