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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS

CARMELITA TAVARES SILVA

MEMÓRIA E AUTOFIGURAÇÃO EM JUAN GOYTISOLO

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CARMELITA TAVARES SILVA

MEMÓRIA E AUTOFIGURAÇÃO EM JUAN GOYTISOLO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora: Profª. Drª. Silvia Inés Cárcamo de Arcuri.

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CARMELITA TAVARES SILVA

MEMÓRIA E AUTOFIGURAÇÃO EM JUAN GOYTISOLO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora: Profª. Drª. Silvia Inés Cárcamo de Arcuri.

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________ Prof.ª Dr.ª Silvia Inés Cárcamo de Arcuri

Universidade Federal do Rio de janeiro Orientadora

______________________________________ Prof. Dr. Victor Manuel Ramos Lemus

Universidade Federal do Rio de janeiro Membro Titular Interno

______________________________________ Prof.ª Drª Magnólia Brasil

Universidade Federal Fluminense Membro Titular Externo

______________________________________ Prof.ª Dr.ª María Celina Ibazeta

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Membro Titular Externo

____________________________________________________

Prof.ª Drª Maria Mirtis Caser

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Para

Sebastião e Maria, presença viva de Deus em minha vida.

Gena, Diego, Flavia e Paola, amor e suporte emocional em todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus – Senhor da Vida e razão primeira da minha existência.

À minha orientadora professora Silvia, pela presença constante, orientação segura e coração generoso. Gratidão eterna.

Ao Weverson Dadalto, pela amizade, carinho e paciência na revisão do texto.

À María Celina Ibazeta e Victor Manuel Ramos Lemus, pelo aporte na Banca de Qualificação.

À Ester Abreu Vieira de Oliveira, pelos diálogos carinhosos e produtivos sempre.

À Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela oportunidade de cursar o doutorado e pelo convívio com excelentes professores.

À equipe da secretaria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo apoio.

Ao meu empregador, Ifes campus Venda Nova do Imigrante, pela concessão da licença:

Aloisio Carnielli – diretor geral

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RESUMO

“Memória e autofiguração em Juan Goytisolo” propõe uma reflexão sobre as representações da figura paterna tendo em conta a reconstrução da memória e a proposta de uma figura de escritor que se autoficcionaliza nas obras Señas de

Identidad (1966), Reivindicación del Conde Don Julián (1970) e Juan sin Tierra

(1975). A narrativa desse autor entrelaça realidade e ficção, fatos históricos e memória, a problemática de autor, narrador e personagem, a crítica e a teoria, tangenciando questões como as relações entre Ocidente e Oriente e, de forma recorrente, o tema da Espanha e dos espanhóis. As obras que compõem a Trilogia Álvaro Mendiola gravitam em torno de uma órbita comum – o problema da Espanha – e ampliam o círculo gravitacional, abarcando questões como a busca e a negação da identidade e a destruição e reconstrução da linguagem. Por meio de um relato que rompe, transgride e corrompe a linguagem, pelo uso da metáfora e da ironia, Juan Goytisolo apresenta ao leitor um universo que ele procura, pela crítica, desconstruir. O efeito inovador e original é resultado de procedimentos temáticos, linguísticos e estilísticos, tais como a ruptura da temporalidade linear, a paródia, a ficcionalização de personagens e fatos históricos, a crítica religiosa e política, a utilização dos signos de pontuação de forma anticonvencional, conhecidas marcas da escrita do autor. A pesquisa tem ancoragem teórica nas obras de Jacques Le Goff, Leonor Arfuch, Manuel Alberca, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault, Philippe Lejeune, Philippe Miraux, Serge Doubrovsky, além de outros que se dedicam aos estudos da escritura do eu e da autoficção.

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ABSTRACT

"Memory and autofiguration in Juan Goytisolo" intends a reflection on the representations of the paternal figure taking into account the reconstruction of the memory and the proposal of a figure of a writer who fictionalizes hilmself in the works – Señas de identidad (1966), Reivindicación del Conde Don Julián (1999) and Juan Sin Tierra (1975). The narrative of this author links reality and fiction, historical facts and memory, the problematic of author, narrator and character, criticism and theory, stirring on subjects such as relations between West and East and, recurrently, the theme of Spain and the Spanish people. The works that make up the Álvaro Mendiola Trilogy gravitate around a common orbit - the problem of Spain - and extend the gravitational circle in different directions, covering questions such as the search and denial of identity and the destruction and reconstruction of language. Through an account that breaks, transgresses and corrupts language, using metaphor and irony, Juan Goytisolo presents to the reader a universe that he seeks, through criticism, to deconstruct. The innovative and original effect is the result of thematic, linguistic and stylistic procedures, such as the breakdown of linear temporality, parody, fictionalization of characters and historical facts, religious and political criticism, and the use of punctuation marks in an unconventional way, known marks of the author's writing. This research has a theoretical anchoring in the works of Jacques Le Goff, Leonor Arfuch, Manuel Alberca, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault, Philippe Lejeune, Philippe Miraux, Serge Doubrovsky, as well as others dedicated to the studies of self-fiction and autofiguration.

