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Representações e usos da Biblioteca Parque Manguinhos: uma análise das narrativas dos jovens

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Academic year: 2021

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

REPRESENTAÇÕES E USOS DA BIBLIOTECA PARQUE MANGUINHOS – UMA ANÁLISE DAS NARRATIVAS DOS JOVENS.

Aline Maia Diniz

Rio de Janeiro 2016

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ALINE MAIA DINIZ

REPRESENTAÇÕES E USOS DA BIBLIOTECA PARQUE MANGUINHOS: UMA ANÁLISE DAS NARRATIVAS DOS JOVENS.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Patrícia Silveira de Farias

Rio de Janeiro

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Dedico este trabalho à minha afilhada Manuela e aos meus pais, Kátia e Odair, pelo apoio e incentivo para que eu pudesse concluir mais essa etapa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Patrícia Farias pela orientação e oportunidade de participação na pesquisa “Representações e usos do espaço em comum nas favelas cariocas: Uma nova esfera pública?”. E ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFRJ) pelo apoio financeiro oferecido. Agradeço a Puá e Priscila Pereira por auxiliarem no início do trabalho de campo. Especialmente á Priscila Pereira pelas indicações e pelo incentivo

desde os tempos de estágio.

Agradeço também aos funcionários da Biblioteca Parque pela recepção; sobretudo aos jovens, que, com atenção e cordialidade, contribuíram para que

esse estudo fosse realizado.

Serei sempre grata aos professores que desde o início da graduação

compartilharam seus conhecimentos.

Não poderia deixar de agradecer à minha família que sempre me apoiou e compreendeu minhas ausências enquanto realizava esse estudo. Especialmente às tias Carla e Claudia, pela motivação, e ao meu irmão

Matheus, pela colaboração tecnológica.

Agradeço ainda aos meus amigos que incentivaram essa caminhada. Especialmente Karoline Telles, pelo encorajamento e pela companhia em alguns eventos, e a Carolina Amorim, pela motivação e suporte tecnológico.

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RESUMO

O presente estudo tem por objeto compreender as percepções e formas de sociabilidade dos jovens moradores de Manguinhos – Complexo de favelas localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro- a partir do uso que fazem do equipamento cultural Biblioteca Parque. A pesquisa foi desenvolvida com a combinação dos métodos observação participante e realização de 17 entrevistas semi estruturadas com jovens do sexo masculino e feminino na faixa etária entre 15 e 29 anos. Além da biblioteca foi feita observação nos seguintes eventos: Reunião Comunitária; Apresentação do Ballet Manguinhos; Aniversário da Biblioteca Parque; Feijoada do Compositor e inauguração da Skate Parque. Foi possível constatar, a partir dos resultados, que os jovens a partir do uso da biblioteca parque, expressam formas de resistência, participam de atividades e pensam propostas para o equipamento cultural. Enquanto política pública a Biblioteca Parque mantém o diálogo com os jovens e cumpre papel fundamental na sociabilidade dos mesmos, uma vez que a mesma se configura enquanto o espaço onde jovens se encontram. Nesse sentido a Biblioteca Parque Manguinhos é para os jovens, o local que se identificam, sentem-se a vontade e se expressam de forma artística, cultural e política.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Jovens jogando UNO na Biblioteca Parque de Manguinhos. Foto: Aline Diniz, 2016. ... 32 Figura 2: Apresentação “Andanças de Elis” – Ballet Manguinhos. À esquerda, o grupo agradecendo aos colaboradores do projeto. À direita, momento em que foi apresentada a música “Como Nossos Pais” enquanto uma contribuição da cantora Elis Regina na luta contra a ditadura militar, instaurada no Brasil em 1964. Foto: Aline Diniz, 2016. ... 47 Figura 3: Aniversário da Biblioteca Parque Manguinhos. Foto: Aline Diniz – 2016. ... 48 Figura 4: Pautas da Ocupação Colégio Estadual Luiz Carlos da Vila. Foto: Aline Diniz, 2016. ... 51 Figura 5: Ocupação Compositor Luiz Carlos da Vila, evento de Feijoada e roda de samba aberto ao público. Foto Aline Diniz, 2016. ... 54 Figura 6: Jovens andando de Skate na Inauguração da Skate Park Manguinhos. Foto: Aline Diniz, 2016. ... 55

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Sumário

1. Introdução ... 8

Capítulo 1. Manguinhos: O Território; a Biblioteca Parque e os Jovens ... 15

1. Uma breve apresentação da formação de Manguinhos ... 15

2. Manguinhos: Primeira Biblioteca Parque do Brasil ... 17

3. Ser Jovem: Diferentes Concepções ... 19

3.1. Ser Jovem, segundo o Estado ... 20

3.2. Ser Jovem: Um olhar das Ciências Sociais ... 21

Capitulo 2 – Observando a Biblioteca Parque de Manguinhos ... 24

1. Os primeiros contatos ... 24

2. A observação participante no equipamento cultural ... 25

2.1. Os Jovens na Biblioteca Parque Manguinhos... 28

2.2. “O que você é?” ... 33

3. A Demanda pelo Programa Jovem Aprendiz. ... 38

4. As conversas dos Jovens... 39

5. Os Funcionários ... 42

6. Eventos: A integração dos jovens com outros grupos ... 45

6.1. A Reunião Comunitária ... 45

6.2. Apresentação Andanças de Elis – Ballet Manguinhos ... 46

6.3. Aniversário de Biblioteca Parque Manguinhos ... 48

6.4. Feijoada Ocupa Compositor ... 49

6.5. Inauguração da Skate Park Manguinhos ... 54

6.6. Sobre os Eventos ... 57

Capítulo 3 - Os jovens por eles mesmos ... 60

1. Marcando Entrevistas ... 60

1.1. Relação Entrevistador e Entrevistado ... 61

2. Perfil dos Entrevistados ... 63

3. Família ... 67

4. Momentos de lazer ... 69

5. O território de Manguinhos ... 70

6. Relação com Outros Espaços da Cidade... 72

7. Os usos da Biblioteca Parque Manguinhos ... 75

7.1. Percepções dos jovens sobre a Biblioteca Parque Manguinhos ... 77

(8)

Referências Bibliográficas ... 84 ANEXO ... 90

(9)

1. Introdução

O presente estudo se insere numa pesquisa maior intitulada “Representações e usos do espaço em comum nas favelas cariocas: Uma nova esfera pública?” coordenada pela professora doutora Patrícia Farias. E tem como objetivo principal compreender a forma como os jovens moradores de Manguinhos - Complexo de favelas da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro - interpretam e utilizam o equipamento cultural Biblioteca Parque. Dessa forma, busca-se perceber a interação e a sociabilidade que

ocorre no uso do equipamento.

Para isso, utilizou-se o método qualitativo, uma vez que:

Os métodos qualitativos enfatizam as particularidades de um fenômeno em termos de seu significado para o grupo pesquisado. É como um mergulho em profundidade dentro de um grupo ‘bom para pensar’ questões relevantes para o tema estudado. (GOLDENBERG, 2004: 50).

Os instrumentos metodológicos utilizados na Biblioteca e nos eventos que reuniram a comunidade foram a combinação da observação participante e da entrevista em profundidade com 17 jovens do sexo masculino e feminino de 15 a 25 anos, com foco nos seguintes temas: perfil; família; território; relação com outros espaços da cidade; classificação de grupos de jovens e percepções

sobre a Biblioteca Parque.

Inicialmente foi feito contato com pesquisadores de Manguinhos; e em seguida, levantamento documental sobre temáticas relacionadas ao assunto. Depois, apropriação de textos que abordavam os seguintes temas: Manguinhos, Juventudes e Biblioteca Parque. Posteriormente foi feita visita ao espaço da Biblioteca Parque Manguinhos, assim como reunião no local com objetivo de abordar a proposta da pesquisa bem como buscar autorização para

realização da mesma.

