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Capitulo 2 – Observando a Biblioteca Parque de Manguinhos

4. As conversas dos Jovens

Numa tarde de observações na biblioteca, sentei no sofá próximo aos computadores e presenciei a conversa de dois meninos. Ambos falaram sobre diversos assuntos; inicialmente, sobre as meninas do local: “Essa menina

chegou aqui, era a maior filhinha de mamãe; agora, está pior do que as faveladas de Manguinhos.” O outro jovem respondeu: “São as influências, cara, ela era quietinha”. Conversavam ainda sobre suas experiências com mulheres, suas histórias de vida, e suas histórias na biblioteca: “Lembra quando a gente passava o dia inteiro aqui, acho que a gente nem almoçava, chegava de manhã e só saía de noite.” Comentaram também sobre um rapaz: “o cracudo

está sem os dentes já, você viu?”.

Aos poucos minha presença foi sendo notada por eles, e durante a conversa, às vezes se dirigiam a mim. Iniciaram uma discussão sobre como o homem deve se sentar e como a mulher deve se sentar; e então, um deles falou diretamente comigo. Eu estava sentada de pernas cruzadas - ele puxou assunto, dizendo que eu estava sentada “igual menina”. Eu apenas sorri, e aí um deles questionou “A senhora é professora?” Respondi que não. E ele prosseguiu: “A senhora deve morar na Zona Sul, porque não parece as meninas daqui”. Informei que não morava na Zona Sul, e perguntei onde eles moravam. Um deles respondeu: “Eu moro aqui mesmo” e o outro: “Eu morava aqui, lá atrás, depois fui pra São Paulo, depois Santa Cruz e agora moro aqui

de novo, nos condomínios aqui20”.

Quando olhei para esses meninos, pensei que deveriam ter 15 e 18 anos; sim, tinham 15 e 18 anos, porém o de 15 aparentava ter 18 e o de 18, por ter baixa estatura, aparentava ter 15 anos. Outro assunto que os jovens mencionaram foi em relação ao corpo; o mais baixo comentou que o mais alto cresceu e estava com músculos, por isso aparentava ter mais idade, enquanto o outro era magro. Comentaram ainda que eu era muito séria -mas não comigo, apenas entre si- disseram: “Pô, falamos várias paradas engraçadas e ela nem riu, quando ela for pra casa... se ela lembrar ela deve rir.” Depois de muito tempo de conversa entre eles, ambos levantaram e foram até a funcionária responsável pelos computadores; disseram que queriam pedir

informações sobre o Programa Jovem Aprendiz.

Em outro momento, no salão principal, uma criança estava sendo

20

De acordo com o Jornal virtual Fala Manguinhos, os condomínios foram construídos pela Secretaria de Obras e financiados com recursos do Programa de Aceleração e Crescimento (PAC). Contam com aproximadamente 574 unidades, sendo sete blocos com quatro andares cada um. Disponível em https://falamanguinhos.wordpress.com/. Acesso em: 18 set. de 2016.

acompanhada pelo avô, pedindo que ele a deixasse sozinha. “Sai, vô, aqui a gente fica lendo livro.” Interessante notar que até mesmo as crianças desejam ocupar o espaço e olhar os livros, ainda que não saibam ler. Tanto na conversa entre os dois jovens, quanto na conversa da criança com o avô, há uma distinção de fase de vida. Ambos os casos refletem a superação da fase da primeira infância. Os meninos identificaram tal fase enquanto passado a partir do momento em que pararam para lembrar “daquela época”, frisando que atualmente não possuem mais o mesmo comportamento em relação à biblioteca. Já a criança busca ocupar um espaço voltado para pessoas acima de sua faixa etária; desse modo, pede para que o avô saia do local, pois o mesmo pertence a outra geração, diferente daquela que é o público alvo do salão principal da BPM. Além disso, o fato de estar naquele local acompanhada de um adulto significa que ela ainda é criança.

Ainda no salão principal, na “parte 2” alguns jovens conversavam sobre racismo; pude ouvi-los dizer: “chega de racismo no mundo”. Nesse mesmo local, uma jovem de aproximadamente 15 anos avistou um menino jogando Habbo (Jogo virtual para maiores de 13 anos) e comentou em voz alta para todos ouvirem que ele estava jogando um “jogo de criança”. Imediatamente, os jovens ao redor que estavam com ela repreenderam a jovem, dizendo “Isso é bullying, todos tiveram essa fase”, e ela confessou que ela mesma jogava Habbo quando era “mais nova”. Novamente há, na postura da jovem, uma

demarcação de distância em relação a “ser criança”.

É interessante notar que é comum na biblioteca um jovem repreender o outro quando este toma alguma atitude que os outros consideram equivocada. Tal fato evidencia que não apenas as regras institucionais são incorporadas pelos jovens, mas eles mesmos criam suas próprias regras de convivência e de sociabilidade, ao demonstrar o que é aceitável no grupo e ao intervir quando

algo não é bem visto.

Ouvi alteração de vozes também na “parte 2” do salão principal. Um grupo de oito jovens discutia sobre a diferença entre pichação e grafite; cada um colocava seu ponto de vista e assim ficaram no debate por bastante tempo. Na recepção, presenciei alguns jovens conversando com a recepcionista sobre padrões de beleza; os jovens afirmavam que alguns deles eram bonitos e outros eram feios. A funcionária respondeu que todos eram bonitos, cada um

da sua forma. Durante uma entrevista informal, conversei com dois meninos. Em seguida, outro jovem chegou onde estávamos; e comentou que a escola localizada em frente à biblioteca, Escola Compositor Luiz Carlos Da Vila havia sido invadida. Os jovens começaram a conversar sobre o fato ocorrido e defendiam que “o pessoal está invadindo por onda sabe? Pra tomar banho de piscina, mas quebraram as coisas lá dentro”. Explicitaram, ainda, que não acreditavam se tratar de uma invasão feita por “bandidos” ou “traficantes”, apenas por pessoas que gostariam de utilizar o espaço da escola mas não

tinham acesso ao local.

Enquanto estava sentada no sofá, presenciei um jovem bastante agitado, pedindo cigarro a outro jovem, que por sua vez negou. O jovem dizia: “Me dá, cara, me dá um cigarro ai”. E ficaram por um tempo conversando. Outra vez, dois jovens conversavam próximos a mim: “imagine eu fumando um cigarro aqui na biblioteca” e o outro respondeu “Com certeza você nunca mais iria poder voltar aqui”. Apesar dos jovens expressarem essas ideias, não fazem uso do cigarro dentro da biblioteca e sabem que seriam repreendidos caso fizessem.

Os debates ocorridos entre os jovens expressam as questões que eles consideram importantes. Não se tratava de simples conversa sobre diversos assuntos, os jovens defenderam pontos de vista e posicionaram-se. É o momento em que constroem uma forma de pensar e agir em conjunto.

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