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Estado do Líbano e as transformações políticas do Hizballah

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL CAMPUS CHAPECÓ

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

WADSON FAUSTINO CAMARGO NORONHA

ESTADO DO LÍBANO E AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS DO HIZBALLAH

CHAPECÓ 2020

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WADSON FAUSTINO CAMARGO NORONHA

ESTADO DO LÍBANO E AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS DO HIZBALLAH

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado como requisito para obtenção de grau de Licenciado em Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Yasmin Azucena Calmet Ipince

CHAPECÓ 2020

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Dedico a minha avó, Gila, pelas palavras pujantes ao longo da trajetória escolar. Para Meire, vô Lilito e minha mãe Denise (in memorian). E a todos povos que se levantam na luta contra a barbárie.

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AGRADECIMENTOS

Registro aqui meus agradecimentos à Prof.ª Dr.ª Yasmin, que aceitou orientar-me, possibilitando minha inserção no tema pesquisado. Foram grandes os aprendizados, graças à franqueza e paciência exercida por ela nesse período de orientação.

Aos membros da banca, Prof. Me. Tiago Tasca e ao Prof. Dr. Danilo Enrico Martuscelli, que aceitaram avaliar meu trabalho e o qualificaram com o exercício crítico que as ciências humanas exigem.

Aos professores que me inspiraram ao longo da trajetória nessa universidade, Maurício, Marilda e Danilo. Especialmente ao trabalho e reflexões realizadas no Grupo de Estudos em Educação e Trabalho (GETRED) e no Grupo de Estudos da Burguesia no Brasil.

Ao coração da permanência na universidade, a Secretaria de Assuntos Estudantis (SAE), que auxilia e ajuda com as políticas para que muitos estudantes não evadam ao longo de sua trajetória. O apoio e conversas foram indispensáveis para o meu avanço no curso desde que cheguei de Minas para a cidade de Chapecó. Sendo a equipe de assistentes sociais, psicóloga e pedagoga: ​Larissa Brand Back, Michele Batista, Rozilene Bellaver e Amanda Silva.

Ao Projeto Residência Pedagógica que também foi crucial para minha manutenção na reta final da graduação e destaco a orientação do programa pelos Profs. Ari, Claudecir e Valtede Boni. À preceptoria de Tarcísio e por todos servidores da Escola Marechal Bormann, em especial a Prof. Ana Paula que cedeu suas aulas para meu primeiro contato na docência e me mostrou o cotidiano da sala de aula.

À minha avó, Gila, que desde de cedo me apresentou a literatura, acompanhando desde então com meu primeiro contato com o Líbano nas poesias de Khalil Gibran e com a geopolítica no almanaque ​“Onde Está Wally?” que me fazia questionar as fronteiras estabelecidas e seus os territórios e o poderio militar dos países.

Ao meu colega que me inspirou a estudar a tradição política dos países árabes, Amr Houdaifa e me fez apontamentos importantes sobre o Líbano e o contexto da região.

Ao coletivo UFFS Plural, encabeçado pelos candidatos à reitoria Prof. Dr. Anderson Ribeiro e Prof.ª Dr.ª Lisia Ferreira que foram os favoritos através dos votos da comunidade acadêmica em nossa Mesorregião da Fronteira Sul.

Aos amigos pelos cafés, filmes compartilhados e pelo apoio, Mari Quely, Isadora, João Vitor, Alexandro Antonio. E também aos amigos e também colegas na trajetória acadêmica, Nathalia Tanzi, Wilson Vechi, Eddy, Jailson, Emília, Cainã e Jhonny. Todas

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nossas discussões nos corredores e no ônibus me fizeram ter a certeza que estava no curso certo.

Aos meu companheiro Júnior, pelo apoio em todos os momentos durante a pesquisa.

À todos aqueles que tiveram suas vidas ceifadas por maus governos durante a pandemia, pela violência do Estado, pela ingerência, pela falta de respeito com a soberania dos povos.

Novos dias virão Outros outubros também

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Quanto àqueles que se voltam (em companheirismo) para Allah, Seu Mensageiro e os crentes, saibam que os partidos de Allah serão os vencedores. Alcorão 5:56 O justo florescerá como a palmeira; crescerá como o cedro no Líbano. Os que estão plantados na casa do Senhor florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice ainda darão frutos; serão viçosos e vigorosos. Salmos 92.12-14.

Jesus é absolvido dos massacres cometidos pelos falangistas em nome do cristianismo; e o Profeta Muhammad é absolvido dos males cometidos por muçulmanos que não respeitam os princípios do Islã. Carta aberta do Hizballah dirigida aos oprimidos no Líbano e no mundo - 1985

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RESUMO

NORONHA, Wadson. Título: ​Estado do Líbano e as transformações políticas do Hizballah​. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso)

Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó – SC, 2020.

O Hizballah — uma organização paramilitar política e de orientação xiita — é resultado de uma dinâmica de seu país, o Líbano. O objetivo deste trabalho é compreender o sentido e transformações desta força política com base nas relações da fundação do Estado libanês e seu conteúdo confessional e como este pode ter colaborado para a transformação de uma organização paramilitar até a forma de organização participante da esfera política legal. A metodologia utilizada baseia-se na pesquisa bibliográfica sobre a formação do Estado libanês como centro as disputas entre os grupos confessionais constituídos, os sunitas, maronitas e os xiitas dentro da formação de um consenso — o Pacto Nacional .No segundo momento são analisados documentos e discursos que demonstram a posição da organização em três diferentes fases de sua política sendo elas a fase de movimento social de protesto político (1978-1985), um movimento de pleno direito (1985-1991) e por último um partido político parlamentar (1992-presente). Para tal análises serão consideradas conceito de confessionalismo, de partido político, do escopo teológico político do islamismo xiita para a compreensão política e da gênese de sua formação. Ao término da pesquisa foi possível compreender que através das disputas confessionais e a independência de 1948, os xiitas compunham um grupo com pouca representação dentro do Pacto Nacional que inaugura o Estado moderno libanês. A organização defendeu a convivência entre cristão e muçulmanos, porém, condenou o Pacto Nacional e a existência do Estado israelense. E na participação passou a disputar eleições, principalmente cargos no legislativo.

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ABSTRACT

NORONHA, Wadson. Title:​Estado do Líbano e as transformações políticas do Hizballah​.

Monography (Undergraduate thesis).

Federal University of Fronteira Sul, Chapecó – SC, 2020.

The Hizballah - a Shiite orientated paramilitary political group - is the result of a dynamic in its country, Lebanon. The objective of this undergraduate thesis is to understand the meaning and transformations of this political force based on its relation with the foundation of the Lebanese State and its confessional content and how Hizballah may have contributed to the transformation of a paramilitary organization to the form of an organization participating in the legal political sphere.The methodology used in this paper is based on bibliographic research on the formation of the Lebanese State as the center of disputes between the constituted confessional groups, Sunnis, Maronites and Shiites within the formation of a consensus - the National Pact. In the second part, documents and speeches are analyzed and demonstrate the position of the organization in three different phases of its policy being the phase of social movement of political protest (1978-1985), a social movement (1985-1991), and later a parliamentary political party (1992-present). For such analyzes, will be considered a concept of professionalism, of a political party, of the political theological scope of Shia Islam for political understanding and the genesis of its formation. At the end of the research it was possible to understand that through the confessional disputes and the independence of 1948, the Shiites made up a group with little representation within the National Pact that inaugurates the modern Lebanese State. The organization defended the coexistence between Christians and Muslims, however, condemned the National Pact and the existence of the Israeli State. And in the participation, Hizballah started to dispute elections, mainly legislative positions.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 -Bechara al-Khoury e Riad al-Solh………....25

Imagem 2 - Os Doze Imãs……….……...…..31

Imagem 3 - Secretários-gerais: al-Tufayli e o sucessor al-Musawi………..………..36

Imagem 4 - Cartaz: Jerusalém, aqui estamos! 1984……….…..40

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Periodização segundo Joseph Alagha ………...………….35 Quadro 2 - Documentos utilizados para análise………...……….36

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LISTA DE MAPAS

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE SIGLAS

CCG Conselho de Cooperação do Golfo.