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uma vez que é demarcada pela presença do pesquisador no campo de pesquisa. A participação se dá de modo direto no cotidiano a ser investigado. Para tal é fundamental que a entrada no campo de pesquisa seja acordada com os representantes locais; não se pode esquecer que o pesquisador, por estar visível no local, desperta curiosidade no público e é impactado pelo mesmo.

“Para nossos fins, definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face-a-face com os observados e, ao participar da vida deles no seu cenário natural, colhe dados. Assim, o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto" (SCHWARTZ e SCHWARTZ, 1955 apud CICOUREL, 1969:4)

Ao estar inserido no espaço a ser pesquisado, o investigador tem maior aproximação da realidade, do dia a dia dos usuários, o que possibilita a identificação de situações que possam vir a ser investigadas, mas que no cotidiano do público aparecem enquanto familiares. Tais questões poderão ser abordadas posteriormente na entrevista. Esta inserção permite, além disso, a interação com os atores envolvidos no cenário, a criação de vínculos que permitam a continuidade da pesquisa, o ponto de partida para as entrevistas. A entrevista é entendida como o momento em que os jovens podem falar sobre suas percepções e sobre si, a singularidade de cada ponto de vista.

Pode-se definir entrevista como a técnica que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção de dados que interessam à investigação. (Gil, 1999:117)

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característica de diálogo focado em determinados aspectos que serão explorados. De acordo com GIL (1999), o entrevistador realiza algumas perguntas e permite que o entrevistado as responda de modo livre e espontâneo, sendo necessária apenas intervenção para manter o foco da investigação.

No momento da entrevista, o tema de pesquisa foi apresentado ao usuário, assim como a importância de sua colaboração para o desenvolvimento do estudo. Dessa forma a busca por informações compreendeu o sujeito entrevistado para além da mera fonte de informação, mas como parte fundamental na realização da pesquisa.

A escolha deste tema se deu por razões pessoais, acadêmicas e profissionais. Os assuntos relacionados à juventude sempre foram objetos de interesse pessoal e de estudo na universidade. A inserção nos campos de estágios Serviço Social do Comércio (SESC) e Maternidade Escola UFRJ trouxeram uma aproximação com o público jovem, ainda que o foco

de ambas as instituições não fossem os jovens.

O SESC1 é uma instituição privada sem fins lucrativos. Fornece serviços voltados para as áreas de educação, saúde, cultura, lazer, turismo social, esportes e assistência. Apesar de se tratar de uma instituição voltada para os comerciários e seus dependentes, possui o Programa de Comprometimento e Gratuidade (PCG) abrangendo a população geral com

renda inferior a 03 salários mínimos.

Enquanto estagiária, atuei no setor de Educação e Meio Ambiente da unidade de Ramos, com foco na elaboração de projetos sociais. Entretanto a participação na execução dos projetos era mínima; desse modo, ainda que fossem projetos voltados para o público jovem, em meu campo de estágio não obtive um contato direto com os mesmos.

A Maternidade Escola UFRJ2 é uma instituição pública, mantida com recursos da UFRJ e credenciada à rede SUS. É um hospital escola, portanto voltado para a formação e especialização na área de saúde sexual e reprodutiva. Atende à área programática 2.1, porém possui o atendimento

1

Portal SESC Rio. Disponível em: http://www.sescrio.org.br/sesc-rio. Acesso em 05 Mar. 2016

2

Portal Maternidade Escola. Disponível em: http://www.me.ufrj.br/portal/index.php. Acesso em 05. Mar.2016

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de emergência 24h para todas as gestantes que necessitarem, independente do local de moradia. A Maternidade Escola UFRJ é referência

para pré-natal de risco e gravidez na adolescência.

No período de estágio, atuei na condução de entrevistas, atendimento no ambulatório e participação nos grupos Acolhimento, Cegonha Carioca, Sessão Clínica, Grupo de Acompanhantes e Grupo de Adolescentes, onde pude ter contato com o público jovem, porém num momento específico e com uma abordagem mais direcionada para a saúde reprodutiva.

A possibilidade de realização de pesquisa com juventude no âmbito da favela possibilitou maior aproximação com um tema relacionado à juventude e com isso o desenvolvimento do estudo acerca do objeto para o trabalho

de conclusão de curso.

O Serviço Social, enquanto profissão voltada para o planejamento e a execução de projetos/políticas sociais, ao considerar a ótica do público alvo de seus projetos, estará exercendo de fato um compromisso com a qualidade do serviço prestado à população, tal como preconiza o décimo princípio do Código de Ética Profissional do Assistente Social3. Além disso, as experiências nos campos de estágio demonstraram a importância da escuta qualificada para a apreensão de demandas camufladas, daí o interesse pelas percepções da Juventude de Manguinhos. Ao realizar pesquisa bibliográfica acerca do tema, pode-se constatar que há grande quantidade de artigos, dissertações, teses, que abordam o tema juventude. Contudo, poucas delas se voltam para as percepções que a juventude possui sobre uma política pública. Em busca realizada à base Minerva da UFRJ4, especificamente no Centro de Filosofia e Ciências Humanas, foram encontrados 264 registros de materiais focados no estudo da Juventude, porém nenhum deles se pautava no olhar, na percepção dos jovens.

Em consulta ao Google Acadêmico a partir do ano 2.000, é notória a universalidade de trabalhos sobre a Juventude, sendo que apenas 4 (quatro) deles abordavam as percepções. Em 2007, Pereira abordou o tema em sua tese de mestrado, intitulada “Juventude, Participação e

3

Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf. Acesso 07. Mar.2016

4

(13)

Direitos: Um Olhar para as Percepções de Jovens do Rio de Janeiro sobre sua Participação no PROJOVEM (Programa Nacional de Inclusão de

Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária”.

Em 2007, Araújo trabalhou com a “Juventude Rural: Percepções de uma Jovem Filha de Agricultores Rurais” para os cadernos de Agroecologia. Em 2013, Fernandes abordou o tema em “Vitimas ou autores? Percepções sobre a Juventude e o Tráfico em um Conjunto de Favelas “Pacificadas" no Rio de Janeiro”. E em 2014 Wollz, et. al realizaram o estudo intitulado

“Percepções de Infância e Juventude no campo”.

Numa pesquisa realizada ao Google Acadêmico5 a partir do ano de 2010, diversos trabalhos abordaram as percepções dos jovens sobre os mais diversos assuntos, dentre os quais: Nardi e Dellaglio (2012)

“Adolescentes em conflito com a lei: percepções sobre a família; Chaves, 2010: As percepções de jovens sobre relacionamentos amorosos na atualidade; Fernandes, 2010: Gravidez na adolescência: percepções das

mães de gestantes grávidas, entre outros.

Dentre os materiais encontrados cabe ressaltar que dois deles são voltados para o campo. E os outros são da área de psicologia com foco em temas específicos e de suma relevância social porém não voltados para

políticas públicas.

As percepções dos jovens são pouco abordadas na área de Serviço Social; desse modo, a juventude urbana, constantemente retratada nos mais diversos estudos, e público alvo de projetos sociais, é pouco observada e escutada em suas percepções. A escuta e o olhar atento para as demandas desse público são fundamentais para a criação de projetos que sejam interessantes para os jovens, pois o dialogo com o público pode se refletir numa identificação com o espaço e com o serviço. Por isso, o presente estudo busca tal análise no cenário urbano, dentro da Biblioteca

Parque na favela de Manguinhos.

A juventude brasileira constantemente é alvo de debates devido aos índices de criminalidade, violência, educação; mais atualmente é abordada na discussão sobre a maioridade penal. Esse grupo que também é alvo das

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ações das políticas sociais e comumente é encaminhado para o acesso a serviço e programas enquanto uma alternativa ao “mundo do tráfico de drogas” e dos reflexos de desigualdade expressos no país. Importa salientar que, enquanto sujeitos de direito, esses jovens não necessariamente

identificam-se com as alternativas oferecidas.

