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Lua Cambará, uma assombração brasileira : Lua Cambará, a brazilian haunt

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

INÁCIA RITA MARIA LARISSA BARROS DE SANTANA

LUA CAMBARÁ, UMA ASSOMBRAÇÃO BRASILEIRA.

LUA CAMBARÁ, A BRASILIAN HAUNT

CAMPINAS

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INÁCIA RITA MARIA LARISSA BARROS DE SANTANA

LUA CAMBARÁ, UMA ASSOMBRAÇÃO BRASILEIRA.

LUA CAMBARÁ, A BRASILIAN HAUNT.

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Artes da Cena, na área de Teatro, Dança e Performance.

e

Dissertation presented to the Institute of Arts of the State University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in Arts of the Scene, in the Area of Theater, Dance and Performance.

ORIENTADORA: GRÁCIA MARIA NAVARRO ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA INÁCIA RITA MARIA LARISSA BARROS DE SANTANA E ORIENTADA PELA PROFESSORA DOUTORA GRÁCIA MARIA NAVARRO.

CAMPINAS

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

INÁCIA RITA MARIA LARISSA BARROS DE SANTANA

ORIENTADOR: GRÁCIA MARIA NAVARRO

MEMBROS:

1. PROF(A). DR(A). GRÁCIA MARIA NAVARRO 2. PROF(A). DR. ADILSON NASCIMENTO DE JESUS 3. PROF(A). DR(A). ISA ETEL KOPELMAN

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Vozes de mundos desconhecidos

O chão que eu piso me conta histórias

Pisei por muito tempo nas cinzas dos meus antepassados

Eu escuto suas histórias com os pés

E eles comunicam para o resto do corpo

O corpo responde aos impulsos que vem do chão

Chicoteia, sacode, suspende.

A voz das minhas avós se juntam a milhares de outras vozes

Ruídos que entram de ouvidos a dentro.

Nos meus pés estão as minhas raízes

Uma pessoa sem raiz, não se equilibra,

Não se sustenta

Atrás das minhas costas há toda uma geração

De mulheres esquecidas pelo tempo e memória

Cujos nomes foram silenciados na boca dos parentes

Até não serem mais lembrados

Mas são elas que me dão força

Eu não sou só eu só

Eu sou a filha, a mãe e a avó.

Puxo com as mãos no ar o que foi esgarçado pelo tempo.

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AGRADECIMENTOS

Ao Divino Espírito Santo, às Divindades, as Yabás, Oxum, Yansã, Nanã, Oxalá, aos Encantados, ao povo da Jurema, Salve todo o Juremá. Salve a estrela que me guia. Salve a força que me sustenta.

Às minhas bisavós (in memoriam) que me mostraram por onde começar, em especial Rosa Cipriano.

Às minhas avós, Rosa Santana de Lima e Doralice Barros (in memoriam), pela graça de observá-las tecer histórias com seus gestos, cozinhando ao pé do fogão de lenha, partilhando generosamente o alimento, costurando bonecas de pano e colchas de retalhos nas memórias aquecidas nesses encontros e andanças pelo Sertão.

A quem me deu tutano, mas também me deu asas, meus pais, Elisabete

Santana de Lima, José Arnaldo Barros da Silva. A estes que são âncora e balão dentro

de mim.

A meu irmão, Ariston Lavoisier Barros de Santana, pela compreensão em ver-me ausentar do convívio dos meus.

Aos amigos, Martha Procópio Péclat, José Carlos Prado Péclat e

Chavannes Procópio Péclat, por serem impulsionadores de sonhos, soprando as velas do

meu barco, encorajando-me nessa jornada.

À Grácia Maria Navarro, por acreditar nessa pesquisa, pela partilha e exemplo de hombridade, compromisso, ética, pela possibilidade de dançarmos juntas nas mesmas rodas, partilhando outros tipos de saberes. Também pela orientação cuidadosa do trabalho, respeitando sobretudo a pesquisa e o seu crescimento, obrigada.

Às Caixeiras das Nascentes nas pessoas de Cristina Bueno e Inês Vianna, por partilharem conosco o estudo de práticas, celebrações e saberes que aprenderam com mestres e mestras da Cultura Popular, deixando que eu guarnecesse minhas raízes daquilo que elas precisavam para a minha resiliência de migrante.

À Elias de Lima Lopes, pelas provocações nos laboratórios criativos, por seu tempo, ouvidos, olhos, sensibilidade, confiança, pela amizade, pelas longas conversas e café, pelo silêncio da partilha de uma verdadeira amizade, eu agradeço.

À Venúsia Ferraz, por me estender as mãos quando mais precisei e me ajudar nos dolorosos processos de mudança.

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Às amigas, Aline Sampaio, Hariane Eva, pela oportunidade do desabafo para tomar fôlego nos momentos de dificuldades.

Às amigas, Vera Lúcia Silva, Sthefanie Brito, por compartilharem sua luz comigo.

À Brisa Vieira, pelo lar, pela família, pelo quintal, pela partilha, que me deu possibilidade de uma expansão para o universo, convivendo diariamente com a terra, o sol, a lua, as estrelas, o vento, a chuva, o horizonte.

À Cora, este Erê que me diz coisas tão profundas, quando me diz tão somente: “Coragem!” e torna a brincar em nosso quintal, como se nada fosse.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, com quem tive o prazer de ter aulas, pelas provocações e desafios que lançaram ao meu aprendizado intelectual.

Ao Departamento de Artes Cênicas, nas pessoas de Deyse, Dona Zete, Luís

e Anderson.

Aos funcionários da secretaria de Pós-Graduação, nas pessoas de Neuza,

Letícia e Rodolfo.

À Consuelo Timóteo, por abrir a Casa das Almas com suas narrativas assombrosas a essa pesquisa e experimentação no cemitério do seu quintal e no castelo anexo à casa grande.

À rezadeira Dona Francisca, que nutriu meu imaginário, com os causos da seca de 1970, da linha do trem, das histórias dos retirantes, ciganos, “envurtados”, das mulheres amaldiçoadas que “correm bicho”, lobisomens, encantados, livros de magia, nas tardes em que me benzia de mal olhado, ao mesmo tempo em que me ensinava suas rezas.

À Cida, da Ong Mulher Maravilha, pela ponte junto ao Quilombo

Travessão do Caruá, por literalmente me colocar no carro de lotação e providenciar a

minha recepção em sua família.

Ao autodidata Dezinho, ou Seu José Alfredo Vitor da Silva, que compartilhou histórias dos seus antepassados, de quando fugiram de Palmares na época em que este foi invadido, embrenhando-se de Moxotó a dentro até parar no Alto Sertão do Pajeú, onde tiveram a proteção de Lampião para se instalar nas terras do Travessão do Caruá, em que mora atualmente. Por partilhar histórias, danças, canções. Também à Severina, sua esposa, por partilhar o aconchego de seu lar.

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por me deixar vê-lo construir narrativas num tronco de árvore, transformando-o com o seu fazer em canga para carro de boi, que por sua vez continuaria tecendo outras narrativas. Também pela reza para “fechar o corpo”, a qual muito me ajudou nessa escrita.

Ao vaqueiro Augusto, por partilhar um pouco da sua rotina de trabalho na casa do seu patrão, Si Toin, na transferência do gado para outra roça e no adestramento do cavalo Napoleão.

A Elisabete Santana de Lima, pelo envolvimento com esse processo criativo, na via mítica, tecendo com a ciência do fazer os figurinos que iam compor os corpos dessas personagens e por me levar à chã da serra sempre que preciso de Axé, contando-me a cada passo da subida, onde se escondem as árvores curativas.

A Rosa Santana de Lima, por me contar histórias da minha bisavó, Mãe Isabel, mestiça de sangue indígena e português e histórias de como morriam os anjinhos de morte matada no Sertão.

Às artesãs e artesãos de Pernambuco e Paraíba, que encontrei nessa trajetória

e dos quais obtive além dos objetos que compõem a cena, as narrativas que os acompanham, pela graça de manipular essas narrativas simbólicas, meu muito obrigado.

