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4 CAPITULO 3 “A GENTE TEM QUE SE HUMILHAR”: ANÁLISE DA

4.3 O sofrimento como humilhação

O sentimento de impotência é um dos fatores que motiva as pessoas a procurarem a IMPD, “a igreja do poder de Deus”. Ele está relacionado à conclusão, por parte da pessoa, de que ela já não é por si só capaz de solucionar os problemas que recaem sobre sua vida em virtude das amplas dimensões sob as quais eles se apresentam. No livro Os pensamentos de

Deus (2010), ao discorrer sobre a distinção entre os pensamentos do Senhor e os “nossos”, o

apóstolo Valdemiro Santiago afirma que...

Quando você considera que a solução de um problema não está mais ao seu alcance – como a cura de um parente desenganado pelos médicos, acometido por câncer, AIDS ou confinado a uma cadeira de rodas -, quer dizer que se encontra no seu limite. Entretanto, nunca se esqueça de uma coisa: nossas possibilidades terminam onde começam as possibilidades infinitas de Deus. Por isso, confie! Mantenha a fé e acredite sempre no poder imensurável do Senhor! (p. 21).

Uma doença crônica ou a falência financeira, por exemplo, ilustram o tipo de problema corriqueiramente apresentado pelas pessoas que frequentam à IMPD de Juazeiro, cuja solução, por vezes, excede suas próprias capacidades e vontades individuais e em alguns casos justifica a busca pelo “poder de Deus” na igreja do apóstolo59

. Após sair do catolicismo, as pessoas passam a frequentar igrejas do protestantismo evangélico, mergulham no pentecostalismo e, diante da gama de denominações pentecostais, recorrem à IMPD na expectativa de que nela possam encontrar solução para os seus problemas, apostando na veracidade de seu slogan (“A mãe de Deus está aqui”), propagandeado pelas lideranças.

A Igreja Mundial ela foi criada por Deus exatamente para aplacar o

sofrimento das pessoas. Não que a gente vá usar do sofrimento para obter

algum tipo de lucro. Mas as pessoas vêm para igreja e encontram nessa

igreja uma esperança. Encontram nessa igreja um alívio. E os testemunhos

já servem aí como exemplo, como prova de que muitas pessoas [que] tavam sofrendo tão sendo curadas e tão parando de sofrer. Não todas. Mas a grande maioria que crê, que acredita, isso acontece (Pastor, em 23/08/2016).

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Em pesquisa realizada entre os anos de 2012 e 2014, através de relatos orais e entrevistas, recorrentemente as pessoas que frequentavam o templo sede da IMPD de Juazeiro do Norte justificavam sua opção pela Igreja em virtude da possiblidade de que ali se manifestasse o “poder de Deus”. Entretanto, a quantidade de fieis que a IMPD reúne diariamente em seu único templo na cidade é relativamente menor do que às aglomerações da IURD em seu templo central, na quadra ao lado. Também é aparentemente menor que a quantidade de pessoas que costuma frequentar a Igreja Internacional, que possui dois templos na cidade. Há alguns anos, a sede da IIGD saiu da Rua São Paulo, onde se localizava bem próxima ao antigo templo da IMPD, e migrou para endereço cerca 3 km de distancia do atual templo da IMPD.

No relato acima a ideia de “aplacar o sofrimento” é apresentada como razão da existência da IMPD, tendo ela sido criada pelo próprio Deus. O sofrimento caracteriza o estado no qual as pessoas se encontram quando decidem buscar um dos templos da Igreja e é recorrentemente empregado durante as reuniões em referência a toda sorte de problemas pelo quais possa passar uma pessoa.

Enquanto categoria empírica, sofrimento está presente nas narrativas de lideranças e fieis do templo sede da IMPD em Juazeiro do Norte e é recorrente também na narrativa do apóstolo e de outras lideranças em cultos transmitidos em TV aberta, estando ainda presente no conteúdo de parte da produção bibliográfica do fundador da Igreja.

A princípio, o sofrimento refere-se ao estado no qual a pessoa é privada de condições favoráveis de saúde, felicidade, prosperidade e todo tipo de benesses que poderiam advir de Deus, mas que são atravancadas por infortúnios inerentes à vida neste mundo, pela atuação do Diabo e seus demônios ou por falta de fé da própria pessoa em obtê-las.

Noções como “problema”, “adversidade”, “dificuldade”, “tribulação”, “doença”, “perseguição”, “provações” e “humilhação” ilustram as varias facetas da categoria sofrimento e podem assim ser reunidas na medida em que possuem significados relativamente similares e por indicarem eventos, acontecimentos, ações, interações e objetos que implicam na afirmação do sofrimento da pessoa, como no relato a seguir, que destaca a noção de “humilhação”:

Eu e minha esposa, resolvemos recomeçar tudo há poucos anos; mas

sofremos, pagamos o preço. Quando eu fui acometido pelo naufrágio na

África [...] e cheguei no Brasil, tornei-me alvo de muita discriminação: fui

humilhado, pisoteado pelos próprios irmãos que se intitulavam professadores

da mesma fé. Com isso, percebi que os tubarões que ficavam do lado de fora do oceano eram bem mais perigosos do que os que eu enfrentei em alto-mar (OLIVEIRA, 2010, p.84, grifo meu).

O relato acima exemplifica o emprego da noção de “humilhação” para caracterizar um evento no qual o apóstolo e sua esposa “sofreram”. O acontecimento é situado cronológica e espacialmente em referência ao “naufrágio na África” e à chegada do apóstolo ao Brasil. O

sofrimento é então expresso a partir da noção “descriminação”, que referencia a ação

protagonizada pelos “irmãos que se intitulavam professadores da mesma fé”, e das noções “humilhado” e “pisoteado”, que referencia o estado daquele que foi acometido pela ação. Quando seus protagonistas são comparados aos “tubarões”, caracterizados como “perigosos”, a ação e o estado dela resultante são compreendidos negativamente.

No enunciado supracitado, o termo “humilhado” refere-se ao estado no qual se encontra a pessoa que, a despeito de sua vontade, foi submetida a uma ação de “humilhação”. O termo parece ter sido empregado para caracterizar o estado daquele que é desapropriado de importância, dotado de valor inferior ou digno de desdém.

Em termos analíticos, essa breve análise indica que a humilhação consiste em uma ação (humilhar) que, com base em critérios específicos (no relato citado, estava em jogo a

fidelidade do apóstolo ao “antigo ministério” – a Igreja Universal -, do qual ele se afastou

após chegar ao Brasil), situa entes em posições contrárias (os “irmãos”, que protagonizaram a humilhação, e o apóstolo, a quem a ação foi dirigida) e os sobrepõe (o apóstolo foi “pisoteado” pelos “irmãos” – noção de inferioridade), intensificando a assimetria entre eles.

Tem-se, portanto, que a “humilhação”, na forma como foi expressa no relato, remete à categoria sofrimento. Tendo explanado de modo exemplar o seu significado a partir da análise realizada acima, devo agora elucidar outra dimensão desse mesmo termo, cujo significado pode ser acessado mediante a participação nas reuniões e a realização de entrevistas com membros do templo sede da IMPD em Juazeiro do Norte. Buscarei compreendê-la a partir de três eixos de análise: a) a definição da noção, que já foi preliminarmente apontada; b) os sentidos da ação e c) o papel por ela desempenhado.

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