EUA Estados Unidos da América. FDI Forças de Defesa de Israel.

ISIS Estado Islâmico do Iraque e do Levante

OLP Organização para a Libertação da Palestina. ONU Organização das Nações Unidas.

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte. URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 16

2. AS CONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA DO HIZBALLAH: O HIZBALLAH PERANTE O

ESTADO LIBANÊS. 19

2.1 A FORMAÇÃO DO ESTADO LIBANÊS 19

2.1.1 O período dos mandatos: O Líbano mandatário 19

2.1.2 A dualidade para a consolidação do Estado: sunitas e maronitas. 21

2.1.3 A construção do Pacto Nacional 26

2.1.4 Do Pacto Nacional a Guerra Civil 28

2.1.5 Bases para a compreensão do Hizballah 29

2.1.6 As bases do xiismo 30

2.1.7 A comunidade xiita no Líbano 31

2.1.8 A formação do Hizballah: 32

2.1.9 Fundamentos teológicos da organização 33

3. AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS DO HIZBALLAH 35

3.1 CARTA ABERTA DO HIZBALLAH DIRIGIDA AOS OPRIMIDOS NO LÍBANO E NO

MUNDO 1985. 36

3.1.1 Elementos gerais do documento 37

3.1.2 Objetivos do Hizballah no Líbano 44

3.2 PROGRAMA DE ELEIÇÕES PARLAMENTARES DO HIZBALLAH EM 1992 45

3.2.1 Elementos gerais do programa eleitoral 47

3.2.2 Elementos sobre o Líbano 50

3.3 HIZBALLAH: VISÕES E CONCEITOS, MANAR TV, BEIRUTE, JUNHO DE 1997 51

3.3.1 Elementos gerais do pronunciamento 51

3.3.2 Posição sobre o Líbano 53

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 54

ANEXO A 63

ANEXO B 80

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1. INTRODUÇÃO

Atualmente, os grupos islâmicos têm sido mostrados com bastante frequência pela imprensa, porém a forma que são noticiados diz muito pouco sobre eles. Intencionalmente ou não, os conceitos usados no trato de grupos paramilitares têm pouco a mostrar e independente das categorias taxativas usadas, as representações essencializadas através de figuras mais famosas como membros da Al-Qaeda ou das ações de assassinatos do ISIS transmitidos pela internet demonstram um concepção baseada na visão ocidental com base na dominação imperialista, isto é, denominada orientalista, faz com que o Oriente seja

identificado com a política das Grandes Potências, com a política do petróleo e com a dicotomia simplista do democrático e amante da liberdade Israel e os árabes maus, totalitários e terroristas, as chances de qualquer coisa parecida com urna visão clara de sobre o que se está falando quando se está falando sobre o Oriente Próximo são depressivamente pequenas (SAID, 1990. p.39).

Desde a Revolução Islâmica no Irã, o ocidente mostrou-se incapaz de continuar narrando formas progressivas da história sobre o fenômeno religioso, a secularização dos Estados que era considerada inevitável, tornou-se arrependida diante da transformação social imposta pelos xiitas iranianos, ou apenas a afirmação que o velho convive com o novo. Como se não bastasse, a relação dos aiatolás ampliou ​a ​revolta de seus iguais em diversos locais do Oriente, onde o xiismo era ofuscado pelo secularismo ou pelo sunismo. Os Houthis no Iêmen insurgiram contra a predominância sunita, no Iraque as pressões xiitas e relação destas com o Irã levaram ao assassinato do Major iraniano Soleimani pelos (EUA) Estados Unidos da América e no Líbano. o Hizballah se levantou contra a ocupação de Israel no sul do Líbano. 1

Este último foi responsável pelo fim da ocupação do Líbano por Israel, que tinha como pretexto a expulsão das tropas da (OLP) Organização de Libertação da Palestina que estava numa guerrilha junto ao campo de refugiados no sul do país. O Líbano se encontrava frágil politicamente e era pressionado militarmente por Israel para expulsar as tropas palestinas de suas fronteiras.

A pesquisa atual, se insere nessa problemática, tendo como objetivo central compreender o surgimento do Hizballah e suas raízes com a relação do Estado libanês e

1Optei por essa escrita no português que mais se aproxima da fonética do idioma árabe, a transcrição mais usada pelos meios de comunicação ocidental incluem letras ausentes no idioma que origina o nome da organização. Segundo o historiador Karam (2010), a etimologia da palavra Hizballah constitui-se da aglutinação de ('Hizb'), que significa partido, e de ('Allah'), constituindo dessa forma “Hizballah” ou “Hizbollah”, que no português seria referente a “Partido de Deus.”

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também o comportamento desta para com o Estado.

Para tanto, a primeira parte da pesquisa buscará entender qual a relação do Estado do Líbano para com o Hizballah em seu momento de surgimento. Na qual buscaremos entender o contexto de nascimento da organização e como elementos presente neste Estado colaboraram para tal.

Diante da questão buscaremos encontrar respostas desde a formação do Estado do Líbano e com concepções de diferentes grupos confessionais na disputa dos rumos do Grande Líbano ainda no período colonial até a busca de sua independência ou unidade com a Grande Síria até as conclusões que possam assinar a formação da República do Líbano. (HARRIS, 2006; EL-KHAZEN, 1991; KARAM, 2010).

Os nuances que envolvem a formação do Líbano e como as identidades colaboraram com a formação do Estado, serão compreendidas pelos desdobramentos desses grupos que possibilitaram pensar a formação de unidade que despenderam esforços para a elaboração jurídico-política e seu caráter confessional (BOBBIO, 1998; REALE, 2000).

Para a compreensão de um partido político, Gramsci (2012) explica que a história de um partido político deve ser explicada pela suas bases sociais e a também sobre a leitura monográfica que este faz da realidade social e com quem se relaciona. Assim levaremos em conta as dimensões da população local a ascensão deste será necessário apresentar as bases dos conceitos xiitas, assim como a formação política que gestou a organização e aspectos gerais dessa comunidade (KARAM, 2010; TABATABAI, 1975).

No segundo momento do trabalho, iremos compreender o horizonte político do Hizballah e sua transformação política, considerando elementos não centrais para relação com o Líbano, assim como seus posicionamentos sobre o Estado para entendermos como aconteceram as alterações políticas desta organização.

Para tal será analisado documentos de três momentos diferentes do grupo, com base nas traduções de Alagha (2011), na qual permitem relacionar com a sua periodização sobre os períodos de transformação de organização, sendo elas a fase de movimento social de protesto político (1978-1985), um movimento de pleno direito (1985-1991) e por último um partido político parlamentar (1992 - presente) que estarão dispostos em subcapítulos.

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elementos factuais. para que seja viável na sequência entender as dimensões do Hizballah quanto organização e como ele observa os elementos que foram desenvolvidos no primeiro capítulo.

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2. AS CONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA DO HIZBALLAH: O HIZBALLAH PERANTE O ESTADO LIBANÊS.

Este capítulo tem como objetivo analisar as condições históricas que deram base para a emergência do Hizballah, levando em consideração as relações dos grupos que se situavam na disputas de projetos para a constituição de um Estado libanês e como essa unidade libanesa formada, possibilitou a emergência de uma organização islâmica xiita.

O presente capítulo está dividido em três partes: primeiramente, haverá uma contextualização do processo de construção do Estado libanês, dadas as dimensões do momento para sua constituição. A questão libanesa desde a fundação e suas contradições serão apresentadas levando em consideração as disputas que antecedem a libertação do Líbano do jugo colonial, que são imprescindíveis para a análise que fundamenta e contextualiza o fenômeno estudado, o Estado como sua unidade de caráter heterogêneo, sob a amálgama do Pacto Nacional.