À Rita Cássia, Rodolfo Ventura e Raielle Mazzarelli, que me auxiliaram nessa escrita poética, com a captação das imagens, edição e foto-grafia, sem os quais o registro do processo criativo nesta dissertação não seria tão rico.

À CAPES, que patrocinou essa pesquisa, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento e dedicação exclusiva a esse trabalho. (O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001).

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RESUMO

Esta dissertação resulta de uma pesquisa na linha de Poéticas e Linguagens da Cena, sobre o processo de criação da personagem Lua, inspirada no conto de Ronaldo Correia Brito,

Lua Cambará, transcrito da tradição oral em 1970. O objetivo central foi descobrir a partir

de um texto literário que evoca imagens arquetípicas do Sertão e do feminino, como adentrar as camadas da personagem lunar, de modo a traduzir as provocações do conto em linguagem cênica. Além da criação poética, conto gerou um estudo sobre os atravessamentos que permeiam o feminino na personagem, tais como a condição de mestiça sertaneja, numa aproximação em fricção com o contexto da personagem, do qual emergem situações complexas que envolvem a construção cultural do feminino no século XIX. Ancoro as reflexões sobre a mestiçagem no pensamento de Serge Gruzinski, Garcia Canclini, Milton Santos e Larissa Vianna, a fim de compreender a força transgressora de Lua, em relação ao contexto em que o autor do conto situa tal personagem. A seca no Nordeste, quase uma entidade atemporal no conto, aparece no palco como uma metáfora, escrita no corpo de atriz e na cena. Essa metáfora é criada com os silêncios, texturas, projeção de imagens, canções e no corpo de atriz ao recuperar sensações da pesquisa de campo. Assim as materialidades retidas na memória e transformadas em metáforas na cena, por meio das ações, dos objetos, figurinos, encontram-se em consonância com a metodologia de intercâmbio com o campo no modo artesanal de fazer, o qual envolve uma artesania muito delicada, irradiada pelos afetos, encontros, vivências com os materiais que compõem os detalhes dessa encenação desde aqueles mais singelos. A escolha por objetos artesanais está estreitamente ligada aos trajetos e narrativas simbólicas que constroem a partir do seu manuseio, por meio das associações com as pessoas, lugares, narrativas que acompanharam a aquisição desses objetos. A pesquisa parte da literatura, permeando a cultura popular, celeiro criativo, no qual busco desenvolver a presença de atriz e relação com o público, bem como o fluxo entre as qualidades que identifiquei na personagem: moça, guerreira, anciã, elementos que, ao final, compõem a consciência atemporal de Lua na qualidade de assombração. Ao perceber que os métodos de criação de personagens conhecidos e experimentados em minha formação não serviriam para este trabalho específico, no próprio fazer fui criando a metodologia do fazer específica deste processo criativo, a qual chamei de “Filosofia do Guarnecer”. Esse é um conceito misto inspirado no guarnecer do Boi do Maranhão, conforme estudado por Marianna Monteiro e na Filosofia

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do Teatro, de acordo com Jorge Dubatti. Relaciono as performances culturais rituais e estéticas com o acontecimento, o que aproximou dos estudos de Illeana Diéguez, Victor Turner e Richard Schechner, acerca dos conceitos de limen, liminaridade e ritual. Dessa forma, a Filosofia do Guarnecer orienta a prática artística e o modo de lidar com as práticas, saberes e celebrações da cultura popular brasileira num ponto de vista proximal, afetivo e participativo, em que eu me encontrei em termos de horizontalidade, envolvida nas rodas com os fazedores da cultura popular. Nessa pesquisa, alio teatro com fotografia e vídeo, compreendendo o registro audiovisual e fotográfico como grafia. As foto-grafias são recortes da experiência, com as quais reescrevo as cenas para o espectador leitor, convidando a olhar de novo as metáforas da criação, quando projetadas sobre o corpo da atriz e no espaço, podem fazer o transporte através das provocações sensoriais.

Palavras-chave: Teatro; Literatura; Cultura Popular; Processo Criativo; Personagem;

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ABSTRACT

This master‟s thesis results from a search on line Poetics and Languages scene on the process of creating the Lua character, inspired by the tale of Ronaldo Brito Correia, Lua Cambara, transcript of the oral tradition in 1970. The main objective was to create from a literary text that evokes archetypal images of the Sertão and the feminine, discovering how to penetrate the layers of the lunar character, in what way translate the tale provocations in scenic language and aesthetic creation. Beyond of poetic creation, the tale generated a study of the crossings that permeate the feminine in the character, such as the condition of mestiza sertaneja, in an approach in friction with the context of the character, from which complex situations emerge which involve the cultural construction of the feminine in the nineteenth century. I anchor the reflections on mestizaje in the thought of Serge Gruzinski, Garcia Canclini, Milton Santos and Larissa Vianna, in order to understand the transgressor force of Lua in relation to the context in which the tale's writer situates the character. The drought in the Northeast, almost a timeless entity in the tale, appears on the scene as a metaphor, written on the actress's body and on the scene. This metaphor is created with the silences, textures, projection of images, songs and in the actress body, when recovering sensations of the field research. So the materialities retained in memory and transformed into metaphors in the scene, through actions, objects, costumes, are in accordance with the methodology of exchange with the field in the artisanal way of doing, which involves a very delicate craftsmanship, radiated by the affections, meetings, experiences with the materials that compose the details of this staging, from the simplest. The choice of craft objects is closely linked to the paths and symbolic narratives that build on its handling, through the associations that I make with the people, places, narratives that accompanied the acquisition of these objects. The research is part of literature, permeating popular culture, creative barn, where I seek to develop the presence of actress and relationship with the public, as well as the flow between the qualities that I identified in the character: girl, warrior, old woman who end up the ghost, composing Lua as a whole, the timeless awareness Lua. When realizing that the methods of creation of characters known and experienced in my formation, would not serve for this specific work, in the own doing I was creating the methodology of doing, specific of this creative process, which I called "Philosophy of the Guarner". This is a mixed concept inspired by the garnish of Maranhão Boi, as studied by Marianna Monteiro and Philosophy Theater according with Jorge

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Dubatti. I relate the ritualistic and aesthetic cultural performances with the event, which approached the studies of Illeana Diéguez, Victor Turner and Richard Schechner, about the concepts of limen, liminarity and ritual. In this way, the Guarnecer Philosophy guides the artistic practice and the way of dealing with the practices, knowledge and celebrations of Brazilian popular culture in a proximal, affective and participative point of view, where I found myself in terms of horizontality, involved in the wheels with makers of popular culture. In this research, I combine theater with photography and video, including the audiovisual and photographic record as spelling. The photographs are a cut-out of the experience, with which rewrite the scenes for the reader's spectator, inviting to look again the metaphors of creation, when projected onto the body of the actress and in space, can make the transport through the sensorial provocations.

Keywords: Theater; Literature; Popular culture; Creative process; Character;

Photography.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Imersão em campo, chã da serra, Sítio Barro Branco, Alto Sertão do Pajeú, município de Afogados da Ingazeira-PE, dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora...43 Imagens 2,3,4: Laboratório de personagem, Sítio Barro Branco, Alto Sertão do Pajeú, município de Afogados da Ingazeira-PE, janeiro de 2018. Arquivo pessoal da autora... 44,45 Imagem 5: Laboratório de criação, Sítio Catolé, Afogados da Ingazeira-PE. Objetos cênicos confeccionados à mão. Luzia, Jovina, Catarina, Tereza, Mariquinha, Quitéria, Rosinha. Fevereiro de 2018. Arquivo pessoal da autora...58 Imagem 6: Castelo Casa das Almas, Sítio das Almas, Rota do Cangaço, Triunfo. Divisa entre os estados de Pernambuco e Paraíba. Fevereiro de 2018. Arquivo pessoal da autora...65 Imagens 7, 8, 9, 10 ,11, 12: Experimentação audiovisual Sangangá, Paviartes, sala AC 011 do Instituto de Artes da Unicamp. Junho de 2017. Captação de imagens de Hariane Eva...67 Imagens 13, 14, 15, 16, 17, 18: Passeio. Pesquisadores integrantes do grupo de pesquisa Pindorama: Alessandro Oliveira, Eduardo Cecconello, Ysmaille Ferreira, Inácio Azevedo e passantes Lauro Mota, Hugo Kojimiura e Victor Santos. Praça da Paz, Unicamp. 18 de outubro de 2016. Fotos de Letizia Nicoli...80, 81 Imagem 19: Andor de Santa Luzia, Sítio Queimadas- Alto Sertão do Pajeú, Pernambuco, 13 dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora... ...86