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RESUMEN

"Memoria y autofiguración en Juan Goytisolo" ofrece un análisis de las representaciones de la figura paterna teniendo en cuenta la reconstrucción de la memoria y la propuesta de una figura de escritor que se autoficcionaliza en las obras

Señas de Identidad (1966), Reivindicación del Conde Don Julián (1970) y Juan sin

Tierra (1975). La narrativa de este autor entreteje la realidad y la ficción, hechos históricos y memoria, la problemática del autor, narrador y personaje, la crítica y la teoría, tangenciando cuestiones como las relaciones entre Oriente y Occidente y, de forma recurrente, el tema de España y españoles. Las obras que componen la trilogía Álvaro Mendiola gravitan alrededor de una órbita común - el problema de España - y amplifican el círculo gravitacional, atingiendo temas como la búsqueda y la negación de la identidad y la destrucción y la reconstrucción de la lengua. A través de una narrativa que rompe, transgrede, y corrompe el lenguaje, del uso de la metáfora y de la ironía, Juan Goytisolo introduce al lector en un mundo que busca, por medio de la crítica deconstruir. El efecto innovador y único es el resultado de los procedimientos temáticos, estilísticos y lingüísticos, tales como la ruptura de la temporalidad lineal, la parodia, la ficcionalización de personajes y hechos históricos, religiosos y crítica política, el uso de los signos de puntuación de forma no convencional, marcas conocidas de la escritura del autor. La investigación tiene anclaje teórico en las obras de Jacques Le Goff, Leonor Arfuch, Manuel Alberca, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault, Philippe Lejeune, Philippe Miraux, Serge Doubrovsky, y otros que se dedican al estudio de la escritura de sí mismo y de la auto-ficción.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 JUAN GOYTISOLO AUTOR E AUTORIA ... 18

1.1 A NARRATIVA AUTOFICCIONAL DE JUAN GOYTISOLO ... 50

1.2 SEÑAS DE IDENTIDAD ... 57

1.3 A BUSCA DE IDENTIDADE EM SEÑAS DE IDENTIDAD ... 60

1.4 A PATERNIDADE CONFRONTADA EM SEÑAS DE IDENTIDAD ... 64

2 JUAN GOYTISOLO AUTOFICÇÃO E REALIDADE ... 76

2.1 REINVIDICACIÓN DEL CONDE DON JULIÁN ... 80

2.2 HISTÓRIA E MEMÓRIA EM DON JULIÁN ... 93

2.3 A NEGAÇÃO DA IDENTIDADE EM DON JULIÁN ... 105

2.4 A PATERNIDADE REJEITADA EM DON JULIÁN ... 113

3 JUAN GOYTISOLO MÁSCARAS E ESPELHOS ... 126

3.1 JUAN SIN TIERRA ... 140

3.2 TRADIÇÃO E MODERNIDADENA TRILOGIA ÁLVARO MENDIOLA... 159

3.3 ESCRITURA E EROTISMO EMJUAN SIN TIERRA ... 162

3.4 A PATERNIDADE DESEJADA ... 168

A MODO DE CONCLUSÃO ... 174

REFERÊNCIAS ... 177

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Cuando la vida entra en la literatura, se convierte en literatura, y en la misma hay que juzgarlo únicamente como literatura.

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INTRODUÇÃO

A criação literária de Juan Goytisolo está relacionada a episódios de sua vida pessoal e a acontecimentos de sua geração. Tema recorrente em sua obra, a Guerra Civil Espanhola, deflagrada em 18 de julho de 1936, marcou os primeiros anos de sua infância e a morte de sua mãe, em 1938, foi o início da decadência da estrutura familiar do autor que, órfão aos sete anos, não conseguiu perceber a dimensão da tragédia que o afetaria para sempre. Em função dos eventos que se seguiram o ambiente onde o escritor catalão viveu sua adolescência e os primeiros anos da juventude caracterizou-se pela censura e pelo controle a que foram submetidas as instituições espanholas durante a ditadura franquista. Essa conjuntura foi determinante na construção de sua história pessoal que, vinculada à História da Espanha, influiu em sua interpretação daliteratura espanhola.

Juan Goytisolo1, nascido em 05 de janeiro de 1931, iniciou aos vinte e três anos de idade sua carreira literária e suas primeiras obras seguem, como as da maioria de seus coevos, a tendência do realismo social. Essa estética foi, naquele contexto, a via utilizada para expressar as ideias e os anseios daqueles que, submetidos a um regime de censura e vigilância, viveram e produziram em uma condição de diáspora intelectual. Nesse ambiente de desgarramento e instabilidade, a literatura lhes permitia dizer o que as circunstâncias os obrigavam a calar. Ao longo dos anos, sua obra se consolidou pela construção da imagem de um escritor rebelde, contestador e dissidente intelectual que assumiu de vez uma posição crítico-ideológica, principalmente em relação à Espanha, aos espanhóis, e a tudo o que a esse tema se refere. Tais características lhe asseguram um espaço literário a partir do qual produz seu discurso, manifestadamente como um ente ficcional, tendo como principal ponto de mira a cultura ocidental.

Vivendo em uma Espanha politicamente repressora e excessivamente agressiva com os opositores do regime, Juan Goytisolo, ainda no verdor de sua juventude, em 1956, viu-se compelido a buscar exílio na França, onde viveu durante muitos anos e publicou várias de suas obras. De sua geração, conhecida como a geração da metade do século, muitos outros escritores, imbuídos das mesmas inquietudes,

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tiveram destino semelhante no que concerne à censura de suas obras e, em alguns casos, à supressão das liberdades individuais. Nesse grupo, José María Martínez Cachero (2006, p.172) inclui José Ángel Valente, Ramón José Sender, Max Aub, Carmen Laforet, Miguel Delibes, Juan Benet, Luis Martín- Santos, Jaime Gil de Biedma, Carlos Barral, Ignacio Aldecoa, Rafael Sánchez Ferlosio, Jesús Fernández Santos, Juan Marsé, Ana María Matute e Carmen Martín Gaite.

As obras de Goytisolo (anexo 1), pelas particularidades que apresentam, têm sido estudadas e analisadas ao longo das últimas décadas e na atualidade é possível encontrar uma fortuna crítica abrangente, que oferece ao pesquisador um expressivo campo de estudo e pesquisa que possibilita uma interlocução com toda a sua novelística. Estudar sua obra e analisar a forma como propõe, em sua narrativa autoficcional, uma teoria crítica que abarca e atualiza diferentes conceitos tais como identidade, marginalidade, correntes socialmente minoritárias, exclusão, inclusive a própria ideia de modernidade, configura-se para nós um instigante meio de participação no debate acadêmico.