A educação e a cultura nos discursos popular e governamental, são caminhos para a formação de cidadãos. Cabe então buscar qual percepção os jovens possuem da educação no Brasil, como observam e compreendem o equipamento cultural Biblioteca no modelo de Biblioteca Parque, quais as perspectivas de mudança ou não que a existência do equipamento proporciona na visão dos jovens frequentadores deste espaço. Contudo, é relevante enfatizar que não há a pretensão de avaliar os equipamentos neste estudo, apenas de atentar para a necessidade de escuta qualificada

dos usuários sobre os serviços que acessam.

Neste estudo, o primeiro capítulo é composto por uma breve exposição sobre a formação do território de Manguinhos - onde está localizada a Biblioteca Parque e onde os jovens, objetos desse estudo, residem. Será abordado ainda o surgimento da iniciativa Biblioteca Parque no Brasil e sua inspiração no modelo colombiano; e por ultimo será feita uma discussão sobre as diferentes concepções de juventude a partir da legislação brasileira e das principais correntes das Ciências Sociais. O segundo capítulo é destinado à observação participante realizada na biblioteca, para abordar o cotidiano dos jovens nesse equipamento cultural. As entrevistas informais feitas com os funcionários e com os jovens também fazem parte desse capítulo, que é finalizado com a apresentação dos eventos ocorridos durante o período da pesquisa - uma reunião comunitária; apresentação do Ballet Manguinhos – “Andanças de Elis”; o aniversário da Biblioteca Parque Manguinhos; a feijoada do Ocupa Compositor e a

inauguração da Skate Park Manguinhos.

No terceiro capítulo será apresentada a análise das entrevistas. Os eixos abordados nas entrevistas foram: o perfil dos jovens; família; o lazer; o território de Manguinhos; a relação com outros espaços da cidade; as

percepções e usos da Biblioteca Parque.

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os usos que os jovens fazem do equipamento cultural biblioteca parque; a biblioteca parque enquanto política pública que se diferencia a partir do dialogo com seu público alvo e o cenário atual da Biblioteca Parque Manguinhos.

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Capítulo 1. Manguinhos: O Território; a Biblioteca Parque e os Jovens 1. Uma breve apresentação da formação de Manguinhos

A primeira comunidade de Manguinhos – Parque Oswaldo Cruz, conhecida como Amorim - foi constituída por trabalhadores que realizavam a obra do castelo da Fundação Oswaldo Cruz, em 1 900. (Guimarães et al 2006). Esses trabalhadores moravam no centro da cidade, e, para ficarem próximos ao local de trabalho, iniciaram o processo de moradia em Manguinhos.

Nesse mesmo ano, com a política Higienista de Oswaldo Cruz, a população que havia sido removida do centro urbano, por conta das reformas do projeto Pereira Passos, foi direcionada para os Centros de Habitação Provisória (CHP2) localizados nesta área. Havia ainda uma promessa governamental de que essa população teria posteriormente habitação em

conjuntos habitacionais.

A partir de então, a chegada cada vez maior de pessoas procurando por moradias em Manguinhos levou à construção de casas na periferia dos CHP2, e em outros lugares, constituindo as comunidades, conjuntos habitacionais e

Centros de Habitação Provisória de Manguinhos.

Atualmente o Complexo de Manguinhos é composto por comunidades e conjuntos habitacionais. Segundo o Laboratório Territorial de Manguinhos, as comunidades são: Parque João Goulart, Vila Turismo, Chp-2, Parque Carlos Chagas, Vila União, Vila São Pedro, Comunidade Agrícola de Higienópolis, Parque Oswaldo Cruz, Parque Herédia de Sá, Parque Horácio Cardoso Franco, Vila Arará, Vitória de Manguinhos e Mandela de Pedra. E os conjuntos habitacionais são: Conjunto Nelson Mandela, Conjunto Samora Machel, Conjunto Ex-Combatentes e Suburbanas. Dentre as comunidades que compõem o Complexo, onze delas estão classificadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) como “aglomerado subnormal6”. A comunidade

6 O IBGE define como aglomerado subnormal: “O conjunto constituído por 51 ou mais unidades

habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: - irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou - carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública).” Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000001516481120201348010 5748802.pdf. Acesso em 07 Dez. 2016.

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Vila São Pedro e os conjuntos habitacionais não estão nesta lista. Manguinhos possui 36.160 habitantes, de acordo com o Censo Domiciliar de 2010, e é marcado pela precarização da condição urbana e das políticas sociais. Neste território está localizada a Fundação Oswaldo CRUZ (FIOCRUZ) que é vinculada ao Ministério da Saúde e, de acordo com o Portal da Fiocruz, é “a mais destacada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina”; e a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) que é classificada no mesmo portal enquanto “a maior escola de saúde pública da América do Sul. Possui ensino, pesquisa e ainda uma dimensão internacional”. O Portal da ENSP indica que a mesma atuou na consolidação do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) em Manguinhos.

Este Programa, lançado pelo Governo Federal em 2007 e implantado em Manguinhos em 2008, objetivou obras de infraestrutura, transporte e energia. Em Manguinhos, a maior obra realizada até hoje foi a elevação da linha férrea do ramal Gramacho e ainda a construção de um parque metropolitano na área de elevação, com o objetivo de integrar a comunidade. Além disso, no ano de 2013 o Complexo recebeu uma Unidade de Polícia

Pacificadora (UPP) 7.

De acordo com dados da UPP, a extensão de Manguinhos transformou o Complexo em um bairro da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, formado por comunidades e pelo bairro de Higienópolis, totalizando uma área de 300 mil

metros quadrados.

Segundo Ceccheto e Farias (2010), a cidade do Rio de Janeiro possui uma hierarquia territorial dos seus bairros, que são polarizados principalmente entre a Zona Norte - associada implicitamente à pobreza e a Zona Sul, associada à riqueza com atrativos tais como as praias e a natureza. Logo, no Rio de Janeiro, o local de moradia, indica não apenas uma posição geográfica, mas também a inserção econômica, e determinada subjetividade dos moradores, haja vista, que o território se expressa até mesmo na aparência

7

A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um programa de segurança pública que foi implantado no Rio de Janeiro no ano de 2008. De acordo com a página virtual da UPP: “O Programa engloba parcerias entre os governos – municipal, estadual e federal – e diferentes atores da sociedade civil Organizada e tem como objetivo a retomada permanente de comunidades dominadas pelo tráfico, assim como a garantia da proximidade do Estado com a população.” In: www.upp.com/index.php/o_que_e_upp. Acesso em 15. Mar. de 2016

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indivíduos – sobretudo jovens. “Pode –se inserir que a aparência num amplo sentido abrange desde a cor, até o gestual, a vestimenta, o andar, a atitude e o modo de falar – inscreve o território no corpo.(CECCHETO e FARIAS 2010)

2. Manguinhos: Primeira Biblioteca Parque do Brasil

A Biblioteca Parque foi inaugurada em Manguinhos no dia 29 de Abril de 2010, sendo o primeiro modelo de biblioteca parque a ser implantada no Brasil. Inspirada em um modelo existente em Medellín (Colômbia), surge com uma proposta diferenciada, enquanto difusão da informação para além da leitura direta de livros, o que inaugura uma nova forma de Biblioteca. Considerando tal inspiração, é relevante abordar brevemente a história de Medellín para compreender seus avanços e caminhos percorridos.

Medellín é uma cidade da Colômbia conhecida pelo histórico de violência. Durante a década de 80, foi considerada a cidade mais violenta da América Latina. Para Ramirez e Costa (2012), este local foi o cenário da guerra ocorrida entre as autoridades e os narcotraficantes, com elevados índices de homicídios. Além disso, trata-se de uma cidade que recebeu grande contingente populacional saído do campo para a cidade em busca de maior segurança, uma vez que no campo a violência estava mais intensificada.