Imagem 20: Presépio, Afogados da Ingazeira, Alto Sertão do Pajeú, Pernambuco, 22 de dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora... ...87 Imagem 21: Barraca de feira, pesquisa de campo, Afogados da Ingazeira, Pernambuco, janeiro de 2018 Arquivo pessoal da autora...88 Imagem 22: Barraca de feira, pesquisa de campo, Afogados da Ingazeira, Pernambuco, janeiro de 2018. Arquivo pessoal da autora... ...88 Imagem 23: Roça de palma, pesquisa de campo, Sítio Barro Branco, Alto Sertão do Alto Pajeú, Pernambuco, dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora...89 Imagens 24, 25: Captura do registro audiovisual de laboratório criativo realizado em 26 de dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora...90 Imagem 26: Perneira do vaqueiro, Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, julho de 2018. Foto de Raielle Mazzarelli... ...91 Imagem 27: Figurino base da Cacurucaia Maria, Paviartes, Instituto de Artes, julho de 2018. Foto de Raielle Mazzareli... ...92 Imagem 28: Caju, barraca de feira, pesquisa de campo, Sertão do Alto Pajeú, Afogados da Ingazeira, janeiro de 2018. Arquivo pessoal da autora...94 Imagem 29: Pimenta do reino e coloral, barraca de feira, pesquisa de campo, Sertão do Alto Pajeú, Afogados da Ingazeira, janeiro de 2018. Foto do arquivo pessoal...95

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Imagem 30: Sabugo de milho no terreiro de vó Rosa, Sítio Catolé, Sertão do Alto Pajeú, dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora... ...96 Imagem 31: Flores secas de sombreão, terreiro de vó Rosa, Sítio Catolé, Sertão do Alto Pajeú, dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora... ...96 Imagem 32: Pé de sombreão no terreiro de Elisabete Santana, Sítio Barro Branco, Alto Sertão do Pajeú, fevereiro de 2018. Arquivo pessoal da autora...97 Imagens 33, 34: Captura do registro audiovisual do laboratório de criação realizado no Castelo da Casa das Almas, rota do cangaço, Triunfo, Pernambuco, detalhes da capa de Lua, 16 de janeiro de 2018. Captação de imagens de Rita Cássia...94 Imagens 35, 36, 37, 38: Casa abandonada (aqui morava Maria) Sítio Barriguda, Alto Sertão do Pajeú, Afogados da Ingazeira, Pernambuco, dezembro de 2017. Arquivo pessoal da autora...99 Imagem 39: Cabra, Paviartes, Instituto de Artes da Unicamp, julho de 2018. Foto de Raielle Mazzarelli...100 Imagem 40: Laboratório criativo realizado no Castelo da Casa das Almas, rota do Cangaço, Triunfo Pernambuco, 16 de janeiro de 2018. Foto de registro audiovisual, captação de imagens de Rita Cassia...100 Imagem 41: Cenário, ensaio aberto, Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, 13 de maio de 2018. Arquivo pessoal da autora...101 Imagem 42: Pesquisa de campo, restauração de cerca de vara a caminho da chã da serra. Sítio Barro Branco, Alto Sertão do Pajeú, Pernambuco. Arquivo pessoal da autora...102 Imagem 43: Maquiagem de Lua, ensaio aberto, Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, 17 de maio de 2018. Arquivo pessoal da autora...103 Imagem 44: Vista do amanhecer. Pesquisa de campo, errância, Sítio Barro Branco, Alto Sertão do Pajeú. Dezembro 2017. Arquivo pessoal da autora...104 Imagem 45: Caatinga, Sítio Barro Branco. Captura do registro audiovisual. Dezembro 2017...105 Imagem 46: Atrás a serra, Sítio Barro Branco. Captura do registro audiovisual. Dezembro de 2017... ...106 Imagem 47: Corrida na caatinga, Sítio Barro Branco. Captura do registro audiovisual. Dezembro de 2017... ...106 Imagem 48: Cata-vento, Sítio Catolé. Captura do registro audiovisual. Dezembro de 2017...107 Imagem 49: Cata-vento, Sítio Catolé. Captura do registro audiovisual. Dezembro de 2017...107 Imagem 50: Sombra do Cata-vento no chão seco. Sítio Catolé. Captura do registro audiovisual. Dezembro de 2017... ...108 Imagem 51: Tronco seco. Sítio Catolé. Captura do registro audiovisual. Dezembro de 2017...108 Imagem 52: Assombração. Castelo Casa das Almas, Triunfo. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018... ...109

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Imagem 53: Fogão de lenha na casa de vó. Sítio Catolé. Captura do registro audiovisual, dezembro de 2017...109 Imagem 54: Cemitério Bizantino construído em 1808, Casa das Almas, Triunfo. Captura do Registro audiovisual, fevereiro de 2018...110 Imagem 55: Cemitério Bizantino construído em 1808, Casa das Almas, Triunfo. Captura do Registro audiovisual, fevereiro de 2018...110 Imagem 56: Sangue que escorre, Castelo das Almas, Triunfo. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018...111 Imagem 57: Arrancou da garganta o grito que era da mãe. Castelo das Almas, Triunfo. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018...111 Imagem 58: Arrancou da garganta o grito que era da mãe. Castelo das Almas, Triunfo. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018...112 Imagem 59: Arrancou da garganta o grito que era da mãe. Castelo das Almas, Triunfo. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018...112 Imagem 60: Arrancou da garganta o grito que era da mãe. Castelo das Almas, Triunfo. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018...113 Imagem 61: Lua, Sítio Barro Branco. Captura do registro audiovisual. Fevereiro de 2018...113 Imagens 62,63,64,65: Prólogo. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...116 Imagens 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75: Cacurucaia Maria. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...119, 120 Imagem 76, 77: Narradora. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...120 Imagens 78,79,80,81,82,83,84, 85: Vaqueiro. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...121, 122 Imagens 86, 87, 88, 89: Parto. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...123 Imagens 90, 91, 92, 83, 94, 95: Lua moça. Paviartes, Instituto de Artes, julho de 2018, Unicamp. Fotos de Raielle Mazzarelli...124 Imagem 96: Eles são quantos? Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Foto de Raielle Mazzarelli...126 Imagens 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103,104,105, 106: Lua guerreira. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...128 Imagens 107, 108, 109, 110: Confissão de Lua. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli... ...129, 130 Imagens 111, 112: Recusa. Paviartes, Instituto de Artes da Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...131

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Imagem 113: Se eu lhe pedir uma coisa, você faz? Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp. Sala AC 04. Foto de Raielle Mazzarelli... ...132 Imagens 114, 115: Maldição de Irene, Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp. Sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...132 Imagens 116, 117, 118, 119: Sentença, Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli. ...133

Imagens 120, 121, 122: Enterro do vaqueiro. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli...134 Imagens 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130: Lua, a pomba gira das escruzilhadas de terra. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Fotos de Raielle Mazzarelli ...135 Imagem 131: Arrancou da garganta o grito que era da mãe. Paviartes, Instituto de Artes, Unicamp, sala AC 04, julho de 2018. Foto de Raielle Mazzarelli...136

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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO (ou como tudo começou) ...18