Nossa opção por esse autor e pelas obras que compõem a Trilogia Álvaro Mendiola, corpus deste estudo, tem sua origem a partir do curso de mestrado, concluído em 2010, quando analisamos sua narrativa autobiográfica em Coto vedado (1985). Responde também a um anseio de poder contribuir com o debate sobre alguns aspectos da produção do autor, os quais contemplam desde a discussão sobre o próprio tema, ainda bastante controverso, do gênero autoficção, até a questão, considerada central na estética de Juan Goytisolo - o seu questionamento do que seria a entidade Espanha e seus desdobramentos e que constitui o leitmotiv de grande parte de sua criação.

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Álvaro Mendiola. Dessa forma se espera alcançar, no desenvolvimento da pesquisa, o objetivo principal, que propõe uma reflexão sobre o tema da paternidade, enquanto

locus de poder e suas representações na Trilogia Álvaro Mendiola. Para tanto,

tomaremos como recorte, dentro de sua produção, desde as obras que correspondem ao início de sua carreira, incluindo parte de sua criação ensaística, até as três obras que constituem o objeto deste estudo. Serão também consultadas algumas entrevistas concedidas pelo autor, consideradas, pelo enfoque da pesquisadora argentina Leonor Arfuch (2010), como categorias do gênero autoficcional.

Com esse escopo, defendemos a hipótese de que o processo de escritura de Juan Goytisolo tem como eixo gerador o conflito com a figura paterna, do qual o autor se vale para construir a sua poética, mediada pelo jogo que estabelece entre a memória e a autoficção. E nesse sentido definimos como objetivos a serem alcançados: propor uma reflexão sobre as configurações da figura paterna, relacionando-a à memória e à autofiguração nas obras de Goytisolo – Señas de identidad (1966)

Reivindicación Del Conde Don Julián (1970) e Juan sin Tierra (1975) – Trilogia

Álvaro Mendiola; discutir a maneira como o autor reconstrói sua identidade; comentar algumas marcas autorreferenciais evidenciadas no processo de autofiguração; citar alguns recursos discursivos, destacando a questão da negação e busca da identidade; exemplificar como se configura na Trilogia Álvaro Mendiola a representação paterna. E assim propomos como tema deste estudo: “Memória e autofiguração em Juan Goytisolo” e definimos como problema para o qual esperamos apresentar algumas possíveis respostas: Como Juan Goytisolo desenvolve a autoficção em sua obra?

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horizonte midiático, a lógica informativa do 'isso aconteceu', aplicável a todo registro, fez da vida (grifo da autora) - e, consequentemente, da 'própria' experiência – um núcleo essencial de tematização” (ARFUCH, 2010, p.15).

Essa pesquisadora defende a importância da intertextualidade, da recorrência, da heterogeneidade e do hibridismo como constituição de um espaço biográfico onde o sujeito se constrói na e pela escrita em um processo de autorrepresentação. Consideramos que as obras elencadas para este estudo poderão contribuir para a compreensão dessa temática. Com esses objetivos, esta tese se estrutura em três capítulos, correspondentes a Señas de Identidad (1966), Reivindicación del Conde Don Julián (1970) e Juan sin Tierra (1975) ou Trilogia Álvaro Mendiola. Pretendemos identificar as marcas enunciativas que comprovem o que apontamos em nossa hipótese – o processo de escritura de Juan Goytisolo tem como eixo gerador o conflito com a figura paterna, do qual o autor se vale para construir a sua poética, mediada pelo jogo que estabelece entre a memória e a autoficção.

Nosso foco de análise, no primeiro capítulo, será Señas de Identidad, a primeira obra da Trilogia. Sabe - se que da mesma forma que sua militância, sua obra também atraiu a crítica de muitos e, nesse espaço de vida e criação, Goytisolo se destaca como uma voz que provoca, incomoda e exige mudanças. Colocar em contexto sua experiência e identificar a maneira como essa reverbera em sua obra ensejaria a oportunidade de adentrar no espaço onde o mundo real e o ficcional se encontram, se fundem e trazem à luz a verdade de Goytisolo. Verdade essa que cumpre um papel peculiar em sua criação, porquanto define a forma como ele se coloca no texto – o autor como construção. Para este estudo consultamos a obra que foi publicada em 1977.

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análogos, é possível encontrar em seus estudos alguns pontos de convergência ou semelhança que contribuirão para o desenvolvimento da análise das obras da Trilogia.

Tendo em conta que na narrativa autoficcional o tema da memória tem função relevante, seguiremos, sob a luz da teoria-crítica de Walter Benjamin e Henri Bergson, a fundamentação dessa matéria. Cumpre destacar, como adverte Leonor Arfuch (2010), que o “eu” da narrativa autoficcional se configura entre a memória e a mímesis. Sua afirmação corrobora o que diz Henri Bergson (2006) sobre a fugacidade das lembranças que são, para esse autor, o conteúdo da memória. Arfuch (2010) complementa que, no caso de reconstituição da infância, o eu narrador relata as memórias que lhe foram transmitidas por familiares e outras pessoas de seu convívio quando criança que seria a “memória vicária”. No espaço estabelecido entre a memória e a mímesis, o eu autobiográfico se constrói, a partir da dinâmica que se estabelece, pela narrativa, entre os elementos que a constituem – relações familiares, sociedade, valores, cultura e sua ressignificação dentro da perspectiva ficcional.

No segundo capítulo nosso foco de análise centrar-se-á sobre Reivindicación del Conde Don Julián (1970). Nessa obra o tema da vingança do Conde Don Julián, a quem se atribui a facilitação da entrada dos árabes na Espanha no ano de 711, é utilizado pelo narrador para demonstrar seu desprezo pela pátria, cujo sistema político, imposto pela força, rejeita. Assumindo a máscara de um novo Julián, ele promete uma nova invasão e a destruição total da cultura e de todos os valores que lhe são pertinentes, inclusive o próprio idioma. Para este estudo consultamos a edição publicada em 1999.