Na virada do século XX para o século XXI, Medellín buscou se reinventar para além do tráfico de drogas. Após a prisão e morte de um dos principais chefes, Pablo Escobar, muitas alternativas foram pensadas e várias delas correram pelo mundo – como o meio de transporte - Teleférico; medidas duras de segurança e a Biblioteca Parque. O investimento em educação e cultura incluiu projetos sociais, aumento do orçamento direcionado para as áreas mais afetadas pela criminalidade, medidas de segurança e urbanização de espaços para que a população ocupasse os locais públicos. Esse fato permitiu que os índices de homicídios em Medellín fossem reduzidos. Conforme o Jornal De Fato.com8 apontou,

8 Jornal De Fato.com. “Perdendo a 'guerra' para o crime, governo do RN quer importar solução

da Colômbia”. Disponível em: http://www.defato.com/noticias/56129/perdendo-a-guerra-para-o-crime-governo-do-rn-quer-importar-solua-a-o-da-cola-mbia. Acesso em 07. Dez.2016

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Medellín, na década de 1990, chegou a ter uma taxa de 381 homicídios a cada 100 mil habitantes por ano. No ano de 2013, Heitor e Reali (2013), apontaram que as taxas de homicídio eram de 40 mortes a cada 100 mil habitantes. Isto fez, por exemplo, com que em 2012 Medellín fosse escolhida como “Cidade mais inovadora do Planeta9”.

O território de Manguinhos constantemente foi retratado pelos meios de comunicação enquanto um espaço violento. A inspiração na iniciativa de Biblioteca Parque de Medellín leva à reflexão sobre a existência ou não de uma associação entre ambos os locais, visto que, outras medidas existentes na Colômbia inspiraram iniciativas para Manguinhos, dentre elas as orientações para a UPP e ainda o teleférico que, apesar de não existente em Manguinhos, está localizado próximo, no Complexo de favelas do Alemão.

A iniciativa da Biblioteca Parque foi uma parceria entre a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e o Governo Federal. O projeto se expandiu para Niterói, Rocinha, Complexo do Alemão e Centro do Rio de Janeiro.

De acordo com a página virtual da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, a Biblioteca Parque Manguinhos possui 2,3 mil metros quadrados compostos por salão principal, salão de leitura, salas para cursos e estudos, espaço multimídia, ludoteca, e Cineteatro com 202 lugares. Possui ainda a sala “Meu Bairro” voltada para a realização de reuniões comunitárias e fóruns comunitários. Nestes espaços, é permitido acesso à internet, assistir filmes, ouvir músicas, participar de atividades culturais e o empréstimo de livros.

A biblioteca Parque está localizada no pátio do PAC, que concentra outros equipamentos sociais, como o Centro de Referência da Juventude10 (CRJ); a Clínica da Família; a Unidade de Pronto Atendimento (UPA); a Casa da Mulher; o Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila; a Casa Amarela (Casa do Trabalhador) e o Cine Eduardo Coutinho. Segundo informações dos próprios funcionários, a Biblioteca é

9

CITIGROUP (Ed.). City of the year: Medellín. 2012. Disponível em: <http://online.wsj.com/ad/cityoftheyear>. Acesso em: 07 Dez. 2016.

10

Equipamento também utilizado pelos jovens. De acordo com relatos dos jovens, o CRJ é um espaço voltado para a realização de atividades esportivas.

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frequentada por crianças, jovens e adultos. Cada grupo ocupa determinado espaço de acordo com sua faixa etária; as crianças se concentram na ludoteca, enquanto jovens a partir de 11 anos e adultos utilizam o Salão

Principal e a Sala de Leitura.

Em entrevista ao “Acessoblog”, a Coordenadora do Programa Mais Cultura, Silvana Meirelles, explicita por que o Bairro de Manguinhos foi escolhido para receber a primeira Biblioteca Parque do Brasil:

A escolha do Programa Mais Cultura é federativa. Agentes federais e estaduais selam um acordo e os estados interessados pelo programa podem aderir a ele. Já a territorialização é feita a partir de critérios, como menores índices de desenvolvimento humano (IDHs), índice de desenvolvimento de educação básica (IDEB), e maiores índices de violência. Manguinhos foi escolha do governo do Rio de Janeiro, pois atende a todos os critérios estabelecidos pelo Mais Cultura. Além disso, a região congrega outras ações do governo, uma vez que no local existe área de habitação, de esporte, de atendimento à mulher. Esse conjunto de ações do governo federal foi um critério que favoreceu a escolha, pois Manguinhos faz parte do PAC 1 (Programa de Aceleração de Crescimento), e através dele as questões técnicas e burocráticas como legalização de terreno, já estão todas resolvidas. Esse critério não é excludente, mas como a biblioteca parque precisa de espaço físico, algo não disponível no país nessas áreas de periferia, Manguinhos levou vantagem.

Disponível em: www.cultura.gov.br/site Ministério da Cultura do Brasil. Acesso em:18.Fev.2016.

3. Ser Jovem: Diferentes Concepções

A categoria “Juventude” é fundamental para o desenvolvimento desse trabalho, uma vez que a interação e sociabilidade dos jovens constituem o objetivo desse estudo. Esta categoria será abordada a seguir sob duas perspectivas. A primeira reflete a concepção daquilo que o Estado e a legislação vigente classificam enquanto juventude. E a segunda trata de uma breve apresentação dos estudos sobre jovens nas Ciências Sociais.

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3.1. Ser Jovem, segundo o Estado

De acordo com a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) a categoria “jovem” é classificada enquanto o grupo de faixa etária entre 15 e 29 anos, divididos em subgrupos - de 15 a 17 anos: “jovem-adolescente”; de 18 a 24 anos: “jovem-jovem” e de 24

a 29 anos: “jovem-adulto”.

Por exemplo, o Estatuto da Juventude, lei 12.852 de 5 de agosto de 2013, se aplica aos jovens de 15 a 29 anos de idade, enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA) lei 8.069 de 13 de Julho de 1.990 deve ser aplicado para os adolescentes entre 15 e 18 anos de idade. O ECA define enquanto crianças aqueles que possuem até 12 anos de idade incompletos, e considera adolescentes os que possuem entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, explicita:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

É válido ressaltar que, para aqueles jovens considerados “vulneráveis”, os projetos sociais são colocados com viés de alternativa ao tráfico de drogas e ao uso das mesmas, visando o afastamento da criminalidade juvenil. Tais Projetos Sociais que contemplam a Juventude ações tanto das Organizações Não Governamentais (ONGs), como de empresas, e majoritariamente do Estado.

Dentre os projetos sociais voltados para a juventude das favelas cariocas, é comum a associação com educação, esporte e cultura. No caso de Manguinhos, de acordo com Bodstein et al (2012), existe um déficit na

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educação da população, haja vista que crianças, jovens e adultos apresentam poucos anos de estudo e elevada taxa de analfabetismo, principalmente se comparado à população da cidade do Rio de Janeiro.

3.2. Ser Jovem: Um olhar das Ciências Sociais

Nas Ciências Sociais, o debate existente explicita pelo menos duas tendências quando se refere à categoria juventude: aquela defendida pela corrente geracional, onde a juventude é compreendida enquanto um dado período da vida, diferenciado da infância e da fase adulta; e a corrente classista, que considera as diferenças pertinentes a juventude de acordo com a posição que os jovens ocupam na sociedade de classes. Desse modo,

“Numa delas a juventude é tomada como um conjunto social cujo principal atributo é o de ser constituído por indivíduos pertencentes a uma dada fase de vida. Noutra tendência, contudo, a juventude é tomada como um conjunto social necessariamente diversificado, perfilando-se diferentes culturas juvenis em função de diferentes pertenças de classe, diferentes situações econômicas, diferentes parcelas de poder, diferentes interesses, diferentes oportunidades ocupacionais, etc”. (PAIS. 1.993: 22).