CAPÍTULO 1: DO PONTO DE VISTA DA ARTISTA ...30

1.1 Sobre o fazer, a Filosofia do Guarnecer ...30

1.2 O mito do corpo-seco: a seca como metáfora na poética da cena ...43

CAPÍTULO 2: LUA CAMBARÁ ...52

2.1 Lua Cambará, a lua como símbolo cósmico do feminino ...52

2.2 Uma mestiça de gênio ruim e raça de branco, Lua Cambará uma revolucionária politicamente incorreta ...58

CAPÍTULO 3: DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...65

3.1 Procedimentos metodológicos ...65

3.2 Sobre fazer à mão, artifício e artesania ...83

3.3 Condensação de experiências: Teaser de As nove luas de Lua Cambará. ...105

CAPÍTULO 4: DA ESCRITURA CÊNICA ...115

4.1 Da escritura cênica: foto-grafia, um fotograma poético ...115

CONSIDERAÇÕES FINAIS...143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...142

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INTRODUÇÃO (ou como tudo começou)

Nesta pesquisa, proponho uma trajetória que parte da literatura em direção à criação cênica. A cultura popular aparece como intermediária entre esses dois pontos, uma vez que o conto disparador para a criação cênica, surge da tradição oral, a qual expressa-se de diversas maneiras na cultura popular nordestina, desde a contação de causos, o repente, ou mesmo as vivências com mestres e mestras no contexto religioso e/ou festivo. O conto evoca um sertão remoto, fadado a acontecimentos funestos, no qual as forças que regem o destino vêm acompanhadas de maldições ancestrais, onde seres em trânsito entre mundos aparecem para confundir e atormentar os vivos.

A riqueza de imagens desafia o trabalho de atriz, pois além de buscar qualidades de presença distintas, em fluxo, necessitava recorrer à criação de metáforas na cena que buscassem acordar no imaginário do espectador um sertão mítico de forma palpável. Sem a pretensão de esgotar o conto, nem tampouco reproduzi-lo letra por letra, persisti nesse trabalho em que enfrentei momentos caóticos e vazios criativos, até encontrar um fio, pelo qual pudesse seguir. Da imersão em loco, surge a provocação do corpo como tela, poroso, que deixa transparecer as materialidades que contêm, deste corpo mesmo que carrega o sertão onde quer que vá.

No primeiro capítulo, apresento ao leitor a Filosofia do Guarnecer, conceito misto que fui desenvolvendo ao longo do trajeto para traduzir em palavras um modo de criação específico, que despontou neste trabalho, a partir do termo Guarnecer da brincadeira do Boi do Maranhão, relacionado à Filosofia do Teatro de Jorge Dubatti. Percebo as características do acontecimento excepcional enumeradas pelo referido autor, não só nas práticas teatrais, mas também nas performances culturais, práticas e saberes da cultura popular que tive oportunidade de vivenciar em que identifiquei, nessas ocasiões, a geração de communitas criada pelo contexto em que se dá o convívio, a transmissão e a resistência desses movimentos.

Procurei desenvolver como o guarnecer orienta uma postura diante das manifestações populares, transformando-se no fazer teatral na medida em que as memórias corporais, guarnecidas em situações de convívio, têm dado vida a essa personagem nas suas qualidades de presença. Para isso, dialogo com o pensamento de Jorge Dubatti acerca da Filosofia do Teatro em relação a outros pensadores, para traçar uma linha de raciocínio, a partir da minha experiência com a cultura popular, acerca da situação de liminaridade que

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acredito decorrer da excepcionalidade comum ao teatro e à cultura popular. Nesses encontros, vou guarnecendo, corpo, memória, imaginário e raízes que ao retornar à sala de ensaio, busco recuperar as experiências vividas, através dos sentidos, como aquecimento para o trabalho, com o trabalho e no trabalho.

A partir do contato dos sentidos com o campo de pesquisa que realizei no Sertão pernambucano, vivenciando técnicas de comer, sentar, dormir, de estar no tempo, diferenciadas daquelas a que normalmente nos habituamos nas cidades grandes, expando a minha percepção corporal para um sentido de corpo como tela, um corpo poroso, que deixa entrever as materialidades que contém retidas na memória e transformadas em metáforas na cena, por meio das ações, dos objetos, figurinos. Esse corpo como tela visa a experienciar a seca, com o mais profundo da observação ativa, afetiva, proximal com o campo, a fim de entender o que vem a ser encarnar o mito do corpo-seco que dá origem ao conto.

No segundo capítulo, adentro duas camadas apontadas no conto, primeiramente um aspecto mítico que me fez criar aproximações com imagens arquetípicas de um feminino ancestral, cujo elemento de representação primordial é o elemento cósmico da lua. Na trajetória da personagem, observo “fases” as quais relaciono às imagens arquetípicas que acessei por meio das vivências em terreiros desde 2010 e das transcrições dos mitos das Yabás Oxum, Yansã, Nanã. Percebo que o conto possibilita essa relação quando identifico na personagem fases luminosas, sombrias e intermediárias, num

continum ciclo de impermanência e fluxo.

Outro aspecto é aquele que emerge do contexto em que o autor localiza a personagem, o qual tomado como meio de investigar as relações sociais estabelecidas na época proposta, principalmente a recepção da sociedade escravocrata nordestina em fins do século XIX à figura da mulher livre, mestiça, herdeira, exercer funções de comando. Ao que, o contexto ficcional em relação ao contexto da época, faz depreender que a personagem seria uma revolucionária, feminista, politicamente incorreta. Daí, talvez advém a condenação a que Lua é submetida, colocada na boca de Irene, personagem que caracteriza o modelo de feminino tido como ideal dentro desse contexto.

No terceiro capítulo, faço uma reflexão sobre a conduta ética que adotei em relação à cultura popular na minha metodologia de criação, através da Filosofia do Guarnecer, em que proponho uma metodologia de trabalho, inspirada nos encontros com a cultura popular, esta compreendida enquanto celeiro criativo que sustenta pontes entre

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aquele que faz e o público, através dos afetos nas feiras, praças, sítios, trajetos e andanças. A partir de exercícios iniciais, em que fui acerando a personagem pelas margens até encontrar um fio condutor, o leitor poderá ter acesso a parte do registro desse processo criativo, no compartilhamento das foto-grafias, compreendidas aqui como uma forma sensível de escrita que perdura no tempo mais do que simplesmente um recorte da experiência.

Refletindo sobre os exercícios realizados, identifico que durante esse trajeto, a experimentação criativa e a apresentação de tais exercícios foram constantes, durante o processo criativo, configurando uma metodologia em que o compartilhamento do resultado estético se dá no próprio processo de construção, ao invés de optar por somente realizá-lo ao final. Por meio do compartilhamento, mesmo as experimentações incipientes, apontaram pistas no seu fazer daquilo que viria a ser o exercício cênico As nove luas de

Lua Cambará.

Compartilho então, pistas a partir de três exercícios iniciais, Laboratório, Oficina e Passeio, os quais culminaram na experimentação audiovisual Sangangá e na escrita da dramaturgia cênica, com base na escolha de trechos do conto, em que a perspectiva autoral busca traçar uma trajetória cíclica da personagem. Ao escrever sobre o processo de construção da personagem, lanço-me nesse abismo que é a escrita, numa produção textual sensível sobre a experimentação. Privilegio um polo de inteligência encarnado, em que pretendo situar a escrita de modo a evitar a separação entre sujeito e objeto, atentando para aquilo que emerge e enquanto conhecimento das experimentações, nas quais a personagem desenha um trajeto que permite o encontro entre sujeito e campo de pesquisa no seu fazer.

Como resultado das experimentações criativas em campo, além do exercício cênico, obtenho um vídeo-arte. Rita Cássia juntamente e Rodolfo Ventura foram cocriadores desse material, que se integrou à cena, em que as texturas e materialidades do campo transbordam e são oferecidas às retinas do público, como portal para essa passagem sensorial ao sertão das minhas andanças.

No quarto capítulo, trago ao conhecimento do leitor o resultado cênico intitulado As nove luas de Lua Cambará, em que escrevo com as foto-grafias o registro da experiência cênica, aliado à escrita dramatúrgica inspirada no conto de Ronaldo Correia Brito, traço uma trajetória autoral de pesquisa e criação em personagem, que resulta em um trabalho poético e estético.

