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4 CAPITULO 3 “A GENTE TEM QUE SE HUMILHAR”: ANÁLISE DA

4.2 Guerra Espiritual e Teologia da Prosperidade

As pessoas que frequentam o templo com certa assiduidade, participam dos cultos e possuem um sentimento de pertença à igreja em detrimento das deambulações por outras denominações, ou seja, os fieis da IMPD de Juazeiro, consideram Valdemiro um homem de

Deus e veem sua fé, sua família e sua história de vida como um exemplo a ser seguido.

Grosso modo, inspiradas na trajetória de vida do apóstolo e dos milagres que fazem sua fama, as pessoas que procuram a igreja trazem consigo a expectativa de poderem solucionar problemas concernentes a suas vidas e a de seus familiares.

Uma vez imersas no conjunto de atividades que a igreja propicia, as pessoas ilustram suas trajetórias religiosas por diferentes denominações a partir da noção de passagem ao passo que a experiência atual na IMPD se projeta em torno de noções como estar, pertencer e

converter-se. Enquanto categoria empírica, a ideia de “conversão” é apresentada como um

evento que consolida de uma vez por todas a ligação da pessoa com a Igreja e indica também, enquanto categoria analítica, um processo contínuo de reafirmação desse elo.

A narrativa empírica contribui para que a conversão seja compreendida como um processo de alteração/consolidação daquilo que Peter Berger chamou de nomos (1985, p.32), neste caso, concernente à experiência religiosa da pessoa. Dentro dessa ordem significativa operam categorias gerais de ordenamento da experiência como, por exemplo, as noções relativas ao bem e ao mal, expressas nas figuras de Deus e do Diabo. Na IMPD, com base no paradigma oriundo do mito da criação presente no imaginário religioso cristão de forma geral, o mundo é enunciado como criação de Deus, mas corrompido pelo Diabo e tomado por seus demônios.

Diz a Bíblia que satanás – ele não é onipresente, não pode estar aqui e no Japão ao mesmo tempo – tem os demônios como servos que o representam em todos os lugares. Ao nosso redor estão os anjos de Deus, mas mesmo assim o diabo fica o tempo todo, juntamente com seus demônios, só esperando uma oportunidade para agir (OLIVEIRA, 2009, p.80).

As agruras, problemas, doenças e todo tipo de mal e sofrimento inerente à condição humana são compreendidos pelas igrejas “neopentecostais” como resultado da presença do Diabo neste mundo, sendo ele o autor das adversidades que entravam a consolidação da

prosperidade anunciada por essas igrejas (MARIANO, 2010, p. 147). A fim de efetivar a

promessa de que é possível prosperar, igrejas pentecostais como a Universal travam uma “Guerra Espiritual” (Ibid., p. 109) contra o Diabo e sua comitiva de demônios, cujo confronto é apresentado mediante práticas de exorcismo desempenhadas nos templos da Igreja durante suas reuniões.

A perspectiva de que há de se viver uma “guerra” neste mundo também está presente na IMPD, mas assume outra roupagem. Apesar de não dispensar a figura do Diabo como inimigo, as lideranças enfatizam a distinção que há entre suas práticas e aquelas tipicamente efetivadas pela Igreja Universal, modelo analítico para compreensão do neopentecostalismo.

[...] Satanás é nosso único inimigo. Ele sente prazer na derrota do homem (a vitória do homem se dá pelas bênçãos e não por entrevistas ao diabo), principalmente do homem de Deus, da mulher de Deus; ninguém está imune a isso. O diabo trabalha vinte e quatro horas por dia para nos derrotar (OLIVEIRA, 2009, p.79, grifo meu).

A afirmação de que “a vitória do homem se dá pelas bênçãos” acentua a diferença que há, e que é perseguida pelas lideranças da IMPD, entre suas práticas e as da Igreja Universal, da qual o apóstolo é egresso. Na narrativa das lideranças da IMPD, o Diabo e seus demônios agem intensa e constantemente, conspirando em favor da “derrota” das pessoas, porém, ao invés de haver a recorrência de um embate físico entre um corpo de lideranças e pessoas possessas por demônios, durante as reuniões, os holofotes são direcionados aos testemunhos das experiências dos fieis (RODRIGUES, 2010, p. 309), que dão prova da “vitória” deles, sobretudo, no que se refere à “cura”.

Além disso, a expectativa de obtenção de “bênçãos”, que expressa a “vitória” das pessoas nas “batalhas” que elas travam em suas vidas, traz à tona a noção de “prosperidade” e remete a elementos daquilo que se convencionou chamar Teologia da Prosperidade (TP). Grosso modo, como já fora explicado, a TP compreende a existência de um pacto entre Deus e as pessoas, no qual o primeiro concederia a elas, seus filhos e filhas, tudo aquilo que a ele

fosse pedido. Desde que as pessoas ajam com fé e não vivam do pecado, Deus não permitirá que problema algum as aflija, assegurando a prosperidade em diversos âmbitos de suas vidas.

Essa Teologia está operando e promovendo forte inversão de valores no sistema axiológico pentecostal. Faz isso ao enfatizar quase que exclusivamente o retorno da fé nesta vida, pouco versando acerca da mais grandiosa promessa das religiões de salvação: a redenção após a morte. Além de que, em vez de valorizar temas bíblicos tradicionais de martírio, auto-sacrifício, isto é, a ‘mensagem da cruz – que apregoa o ascetismo (negação dos prazeres da carne e das coisas deste mundo) e a perseverança dos justos no caminho estreito da salvação, apesar do sofrimento, das injustiças e perseguições promovidas pelos ímpios contra os servos de Deus -, a Teologia da Prosperidade valoriza a fé em Deus como meio de obter saúde, riqueza, felicidade, sucesso e poder terrenos. Em vez de glorificar o sofrimento, tema tradicional no cristianismo, mas definitivamente fora de moda, enaltece o bem-estar do cristão neste mundo (Freston, 1993 apud MARIANO, 2010, p. 158).

Uma vida regrada por certos preceitos e pela a obediência a determinado modo de vida, que funcionava no catolicismo e nos tipos de pentecostalismos mais elementares como procedimento para o desfrute do paraíso posterior a esta vida, dá lugar a procedimentos rituais efetivados ao longo dos cultos, nos quais, através da fé, as pessoas exigem de Deus aquilo que para elas é um direito, curas, milagres e prosperidade, ensejando as benesses do reino de felicidade prometido para a segunda vinda de Cristo.

Apesar de compor a agenda semanal de reuniões da IMPD e orientar práticas nelas efetivadas, o tema da prosperidade não é alardeado nos púlpitos da igreja como, por exemplo, o tema da cura, que levanta polêmica sobre a tipificação da IMPD diante dos critérios de classificação de igrejas pentecostais em voga no campo acadêmico. Embora o problema acerca do qual disserto neste trabalho também levante polêmica sobre a tipificação da IMPD, tive outro foco e parti da análise de outros elementos.

O problema aqui apresentado consiste em compreender a noção de humilhação, recorrentemente empregada nas reuniões da IMPD de Juazeiro do Norte e que figura entre o leque de subcategorias do sofrimento, e como ela se ajusta (ou não) à Teologia da Prosperidade. Nas seções seguintes, dedico-me à verificação da hipótese levantada inicialmente de que, no contexto das práticas religiosas da IMPD, a noção de humilhação poderia representar uma brecha na Teologia da Prosperidade.

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