Inúmeras referências ao exílio presentificam-se na narrativa de Reivindicación del

Conde Don Julián e sempre configuram frustração e mágoa: “años atrás, en los

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declaração vem comprovar que a decisão pelo exílio se deveu, no primeiro momento, mais que a uma escolha, a uma necessidade. Após a morte de Franco, alguns escritores e artistas que também haviam se exilado retornaram ao país, porém Goytisolo optou por permanecer no estrangeiro. Poderíamos deduzir que essa segunda decisão seria a base de uma ruptura que marcaria a sua vida e obra. Portanto, ao preferir manter sua condição de exilado, o autor define as premissas que orientarão sua narrativa: a desestabilização, a ausência de pertencimento, a busca e negação da identidade, a construção de uma personagem em permanente conflito e, sob alguns aspectos, vitimizada. Se considerada plausível essa ponderação podemos admitir que o processo de ruptura garantiria uma base argumentativa de suporte à narrativa de Goytisolo e que respondeu, adequadamente, ao seu projeto literário.

Para esse capítulo buscaremos a ancoragem teórica nos escritos de Freud sobre os mitos associados à figura do pai, e para tanto, selecionamos Moisés e o monoteísmo (2006) e Totem e tabu (2013). E ainda, em Junito Brandão – Mitologia grega (1986), a abordagem do mito de Édipo, tema fundamental nos estudos de Freud. Será também consultada a obra Mitos Españoles Imaginación y Cultura (CÁRCAMO, 2000), que discorre sobre distintos mitos ligados à cultura espanhola. E sobre o tema da perda da Espanha, questão que subjaz na narrativa de Reivindicación del Conde Don Julián, explica Cárcamo:

De la historia al mito se produce, evidentemente, una simplificación […] la traición del Conde Don Julián, sediento por vengar el ultraje sufrido por su hija, violada por el rey Rodrigo. […]. Interpretaciones tan dispares afectan también a las otras figuras del mito: La Caba y el Conde Don Julián. Las diferentes versiones fueron agregando o eliminando elementos de la narración a lo largo de los siglos […] e incorporando preocupaciones de la época en que el mito fue reelaborado (CÁRCAMO, 2.000, p.11-12).

Dentre outras teorias que também embasarão esse capítulo citamos El mito del

eterno retorno (2001) e Mito e Realidade (2013) de Mircea Eliade, cujos estudos

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Sagrada”, o aporte para o desenvolvimento da análise de Reivindicación del Conde

Don Julián. E em Ensaios sobre a autoficcção (2014), as contribuições de distintos

teóricos que estudam a escrita autoficcional como variações da escrita do eu. Servirão também ao nosso estudo as teorias de Jacques Le Goff – História e

Memória (2013), de Gaston Bachelard – A poética do devaneio (2006), de Benedict

Anderson – Nação e consciência nacional (1989) e de Eric Hobsbawm – A invenção das tradições (2002).

No terceiro capítulo comentaremos a obra Juan sin Tierra (1975), que completa a Trilogia e que representaria a ruptura definitiva com todo o passado da personagem, incluindo seu próprio idioma. Tudo o que Goytisolo considera opressor em sua cultura é por ele colocado em xeque e ironizado. É fato notório que sua relação com a questão da autoridade é algo bastante complexo, talvez, em parte, pelas experiências que vivenciou, não somente no seio da família, mas na vida acadêmica e social, e que seria ficcionalizado em sua narrativa. Como afirma o próprio autor: "Entre lo 'real' de la vida y lo 'real' literario interviene una serie de instancias intermedias que el novelista manipula con arte y astucia, lejos de toda pretensión de inocencia" (GOYTISOLO, 1997a, p. 43). Nesse sentido, cabe destacar, ganharia sustentação a hipótese de que o processo de escritura de Goytisolo tem como eixo gerador o conflito com a figura paterna em sua dimensão literária. Dessa forma, essa representação extrapolaria a figura do pai biológico vinculando-se a outras formas de poder, resultando em um modelo de relação que permite a submissão, mas também o confronto.

Dentro do enfoque da escrita de si, além de alguns autores já mencionados nos apoiaremos na teoria de Manuel Alberca – El pacto ambiguo: De la novela autobiográfica a la autoficción (2007); La autobiografía: las escrituras del yo de Jean-Philippe Miraux (2005), Escritas de si, escritas do outro (2012) de Diana Klinger, e de José María Pozuelo Yvancos – De la autobiografia. Teoría y estilos (2006). Serão também consultadas as contribuições de Stuart Hall A identidade cultural na

pós-modernidade. (2015) e de Anselm Strauss Espelhos e máscaras: A busca da

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1 JUAN GOYTISOLO – AUTOR E AUTORIA

Del yo al yo la distancia es inmensa.

Juan Goytisolo

Goytisolo estreou como escritor durante um período em que a ditadura franquista estava em seu auge e foi alvo de uma censura que enfrentou, utilizando a estratégia que empregaram muitos de seus coetâneos – abandonar o país. Se no primeiro momento sua decisão visava mais a preservação de sua liberdade, com o passar do tempo veio a influir, positivamente, em sua obra. Sua trajetória literária pode ser mapeada, entre outras fontes, pela leitura de seus ensaios e de suas entrevistas, consideradas integrantes do gênero autobiográfico. Nesse sentido, buscamos em Leonor Arfuch (2010) a ancoragem teórica para cumprir essa primeira etapa de nosso estudo. A pesquisadora argentina observa que a dinâmica que redefiniu o conceito de público e privado influiu também nos gêneros canônicos da autoficção. Os avanços tecnológicos e a popularização da mídia contribuíram para colocar em cena um novo gênero que reúne as nuances biográficas (funções, tonalidades e valores) e que, segundo a autora: “poderá se tornar indistintamente história de vida, confissão, diário íntimo, memória, testemunho: a entrevista” (ARFUCH, 2010, p.151). E, seguindo esse raciocínio, confrontamos a criação literária goytisoleana com a crítica, sua e de outros, que frequentemente se manifestam a favor ou contra a narrativa de Juan Goytisolo.