E, finalmente, haverá a abordagem acerca a formação do Hizballah na sua constituição, dada as condições para seu surgimento e os elementos que o constituem o cenário que procede a construção do Pacto Nacional e os elementos que constituem dentro das partes que constituem o fenômeno estudado.

2.1 A FORMAÇÃO DO ESTADO LIBANÊS

2.1.1 O período dos mandatos: O Líbano mandatário

A região em que atualmente se situa a República do Líbano, anteriormente pertenceu ao Império Otomano até a sua derrocada na Primeira Guerra Mundial, cuja derrota culminou na divisão de seus territórios entre

os imperialistas ingleses e franceses na Conferência de San Remo de 1920

(uma vez que, após a Revolução Bolchevique de Outubro de 1917, Sykes-Picot-Sazonov fora denunciado pela Rússia, que se retirara da coalizão). Diante disso, inaugurou-se, em 1920, o chamado “período dos mandatos”, que nada mais era do que uma típica colonização imperialista:​francesa na Síria e no atual Líbano; e inglesa na Palestina, na Transjordânia, no Iraque e nas regiões do golfo Pérsico (Kuwait, Bahrein, Cátar e Emirados Árabes) e do sul da península Arábica (Omã e Iêmen) (KARAM, 2010, p. 26, grifo nosso).

Assim, essa região, que mais tarde formaria o Líbano moderno e outros países vizinhos, ficou sob o controle colonial da França e Inglaterra, inserindo nesse momento novas problemáticas, pois, a administração dos territórios por via de tratados e fronteiras

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artificiais, sem os desígnios das populações locais, noções de pertencimento, nuances étnico-religiosos e as divergências políticas regionais, criam-se linhas de fronteiras e com isso, diversas disputas entre os grupos locais.

Dentro desse panorama do leste do mediterrâneo, o Grande Líbano, juntamente com a Grande Síria, (Mapa 1), se encontravam sob a tutela francesa. Tal relação de dominação colonial perdurou de 1920 até 1943. Contudo, o Grande Líbano teria uma autonomia relativa até sua independência real, dispondo de sua primeira constituição em 1926. (HARRIS 2006, KARAM 2010, EL-KHAZEN 1991). Esse status permitia ao Grande Líbano uma margem de funcionamento, tendo consigo uma constituição própria, mas com a observação e tutela da França.

Mapa 1 – Grande Líbano e a partilha da Síria

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2.1.2 A dualidade para a consolidação do Estado: sunitas e maronitas.

Para compreendermos a formação do Estado Libanês, será necessário por vezes não decair sobre reducionismos e lidar com as fontes disponíveis para a análise, que permitam operar na cientificidade da pesquisa. A grande maioria dos estudos sobre o Líbano se encontram na língua inglesa e francesa, porém, fontes primárias que possam servir de base para análises sobre classes sociais, por exemplo, se encontram de difícil acesso devido ao idioma nativo, o árabe.

Diante da problemática que envolve a necessidade de compreensão do Estado libanês, El-Khazen (1991) afirma que os estudos sobre o país, têm tendência a explorar o período pós-guerra, por isso a escassez de estudos relacionados ao período que a precedem. Os estudos que abordam a formação de Estado nacional, variam conforme o fluxo da política libanesa.

Diante das possibilidades necessárias para entendermos a formação de um Estado, Reale (2000) aponta que é necessário não reduzirmos apenas a um fator unívoco. Desse modo, é necessário levarmos em consideração os grupos, os sinais diacríticos como a cultura e idioma, religião e a base econômica.

No campo da religião e consequentemente na política, encontravam-se no interior do Grande Líbano, muçulmanos sunitas e xiitas, cristãos maronitas e demais igrejas históricas, além de uma minoria, os drusos. O destino do Grande Líbano, encontrava-se entrelaçado ao da vizinha Síria, a seguir entenderemos o porque.

O confessionalismo, segundo Bobbio (1998), se caracteriza por uma atitude específica do Estado em matéria religiosa que se manifesta privilegiando determinado grupo ou confissão religiosa, assumindo para si seus princípios e doutrinas.

Dadas as condições citadas anteriormente, as noções de pertencimento das comunidades religiosas dentro do Líbano eram e são catalisadoras e produtoras de concepções sobre o Estado nacional, dadas essas características, tais grupos impulsionaram lideranças para a cena política.

Para compreendermos as contradições que emergem das disputas na cena política, já na formação do Estado, é necessário pensarmos que a “história do Estado moderno é, de maneira particular, uma história de integrações crescentes, de progressivas reduções à unidade.” (REALE, 2000, p. 43)

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Para o processo de consolidação desse Estado, necessitava do fechamento de uma lacuna - a existência de duas comunidades relevantes, já que, o período colonial se tinha uma concepção bidimensional sobre o Estado, o sunismo e o cristianismo como base da política confessional (EL-KHAZEN, 1991).

Diante daqueles que almejavam uma concepção de Estado, a elite cristã maronita era 2 considerada maioria quantitativamente, e com maior organicidade política perante o mandato, levando-a um local privilegiado dado à preferência colonial aos cristãos. Para o ocidente, um país cristão naquela região predomina pelo Islã poderia orientar os rumos políticos e econômicos da região. Esse grupo era composto por comerciantes abastados que reivindicavam para o colonialismo francês a ampliação do território do Grande Líbano para a antiga Mutassarrifiyah do monte Líbano (o chamado “pequeno Líbano”) rumo às férteis planícies do vale do Biqaa (a leste) e do Akkar (ao norte), assim como em direção à Galiléia e ao monte Ámil ao sul, a fim de constituírem o “Grande Líbano”, que, graças à derrota otomana na guerra e a seu posterior desmembramento oficializado pelos tratados de San Remo e deSèvres de 1920 e pelo tratado de Lausanne de 1923, restaria sob a égide mandatária colonial francesa até sua independência política e militar em 1943. (KARAM, 2010, p.31)

Como anteriormente, a relação da Grande Síria com os grupos internos do Líbano, cruzavam a trajetória dos dois países. Essa questão fundamenta-se no desejo sunita de unidade da Grande Síria, fazendo-os negar os limites fixados pelo Grande Líbano em 1920, almejando dessa forma uma unidade árabe em torno da Grande Síria. Essa última era o bastião do nacionalismo árabe no período, em especial ao Bloco Nacional da Síria , que estaria nas3 mesas de negociação juntamente com outros países para elaborar a formação do Grande Líbano (EL-KHAZEN, 1991; KARAM, 2010).

Maronitas e sunitas tinham concepções diferentes de si mesmos e buscavam projetá-las para o campo da ideia de Estado Nacional. A versão maronita baseava-se na defesa de um discurso ‘cientificidade’ sobre a trajetória histórica de seu povo, para distanciarem-se dos irmãos muçulmanos. A civilização fenícia, as influência das cultura grega e romana, o legado católico das cruzadas, seriam os elementos buscados dentro de uma ciência que

2 ​A Igreja Maronita é uma igreja fundamentalmente católica, e comunga com a Santa Sé e também compartilha do reconhecimento da autoridade do Papa, autoridade e líder da Igreja Católica Apostólica Romana. O que a distingue-a é o rito oriental, diferente do latino adotado pela igreja romana, a liturgia é celebrada no aramaico e ocorre a beatificação de seus religiosos, assim como, Maron do Líbano, conhecido como São Maron, que dá o nome a essa variação da igreja. A Igreja Maronita das igrejas orientais foi a única que não possui uma divisão Ortodoxa no seu interior, ou seja, só existe na sua variável única, alinhada à Roma, sendo esse vínculo nunca rompido na sua história (BRASIL, n.d).