A corrente geracional compreende a juventude enquanto fase de vida, e explicita alguns fenômenos que são comuns aos jovens de diferentes classes sociais e diferentes lugares. Aborda ainda a juventude com interesses e problemas próprios de uma geração, o que pode derivar em conflitos ou identificações geracionais perante outras faixas etárias. A corrente classista considera a juventude em suas determinações de classe social. Deste modo ainda que sejam membros de um mesmo grupo, jovens ricos e jovens pobres possuem diferenças em suas vidas, uma vez que “De acordo com essa corrente, a transição dos jovens para a vida adulta encontrar-se ia sempre pautada por desigualdades sociais: quer a nível da

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divisão sexual do trabalho quer, principalmente, a nível da condição social.”

(PAIS, 1.993,p.44)

Sendo assim, tal corrente sinaliza um fator que é extremamente relevante ao abordar a juventude: a distância entre “mundos” de jovens ricos e de jovens pobres. Expressa as dificuldades em níveis diferenciados que ambos terão de passar para atingir um objetivo comum. Por exemplo, ao abordar a formação escolar entre jovens pobres, muitos conciliam os estudos com o emprego por necessidades financeiras. Há ainda a questão do ensino precarizado e a diferença de oportunidades. O consumo também pode ser diferenciado, ainda que o desejo de consumo seja semelhante.

Assim, Pais (1993) explicita que tanto em uma corrente quanto outra a cultura juvenil aparece relacionada à cultura dominante: “Para a corrente geracional, as culturas juvenis definem-se por relativa oposição à cultura dominante das gerações mais velhas; para a corrente classista, as culturas juvenis são uma forma de resistência à cultura da classe dominante”. Desse modo, é perceptível que ambas as correntes por si só apresentam avanços significativos e explicativos, mas possuem limitações. Portanto, o presente estudo, seguindo a linha de pensamento de Pais (1993) abordará as culturas juvenis a partir de seu cotidiano, suas formas de mobilização, interação, visão de mundo, representações sociais, expressões e

articulações com outros grupos, semelhantes ou não.

Outro fator associado à identificação dos jovens na sociedade capitalista em geral são indivíduos que ainda não possuem carreira profissional estabilizada. Ao contrário, estão em fase de construção, de estudo. Há ainda aqueles que trabalham desde muito cedo e estão iniciando a vida profissional (exceto os jovens adultos que por terem mais idade podem estar avançados nesse aspecto.) ou combinando a formação educacional/profissional com o

trabalho ( formal ou informal).

É possível ainda associar os locais frequentados pelos jovens enquanto características da juventude. Podem ser locais voltados exclusivamente para os jovens; lugares onde tal faixa etária se constitui enquanto maioria; ou ainda espaços que foram apropriados pelos jovens - ainda que haja a presença de

adultos, tal como na Biblioteca Parque Manguinhos.

(24)

jovens urbanos, com faixa etária entre 15 e 29 anos de idade, moradores de Manguinhos ou do entorno e frequentadores da Biblioteca Parque Manguinhos.

(25)

Capitulo 2 – Observando a Biblioteca Parque de Manguinhos 1. Os primeiros contatos

O primeiro contato com a biblioteca se deu no final do mês de fevereiro de 2016, quando fui até a instituição11. Ao entrar no espaço, olhei ao redor e não vi usuários dos serviços, apenas funcionários. Dirigi-me até a recepção e expliquei o projeto de pesquisa; entreguei uma cópia da carta de recomendação da pesquisa fornecida pela minha orientadora e deixei meus contatos de telefone e e-mail. Fui então informada que a pessoa responsável pela autorização de realização de pesquisas dentro da Biblioteca Parque de Manguinhos não estava presente no momento, mas que ela entraria em

contato comigo no mesmo dia.

Aproveitei o momento em que aguardava para saber um pouco mais sobre a biblioteca. A atendente informou que o público da biblioteca era majoritariamente jovem, na faixa etária a partir dos 11 anos; complementou a informação dizendo que muitos passam o dia na biblioteca, uma vez que não encontram serviços em outros lugares. Além disso, informou que o Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, localizada em frente à biblioteca recomenda aos alunos para realizarem pesquisas/estudos escolares na

Biblioteca Parque.

Perguntei se era comum universitários procurá-los para fazer pesquisas, e fui informada de que era bastante comum, mas apenas alunos dos cursos de Educação e Biblioteconomia, nenhum do curso de Serviço Social. Nesse momento a atendente mencionou que sempre pede a estes alunos que retornem e deixem uma cópia de sua pesquisa na biblioteca, mas que esse retorno nunca ocorre e que, devido a isso, não era possível encontrar tais

pesquisas na instituição.

Expliquei que, no início do estudo, eu faria observação, para posteriormente iniciar as entrevistas com os jovens. Outro atendente, que

11

Uma pesquisadora local, que conheci na Jornada de Iniciação Científica da UFRJ, havia informado que haveria uma visitação da turma de antropologia do curso de pedagogia da UFRJ na biblioteca; pensei em aproveitar o fato e conhecer o lugar e assim o fiz.

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estava no local, perguntou se eu observaria o comportamento dos jovens; respondi que de certa forma sim, e rapidamente ele disse “ah que bom, porque aqui tem cada figura que só vendo!”. Fui questionada sobre o período que gostaria de iniciar a pesquisa; respondi que o quanto antes. Então agradeci a

atenção e me retirei do local.

Aguardei durante o restante do dia o contato, mas o mesmo não ocorreu. Até o final da semana, nenhum contato; então, no início da semana seguinte, liguei para a Biblioteca, mas novamente a pessoa responsável pela autorização das pesquisas não estava presente. Tentei por mais três vezes o contato por telefone, até que a recepcionista me informou o e-mail da pessoa com quem eu precisava falar e sugeriu que eu enviasse uma mensagem. Assim eu fiz, e logo em seguida tive resposta, com proposta de uma reunião. Confirmei.

Cheguei à biblioteca e fui para o segundo andar, para a reunião. Inicialmente me apresentei enquanto estudante do curso de Serviço Social da UFRJ. Falei sobre a pesquisa, que seria focada nos jovens e que não se tratava de uma avaliação da biblioteca. A funcionária - que chamarei de “M”- se apresentou e informou que morou no território por muitos anos, e sempre trabalhou em Manguinhos. Além disso, apresentou os equipamentos que existem.

Ao término da apresentação da pesquisa e da conversa com a funcionária, a realização da pesquisa na biblioteca foi autorizada, assim como o uso de câmera para fotografar e do gravador para realização das entrevistas.

2. A observação participante no equipamento cultural

A realização da observação participante na Biblioteca Parque Manguinhos teve início no mês de fevereiro de 2016 - quando foi feito o primeiro contato com o campo - e permaneceu até o mês de julho do mesmo ano; logo, foram cinco meses de observação. Nesse período, abordei alguns funcionários para a realização de entrevistas informais e conversei também de modo informal com alguns jovens. As entrevistas semi estruturadas ocorreram

(27)

Inicialmente frequentei a biblioteca em diferentes dias e horários, para constatar se havia alguma distinção de rotina. Desse modo, observei que, no período vespertino, a presença dos jovens no local se dava em maior quantidade; então passei a alternar apenas os dias, e manter o horário. O primeiro acontecimento que despertou minha atenção ocorreu do lado de fora da biblioteca. Próximo à entrada, me deparei com dois jovens que estavam passando em frente ao prédio da biblioteca; um chamou o outro para entrar na biblioteca, então o outro respondeu: “Não dá, cara, estou sem camisa.” Percebi então que uma das regras da biblioteca é não poder entrar sem camisa. No entanto, não visualizei nenhum local que informasse as regras institucionais; passei a conhecê-las ao observar os jovens e ao ter contato com os funcionários. Dessa forma, constatei que havia regras implícitas, aceitas e

incorporadas pelos jovens no local.

Na entrada da biblioteca, há um monitor onde é divulgada a programação. Entrei na biblioteca e imediatamente fui orientada pelos seguranças de que não poderia entrar com garrafa d’água e bolsa; retirei o que precisaria utilizar e entreguei a bolsa para que a mesma fosse colocada no armário. O segurança me entregou a chave e segui em direção à recepção, onde fui orientada a fazer o cadastro para ter a carteirinha12 da biblioteca, uma vez que a carteirinha permite o empréstimo de livros, o pagamento de meia entrada no cineteatro Eduardo Coutinho e o acesso à internet dentro da biblioteca.