Em uma entrevista Goytisolo comenta seu interesse pela carreira de escritor: “Desde niño quería ser escritor o siempre me he sentido escritor, no he cambiado en este aspecto, empecé a escribir a los 8 ó 10 años, a los 14 tenía muy claro que sería un escritor” (GOYTISOLO, 2008). Dotado de profundo senso crítico, o autor se coloca como seu primeiro avaliador: “Yo he sido siempre muy crítico con la sociedad, pero he sido también muy crítico conmigo mismo. Soy un relector, la creación es para mí, como la lectura, una aventura literaria […]” (GOYTISOLO, 2008).

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compõem o que chama de “árbol de la literatura”, imagem que ilustra sua concepção de literatura e demonstra o seu apreço pelas obras de alguns escritores que o antecederam: “Mi pequeña experiencia de bricoleur crítico – mis calas en la obra de autores [...] me ha enseñado [...] que dichos escritores eran meros, sucesivos pretextos para mi propio y obsesivo discurso; que hablando de ellos, no cesaba [...] de hablar de mí” (GOYTISOLO, 1985b, p. 103). O seu leitor poderia também pertencer à categoria de releitor. Nesse caso se trataria mais especificamente de um leitor com conhecimento e sensibilidade estética suficiente para assimilar sua proposta. Na citação a seguir, Goytisolo explica o que entende por literatura e por releitor:

[...] el escritor que ambiciona dejar huella y añadir algo al árbol frondoso de la literatura no vacilará en desestabilizar al lector, obligándole a internarse en un terreno ignoto y proponiéndole de entrada un juego de reglas totalmente desconocido... Imperceptiblemente, el lector se convertirá en relector y, gracias a ello, intervendrá activamente en el asedio y escalo del texto leído y releído. A la postre, el autor de la obra literaria no sólo crea ésta, sino también, insisto, un público hecho a su medida (GOYTISOLO, El País, 19/03/1993).

Se no início de sua carreira literária Goytisolo seguiu a estética realista, seu amadurecimento literário e a influência de Jean Genet, segundo o próprio Goytisolo, o levaram a perceber que teria que buscar seu estilo próprio de escritura. O autor atribui à sua experiência de exilado e ao convívio com outros escritores o desenvolvimento de um estilo mais original e a perspectiva de uma nova estética: “Genet me enseñó a desprenderme [...] de mi vanidad primeriza, el oportunismo político, el deseo de figurar [...] para centrarme en algo más hondo y difícil: la conquista de una expresión literaria propia, mi autenticidad subjetiva” (GOYTISOLO, 1986a, p.152-153).

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sob esse aspecto de narcisismo e necessidade de autopromoção há que se considerar sua pouca idade, o impacto do deslumbramento de estar em Paris, ocupando um alto cargo em uma editora de grande prestígio. Por outra parte, Goytisolo sempre esteve sob os holofotes, seja por suas obras, por sua postura independente ou pelas polêmicas que protagonizou. Anotamos o fato de que sua indicação para o Prêmio Cervantes 2014 não teve a aprovação unânime da crítica, e sua decisão de aceitá-lo o colocou em uma situação pouco confortável, considerando que até então sempre afimara que não o aceitaria.

Um artigo publicado pelo poeta e crítico literário Luis Antonio de Villena em 09 de março de 2015 na Revista Claves de razón práctica, nº 239, sob o título de “Juan Goytisolo, escollos diversos”, apresenta uma crítica que abarca tanto aspectos pessoais quanto literários do autor. O crítico aponta uma acentuada disposição para a exposição pública: “Está claro que la aspiración de Goytisolo (y más cada vez) es a verse como un fenómeno casi isleño dentro de la literatura española” (VILLENA, 2015, p.152). Nesse mesmo artigo o crítico comenta a influência de Monique Lange na vida e na ascensão do escritor:

Juan tuvo mucha suerte en París, mucha, si se tiene en cuenta que no tenía un gran nombre aún y que era un homosexual no aceptado del todo por sí mismo, pero homosexual, lo que no impide su amistad y amor con una buena novelista francesa ya fallecida, Monique Lange, que aunque muy aceptable escritora, era sobre todo una mujer con muchos amigos, vía Gallimard, donde trabajaba, y consiguientemente con alto poder literario entre autores y editores. Lange (a la que siempre ha conservado la debida gratitud) fue la absoluta y gran puerta de entrada de Juan Goytisolo al mundo cultural francés y a las traducciones de gran proyección internacional y así a ser un escritor metido en el circuito de los “grandes” cuando aún no lo era cabalmente, pese a sus avances literarios y a sus avances en la “gauche” del momento. Monique Lange no hace al Goytisolo que conocemos pero lo abre y lo prepara. De ello no hay duda. Por entonces Goytisolo conoce y admira de lejos (por timidez) al ya muy consagrado y heterodoxo radical, Jean Genet (VILLENA, 2015, p.153).

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Destaca-se na criação de Goytisolo sua produção ensaística. Nesse gênero, cujas origens se associam a textos escritos por Montaigne em 1580 sob o título de Essais, já se evidenciava a marcante presença do autor. Tal peculiaridade o torna uma modalidade de escrita personalizada no sentido de que oferece ao leitor opiniões e julgamentos de valor do seu autor, sem necessidade de qualquer tipo de comprovação. Montaigne, à sua época, justificou: “Não me represento ao natural? Basta isso [...] todo mundo me reconhece em meu livro, e meu livro em mim” (MONTAIGNE, 2009, p. 297). Georg Lukács e Theodor Adorno, teóricos que se dedicam a estudar o ensaio, embora tenham polemizado em alguns aspectos, coincidem quanto às características do gênero, as quais, na atualidade, integram a fortuna crítica dos estudos sobre o tema. Para Lukács, o ensaio seria uma forma de arte, tal como explica em seu ensaio Sobre a essência e a forma do ensaio: uma carta a Leo Popper (1910 [2008]). Seu texto, desenvolvido a partir de indagações, não apresenta uma definição finalizada, ratificando uma lacuna que ainda não foi totalmente preenchida. Em O ensaio como forma (1954 [2003]), Theodor W. Adorno assevera que o ensaio constitui uma via de manifestação de ideias, sem a obrigatoriedade de comprovação científica. Por sua configuração de caráter aberto e independente, o ensaio oferece ao escritor uma plataforma literária plena de possibilidades onde pode comunicar, livremente, sua(s) verdade(s) mesmo que sejam transitórias.