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O processo de construção da personagem Lua Cambará trouxe um levantamento de questões sobre a representação do feminino. Na construção desse aspecto, procuro explorar qualidades de energia e presença, através das matrizes da cultura popular brasileira, de modo a tentar dialogar com elas na relação com um sertão mitológico e arquetípico. A maneira como fui me acercando de tais matrizes, fricciona o eu da atriz com a alteridade da personagem em um processo que se deu no cumprimento de um ciclo.

Já dispus a organização da dissertação, apresentei o menu, por assim dizer, mas o leitor pode estar se perguntando como tudo isso começou afinal, de onde surgiu o interesse em trabalhar com um texto literário, ao invés de optar por um texto teatral. A seguir trago o relato para que se possa acompanhar em que nível se deu essa fricção entre as histórias de vida da atriz e da personagem, como se cruzaram na criação, peço licença pois terei de voltar um pouco no tempo.

Em 1999, eu e minha família nos mudamos da cidade de Iguaracy, para a zona rural no Sítio Barro Branco, no Sertão pernambucano. Construímos nossa casa ao lado de um terreno onde havia ruínas, alguns tijolos de barro e talvez o que poderia ter sido o chão de uma casa.

Em 2009, estava terminando a faculdade de letras, algo despontou ali quando cursei as últimas matérias de Literatura Brasileira, com Dona Maria José. Foi o meu primeiro contato com o conto Lua Cambará. Impactou-me, desde então, a assombração que passa a vagar. As imagens deste conto começaram a povoar meu imaginário a partir desse momento, como se estivessem à espreita.

Em 2012, lembrei-me do conto, veio a vontade de trabalhar com ele, mas logo abandonei essa ideia. Estava frequentando um círculo de Constelação Familiar, em João Pessoa, quando, certo dia, entre o sono e a vigília, fui acordada por uma voz incisiva que me disse que Madrinha Rosa precisava que eu fizesse isso. Eu nunca tinha ouvido falar nessa parenta, entrei em contato com minha mãe, minhas tias, minha vó, juntei as partes daqui e dali. Madrinha Rosa foi uma bisavó materna que tinha sido esquecida pela família. Após sua morte, suas coisas foram queimadas, sua casa destruída, nenhuma vela foi acesa, nem de sete dias, nem de 30 dias, nunca mais se falou nela. O grande erro que ela cometeu foi romper com o ideal estabelecido para o feminino, da pureza, virgindade e do temor aos homens: engravidou antes do casamento, a família Cipriano tinha posses, o pai e o irmão chegaram a lhe ameaçar de morte para que ela abortasse e dissesse de quem era a criança.

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Ela não contou, foi destituída da herança. A filha viveu até os treze anos de idade, quando um dia foi com a mãe lavar roupa no açude, pisou num ferro, contraiu tétano e morreu. O desgosto a consumiu, adquiriu um câncer de útero.

Naquela época, no sertão, as pessoas pensavam que o câncer fosse um tipo de lepra, os parentes passaram a jogá-la de uma casa para outra, sem querer cuidar de suas feridas, com medo de que fosse contagioso. Meu avô materno, Brás Macena, tratava das feridas como se fosse qualquer novilha, cabra, ou semelhante, jogava pinho sol na entrada da sua vagina, para tirar as larvas que lhe roíam o ventre. A casa de Madrinha Rosa foi derrubada e todos os seus pertences, inclusive os retratos, após sua morte, foram queimados. Quando cavouquei essa história, descobri que as ruínas na roça ao lado, na casa do Sítio, eram a antiga casa dela.

Cogitei a possibilidade de trabalhar com as imagens arquetípicas do feminino que o conto evoca, quem sabe, emprestar o nome de Lua Cambará, para falar de coisas que há muito tempo não se falava. No primeiro momento, não tive coragem de me afundar nesse pântano, tive receio de depois não saber lidar como o que transbordaria. A história de Marinha Rosa, a de Lua e a minha.

Em 2013, passei por uma violência sexual, foi um período de trevas na minha vida que coincidiu com o término do curso de bacharelado em teatro na Universidade Federal da Paraíba. Foi quando senti na carne a maldição de ser mulher. Todas as questões relacionadas, a útero, feminino, masculino, contato físico, maternidade, sangue, foram motivo de muita revolta em meu ser, eu afundei dentro de mim e quase não quis mais viver.

A dança popular me trouxe de volta à vida, desde então, ela sempre me ajuda a fazer o caminho de retorno. Fiz como pesquisa de TCC uma investigação sobre o corpo do deprimido e como as danças populares brasileiras podiam fazer um aterramento, conectando o indivíduo de volta ao presente, abrindo e expandindo o corpo ao contato consigo, com o outro, com o espaço. É claro que diversos fatores me atravessavam nessa pesquisa, eu mesma era cobaia dessa investigação, juntamente com outras pessoas que já haviam passado por algum episódio de depressão. Comecei a perceber nas danças do Coco, Afoxé e Ciranda qualidades energéticas para além do passo, para além da forma.

Em 2015, prestei mestrado pela primeira vez na Universidade Federal da Bahia, tornei a prestar o exame na Universidade Estadual de Campinas em 2016, quando fui aprovada com aluna efetiva, mas em 2015 mesmo, tomei coragem! Respirei fundo... e

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comecei a acerar essa história. Quando digo, acerar, é no sentido de ir pelas bordas, lentamente em direção ao centro. Como quando a gente entra em água desconhecida, pé ante pé, testando a fundura da água e a firmeza do chão.

Pois bem, foi assim que comecei acerando. Fiz disciplinas como aluna especial, nas quais, pela primeira vez, propus uma prática a partir do conto referido. E a pergunta dentro de mim ecoava: quando era que eu iria ter coragem de sair da margem, do papel de observadora, para intérprete? Depois de observar, nessa ocasião e numa oficina em que eu repeti o mesmo exercício, uma força despontou em mim e aí de fato começaram os trabalhos. Pela primeira vez, comecei um trabalho não pelo corpo, não pelo treinamento, não pelo texto, mas por canções. Canções de invocação da lua no Santo Daime, que eu cantei muitas vezes.

Até que comecei a sonhar com a personagem, alguns sonhos eram cenas prontas, com figurino, texto, iluminação, cenário... Como se eu visse um filme diante de meus olhos, como se a personagem me dissesse o que queria que fosse feito, como se fosse coisa viva a direcionar a mim no trabalho e não o contrário, não era eu, a pessoa da atriz a criar uma personagem, mas uma outra alteridade me dizendo o que queria de mim.

Nesse processo, a criação se deu primeiro num plano do imaginário, para ir tomando lugar e forma no corpo e aconteceu também de forma concomitante à criação. Ao olhar para trás, do ponto onde estou, percebo que subestimei esses materiais, por não encontrar formas de escrever sobre eles e “validar” esse procedimento, que agora entendo que tem a ver com uma disponibilidade, porosidade e entrega muito grande ao processo que se iniciava.

Primeiro, sonhei com minha orientadora fazendo pesquisa de campo, em bordéis. Indo a campo nesse mundo dos sonhos, visitei bordéis de movimento fraco, conversei com prostitutas velhas de profissão, que me falavam de suas expectativas e frustrações, contavam-se sobre suas paixões, angústias, sobre como era ruim, beber sozinhas, encarar ao fim das festas, os copos e as camas vazias, faziam da solidão uma companheira cotidiana em meio ao vazio, dos corpos. Ainda no sonho, eu encontrava a orientadora, conversávamos sobre as observações de campo, retornávamos para a sala de ensaio, levadas por um vento que fazia nossos corpos caminharem em espirais no tempo-espaço, como se tivéssemos passado por um portal.

Como indicação, a partir dessa “pesquisa de campo”, eu recebia um programa em que deveria ir vestida de noiva a uma rodoviária ou estação de metrô, para confundir os

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passantes com o texto seguinte: “Oi, você me ajuda a completar minha passagem? É que meu noivo, tá me esperando hoje para a gente casar, você sabe como eu faço pra chegar em Brasília? Meu noivo, mora lá, eu tenho que chegar pro casório que acontece agora às 19h, será que esse dinheiro dá pra eu chegar lá?”