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poderia desenhar o passado e o futuro do Líbano para este grupo (KARAM, 2010). Para os muçulmanos, especificamente os sunitas, o arabismo era um elemento fundamental para concepção de povo, porém, os cristãos viam no Grande Líbano sua proteção e garantia de existência já que ser árabe era tido como quase sinônimo de ser muçulmano (EL-KHAZEN, 1991; KARAM, 2010).

Dados os litígios apresentados até o momento, é necessário enfatizar que a primeira constituição libanesa resultado de uma promulgação baseada na concepção francesa de constituição. Para a garantia do consenso entre as comunidades, foi adotada a proporcionalidade entre elas, porém, a constituição exige a supressão gradativa da política confessional e a abertura para a resolução de conflitos internos com mediação externa

A Câmara dos Deputados é composta por membros eleitos, cujo número e métodos de eleição serão determinados pelas leis eleitorais em vigor. Na pendência da elaboração pela Câmara dos Deputados de uma lei eleitoral sem restrição confessional, as cadeiras parlamentares serão distribuídas de acordo com as seguintes regras: a) Igualdade entre cristãos e muçulmanos. b) Proporcionalmente entre as comunidades de cada uma dessas duas categorias. c) Proporcionalmente entre regiões. (LIBAN, 1926, ART 24, tradução nossa) 4

A Câmara dos Deputados, eleita em igualdade de condições entre muçulmanos e cristãos, deve tomar as medidas apropriadas para garantir a supressão do confessionalismo político, de acordo com um plano em etapas. Um comitê nacional será formado e presidido pelo Presidente da República, incluindo, além do Presidente da Câmara dos Deputados e do Presidente do Conselho de Ministros, figuras políticas, intelectuais e sociais. (Ibidem, ART 95, tradução nossa) 5

Esta Constituição inclui, para o Grande Líbano, o compromisso solene de confiar à arbitragem do Poder Mandatário, a solução de conflitos que poderiam ameaçar a paz. Para esse fim, o Grande Líbano está pronto para concluir com seus vizinhos e todos os outros Estados interessados ​​as convenções necessárias, aceitando que eles incluam a cláusula de arbitragem obrigatória para todos os conflitos. (Ibidem, ART 93, tradução nossa) 6

4 ​La Chambre des députés est composée de membres élus dont le nombre et les modalités d'élection seront déterminés par les lois électorales en vigueur.En attendant l'élaboration par la Chambre des députés d'une loi électorale sans contrainte confessionnelle, les sièges parlementaires seront répartis conformément aux règles suivantes : a) À égalité entre chrétiens et musulmans.b) Proportionnellement entre les communautés de chacune de ces deux catégories.c) Proportionnellement entre les régions.

5 ​La Chambre des députés élue sur une base égalitaire entre les musulmans et les chrétiens doit prendre les dispositions adéquates en vue d'assurer la suppression du confessionnalisme politique, suivant un plan par étapes. Un comité national sera constitué et présidé par le Président de la République, comprenant en plus du Président de la Chambre des députés et du Président du Conseil des ministres, des personnalités politiques, intellectuelles et sociales.

6La présente Constitution comporte, pour le Grand Liban, l'engagement solennel de confier à l'arbitrage de la Puissance Mandataire, le règlement des conflits qui pourraient menacer la paix. A cet effet le Grand Liban est prêt à passer avec ses voisins et tous autres États intéressés, les conventions nécessaires acceptant qu'elles comportent la clause d'arbitrage obligatoire de tous les conflits.

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O Estado, mesmo com a constituição já promulgada, passa a conviver com tensões já existentes por sua falibilidade orgânica. Destarte, podemos afirmar como Reale (2000), que não é recente a ideia de que desenvolvimento de uma sociedade está engendrada na relação de integração como fator de seu desenvolvimento, mas o que deve ser realmente considerado é a sua capacidade de manter seu corpo político de forma orgânica, subordinada a um fim comum.

Diante dessa capacidade ou não, os sunitas a partir de 1928 ampliaram a ofensiva liderada por Abdul-Hamid Karanki da cidade de Trípoli para pleitear a unidade com a Síria, que estava a promulgar sua constituição, ou seja, momento estratégico para intensificar a reivindicação.

Em 1932, os franceses suspenderam a constituição, a medida errática por parte da França, resultou em agitações dos maronitas, como o Bispo Inácio Mubarack que organizou comícios e abriu diálogo com o Bloco Nacional da Síria, principal voz da política anti-francesa da região. O estopim da oposição maronita resulta na ruptura dos seus setores com a política pró-comissariado francês. Um dos principais interesses locais estava na reivindicação da nacionalização e abertura do mercado, principalmente pela oposição maronita contra o monopólio da gerência francesa da produtora de tabaco Régie Libanaise des Tabacs et Tombacs (EL-KHAZEN 1991).

À partir da fragilidade francesa, duas lideranças desempenharam um papel de destaque dentro das comunidades, que sofriam alterações nos seus interiores e consequentemente do seu trato intercomunitário. Uma delas é a figura de Khasem al-Solh, um diplomata, de orientação sunita e o outro era o político de orientação maronita Bechara El Khoury (Imagem 1).

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Imagem 1 - Bechara al-Khoury e Riad al-Solh.

Fonte: RAMIA, 2018.

A relação intercomunitária sentiu abalos com a crise do domínio francês e abriu a possibilidade de diálogo entre ambos os setores da sociedade libanesa, a articulação de ambas reorientou as lideranças nas propostas políticas para o Líbano. Bechara al-Khoury e Riad al-Solh possuíam uma concepção de não negação de uma existência para além de suas respectivas comunidades, quando comparada a parte dos seus respectivos setores, o que abriu o campo para o diálogo inter-comunitário, já que a inclusão de regiões muçulmanas ao Grande Líbano mudaria a relações entre as bases de cada confissão religiosa.

Al-Solh, mesmo como um sunita declarado, dispunha de uma crítica para com a ideia de unidade síria. Para ele, o resultado dessa política, se colocada em prática, alienaria os cristãos dentro dessa nova nação e deixaria a região do Monte Líbano administrada pela política cristã, o que daria abertura a esta se transformar em uma "província francesa" ou um lar anti-árabe. Porém, Solh não abandonaria o horizonte estratégico de uma unidade dos povos árabes, segundo ele, o Líbano ausente de outro Estado caminharia para o que foi a Síria e Iraque independentes. Essa autonomia adquirida pelos Estados formados poderiam impulsionar a política dos Estados independentes rumo a uma unidade árabe. Assim, como liame Solh via potencial de criação de um Estado para cristãos e muçulmanos independente da Síria. Como forma de diálogo Solh solicitava que os sunitas não almejassem a alienação de cristãos na Grande Síria, tendo como reorganização intercomunitário a abertura do nacionalismo árabe para os cristãos. Tal orientação política intercomunitária possibilitou a Solh uma boa receptividade na política cristã. A fórmula de apropinquar as comunidades

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adotadas por Solh, giravam em torno da lógica da “libanização muçulmana em troco da arabização dos cristãos”. Além de ter conseguido fazer com que Síria cedesse quatro províncias ao Líbano em formação, até então reivindicadas por Damasco, na justificativa que essa anexação seria positiva ao equilíbrio dos muçulmanos no Líbano (EL-KHAZEN, 1991). Os maronitas também possuíam seus planos políticos, sobre o nacionalismo árabe moderado advogado pelos sunitas, sendo o consenso em torno do arabismo era baseado na busca do pragmatismo, e a oposição de elementos de posturas mais fervorosas do sunismo, e na busca dos elementos seculares do arabismo. No final dos anos 30, intelectuais cristãos liberais já eram defensores de um entendimento nacional cristão-muçulmano (Ibidem).