A pesquisadora espanhola María Elena Arenas Cruz, em seu estudo Hacia una

teoría general del ensayo (1997), sugere, na composição desse tipo de escritura,

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subsidiam o entendimento de sua criação como um todo e fornecem indícios de seu amadurecimento intelectual e literário. Nesse gênero, outras questões provocam nosso interesse: que tipo de temas demanda a atenção de Goytisolo? Que informações sobre o autor seus ensaios disponibilizam? O que é literatura para Goytisolo?

A produção ensaística de Juan Goytisolo teve início com o livro Problemas de la

novela, publicado em 1959. Desde então foram publicados El furgón de cola

(1967), Disidencias (1977), Libertad, libertad, libertad (1978), El problema del

Sáhara (1979), España y los españoles ( 1979), Crónicas sarracinas (1982),

Contracorrientes (1985), El bosque de las letras (1995), El árbol de la literatura (1995), De la ceca a la meca (1997), Cogitus interruptus (1999), El peaje de la vida (2000), El lucernario: la pasión crítica de Manuel Azaña (2004), Contra las

sagradas formas (2007), Ensayos escogidos ( 2007), Ensayos sobre José Ángel

Valente (2009), Genet en el Raval (2009), Belleza sin ley (2013). Dentro dessa

multiplicidade de temas, indicativa de seu amplo e variado interesse, destacam-se duas categorias de ensaio – os de cunho político-social e os de crítica literária. Nessa última categoria podem ser observados alguns aspectos que remetem à sua trajetória e amadurecimento literário, como abordaremos em seguida.

Não nos deteremos no estudo de nenhum ensaio em particular. Nosso interesse se centra tão somente em destacar a presença do autor no texto e alguns elementos que nos falam do seu processo de amadurecimento. Tomamos como ponto de partida Problemas de la novela (1959), em que refletia as preocupações dos escritores de sua geração concernentes à necessidade de definição de novas bases conceituais para a literatura, que diferissem daquelas consolidadas pelas gerações anteriores. Anos depois, ao refletir sobre aquele período o autor avalia:

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Sua concepção de literatura a colocava como uma possibilidade de transformação social e política e o consequente compromisso do escritor nesse processo. Com o passar do tempo essa perspectiva se revelou inócua e Goytisolo tomou consciência da necessidade de romper com a estética realista, que não respondeu aos seus anseios e aos de sua geração, e passou a buscar novas formas de expressar-se. Esse período se associa ao seu exílio e ao convívio com um novo grupo de intelectuais que influiriam, decisivamente, na reformulação de seus conceitos sobre a literatura.

Em El furgón de cola (1967) o autor se questiona sobre qual seria a função do

intelectual frente a uma realidade em que deve optar entre a sua função social ou a dedicação à arte. Chama a atenção o título dessa obra, considerando seu significado na cultura hispânica – o último da fila, o que é lembrado depois dos demais. O título remete também a um artigo de Antonio Machado: “Seguimos guardando, fieles a nuestras tradiciones, nuestro puesto de furgón de cola” (apud GOYTISOLO, 2005, p. 11). Seu entendimento da literatura oscila entre sua concepção anterior da literatura como denúncia social e a literatura como possibilidade de renovação da linguagem literária. Nessa obra Goytisolo torna públicas, parcialmente, suas preferências literárias, e então começa a delinear-se o que viria a constituir seu cânone. José María Blanco White, Luis Cernuda, Luis de Góngora são alguns dos autores cuja influência se fará notar em sua criação a partir de então. Redefine sua concepção da literatura: “[...] la obra literaria – la novela, la poesía, el teatro – obedece a dos coordenadas: la del momento histórico en que se realiza y, asimismo, la de su evolución en cuanto arte [...]” (GOYTISOLO, 2005, p. 227).

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obra ensaística, esta nos parece relevante o bastante para não ser relegada, haja vista sua afirmação: “En mis ensayos y artículos expreso opiniones e ideas” (GOYTISOLO, 1997a, p.48). Nesta tese será adotada, para fins de análise, a classificação proposta por Gonzalo Navajas (1979) que, observando um critério relacionado à temática desenvolvida na narrativa goytisoleana, sugere três etapas ou períodos, assim especificados:

I. Primera crítica de España – tem seu marco temporal situado entre 1949 e 1958 e compreende as obras Juegos de manos, Duelo en el paraíso, El circo, Fiestas e La resaca. Essas obras, de cunho realista, abordam o tema da guerra civil espanhola e suas consequências na vida de pessoas, de distintos níveis sociais e faixas etárias, que sofrem e reproduzem a realidade que vivem. Evidencia-se nessa etapa o subjetivismo narrativo e uma busca de representação da realidade. Sobre essa busca assim se expressou, à época, Goytisolo em uma entrevista: Una sociedad en que las relaciones humanas son fundamentalmente artificiales, el realismo se convierte en una necesidad. Para nosotros […] la realidad es nuestra única evasión". O autor se refere ao risco que representava naquelas circunstâncias a livre expressão de ideias, fator que contribui para a superficialidade das relações e para a necessidade de não se falar mais que do óbvio.