A indicação de figurino era um vestido de noiva, sujo de lama vermelha, rasgado, velho, amarrotado, cheio de galhos, folhas e penas enganchados na roupa e nos cabelos. (Dou-me conta de que este figurino se materializou depois na cena, o leitor poderá conferir mais adiante nas foto-grafias que servem de registro ao exercício cênico).

Outro sonho foi com o cenário, tratava-se de uma estrutura que imitava os galhos secos e retorcidos da caatinga, parafusados de forma que eu pudesse subir neles e no centro havia um espaço oco na estrutura. No chão, tinha o desenho de uma mandala sustentando como centro a lua cheia e no entorno diversas fases da lua, nos seus intermediários crescentes e minguantes e a lua nova. Ao início de cada apresentação, era sorteada uma lua, a encenação começava daquele ponto.

Neste sonho, entrava em cena a assombração, com um longo kimono de seda que lhe cobria as mãos e os pés, no rosto, uma máscara grande, as luzes apagavam. Havia uma troca de figurino, quando as luzes acendiam novamente, esta corria e descia escadas de uma arquibancada vazia, dizendo o texto da encomenda da morte de Irene, passava entre o público dizendo-o e correndo entre os espaços da arquibancada. Novamente, escuro, depois um foco de luz ao centro da cena, as pessoas assistiam do alto.

A personagem se despia, as roupas ficavam penduradas num biombo de madeira, por onde um feixe de luz passava através do trançado. Ervas cheirosas eram cozidas e incensavam o ambiente, enquanto me banhava numa bacia, tocava a região íntima, enfiava os dedos no canal vaginal, tirava de lá uma coloração vermelha semelhante ao sangue, com a qual me lambuzava e aos poucos lambuzava também algumas pessoas da plateia, dizendo o texto referente à recusa do amor de Lua por João Índio. Novamente escuro, quando a luz tornava a acender, eu aparecia entre as estruturas de galhos trançados, entrando e saindo do oco, subindo, descendo, ficando de cabeça para baixo, enquanto dizia o texto do delírio de morte.

Ao acordar desse sonho, comecei a “discutir” com a personagem. Indispus-me a realizar na cena esse sonho, perguntei-lhe o que ela queria dizer com isso, achava totalmente desnecessário uma cena de masturbação feminina que simulasse a menstruação. A resposta que surgiu foi num tom de deboche “Ah é, você quer me dizer então que a masturbação feminina é assunto ultrapassado, superado, me diz por que o clítoris não está

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nos livros de biologia do ensino fundamental e médio? Por que não há um estudo aprofundado sobre essa anatomia? Quer dizer que menstruação também é assunto batido e superado? Então por que você não sai na rua sangrando? Por que tem que dissimular seu sangue todo mês? Se é tão natural, por que ainda espanta, uma mulher sangrar? O sangue é por acaso sujo? Como se Lua fosse coisa viva que exige de mim um mergulho profundo nos tabus relacionados ao feminino, eu vou tateando entre as sombras, tentando ver até onde tem pé, nessas águas escuras e desconhecidas, nesse rio pantanoso do inconsciente que vem à tona através do trabalho.

No começo dos laboratórios individuais, senti-me divagando, era um vagar sem fim, divagar de não saber por onde começar, como seguir, aonde iria chegar, uma angústia criativa terrível. E de-vagar, de sentir uma progressão tão lenta, impossível, a vontade de desistir, o vazio, o sentimento de passar horas sem chegar a lugar nenhum e de, às vezes, encontrar um cisco que se resumia a uma marca que mal preenchia dois segundos de verdade. Trabalhar sozinha era mais difícil do que eu imaginava. Era aterrador, eu sofria quando chegava à sala de ensaio. Precisava criar estratégias. Um “círculo de atenção” que evitasse minha dispersão.

Intercalava alguns exercícios, mas não encontrava uma linha pela qual pudesse seguir, um ponto em que me apoiar. Foi aí que chamei pessoas para conduzir alguns laboratórios de criação, dentre elas, a que mais permaneceu guiando alguns laboratórios foi o Professor Elias de Lima Lopes (UFPB) que estava realizando o doutorado em Coimbra e veio de passagem por Campinas para realizar coleta de dados para sua pesquisa. Trabalhamos de agosto a outubro de 2017, em espaços desafiadores, lidando com diversas variáveis, inicialmente, sem pretensões de chegar à personagem, investigando modos de andar, trajetórias no espaço, dinâmicas nos planos, exercícios com objetos.

O contato dos pés com materiais variados e principalmente com a terra se mostrou essencial para o trabalho. Após esses primeiros laboratórios, decidi retornar ao Sertão, ao meu Sertão, já conhecido em minhas andanças, mas agora com outra perspectiva de olhar. Fazia dois anos que eu não retornava à terrinha, mas me deu a sensação de que pareciam dez anos. Perguntava-me: “onde eu estive todo esse tempo?” A sensação que vivenciei foi de ser estrangeira, de ser de fora, de ter ficado excluída por um tempo.

Meu quarto já não era mais o mesmo, não encontrei no armário, roupas, nem mesmo a cama, nenhum sentido de propriedade. Apenas o espaço e uma rede, um armário cheio de coisas que não eram minhas. Minha mãe me trouxe uma trouxa, com os pertences,

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estavam em seu armário, guardadas como um relicário, empoeiradas do tempo, como se a minha presença, mesmo no espaço, fosse algo que estivesse esquecido há tempos. Senti-me como uma sombra no espaço que pouco a pouco vai reabitando e deixando forma e contorno, quase como se eu já tivesse morrido e viesse fazer uma visita aos vivos.

E os vivos, eram elas, as mulheres da família, eu não, eu era uma sombra, que vinha mais uma vez nutrir-me dessa seiva, alimentar-me dessa matéria, para retornar à cidade grande, à vida corrida que eu levava, que me afastava de mim, da minha gente, da própria sensação de existir. Foi um susto, um baque.

Passei a dormir na rede, durante um mês e meio. A comer o que tivesse, sem luxo, sem excesso. Comi o que vem da terra, raízes e grãos em sua maioria. Nesse tempo, refleti sobre os hábitos alimentares sertanejos, ao meu ver, são bem indígenas. Por exemplo, a base da alimentação, na minha casa, no Sertão, é o milho com ele se faz o cuscuz, o xerém, a canjica, a pamonha, o bolo, o mingau, a mandioca, que se come cozida, assada, como farinha, faz-se também o pirão, engrossa-se o caldo do feijão.. Num sentido metafórico, alimentar-me do que vinha da terra, do básico, fez-me sentir afundar no chão, na medida em que, se eu sou o que como, então eu virei raiz e grão, criei um corpo grão, um corpo macaxeira, isso me dava a sensação de estar forte, nutrida, pesada.

Fazíamos as refeições, geralmente sentadas pelos batentes, na minha família, quase não usamos mesa, só mesmo para pôr as panelas em cima, ou quando é alguma data festiva e vêm visitas, aí sentamos à mesa e comemos com garfo. O mais comum é minha avó sentar-se no seu tamborete e nos sentarmos ao seu redor pelos batentes. Às vezes, ela come com a mão, nós de colher. Então, era certo que duas vezes ao dia, pelo menos, eu estaria de cócoras perto do chão. Quando vejo os vídeos dos ensaios, percebo que há muitas partituras de movimento assim, no plano médio – baixo e não é que eu não pudesse fazer tudo no plano alto, mas simplesmente porque não faz sentido, quando a vivência física com o “campo” se deu nessa relação espacial e psicofísica.

A percepção do tempo, por exemplo, o tempo como um ente, era ensurdecedor o silêncio que eu sentia ao meu redor. Na minha casa no Sertão, não tem internet, não pega sinal de celular, não tem tv a cabo, todos os vizinhos ao redor já morreram, qualquer possibilidade de escapismo e dispersão, esgotava-se. Eu tinha que forçosamente ouvir aquele silêncio do tempo que não passava. De sentar-me no alpendre e ver as pessoas passarem, de ver a barra no dia quebrar, uma sensação de espera constante, à espera do tempo passar. Em alguns momentos, era uma espécie de calma, em que diante de não

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termos outras opções, conversávamos eu e minha mãe, horas a fio. Às vezes, apenas ficávamos uma ao lado da outra, em silêncio, por horas, em outros momentos, a minha vontade era de gritar, de espernear, de ligar o som bem alto, mas permanecia sentada, ouvindo o silêncio, sentindo-o me devastar por dentro numa pressa interna que não se externalizava.