O sentimento anti-francês que havia se generalizado alcança seu estopim de um cooperação para além do Líbano, contando com um personagem britânico, General Spears, passa a apoiar os nacionalistas árabes, ao mesmo tempo que o Bloco Nacional da Síria passa a favorecer também os maronitas na aproximação com os sunitas. (Ibidem) Em 1942, uma reunião é financiada pelos britânicos no Cairo, com a presença de maronitas, inclusive al-Khoury, a do 1º Ministro da Síria e do Egito. Nessa situação acontece a primeira benção em prol da de um Estado do Líbano Independente (HARRIS 2006, EL-KHAZEN 1991).

2.1.3 A construção do Pacto Nacional

Com base na articulação entre os grupos étnicos religiosos, as relações entre os maronitas e sunitas e o apoio declarado de agentes externos, abre-se caminho para uma nova unidade nacional, estabelecidas numa política denominada - Pacto Nacional, no árabe - ​al

Mithaq al Watani.

Para El-Khazen (1991), no ano de 1943, essas articulações políticas e de concepção de nação que antecedem a independência alcançaram um entendimento que incorporaria a unidade até agora. Essa unidade passou a ser denominada - de Pacto nacional. Ela representaria novo selo da política confessional pós-independência. A garantia de um consenso são entre as comunidades internas e a unidade para com a relação ao mundo exterior: a Síria, principal agente regional, a França, devido à relação colonial.

Dentro das interpretações, o autor destaca que

Para alguns, o Pacto National pacto passou a simbolizar a integração nacional e a unidade confessional; para outros, passou a incorporar uma "filosofia" de convivência confessional; ainda para outros, era um acordo 'confessional capitalista'

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destinado a promover os interesses de alguns segmentos da sociedade libanesa a custas de outros. (Ibidem, p.4 ) 7

Porém, ele afirma que o Pacto Nacional de 1943 não foi exclusivamente nenhuma das relações citadas e sim da realpolitik baseada na aproximação da elite sunita com a maronita. O caráter desse pacto é informal, e não escrito.

A realização desse ocorreu em um escritório na presença dos líderes libaneses e egípcios e como resultados de longas negociações entre os líderes libaneses e os externos: egípcios, o General Spears, da Grã-Bretanha e General Catroux da França.

No campo eleitoral, a unidade projetou o poder de de Solh-Khoury em sucessivas eleições, tanto pela dualidade dos atores ou de nomes adjacentes de seu campo político (Ibidem)​.

Contrariamente aos avanços do maronismo e do sunismo na política, os xiitas lamentaram por não terem ganhado nenhum cargo reservado no alto escalão. A comunidade xiita pontuou a falta de garantias sociais contrato no acordo de 1943. A justificativa para a falta de representação seria a falta de organicidade política, pois o xiismo até então não dispunha de forte potencial político. Em 1947, protestos xiitas demarcaram a posição da comunidade nas reivindicações nas esferas representativas do país (HARRIS, 2006; EL-KHAZEN, 1991).

As posições sobre o Pacto variam conforme as circunstâncias, é “deplorada em tempos de crise e elogiado em tempos de estabilidade e prosperidade, o Pacto Nacional refletia diferenças sectárias do Líbano no pós-1943” (EL-KHAZEN, 1991, p. 5, tradução nossa). Para Harris (2006), o resultado dessa política foram comunidades compelidas a funcionarem, a coesão que poderia ser feita em tais circunstâncias, tornando o Líbano o farol da liberdade e tolerância se comparado às demais nações árabes, mesmo que servindo aos interesses de grupos da elite maronita e sunita.

Diante das condições reais, a arena comum na qual se insere as diferentes comunidades, o Pacto Nacional, não pode e nem deve ser lido como uma fórmula tampão para a solução de conflitos internos, pois, a esfera jurídica do Estado, isto é, seu caráter formal promulga a cristalização de identidades. Então, como contrapartida a este fenômeno, Traboulsi (2007) afirma que religiões politizadas devem ser tratadas como produtos

7For some, the National Pact came to symbolise national integration and confessional unity; for others it came to embody a 'philosophy' of confessional coexistence; still for others, it was a 'capitalist confessional' deal aimed at promoting the interests of some segments of Lebanese society at the expense of other.

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históricos, em vez de essências a-históricas enraizadas em diferenças religiosas ou como meras entidades políticas.

Os elementos pré-capitalistas, a religião e suas formas sociais, essas persiste na modernidade, e desempenha um papel novo na economia capitalista periférica, colocando no caso as seitas religiosas lado a lado do poder político e das estruturas econômicas, para obter através de benesses do Estado. Assim como a ajuda externa da luta pelo poder e para a sobrevivência (TRABOULSI, 2007).

Portanto, o modelo confessional libanês concede a existência de diversos grupos, dada a coesão do Estado sob a égide do Líbano, na qual, sua orientação árabe é fator definido. Porém a coesão se dá no plano da manutenção não natural, (com qualquer relação social) , dada as relações pragmáticas dos grupos políticos de base religiosa, que expressam a religião em si e deparam com o Estado e os grupos que o compõe na relação para a externalidade, isto é, o mundo tal como ele é. O resultado desta relação é mediado pela política, o pragmatismo, inalcançável em determinadas conjunturas. A estabilidade do modelo confessional do Pacto Nacional é colocado à prova mesmo com a realpolitik dos grupos quando o projeto nacional parece não dar coesão ao todo, isso adicionado a agentes externos na política local.

2.1.4 Do Pacto Nacional a Guerra Civil

Dada a fixação do Pacto Nacional, o Líbano viveu um período de estabilidade, política e econômica. A projeção do Líbano chegou ao mesmo a ter a capital chamada de Beyrouth, a Paris do Oriente pelos turistas e entusiastas do país.

Em contraste com este momento, a escalada das pressões do FDI sobre a população palestina, começa a ocupação do sul do Líbano por grupos de guerrilha, em especial a OLP, a região chegou a ser chamada pela mídia de “Fatahland” em menção ao grupo ​Fatah ​que compõem essa organização.

Dentro do escopo da política libanesa, distinguiu-se um grupo de formação maronita, denominado Falanges Libanesas, este grupo ficou conhecido pela aliança com Israel para a expulsão das tropas da OLP do sul do Líbano. Este partido político elege Bashir Gemayel para a presidência, porém, este não chega a assumir, sendo assassinado antes de assumir o cargo.

A resposta para esse assassinato ficou conhecido como o Massacre de Sabra e Chatila, ocorrido no ano de 1982, na qual os milicianos falangistas com a conivência da FDI entraram

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em campos de refugiados palestinos nesses dois bairros de Beirute e mataram centenas de palestinos desarmados.

Para Said (2012), a guerra no Líbano aparece geralmente como uma oposição entre cristãos e muçulmanos, mas o que geralmente oculta-se é a face maronita da guerra incitada por israelenses, esse forneceram armas, mantimentos e apoio político. Assim o autor afirma que a solidariedade entre israelenses e libaneses não se dá pela relação de proximidade dos judeus com os cristãos e sim pela afinidade com a direita cristã em destruir os palestinos.

Assim, a deflagração de uma guerra civil abriu uma ruptura no Pacto Nacional, porém, os dissabores confessionais do período colonial não se comparam ao trauma coletivo, nem com a presença de tropas estrangeiras dentro do território nacional.

2.1.5 Bases para a compreensão do Hizballah

Para a compreensão do fenômeno do Hizballah, exige-se o esforço de não centralizarmos partes de sua formação, pois, por se tratar de um fenômeno que conta com diversos fenômenos causais, pode ocorrer o erro de colocarmos elementos como fundantes do objeto analisado.

Assim, como forma de superarmos a essencialização de elementos isolados ou de conjuntura, o comunista italiano, Antonio Gramsci, ao discutir as formas de se escrever a história de um partido político evidencia que 8

será necessário levar em conta o grupo social do qual parte da expressão e a parte mais avançada: ou seja, a história de um partido não poderá deixar de ser a história de um determinado grupo social mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins, adversários, inimigos. Somente do quadro global de todo o conjunto social estatal (e, frequentemente, também com interferências internacionais) é que resultará a história de um determinado partido; por isso, pode-se dizer que escrever a história de um partido significa nada mais do que escrever a história geral de um país a partir de um ponto de vista monográfico com destaque em seu aspecto característico (GRAMSCI 2012 p.89 §33).