I. 1. Juegos de manos (1954) – romance cuja temática aborda a delinquência entre

jovens de classe média pós-guerra civil, os quais, sem referência de valores familiares e sociais, carregando, ainda que de forma inconsciente, as sequelas morais, éticas e sociais da guerra, não conseguem encontrar ou construir um sentido para suas vidas. O romance se situa temporalmente nos anos cinquenta e descreve a rotina de jovens procedentes da classe burguesa que ostentam a aparência de rebeldes e anarquistas e vivem a expensas do dinheiro dos pais. A personagem Sergio, de Señas de Identidad, é um exemplo icônico desse grupo: “En este país nada vale la pena...Como mi padre quería que me matriculara en la universidad, me matriculé... Pero no estudio” (GOYTISOLO, 1977a, p. 72). Essa ausência de motivação diante da vida será contextualizada e comentada pelo autor em Coto

vedado (1985a), quando relata memórias de sua vida universitária, comentando o

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Durante uno o dos años, un falaz y lamentable muchacho con mi nombre y apellidos procuró imitar su elegancia vestimentaria, adaptar sus maneras distinguidas [...] característicos de esa fauna típicamente barcelonesa de los 'señoritos de la Diagonal' (GOYTISOLO, 1985a, p.150).

Esses jovens, seus companheiros de juventude, oriundos de famílias abastadas da sociedade barcelonesa seriam, quem sabe, os mesmos que em Juegos de manos, carentes de perspectivas e direcionamento, vivem uma vida fútil e vazia que os levará à prática de crimes dentro do próprio grupo. Representariam também o esforço empreendido por Goytisolo em busca de um sentimento de pertencimento, busca essa que não se concretizará entre seus pares e menos ainda entre seus patrícios.

I. 2. Duelo en el Paraíso (1955) – obra que, mesmo não tendo a guerra civil como tema central, a coloca em um subplano. Nesse contexto a guerra é experienciada por um grupo de crianças, em sua maioria órfãos da própria guerra civil, que incorporam aos seus jogos infantis a trágica realidade ocasionada pelos conflitos bélicos. De modo semelhante aos protagonistas de Juegos de Manos, as personagens desse romance não têm perspectivas de vida e reproduzem, no local onde estão abrigadas, as atrocidades que presenciaram entre os adultos. Como o marco temporal da narrativa é o ano de 1939 – final da guerra civil – os cenários de destruição e miséria são o cenário onde ocorrem as ações. O assassinato de um garoto – Abel (alusão à personagem bíblica?) – por seus companheiros seria também uma menção à guerra fratricida que assolou o país e funciona como um gatilho que desencadeará toda a reflexão exposta ao leitor na crítica de Goytisolo: “Los símbolos perdían su valor y no quedaba más que eso: el hombre, reducido a sus huesos y a su piel, sin nada extraño que lo valorizara" (GOYTISOLO,1955, p.12).

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compõem essa Trilogia, esta apresenta um componente autorreferencial explicitamente colocado – a orfandade. Cumpre recordar que a ligação afetiva do autor era bem mais intensa com sua mãe e que durante a maior parte de sua infância viveu junto com seu pai, por quem não nutria o mesmo sentimento que dedicava à mãe:

Católico, monárquico, visceralmente opuesto al catalanismo [...]. Esta nueva imagen paterna no se imprimió en mi memoria sino en Viladrau; pero, de modo imperceptible, se extendió entonces sobre la forjada en mis primeros años [...] (GOYTISOLO, 1985a, p. 63-64).

O mundo da infância sob o impacto da guerra e a reprodução da realidade do mundo adulto em El circo tem como protagonista de uma história de crime e vício o garoto Pancho que, ainda precoce, planeja alternativas de delito. Sobre a não inclusão dessa obra na edição de suas “Obras Completas”, Goytisolo afirmou em entrevista ao Jornal El País em 8 de novembro de 2005: "Una cosa es enfrentarse a los errores cometidos y otra, gastar papel en mediocridades", comentário que destaca seu nível de exigência consigo, que o autor reitera em muitas outras ocasiões.

A terceira obra da Trilogia, La resaca (1958), trabalha a mesma temática e apresenta a personagem Antonio, que se envolve com um bando de delinquentes juvenis chefiados por Metralha, que o corrompe. A prática da sexualidade também está presente na Trilogia, fechando um ciclo em que as experiências do mundo adulto corroboram para a morte da infância. Em uma entrevista o autor avalia essa primeira etapa de sua criação: "Veo que (referindo-se a suas obras) están llenas de un espíritu crítico y subversivo, muy atento a las cuestiones sociales. Mostraban que en el páramo del franquismo había también voces disidentes”. Comentando o lançamento desse romance, na mesma oportunidade, Goytisolo declarou: “La prensa española ignoró el hecho y no se desató sino dos años más tarde contra aquella „seudoliteratura‟ considerada como una 'nueva forma de delincuencia” (GOYTSOLO, 2005).

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II. 1. Problemas de la novela - livro de ensaios publicado em 1959, no auge do romance realista. Nessa obra Goytisolo se posiciona em defesa de autores como Faulkner, Steinbeck, Pio Baroja, Sánchez Ferlosio, Fernández Santos e, de modo geral, de todo romance realista.

II. 2. Campos de Níjar (1959) - obra cuja publicação foi proibida na Espanha; é um relato da viagem do autor por Almería. A aridez da terra e a miséria em que viviam os almerienses, que sonhavam em emigrar em busca de sobrevivência, são mostradas como forma de denúncia do descaso do poder público. Sobre Campos de

Níjar, Goytisolo declarou na já citada entrevista: "La composición de Campos de

Níjar cierra un capítulo de mi narrativa en relación a España. Escrito con cuidado extremo, a fin de sortear los escollos de la censura” (GOYTISOLO, 2005). Ao longo das 139 páginas que compõem a obra é possível constatar que a visita a Almería e o contato com seus habitantes causou no escritor um forte impacto, conforme relata em Coto Vedado:

El desamor a España, esa entidad ajena, fragmentaria, incompleta, a veces obtusa y terca, otras brutal y tiránica – en cuyo seno negligente has crecido sufrirá el impacto de la breve y enjundiosa cala por tierras de Almería: [...] la imagen de un paisaje cautivo y radiante cuyo poder de atracción desvía tu brújula y la imanta a la atormentada configuración de sus ramblas, estepas y montes: [...] proyección compensatoria de una patria frustrada, [...] presentimiento de un mundo todavía quimérico pero presente ya en tu espíritu en su muda, acechante proximidad (GOYTISOLO, 1985a, p.331).