Fui em busca de afundar raízes terra adentro, de deixar o sertão entrar e habitar por traz das retinas, das meninas dos olhos, de estar porosa a tudo, desde os sons, ou ausência deles, as cores, cheiros, texturas, técnicas de comer, de dormir, de sentar, de estar no mundo e na vida, aos estados, sensações, emoções que viessem, aos espaços, das casas, das feiras, das praças, roças, descampados e caatingas. Esta parte da vivência cotidiana faz parte da criação poética, em que mesmo nas atividades da rotina, eu estava atenta, estudando as sensações que me percorriam, as reflexões que esta vivência ia desenhando no meu pensamento.

Nos percursos que fiz, chamou-me a atenção o labirinto de sensações que me atravessavam todo sábado quando eu percorria a feira, as cores, cheiros, texturas que inspiraram a criação das materialidades que compõem a cena. Eu sentia falta de algo que fosse diferente da roupa de ensaio, ou de qualquer coisa que eu pudesse comprar numa loja e vestir, algo que tivesse energia vital, vivo, como tudo ao meu redor.

Depois de ouvir minhas lamentações, assim como eu, minha mãe sonhou. Sonhou com a personagem dizendo como queria o figurino. Conforme as indicações do sonho, minha mãe teceu. Essa maneira curiosa como ela participou desse processo criativo despertou o questionamento se Lua não seria mesmo uma assombração, que assombrou o autor quando escreveu, a mim, quando li, veio em sonho, assombrar minha mãe? A parceria com minha mãe continuou, após o meu retorno para Campinas, conforme avançava nos ensaios, sentia falta de alguma coisa, comentava com ela, que pensava, seguia sua intuição, tecia, sem que eu visse, nem adivinhasse nada, enviava-me pelo correio. Foi assim que chegou a perneira do vaqueiro, também a roupa da velha.

O interessante é que justamente o primeiro figurino a ser feito foi o da assombração, o qual usei em minhas experimentações num cemitério bizantino construído em 1808, na Casa das Almas, na cidade de Triunfo-PE, um dos lugares onde Lampião se escondeu das volantes da polícia, devido à posição estratégica da casa que fica na divisa entre Pernambuco e Paraíba.

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Antes de ir à Triunfo e visitar o Museu do Cangaço e a Casa das Almas, sonhei com uma espécie de cemitério por onde passavam muitas pessoas indo e vindo, quase como se houvesse uma estação de trem dentro daquele lugar. Uma moça estava perdida e me pedia informação, eu lhe dizia que não se preocupasse, pois estava no Museu das Almas, todos ali eram velhos conhecidos, alguns já tinham tomado o trem, outros não. Daqueles que viajaram, os retratos estavam ficando apagados, os que ainda se encontravam ali, no entanto, tinham os retratos muito nítidos, pendurados no saguão principal do museu. Dizia a moça que se houvesse algum parente entre eles ela poderia localizá-los nos retratos, neles havia o número do quarto de cada um, mas ela procurava mesmo o trem, então, eu a deixei na plataforma, ela subiu e partiu.

Eu fiquei por ali, sabia exatamente quem era quem, alguns pararam no tempo, como se fossem estátuas vivas, tudo ao seu redor tinha parado também, como uma nuvem que pairasse sobre eles. Esses eram sonâmbulos, não se podia acordá-los e respeitava-se o seu sono eterno. Eu era uma espécie de zeladora nesse lugar, sentia-me em paz, mas queria também partir no trem, eu não tinha os bilhetes, portanto não podia embarcar como clandestina. Foi um sonho curioso, eu me lembrei com bastante nitidez da parede com os retratos.

Quando estive em Triunfo e vi no mapa da cidade Casa das Almas senti que precisava conhecer aquele lugar. Ao entrar no referido espaço, que era também um museu da imigração holandesa na cidade, fui caminhando de casa a dentro, parei diante de uma parede cheia de retratos, olhei todos aqueles rostos que me eram muito familiares, pois pareciam os mesmos do sonho. Então, eu perguntei à dona da casa, Consuelo Timóteo, herdeira do castelo, se poderia realizar algumas filmagens ali, expliquei do que se tratava, ela consentiu. Quando finalizei o laboratório criativo, Consuelo me contou que nesse Sítio houve um assassinato. A esposa havia mandado matar o marido, a alma do marido assassinado teria perseguido seu tio na roça, dizendo que não se sentasse ali, a cerca de 200 metros de onde eu estava, pois era o local onde havia morrido. Entendi porque foi tão importante passar por ali, lidar com essas narrativas que evocam o fantasmagórico assim de tão perto.

A meu ver, o grande diferencial desse processo criativo passa por percepções sutis, numa outra lógica de trabalho, o seu modo artesanal de fazer na construção, nas relações interpessoais entre as partes envolvidas, mas de uma certa artesania muito delicada, em que ao final de tudo, como eu posso dizer que eu criei isso sozinha? Se a

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personagem passeou por nossas cabeças, como se estivéssemos criando em rede? Como eu posso dizer que o sucesso desse trabalho se deve apenas ao meu empenho, sem incluir essa rede? Desde a minha prima, que registrou as experimentações, minha mãe que sonhou e se pôs a tecer, meu pai, que fez comigo diversos trajetos nas brenhas, nos sítios, nas madrugadas afora?

É um trabalho solo, sim, mas tudo que eu vi, vivi, imaginei, compartilhei até agora, transborda para além de mim, irradia e é irradiado pelos afetos, encontros, vivências com os materiais que compõem os detalhes dessa encenação, que entraram de ouvido adentro, de retina adentro, de pele a dentro, de sonho a dentro, e que se encontra em constante transformação.

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CAPÍTULO 1: DO PONTO DE VISTA DA ARTISTA

1.1 Sobre o fazer, a Filosofia do Guarnecer

Tomo emprestado do Boi do Maranhão o termo Guarnecer, relacionado a nutrir, fortalecer, preparar para festejar. O Guarnecer da brincadeira do Boi do Maranhão emerge como metáfora na pesquisa, a respeito do posicionamento como pesquisadora frente às práticas com as quais estou me envolvendo nessa trajetória. A pesquisadora Marianna Monteiro sobre o guarnecer, afirma que este:

Trata-se literalmente de acumular forças. (...) Ele relaciona-se à fogueira, onde são aquecidos os instrumentos percussivos – os pandeirões e o tambor onça –, em torno do qual a multidão vai se aglomerando aos poucos. (...) Em torno da fogueira, onde está sendo aquecido o couro dos instrumentos percussivos para afiná-los, os brincantes se confraternizam. (...) No “guarnecer”, assim como em outros momentos dessa festa, estabelecem-se tessituras relacionais, conviviais, indissociáveis da expressão artística, caracterizando uma “tecnologia” sofisticadíssima a serviço de uma arte da inter-relação entre as pessoas. (MONTEIRO, 2013, pp.142-143)

Realizo, nesta pesquisa, uma adequação do conceito de guarnecer no Boi a uma forma subjetiva e pessoal que adoto para a minha ética de relacionamento com a cultura popular na minha prática teatral, com o Guarnecer, proponho uma metodologia de criação inspirada nos encontros com a cultura popular. O intercâmbio com artistas da cultura popular e/ou interessados em praticá-la me fez aquecer memórias corporais que têm dado vida a essa personagem, nas suas qualidades de presença.

Introduzo, para tanto, o pensamento de Jorge Dubatti acerca da Filosofia do Teatro, a fim de traçar uma linha de raciocínio em que a excepcionalidade que percebo comum, tanto ao teatro, quanto à cultura popular, leva-me a experimentar momentos de

liminaridade. Nessa reflexão, busco entender o que faz com que o teatro seja teatro, o que

há em comum entre este e a cultura popular e de que forma ela pode apontar para um treinamento que se dá na vida, no desenvolvimento do olhar de atriz, pesquisadora, brincante, na prática mesmo desse fazer.