Fica evidente que o Estado libanês como abordamos anteriormente do ponto de vista dos grupos que traçaram as diretrizes jurídicas e os caminhos percorridos para se chegar ao Pacto Nacional, explicam de maneira bastante incipiente se mantivéssemos a abordagem do nosso objeto de pesquisa para todo o bojo político que antecede a década da independência. Talvez seja, por que a dinâmica da construção do consenso do Líbano não possa historicizar o

8 A ênfase da discussão sobre o partido político não encerra neste capítulo, dessa forma, elementos que constituem o partido e seus fundamentos ideológicos serão abordados também na próxima parte do trabalho.

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Hizballah, mas o contrário, o Hizballah poderia dizer o que é o Líbano, dentro de uma historicidade dos fatores que o constituem.

2.1.6 As bases do xiismo

O Hizballah ​é uma organização de baseada na tradição e crença do Islã xiita. Essa concepção dentro do islamismo, segundo Tabatabai (1975) , é conhecida pelas divergências9 na linhagem sucessória do Profeta Muhammad na maioria das abordagens do ocidente, embora esse acontecimento tenha bastante relevância na demarcação entre o sunismo e xiismo e para a história do Islã,

A principal causa do surgimento do xiismo, no entanto, reside no fato de que essa possibilidade existia dentro da revelação islâmica e, portanto, teve que ser realizada. Na medida em que havia interpretações exotérico e esotéricas desde o início, a partir das quais se desenvolveu escolas (madhhab) da Sharia e do Sufismo no mundo sunita, também houvesse uma interpretação do Islã que combinaria esses elementos em um único todo. Essa possibilidade foi realizada no xiismo, para o qual o ímã é a pessoa em quem esses dois aspectos da autoridade tradicional estão unidos e em quem a vida religiosa é marcada por uma sensação de tragédia e martírio. (TABATABAI, 1975, p.13, tradução nossa)10

A fé no xiismo, consiste, por sua vez, na crença ou prática da doutrina do Imamato. Como xiitas duodécimos que são, os partidários do Hizballah reconhecem os doze imãs (Imagem 2) que se sucederam até a ocultação do décimo segundo (Muhammad al-Mahdi) no século IX (séc. III H.) a cuja a autoridade religiosa submetem-se (Ibidem).

9 Muhammad Husayn Tabatabai (1903-1981) ​foi um dos principais filósofos do xiismo. A obra usada para abordar o xiismo neste trabalho é originalmente escrita em persa e traduzida nos EUA. A Universidade Allameh Tabataba'i na capital do Irã foi nomeada em sua homenagem.

10​The principal cause of the coming into being of Shi’ism, however, lies in the fact that this possibility existed within the Islamic revelation itself and so had to be realized. Inasmuch as there were exoteric and esoteric interpretations from the very beginning, from which developed the schools (madhhab) of the Shari’ah and Sufism in the Sunni world, there also had to be an interpretation of Islam which would combine these elements in a single whole. This possibility was realized in Shi’ism, for which the Imam is the person in whom these two aspects of traditional authority are united and in whom the religious life is marked by a sense of tragedy and martyrdom.

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Imagem 2 - Os Doze Imãs

Fonte: NDLA, 2019

A instituição ​sui generis fundada pelo xiismo é o Imamato, baseado na constituição dos doze imãs. Esta instituição é inseparável do ​walayat​, ou da função esotérica de inter-fingindo dos mistérios internos do Alcorão Sagrado e da Sharia. Para essa orientação dentro do Islã, o Profeta do Islã deve ser aquele que não somente governa a comunidade dentro dos ideais da justiça, mas também aquele que é capaz de interpretar a Lei Divina e seu significado esotérico. Portanto, ele deve estar livre de erros e pecados ele deve ser escolhido do alto por decreto divino através do Profeta (Ibidem).

Assim, até a sua morte em 1989, o Hizballah tinha do Aiatolá Khomeini seu imã oficial, cuja autoridade religiosa e política era reconhecida. O Hizballah admite a necessidade de se reconhecer um ímã vivo, que é infalível e possui pleno conhecimento das fontes do Islã (​Qur‟an, Sunnah e “shariyyah”​) (KARAM, 2010).

2.1.7 A comunidade xiita no Líbano

A presença xiita no Líbano é registrada remonta desde o Império Otomano, nas regiões onde se instalaram são referentes a duas divisões atuais

A primeira era o monte Ámil, no sul, entre a cadeia montanhosa do Shuf (o prolongamento do monte Líbano central), de população druza, e a Galiléia (Jalil), na

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Palestina. A segunda região era o norte do vale do Biqaa, especialmente as cidades de Baalbek e Hirmil. (Ibidem, p.9)

Essas regiões eram bem distintas entre si no virada do século XIX para o XX no que se diz respeito ao seu desenvolvimento histórico e social. O monte Amil dispunha de uma base agrícola com médios e pequenos proprietários, que detinham o poder político local. Os

ulemás11 também dispunham de um papel político aleḿ da educação das famílias na transmissão da cultura.

A economia do monte Amil era basicamente agrícola, e médios e grandes proprietários de terra dominavam o poder político local e as relações sociais de produção dos camponeses. O poder dessas famílias era relativizado pelo papel exercido pelos ulemás locais, que detinham e transmitiam as crenças e a cultura popular local de geração em geração. A primeiro momento nos parece que a região dispunha de uma estrutura remota e rudimentar, porém, a tradição xiita na região do monte Amil permitia a formação de vários clérigos e professores de teologia, que faziam conexões da região para com outros centros de estudos e locais sacros na Síria, Irã e Iraque (Ibidem).

A região norte de Biqaa contrastava com o Monte Amil, a agricultura sedentária na região mais seca do Líbano, tendo desenvolvido mais atividades à partir do semi-nomadismo ou nomadismo em torno das caravanas de comércio e de pastoreio (Ibidem). 12

A migração xiita do Monte Líbano e do Monte Amil para as cidades, especialmente para Beirute, se inicia no começo do século XX, mesmo assim, a população de orientação xiitas eram e continuam sendo predominantes no sul do atual Líbano (​MAALOUF, 2011).

2.1.8 A formação do Hizballah:

As movimentações de agentes que resultariam na constituição do partido já aparecem em 1972. Como Sayydi Abbas al-Mussawi que foi da cidade iraquiana de Najafo Vale de Biqaa onde começou a pregar, fundando os círculos de aprendizagem, Hawzat. Sua chegada coincidiu com a chegada dos clérigos dissidentes do Irã (opostos ao Xá), estes dispunham de

11​Ulemás são os guardiões das ciências islâmicas e do aprendizado no sentido mais amplo, possuem os árbitros da charia, o direito islâmico, tendo um papel decisivo na formação para a manutenção dos funcionários de Estado onde a ordem social está em funcionamento. Os ulemás de certa forma sendo substituídos no processo de secularização e centralização do Estado moderno em suas instituições jurídicas e educacionais, com exceção do Irã e Arábia Saudita​.

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apoio militar e realizavam um trabalho espiritual para com as comunidades, isso com o apoio financeiro do Imã Khomeini. (KARAM, 2010)

Nesse período o que viria a ser um dos fundadores do Hizballah era embaixador do Irã em Damasco, Ali Akbas Muhtashemi. Este aproveitou da instabilidade política do Líbano, devido à fraqueza do governo e passou a fazer reuniões e manter relações com lideranças religiosas e políticas xiitas, uniram-se com os líderes da Amal para fundarem em 1979 o Comitê de Apoio à Revolução Islâmica, organização cultural criada após o sucesso da Revolução Iraniana. (Ibidem).