Após o cadastramento, fui para a parte interna da biblioteca, o chamado Salão Principal. Este salão é grande e possui dois lados, os quais chamei de “parte 1” e “parte 2”. A “parte 1” possui estantes com livros, mesas com computadores, sofás na lateral, sofás redondos ao centro e pufes. Ao final desta parte do salão está a mesa, onde fica uma funcionária responsável pela liberação do acesso à internet. A “parte 2” do salão principal é composta por salas e mesas com cadeiras altas, mais voltadas para socialização; possui ainda um espaço de mídia com televisores e DVD’s. No balcão principal fica

12

São necessários os seguintes documentos para realização do cadastro: comprovante de residência e registro geral (identidade). Apesar da solicitação do comprovante de residência, não há restrição quanto ao local de moradia; segundo os funcionários, qualquer pessoa de qualquer local pode ter acesso e ter a carteirinha da Biblioteca Parque Manguinhos.

(28)

um funcionário para colocar os filmes escolhidos pelo público. Em ambas as partes do salão principal, tanto para acesso à internet quanto para assistir filmes, há fila de espera. Além disso, na “parte 2” fica a sala “Meu Bairro”,

voltada para reuniões comunitárias.

No Salão Principal há três mesas redondas com quatro computadores em cada mesa. Neste dia, todas as mesas com computadores estavam ocupadas. Pude perceber que a maioria dos jovens estava utilizando uma rede social; havia ainda jovens lendo e outros sentados ou deitados no sofá. Percebi que o público com aparência mais infantil não acessava o computador, apenas ficava ao lado acompanhando. Havia ainda muitos jovens uniformizados. Dentre os jovens uniformizados, a maioria se tratava de meninas. Quando os computadores estão todos ocupados, alguns jovens ficam nos sofás conversando ou mexendo no celular, e depois são chamados pelo nome pela funcionária da biblioteca e direcionados para um computador.

A Sala “Meu Bairro” costuma ser ocupada por adultos; havia ocorrido uma reunião, porém quando cheguei todos estavam se retirando. Já havia sido orientada sobre a existência de um grupo de jovens que jogam pingue- pongue; fui informada de que o pingue-pongue geralmente se inicia a partir de 11:30h e que ocorre no hall do cine Eduardo Coutinho. A pessoa responsável é a recepcionista da biblioteca, que chamei de “A”; daí os jovens chegam e

solicitam à mesma a chave da mesa de pingue-pongue.

No segundo andar, fica uma sala de administração, os banheiros, um espaço com material em braile, mesas e cadeiras, além de uma sala grande ao

final do corredor.

A “parte 2” do salão principal vive cheia, sendo a maioria dos jovens do sexo masculino. Enquanto observadora, pude perceber que a maioria dos jovens que frequentam a biblioteca se conhece, sempre que passam uns pelos outros se cumprimentam. Numa das ocasiões em que observava, por exemplo, um grupo de jovens se dirigiu até um mural, no final do salão principal e ficou apontando para as fotos dizendo “aqui ele, aqui ela”. Depois disso, fui até o mural para visualizar as fotos. Eram fotos de um evento de dança, da modalidade “passinho”. Os jovens estavam identificando seus conhecidos nas fotos.

(29)

acontece do lado de fora – no pátio do PAC. É comum observar alguns jovens no pátio, reunidos em grupos de conversas; com skate ou bicicleta; às vezes fumando. Os que fumam aparentaram ter mais de 18 anos.

2.1. Os Jovens na Biblioteca Parque Manguinhos

Na observação, foi perceptível que os jovens têm o hábito de escutar música no celular enquanto estão reunidos em grupos; certa vez na biblioteca, o som era baixo, mas pude ouvir as seguintes músicas: “Metralhadora” e “Baile de Favela”. Também vi algumas vezes jovens da Fiocruz13

na biblioteca; eles, sempre que apareciam, ficavam por tempos observando os livros; pude identifica-los por causa do jaleco com o nome da instituição. Numa tarde na biblioteca, notei que não havia muitas pessoas no salão principal, mas no hall estavam muitos jovens, todos mexendo no celular, pois no local tem rede wifi disponível e, portanto, todos interagiam virtualmente, mas não interagiam pessoalmente entre si. O público era composto em sua maioria por meninos. Fui até a recepção para deixar o nome, e ao meu lado estava uma menina; ela informou ao recepcionista que estava ali apenas passeando, então não possuía carteirinha, e que era moradora do Mandela14. O funcionário orientou a jovem a fazer o cadastro para ter a carteirinha. Chegaram duas jovens chamando por “C” e “R” - funcionárias da Biblioteca que liberam o acesso aos computadores. As jovens pediram ajuda das funcionárias para mexer no computador. Fui informada, pela funcionária “C”, que os funcionários tentam ajudar aqueles que não sabem mexer no computador, mas que isso ocorre de modo informal, pois não há um funcionário

voltado para o ensino de informática na biblioteca.

Continuei observando os jovens ao redor. Muitos estavam ali aparentemente “sem fazer nada”, apenas conversando, andando de mesa em mesa e falando com todas as pessoas. Refleti sobre esse tempo de espera dos computadores. Aparentemente, é um tempo de ócio; contudo, acredito ser esse tempo livre o motivador da socialização entre os jovens, pois puxam assunto

13

Fundação Oswaldo Cruz, localizada em Manguinhos.

14

(30)

uns com os outros, já que precisam esperar. Então socializam nesse período,

entre si e com os funcionários.

Nas minhas caminhadas pelo salão principal observando o que os jovens faziam no computador, percebi que visitam com frequência youtube, facebook e sites de jogos. Reparei que é comum na biblioteca a perda da conexão com a internet, e quando acontece, os jovens imediatamente se manifestam. Certo dia, quando ocorreu, esta queda, um jovem veio andando pelo meio da biblioteca informando: “A internet caiu”. Nesse momento alguns jovens disseram que iriam para uma “lan house”, outros gritaram “Ih tá

passando filme, bora assistir”.

No entanto, os que disseram que iriam para a “lan house” permaneceram pela biblioteca mesmo sem internet. Uns foram jogar jogos de carta e outros foram assistir filme. Essa cena se repetiu algumas vezes. Percebi que, quando a “internet cai”; os jovens se levantam, reclamam e dizem que vão embora, porém a maioria permanece na biblioteca – a “ameaça” de ir embora aparentemente funciona como uma forma de demonstrar que não ficaram satisfeitos com a perda da conexão; porém logo depois os jovens começam a socializar entre si e permanecem na biblioteca.

O tempo de perda da conexão costuma ser curto, em torno de 20 minutos; poucas foram as vezes em que a biblioteca ficou muito tempo sem internet. Quando o sinal retorna, a funcionária solicita que os jovens reiniciem os computadores. Nos computadores existe um adesivo escrito “curta nossa página no facebook: Biblioteca Parque Manguinhos.”. Verifiquei a página da biblioteca e pude constatar que os jovens costumam postar fotos, fazer comentários, marcações com amigos e deixar opiniões sobre o que está sendo divulgado na página. Nesta página também é divulgado o “Leitor do Mês”, ou seja, o leitor que acessou mais livros durante o mês.

Durante os cinco meses que realizei observação, a maioria do tempo frequentei pela tarde; fui apenas algumas vezes pela manhã. Minha ideia era verificar se havia rotinas diferentes nos dois horários. Pela manhã o público era majoritariamente adolescente, entre 12 e 15 anos de idade; o fluxo de pessoas é menos intenso, o que torna o ambiente mais calmo e mais silencioso; além disso, há mais alunos uniformizados – pude ouvi-los dizer que ficam na biblioteca esperando dar a hora de ir para a escola. Já à tarde a biblioteca é

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mais movimentada e o público composto majoritariamente por jovens; as mesas com computadores ficam todas ocupadas, portanto o período de fila de espera é maior. Constatei que, tanto de manhã, quanto de tarde, os jovens permanecem reunidos do lado de fora da biblioteca – no pátio do PAC; em ambos os horários a relação dos jovens com os funcionários é próxima: eles se chamam pelo nome, os jovens procuram os funcionários para conversar e os funcionários dão orientações aos jovens. A área de computadores e internet fica mais cheia do que a parte de filmes. Os dois horários são frequentados por

meninas e meninos.