Jorge Dubatti (2017) propõe uma Filosofia do Teatro, um estudo ontológico que compreende o teatro como um campo que pode falar por si, requerendo para isso o reconhecimento de sua especificidade, sem precisar se justificar através de outros ramos do conhecimento humano. O autor parte da reflexão teórica sobre a práxis. É assim que “A filosofia do teatro nasce da necessidade de questionar e superar as definições oferecidas

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nos dicionários e manuais de teatrologia mais utilizados.” (P.26) Normalmente, esses limitam o teatro à escrita dramatúrgica de um autor, espaço físico, à peça teatral, ou a determinadas vanguardas teatrais. Nas palaras de Dubatti:

A filosofia do teatro afirma que ele é um acontecimento (...) algo que acontece e que se dá a construção de sentido. Um acontecimento que produz entes em seu acontecer, vinculado à cultura vigente, à presença aurática dos corpos. (...) O teatro como acontecimento, é muito mais que o conjunto das práticas discursivas de um sistema linguístico; ele exerce a estrutura de signos verbais e não verbais, o texto, a cadeia de significantes aos quais é reduzido para uma suposta compreensão semiótica. Assim nem tudo é reduzido a linguagem. (Dubatti, 2017, p.27)

Para esse pensador, o teatro, enquanto acontecimento, requer a instauração de uma zona de experiência composta por três subacontecimentos que interagem entre si: a

poiesis, o convívio e a expectação. Poiesis conforme a Poética de Aristóteles está

relacionada à fabricação de artefatos característicos do ramo artístico, o que abarca inicialmente a poesia e por extensão a literatura e consequentemente a arte.

Sendo assim, o teatro como um todo, no instante mesmo em que sucede, instaura um acontecimento poiético no qual poiesis, convívio e expectação estabelecem uma obra autônoma, que fala por si a cada vez. Cada acontecimento é único, carecendo dessa tríade para instaurar a experiência, em que “a materialização de uma performance cultural implica processos sensoriais e emocionais que ocorrem para/nos seus observadores (não existe performance sem público, ou seja, sem uma audiência que lhe assista e legitime)” (Vianna & Teixeira, 2008, p.48). É nesse sentido que “há uma poiesis produtiva, gerada pelo trabalho dos artistas e outra receptiva. Ambas se estimulam e se fundem no convívio resultando em uma poiesis convivial”. (DUBATTI, 2017, p.37).

Pensar o teatro como acontecimento autopoiético não significa que a obra artística seja instantânea, a intervenção humana, embora - idealize e execute a obra, esta, ao final, responde por si mesma, devido à sua natureza singular. Mesmo em artistas que tenham uma assinatura, ou construam formas similares de uma obra para outra, verifica-se uma irrepetibilidade em decorrência das pequenas variações, principalmente quando se trata de algo que envolve poiesis, convívio e expectação, isso é o que diferencia o teatro e as performances culturais de outras composições artísticas como o cinema, o vídeo-arte, o vídeo-dança, em que a geração de poiesis é anterior ao contato do público com a obra, sem que criadores e expectadores convivam no momento de compartilhamento da obra.

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na qual os sujeitos se encontram em situação de convívio, dessa forma, a apreensão do acontecimento se dá num intercâmbio de subjetividades, em que a comunicação estabelecida entre estas vai gerar uma poiesis que é fruto do encontro, da experiência única e intrasferível.

Na poiesis convivial, as heterogeneidades dos sujeitos, de alguma maneira, ajudam a provisoriamente sustentar a experiência, na medida em que estas comungam em situação de convívio. Um ponto de intersecção surge dentre a poiesis produtiva e receptiva, em que é possível um diálogo que vai além da linguagem falada, mas é perceptível por outras vias, uma via sensível, que dilui momentaneamente as diferenças na proporção em que compõe um corpo coletivo, uma persona social. Assim,

(...) na experiência comunicacional, intervêm processos de interlocução e de interação que criam, alimentam e restabelecem os laços e a sociabilidade entre os indivíduos e grupos sociais que partilham os mesmos quadros de experiência e identificam as mesmas ressonâncias históricas de um passo comum. (A.D. RODRIGUES apud SANTOS, 2014, p.316)

Acerca do convívio, Dubatti chama a atenção para a possibilidade de existir convívio sem poiesis e sem expectação, por exemplo, num jantar em família. Da mesma

forma, também pode haver teatralidade sem teatro, pois esta se faz presente no nosso cotidiano e nos rituais de passagem na vida das sociedades. Convívio e teatralidade, de alguma forma, estão presentes nestes rituais cotidianos enquanto episódios que estabelecem um espaço tempo de liminaridade.

Schechner amplia o sentido da palavra límen, inicialmente um termo da arquitetura, segundo o qual um limiar é um espaço intermediário que liga dois espaços, como uma via de acesso, um corredor ou passagem. Nesse sentido, ao tratar das performances culturais, tanto as rituais como estéticas, compreendendo como límen um espaço sutil, que é expandido de forma simbólica e conceitual.

Fazendo um paralelo com o teatro, podemos entender que “um espaço de teatro vazio é liminar, aberto a todos os tipos de possibilidades – espaço que por meio da performance poderia tornar-se qualquer lugar”. Assim como “o terreiro de dança de uma aldeia africana e a construção temporária de um biombo para a wayang kulit (teatro de sombra) javanesa são ambos, espaços liminares, preparados para serem habitados por realidades imaginadas) (SCHECHNER, 2012, p. 65).

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liminalidad donde rigen processos de mutación, de crisis y importantes câmbios”. (Turner apud Dieguez, 2011, p.32) e por sua vez, invoca a palavra teatralidade, não como sinônimo de teatro, mas – “noción que busca expressar la configuración escénica de imaginários sociales, la resignificación de prácticas representacionales em el espacio cotidiano” (DIEGUEZ, 2011, p.58).

Victor Turner (Turner, 2012), ao estudar situações limítrofes nas quais acontece a instauração de uma communitas, em que é possível uma cumplicidade coletiva, ou seja, uma relação sem mediação entre os sujeitos, que por se colocarem espontaneamente em igualdade é que aparecem mais ainda as distinções individuais, acaba dando pistas sobre os espaços onde hoje, em nossa sociedade, é possível ainda vivenciar algum sentimento de pertencimento a uma comunidade, mesmo que temporário.

Nas sociedades contemporâneas, os indivíduos podem vivenciar estados temporários de comunnitas no lazer, mas também por meio da arte. Richard Schechner distingue a arte de um modo interessante, para ele “não existe arte onde tudo é geneticamente determinado, onde não há aprendizagem, onde nenhuma improvisação é possível, onde o erro e/ou vacilo não pode (m) ocorrer”. (SCHECHNER, 2012, p.58).

É curioso observar que existem práticas humanas que não estão fixas nessas categorias, mas de certa forma permeiam as fronteiras entre a arte e a religiosidade no campo da cultura e que, por vezes, fazem parte do calendário de algumas comunidades no Brasil. Mesmo os limites entre as artes vêm se diluindo de forma que as contaminações dos gêneros artísticos criam obras híbridas, situadas no espaço do entre, nesse sentido, trata-se do “reconhecimento da teatralidade como um campo expandido

(DIEGUEZ, 2014, p.128) que interfere na produção artística a tal ponto que “tornou-se uma das características mais relevantes da arte contemporânea” (DIEGUEZ, 2014, p.128).

A implicação disso é que a teatralidade, como campo expandido, permite-nos reconhecer a teatralidade fora do contexto específico da cena, mas no comportamento humano cotidiano, nos ajuntamentos de gente, nas festividades populares, nos comícios e protestos, que, muitas vezes, criam “communitas metafóricas en las que participan decisivamente el linguaje poético y la dimension simbólica” (DIEGUEZ, 2011, p.34), dessa forma, as fissuras donde emerge a arte contemporânea se espraiam nos territórios de domínio público.

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