A organização Amal decidiu participar do Comitê de Salvação Nacional, constituído pelo governo de Elias Sarkis com objetivo da resolução para com a ocupação israelense e o cerco à Beirute (Ibidem).

Para diversos membros que bebiam das fontes da revolução bem sucedida no Irã e difusores do pensamento de Khomenei, a participação de Nabih Berrii após o desaparecimento de Sadr era contrário à ideologia da organização que faziam parte (Ibidem).

Em 1982, surge o Amal Islâmico, dissidência da Amal, resultado da articulação entre os membros oriundos da al-Dawa, da União Libanesa de Estudantes Muçulmanos, além de clérigos e militantes que pertenciam a Amal ou sem nenhum histórico organizativo. Esses organização posteriormente viria se tornar o Hizballah (Ibidem).

2.1.9 Fundamentos teológicos da organização

Como xiitas duodécimos que são, os partidários do Hizballah reconhecem os doze imãs que se sucederam até a ocultação do décimo segundo (Muhammad al-Mahdi) no século IX (séc. III H.), a cuja autoridade religiosa submetem-se. Porém, como o fato de seguir um imã (ou “​marja​”) morto é considerado mais como uma anomalia do que uma regra pelo Islã xiita, o Hizballah admite a necessidade de se reconhecer um imã vivo, que é infalível e possui pleno conhecimento das fontes do Islã (Qur‟an, Sunnah e “shariyyah”). Assim, até a sua morte em 1989, o Hizballah tinha no imã Khomeini seu “marja‟ al-taqlid” oficial, a cuja autoridade religiosa e política obedecia, pois o considerava como o primeiro imã após a desaparição de Mahdi (KARAM, 2010).

A “taqiyya” é a prática do quietismo religioso, que consiste na dissimulação ou ocultação das crenças ou convicções. Era praticada principalmente no período do “Islã clássico” (sécs. VII-XIII), quando o xiismo, divisão heterodoxa do Islã, era uma corrente

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ilegal e ainda em formação diante da ortodoxia sunita majoritária, que possuía maior poder político. Praticada pelo Hizballah, na década de 1980 como tática de sobrevivência política e social, mas não de modo doutrinário, já que manteve seu nome, identidade e objetivos em segredo nos primeiros anos (1982-5) como forma de evitar seu aniquilamento pelos inimigos: Israel e as milícias da direita cristã libanesa durante as invasões israelenses no Líbano. (Ibidem)

Para o xiismo, a ​“tabi‟a​” é uma prática militante que se define como um ato de mobilização, por meio do qual os xiitas – evocando a revolta e o assassinato (martírio) do imã Hussein, filho do califa Ali, no ano 680 (​c. ​55 H.) – rebelam-se, mobilizam-se e objetivam tomar o poder para estabelecer o governo de Allah e da “ ​shariyyah​”, sua lei. O Hizballah empregou a ​“tabi‟a” como uma ação de mobilização, através da qual os membros do partido vislumbravam a conquista do poder político através de um processo “de cima para baixo”, a fim de fundar uma ordem islâmica regida pela “shariyyah”​, de acordo com o sistema do “wilayat al-faqih” do imã Khomeini (Ibidem).

O segundo princípio é a crença no sistema do “wilayat al-faqih”, que é visto, pelo Hizballah, como a sua legítima autenticidade cultural islâmica. Esta doutrina, como parte do sistema do Imamato, reconhecia o imã Khomeini como o “marja‟ al-taqlid” oficial do Hizballah, a quem seguiam como a liderança política e religiosa da ​“ummah​” islâmica. O Hizballah acatou e aplicou a determinação de Khomeini acerca da necessidade de engajamento do crente na “grande jihad” espiritual e moral antes de praticar a “pequena jihad” militar, pois, segundo Khomeini e a própria ideologia religiosa do Hizballah a “grande jihad” transforma o indivíduo em um ser humano espiritualmente culto e refinado, da mesma forma que a disciplina e a estrita obediência a Deus e ao “faqih” eram consideradas pelo Hizballah como os aspectos religiosos e ideológicos que compõem a “grande jihad”, assim, enfatiza o dever religioso de sempre defender o Islã através do combate (Ibidem).

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3. AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS DO HIZBALLAH

Neste capítulo, para compreendermos a transformação política com do Hizballah desde seu nascimento em meio à onda de conflitos, vamos partir da periodização elaborada por Joseph Alagha (2011), conforme a política adotada pela organização.

Quadro 1​ -​ Periodização segundo Joseph Alagha

Períodos políticos do Hizballah segundo Alagha (2011)

1978-1985 Movimento social de protesto político; 1985-1991 Movimento de pleno direito;

1992 - presente Partido político parlamentar. Fonte: Alagha (2011)

Os documentos traduzidos são escassos mesmo na língua inglesa, portanto nos valeremos da tradução de Joseph Algha, que reconhece a existência de poucos documentos traduzidos integralmente, como é o caso dos pronunciamentos que marcam os momentos históricos da organização.

A partir dessas fontes, buscaremos abordar as transformações que envolvem conceitos engendrados na política libanesa, na qual as lideranças do Hizballah fazem menção nos pronunciamentos aqui tratados.

Os documentos tratados foram selecionados segundo a periodização elencada pelo autor, assim poderemos compreender de antemão o processo e o que possibilitou a escolha de três documentos traduzidos para o inglês.

Serão analisados conforme a posição política deles sobre o Estado do Líbano, a relação outros grupos confessionais, sobre a relação com os aliados e inimigos e como esses se relacionam entre si no período trabalhado e se existe alteração ao longo percurso do conceitos adotados pela organização, além do contexto histórico calcado por autores da Ciência Política e História que trabalham a questão libanesa e o Hizballah.

Desta forma, para o estudo serão analisados os seguintes documentos (Quadro 2): o texto da carta aberta do Hizballah dirigida aos oprimidos no Líbano e no mundo, datado de 16 de fevereiro de 1985; Hizballah: Visões e Conceitos, Manar TV, Beirute, 20 de junho de 1997; e o Programa das Eleições Parlamentares do Hizballah em 1991.

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Quadro 2 ​-​ Documentos utilizados para análise.

Documentos utilizados Ano

● Carta aberta do Hezbollah dirigida aos oprimidos no Líbano e no mundo;

1985

● Programa das Eleições Parlamentares do Hizballah; 1991

● Hizballah: Visões e Conceitos, Manar TV, Beirute, 20 de junho de 1997.

1997

Fonte: Alagha (2011)

3.1 CARTA ABERTA DO HIZBALLAH DIRIGIDA AOS OPRIMIDOS NO LÍBANO E

NO MUNDO 1985.

Em 16 de fevereiro de 1985 foi lida a “Carta Aberta” ou “Manifesto Político”, foi lida por Sayyid Ibrahim Amin Al-Sayyid, porta-voz da organização nesse período. O pronunciamento da carta aberta é realizada já sob a liderança recente de Abbas al-Musauwi, sucessor do primeiro secretário-geral da organização, Subhi al-Tufayli (Imagem 3).

Imagem 3 - Secretários-gerais: al-Tufayli e o sucessor al-Musawi.

Fontes: ​MEMO MIDDLE EAST MONITOR, 2016; TASNIM NEWS AGENCY, 2018

Notas: Al-Tufayli dirigiu a organização no período de 1983 até 1984, sendo sucedido em um dos conclaves pelo sucessor al-Musawi que assumiria em 1984 e atuaria no comando da organização até o ano de 1992.