As mulheres adultas que frequentam a biblioteca geralmente aparecem com crianças pequenas; além disso, os jovens, quando estão utilizando o computador, usualmente estão com alguma criança menor do lado que não utiliza o computador, apenas observa. Acredito que possa ser irmão, ou algum membro da família, pela aparência. Posteriormente à conversa com uma funcionária, compreendi que apenas pessoas acima de 11 anos podem acessar a internet; então, os que ainda não possuem tal faixa etária ficam observando.

A média de jovens que permanece na biblioteca é de aproximadamente 18. Presenciei momentos com maior e menor número; no entanto, não dá para manter a conta exata, pois a todo o momento chegam e saem jovens da instituição.

É perceptível que, quando os adultos vão até o salão principal, eles procuram o que desejam e vão embora. Já os jovens permanecem naquele espaço; quando terminam de fazer o que desejavam, ficam conversando com outros jovens ou caminhando pelo local até encontrarem alguma outra coisa para fazer e assim permanecem por horas. Certa vez, acompanhei dois jovens jogando tabuleiro de damas, aparentemente de 17 e 18 anos; um grupo de jovens que estavam reunidos ouvindo música no celular; a música estava alta e o segurança imediatamente pediu para que abaixassem o volume; e algumas

meninas caminhavam pelas prateleiras folheando livros.

Fui para a sala de leitura; caminhei pela sala e olhei rapidamente todos os livros. Há muitos livros das mais diversas áreas. Ao final da sala de leitura é possível ver o hall do cineteatro, onde estava acontecendo o pingue pongue. Estranhei, pois havia sido informada de que o jogo havia sido suspenso; então

(32)

permaneci observando através da sala de leitura. Em volta da mesa estavam 15 meninos; aparentavam ser maiores de idade, pareciam altos e quase todos jovens e negros. Um segurança estava no local sentado e observando o jogo. Os jovens colocaram música e gritavam bastante em tom de torcida “-vai caiiiir“ enquanto uns jogavam, outros observavam e torciam. Não entendo de pingue-pongue, mas, pelo tempo que os observei e pela empolgação dos jogadores e dos torcedores, acredito que jogam bem e que gostam bastante do jogo. Além disso, numa conversa informal, um jovem de 17 anos contou: “A biblioteca arrumou uma mesa oficial para a gente com raquetes excelentes, e a bolinha padrão. A gente joga como se fosse... como se a gente estivesse em um

torneio mesmo. Aqui é um campeonato!”

Em frente à sala de leitura, há um sofá que é estratégico para a observação, haja vista que deste local é possível visualizar grande parte da biblioteca - mas apenas o campo visual é privilegiado uma vez que não é possível deste lugar ouvir o que os jovens dizem e nem perceber os detalhes

do que acontece.

A sala de leitura é um local mais parecido com o padrão de uma biblioteca, pois é mais silenciosa e as pessoas ficam mais concentradas e geralmente isoladas, não há tantos grupos. É frequentada sobretudo por adultos, mas por jovens também. Para ter acesso ao computador da sala de leitura, é necessário ter carteirinha da biblioteca. Geralmente, os jovens que vão para a biblioteca fazer trabalho escolar dirigem-se diretamente para a sala

de leitura.

Certa vez, dentro da biblioteca, os computadores estavam desligados. Imaginei que nesse dia estivessem sem internet; a biblioteca estava consideravelmente vazia. É relevante considerar que, quando a biblioteca está sem internet, o fluxo de jovens diminui, mas ainda é existente. Nesse momento então, um grupo me chamou a atenção, pois quatro meninos se reuniram no sofá para jogar UNO. A biblioteca possui jogos que podem ser utilizados tais como: dama, xadrez, UNO.15

15

(33)

Figura 1: Jovens jogando UNO na Biblioteca Parque de Manguinhos. Foto: Aline Diniz, 2016.

Outra vez um grupo de oito jovens estava saindo da sala de leitura assim que cheguei, estavam todos uniformizados, os meninos eram maioria. A sala de leitura também estava sem internet, no entanto as pessoas utilizavam o

computador com “pen drive” ou fone de ouvido.

Enquanto fazia as observações na sala de leitura, encontrei uma revista chamada SETOR X; distraí-me olhando a revista. Nela, havia matérias tanto sobre entregadores de jornal, como sobre esportes, tais como skate e basquete entre outros assuntos relacionados aos jovens de Manguinhos. Fui informada, posteriormente, por um jovem, que esta revista foi produzida na biblioteca e que o mesmo havia participado de um curso de edição na biblioteca, onde foi

feita publicação.

Do lado de fora da biblioteca, estava vazio. Os jovens que costumam ficar ali não estavam naquele dia. Algum tempo depois apareceram três policiais da UPP e se sentaram no banco do lado de fora. Uma menina, que estava sentada no mesmo local, levantou e saiu assim que os policiais chegaram.

Ainda durante as observações, reparei em um papel colado próximo aos computadores informando a senha do wifi da biblioteca parque. Acompanhei de longe um grupo de jovens utilizando camisa do Cineteatro e se identificando enquanto membros do grupo de teatro; estavam indo de pessoa a pessoa comunicar que teria uma apresentação gratuita às 14h e que os jovens

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poderiam ir assistir caso tivessem interesse. Pouco tempo depois, uma funcionária da biblioteca passou pelo salão principal distribuindo senhas para os jovens, que demonstraram interesse em assistir a apresentação teatral que o grupo havia divulgado. Às 14h, parte do público se retirou da biblioteca e foi assistir à apresentação de teatro. Outra parte permaneceu na biblioteca.

2.2. “O que você é?”

A partir do momento em que minha presença foi sendo mais constante na biblioteca, os jovens passaram a não só notar minha presença no local, mas também a questionar o que eu estava fazendo na biblioteca.

A primeira abordagem foi feita por um jovem e ocorreu na sala de leitura; o mesmo veio até mim falando sobre a revista SETOR X; perguntou a minha idade e de onde eu era. Conversamos e o entrevistei de modo informal. Certa vez, enquanto fazia observação na biblioteca, algumas crianças estavam no salão principal; dentre elas, três irmãos, um deles em cadeiras de rodas. Apenas o irmão mais velho poderia entrar no salão principal e utilizar o computador, pois os outros ainda não tinham completado 11 anos de idade; então, os irmãos mais novos saíram e foram para o pátio. Ao olhar para mim e perceber que eu o observava, o irmão mais velho veio em minha direção e perguntou: “o que você é?”. Respondi que era pesquisadora e que estava fazendo uma pesquisa na biblioteca. Perguntei a idade dele, ele confirmou que tinha 11 anos; ficou parado na minha frente e explicou que seus irmãos queriam que ele fosse brincar com eles no pátio, mas que se ele saísse da biblioteca correria o risco do segurança não deixá-lo

entrar novamente.

Numa tarde, estava sentada no sofá realizando observação e fazendo anotações. Percebi que um jovem passou em minha frente várias vezes, até que o mesmo parou e disse: “Nem16

, o que você fica fazendo aqui? O que você escreve no caderno?”. Respondi que estava desenvolvendo observações para uma pesquisa sobre juventude e ele aceitou conversar comigo informalmente.

(35)

O jovem, que chamei de “G”, informou seu apelido e falou que eu poderia chamá-lo da forma que eu preferisse – pelo nome ou pelo apelido. Enquanto conversávamos, “G” falou sobre a biblioteca e contou que existe um grupo chamado “Ballet Manguinhos”. Nesse momento, “G” avistou no primeiro andar o jovem que chamarei de “F” - o jovem “F” faz parte do grupo de Ballet. Imediatamente “G.” o chamou; “F” se dirigiu até nós questionando: “o que a UFRJ está fazendo por aqui?” (pois eu estava vestindo uma blusa da UFRJ). Respondi que era aluna do curso de Serviço Social e que estava desenvolvendo uma pesquisa; “F” se propôs a participar.

Ele relatou que iria se apresentar dentro de algumas semanas com o grupo do Ballet Manguinhos, e que o espetáculo, intitulado “Andanças de Elis”, seria sobre Elis Regina e seria aberto ao público, mediante a compra do ingresso. Então, caso eu tivesse interesse, poderia assistir. Combinamos que

eu assistiria e que iria comprar o ingresso com ele.

A conversa com “F” foi longa e “G” permaneceu presente; por vezes os dois falavam sobre assuntos em comum e davam muitas risadas. “F” mostrou passos de Ballet e falou sobre diversos assuntos. Combinamos que nos encontraríamos na semana seguinte para que eu pudesse comprar o ingresso

do espetáculo.

O período de observações na biblioteca permitiu o conhecimento da rotina da instituição e a aproximação com parte dos jovens. Considerando o meu perfil, jovem e do sexo feminino, fui abordada diversas vezes por jovens, heterossexuais do sexo masculino. No período de observação, não entrevistei nenhuma menina; elas não se dirigiam até mim, apenas falavam alguma coisa quando me viam conversando com os meninos. Por exemplo, quando os jovens “F” e “G” foram me mostrar o cartaz de agradecimento da biblioteca, ficamos parados em frente ao televisor que divulga os eventos, esperando aparecer a foto de divulgação do pingue- pongue, pois eles queriam me mostrar “o modelo” - o rapaz que estava na foto; então, uma menina veio até

nós três perguntar o que estávamos fazendo ali.

Em um dos meus retornos à Biblioteca Parque, vi o jovem “G” e ele veio me cumprimentar; então, pude ouvir uma jovem dizendo “Olha o “G” falando com a novinha”. A menina falou aparentemente surpresa e apontou para que as outras meninas pudessem ver também; pensei que a surpresa poderia ser

(36)

pelo fato do jovem ter falado com alguém de fora; pelo fato de ser outra menina; ou ainda as duas possibilidades. Desse modo, ser uma pesquisadora jovem e do sexo feminino foi um facilitador no contato com os meninos; contudo, não foi um facilitador no contato com as meninas. Os funcionários da biblioteca, quando passavam por mim, costumavam me cumprimentar, mesmo aqueles aos quais não havia sido apresentada. Costumavam agir da mesma forma que agem com o público jovem da biblioteca. Já aqueles a quem fui apresentada geralmente diziam: “veio para

sua pesquisa né”, e eu confirmava.

Os jovens que frequentam a biblioteca são majoritariamente negros ou pardos, incluídos na categoria mais ampla de juventude, aquela definida entre 15 e 29 anos. Pelo que observei quase todos residem no Complexo de Manguinhos, nos condomínios ou nos arredores17; são também estudantes das escolas próximas, principalmente do Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos

da Vila.

Por ser um espaço que concentra jovens, é comum na biblioteca um “universo da paquera”, e isso é reconhecido até pelos funcionários. Os mesmos relataram que normalmente não interferem nessa questão, a menos que haja alguma atitude abusiva ou ainda com diferença muito grande de faixa etária. Em conversas informais, dois jovens, solteiros, relataram que, quando se aproximam de alguma menina na biblioteca, pensam em duas possibilidades: fazer amizade ou “ficar”. Então, eles se apresentam e começam a conversar

para “ver no que vai dar”.

Também presenciei situações nas quais as meninas faziam comentários sobre “ficar” com os meninos; pude observar momentos em que os meninos tomavam a iniciativa de abordar meninas e ainda momentos em que as meninas tomavam iniciativas para “ficar” com outras meninas- inclusive em algum momento da pesquisa fui alvo de alguma destas iniciativas. No pátio do PAC era possível ver jovens “ficando”; e na biblioteca isso ocorria de modo mais discreto, sendo mais explicito apenas os comentários sobre “ficar”; na

17

As comunidades do entorno mais citadas pelos jovens foram Mandela, Arará, Jacarezinho e Benfica.

(37)

biblioteca também era possível observar casais de namorados- estes, costumavam frequentar o local juntos.

Conforme afirma Heilborn (2006), “ficar” pode ser considerada uma forma de interação afetiva sexual juvenil que se dá em lugares públicos:

No final dos anos 1.980, uma forma de não – compromisso codificado foi agregada à classificação das formas de engajamento. Um novo modo de encontro ou de entrada na relação, intitulado ficar, difundiu-se na juventude: neste tipo de conhecimento que se estabelece geralmente em um lugar público (festa, balada, boate, bar), a atração dos indivíduos suscita um contato corporal imediato (beijos, carícias, até mesmo relação sexual), sem vínculo entre os parceiros, que, em geral, se separam sem a perspectiva de se reverem. (HEILBORN, 2006:36 apud RIETH, 1998; SCHUCH, 1.998)

.

O uso que os jovens fazem do espaço público e cultural Biblioteca Parque é diversificado, variando desde dormir no sofá até a proposta de projetos para a instituição. Em todas as vezes que fui a campo, havia jovens na biblioteca; sempre há jovens no local utilizando o espaço para fins de lazer e diversão, para realização de trabalhos escolares, procura de empregos,

socialização ou acesso à internet.

Durante a experiência em campo e nos contatos com os jovens, procurei sempre deixar em aberto a possibilidade de um novo contato para realização de entrevistas mais aprofundadas. Tenho o contato dos jovens que entrevistei informalmente, seja telefone, endereço eletrônico ou página em rede social, e em todos os momentos enfatizei que a contribuição deles era algo fundamental

para o desenvolvimento da pesquisa.

Nas vezes em que fui procurada pelos jovens, tentei auxiliá-los da maneira que pude, dando ideias para fomentar algum projeto, ou ainda propondo atividades ou correções ortográficas para textos, músicas e poesias.

(38)

Nos cinco meses em que observei os jovens, pensei nas questões que poderia abordar posteriormente quando iniciasse as entrevistas. Enquanto pesquisadora incluída na ampla categoria de juventude, em certos momentos, precisei questionar determinados fatores que até então me pareciam familiares, e que, portanto, achava que não necessitariam de aprofundamento - por exemplo, a conversa dos jovens enquanto estavam na fila de espera – inicialmente parecia algo comum, coisas que “jovens fazem”; depois pude

associar esse momento à socialização dos jovens.

No entanto, “O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas até certo ponto, conhecido” (VELHO, 1978: 39). Ao realizar as observações, fui abordada pelos jovens algumas vezes, o que nos levou a conversas informais. Pude perceber que eu os observava mas também era observada por eles. A minha presença na biblioteca despertava a curiosidade dos jovens; afinal, eu sempre estava por lá, fazendo minhas anotações e observações. Além disso, os jovens que se aproximavam pareciam seguir um roteiro de perguntas sobre mim, eram elas: “O que você é/faz? De onde você é? Quantos anos você tem?”. De alguma forma, eles sabiam que eu não estava apenas frequentando a biblioteca, e também sempre afirmavam: “você não parece ser daqui”, ainda que eu seja moradora de um município não tão distante. Por vezes referiam-se a mim como “senhora” ainda que eu tenha a faixa etária semelhante à deles. Apenas uma vez fui chamada de “novinha” por uma jovem. Durante as entrevistas informais, quando eu explicava sobre a pesquisa, os jovens demonstravam interesse em saber como

a mesma seria feita.

As conversas informais com os jovens foram muito produtivas para o conhecimento da biblioteca, para saber mais sobre a juventude local e para fazer novos contatos, pois sempre que eu conversava com algum jovem, este me apresentava para outro e assim por diante. Falavam sobre os mais diversos assuntos, e depois das conversas, quando os via em outro dia na biblioteca, eles me cumprimentavam.

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