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3.1.1 Elementos gerais do documento

A Carta Aberta (Anexo A) é endereçada aos que se encontram em situações de humilhação, mencionando a expressão

mustad'afin13 se aplica aos injustiçados, os injustamente tratados, tiranizados e empobrecidos que não possuem o pão diário, e que são oprimidos em sua liberdade, dignidade e empenho sem considerar se são cristãos ou muçulmanos. Portanto, a ideologia política do Hizbullah enfatiza a universalidade do conceito do Alcorão em oposição à especificidade do conceito marxista - que atravessa a classe, clivagens culturais e religiosas. (ALAGHA, 2011, p.16, tradução nossa)

Para ​Ghorayeb (2002), a distinção que é feita entre oprimidos e opressores é um princípio estabelecido com base no pensamento do Immã Khomeini, essa compreensão é diferente de outros matrizes dentro do pensamento islâmico. Uma concepção que geralmente é confundida com a dicotomia oprimidos/opressores que o Hizballah advoga é o Dar

al-Islam' ​(a Morada do Islã) versus 'Dar al-Harb' (terra da guerra), que coloca os

muçulmanos contra os não-muçulmanos. O diferencial é que os opressores não representam os não-muçulmanos e sim os oprimidos politicamente, privados da economia e discriminados. Assim, a autora afirma que a concepção da organização sobre a opressão é humanística com base no alcorão a todos 'aqueles que estavam sendo oprimidos na terra '(28: 5).

Certamente, a situação que se encontrava a população mais pobre no Líbano na década da exposição desta carta possa ser o pano de fundo para compreendermos o momento na qual vivia a população local, pois, a face da guerra entre as civis xiitas e cristã no sul do país, era de sufocamento pelas baixas na economia e da brutalidade contra a vida em um quadro de guerra.

Outro elemento a ser identificado é o ascetismo, uma vez que no Islã xiita desde o Imã Ali que abdicou de luxos e optou por uma vida humilde junto aos seus seguidores. Esse tema é relevante no Hizballah, pois o estilo de vida de suas lideranças é predominante pela institucionalização desse modo de vida.​ ​(GHORAYEB, 2002).

Assim, com de falangistas com Israel e a ingerência de países como EUA, o conceito de opressores passa a ser instrumentalizado pelo Hizballah para esses agentes. Esse uso conceitual por parte da organização permitiu uma circulação na comunicação para com as massas no período do conflito, dada a realidade de pauperização e extermínio da população.

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A carta coloca mostra o alinhamento com a República Islâmica do Irã e possibilitaram o renascimento do Islã no mundo, cujo a afirmação se encontra no reconhecimento do Ayatullah Ruhallah al-Musawi al-Khomeini, na posição de ​waliyy al-faqih​ (ALAGHA, 2011).

A concepção de ​wilayat al-faqih é resultado do entendimento dos jurisconsultos

xiitas, na busca de repostas para a questão sucessória depois da morte do profeta. Para a legitimação dos Imã Ali e os demais reconhecidos como imamato, esse sistema foi adotado pelos xiitas, ficando obsoleta essa prática após a ocultação do imamato do Imã Ali. Porém essa concepção e prática volta a ser empregada com os discursos do aiatolá Khomeini na Revolução Iraniana ​(COSTA, 2013).

O Irã aparece no documento como o farol revolucionário para o Hizballah, sendo esse país portador da moral no mundo contemporâneo, sendo reconhecida na carta o renascimento islâmico por meio da transformação social impostas pelos xiitas iranianos na revolução.

Apesar do Irã representar o coração do islamismo, e uma nova esperança para a comunidade xiita no Líbano e no mundo, é necessŕio observarmos que o Hizballah dá ênfase nesse país como guardião do islã, mesmo com a existência de regimes sunitas nos países do Golfo. O fato do renascimento islâmico demonstra afinidade com os ​aiatolás iranianos e a visão de renascimento, ou seja, percebe-se uma negação aos regimes já colocados no momentos, a exemplo a monarquia da Arábia Saudita.

Diferentemente do seu horizonte e do seu reconhecimento espiritual em seu mentor no Irã, a ​umma expandiria-se para todos os muçulmanos, sendo esse o caráter indivisível do corpo muçulmano no mundo. Porém, segundo mencionado pela carta, isso deve ser confrontado com o dever religioso, isto é, chocar o destino e desígnios dos muçulmanos não alinhados com a suas obrigações ( ​wajib shar'i​) principalmente e à luz de uma visualização política geral decidida pelo líder: “​al-waliyy al-faqih​” (ALAGHA, 2011, p.40, tradução nossa)

Além da direção dada pelo líder ​al-waliyy al-faqih​, as três principais fontes de inspiração teológica e consequentemente jurídico-política encontram-se no Alcorão, na ​Sunna e as regras colocadas pelos juristas, ou seja, a faqi ​. Sendo esses elementos na visão exposta no documento, claros e de fácil acesso e sem necessidade de teorização ou dispêndio filosófico, para todos eles a necessidade é do respeito e que sejam colocados em prática pelos fiéis.

Dessa forma, podemos afirmar que o Hizballah guarda consigo a inspiração da revolução iraniana, desde sua gênese pré-organizativa dada as influências de opositores do Xá

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que se instalaram junto à comunidade xiita nativa no Líbano. Com a revolução no Irã, o Immã passa a ser reconhecido através do ​al-waliyy al-faqih ​pelo ​Hezbollah. O Irã tem a hegemonia da organização emergente no Líbano, porém, o mesmo pode compreender a realidade libanesa e suas relações de modo ​sui iuris​em relação ao Irã, apesar do alinhamento ideológico e político.

O Hizballah declara que as capacidades militares da organização são imensuráveis, pois, a não separação entre a comunidade que eles intitulam como sociedade de resistência é parte integrada à comunidade, sendo a jihad da "responsabilidade legítima e religiosa"( taklif

shar'i ​) exercida pelos desígnios de ​wilayat al-Faqi​ cada um torna-se um combatente.

A carta exalta as ações da resistência islâmica contra a Forças de Defesa de Israel (FDI), na qual tenta destacar a resistência islâmica como égide das vitórias alcançadas

A digna Resistência Islâmica, que sublinhou e ainda é sublinhada os melhores épicos de heroísmo contra as forças sionistas ocupantes [exército de Israel],destruiu, com a crença religiosa de seus combatentes, os mitos do invencível Israel. Colocou a “Entidade Violadora” [Israel] em problemas reais devido à guerra diária de atrito que travou contra seus recursos militares e humanos e econômicos,o que levou seus líderes a admitir a gravidade do confronto que são de frente para as mãos dos muçulmanos. Essa resistência islâmica está destinada a continuar e crescer, se Deus quiser. Tudo Espera-se que os muçulmanos do mundo forneçam todo o apoio e apoio para arrancar a “glândula cancerosa” [Israel] e eliminá-la da existência. (Ibidem, p.49, tradução nossa)

Sobre o países, a carta coloca na seara dos opressores a América (Estados Unidos), aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e a “entidade sionista”, devido aos males causados à toda ​umma​, a Israel, a luta contra opressor se dá pela tomada da Terra Santa, solo palestino (Imagem 04). A principal menção sobre as ações desses agentes contra os oprimidos é a humilhação, a agressão contra a ​umma​, os massacres.

(41)

Imagem 4 - Cartaz de 1984: Jerusalém, aqui estamos!

Fonte: SIGNS OF CONFLICT, 1984

Sobre a Guerra Fria e o antagonismo entre os projetos societários do comunismo e capitalismo, a carta se posiciona tanto a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e EUA falharam em seus projetos de estabelecer a felicidade na terra, pois

(...) ambos os campos estão lutando por ganhos materiais e estão tentando deixar para trás os oprimidos de seus recursos naturais e direitos [históricos]. Nesta posição, mantemos-nos firmes contra qualquer intervenção colonial, seja oriental ou Ocidental. Nós repreendemos os crimes perpetrados pela América no Vietnã, Irã, Nicarágua, Granada, Palestina e Líbano. Condenamos a invasão soviética Afeganistão e a interferência na soberania do Irã e no território ( Ibidem, p.47, tradução nossa)

Sobre países árabes caracterizados como reacionários, ele destaca que os países produtores de petróleo não hesitaram em transformar seus territórios em bases militares para América e a Grã-Bretanha, sendo estes dependentes de especialistas estrangeiros que são

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