II.3. Para vivir aquí – obra publicada em 1960. É composta por relatos (Cara y Cruz,

Suburbios, Otoño en el puerto, Cuando llovizna, El Viaje, La Guardia, La Ronda, Los Amigos, Aquí abajo) por meio dos quais o autor critica algumas características frequentemente associadas à burguesia española – a apatia, o conformismo e a resignação dos que vivem no campo.

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II. 5. Fin de fiesta (1962) – obra que aborda o tema da relação homem x mulher e enfatiza a debilidade masculina diante do poder feminino, no contexto simbólico da figura da mãe. Considerando-se a metáfora da pátria como símbolo materno e inserida na letra da canção “España camisa blanca”, gravada por Ana Belén em 1994 – “a veces madre siempre madrastra” –, se poderia pensar em uma vinculação entre a mãe que acolhe o filho e a que o rejeita. Nesse contexto, a condição de exilado vivida por Goytisolo se faz presente como marca autobiográfica na obra. Esse tema será retomado neste estudo quando se abordar a temática da memória.

II. 6. La Chanca (1962) – nessa obra Goytisolo recupera suas memórias de quando visitou Almería e relata a visita ao bairro miserável de La Chanca, ali localizado. Sua publicação, inicialmente em Paris, foi autorizada na Espanha muito mais tarde, já em 1981. Seu conteúdo coloca em evidência o enorme fosso entre a propaganda franquista e as condições de miséria em que vivia a população de La Chanca: “¿Y al hambre? Te has acostumbrao tú al hambre? [...] las cosas no se arreglarán ni puén arreglarse. Al contrario, empeorarán de día en día (GOYTISOLO, 1962, p.16). O autor explica: "[...] La Chanca, mi relato-reportaje sobre el bellísimo y miserable barrio almeriense genialmente captado por la cámara de Pérez Siquier" (GOYTISOLO, 2011, p. 583). Goytisolo reproduz a fala coloquial das pessoas simples ao comentar a resignação dos almerienses diante da vida de privações que impôs às camadas mais pobres o regime ditatorial.

II. 7. Pueblo en marcha (1962) – obra escrita durante o período em que o autor comungava com os ideais marxistas. A convite da Casa de las Américas e do jornal Revolución, Goytisolo visitou Cuba no início do governo socialista de Fidel Castro e na ocasião entrou em contato com cubanos descendentes dos escravos de seu bisavô paterno. Após a viagem o autor ratificou sua esperança na doutrina marxista como alternativa para uma sociedade mais justa e livre, como se pode ver na citação:

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Essa obra encerra a segunda etapa – Testimonio de España – e mostra a preocupação do autor com o futuro de um país cuja divisão social se fundamentava na exploração do mais fraco pelo mais forte e onde os valores burgueses estavam fortemente arraigados.

III. Etapa autobiográfica – nessa terceira fase o autor abandona por completo as técnicas narrativas até então utilizadas. Sua escritura alcança uma nova forma de expressão e será marcada por um estilo que romperá definitivamente com aquele até então utilizado. E assim dá início ao processo de uma ruptura total que resultará inclusive em uma nova teoria do romance, da qual trataremos no desenvolvimento de nosso estudo. Pertence a esse período a produção realizada a partir de 1962, destacando-se as obras da Trilogia Álvaro Mendiola, Makbara (1980), Paisajes

después de la batalla (1985), Coto vedado (1985a), En los reinos de taifa (1986a),

Las virtudes del pájaro solitario (1988), La saga de los Marx (1993) e Las semanas

del jardín (1997).

Essa etapa corresponde a uma época em que Espanha viveu (e é comentada em Reivindicación del Conde Don Julián) um significativo desenvolvimento econômico graças ao turismo e à indústria. Os espanhóis alcançaram um melhor padrão de vida e as liberdades individuais começaram a ser restabelecidas. A atenção de Goytisolo se centra na construção de um estilo pessoal e na busca por novas formas de expressão. Sobre esse tema, o autor afirma: “Una novela que se limite a ilustrar tesis o teorías será siempre una obra malthusiana, […] y abolirá el placer de la lectura múltiple, contradictoria, total, absorbente, exhaustiva” (GOYTISOLO, 1985b, p.61).

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Apropriando-se da voz do protagonista, o autor critica a sociedade catalã, católica e burguesa e na trajetória da personagem prevalece a determinação de apagar e destruir um passado vexatório, pleno de culpas. Refere-se, por exemplo, ao bisavô paterno, Agustín, como: “el hidalgo pobre de la provincia asturiana, astuto traficante, especulador y negrero, de mirada cruel y altiva” (GOYTISOLO,1977a, p. 17). A ruptura com os valores familiares, religiosos e patrióticos se reflete no rompimento com a estrutura da linguagem e das técnicas narrativas. A esse respeito Goytisolo declara em entrevista a Gonzalo Sobejano: “La ruptura es doble [...] una serie de referencias no sólo biográficas [...] provoca en él (referindo-se á personagem Álvaro) una crisis que le lleva a realizar un examen de consciencia, verdadero tema de la novela” (GOYTISOLO, 1975, p.113). Para este estudo trabalhamos com a edição de Señas de Identidad que se publicou em 1977.

III. 2. Reivindicación del Conde Don Julián (1970) – a segunda obra da Trilogia tem como protagonista um narrador anônimo que, a partir de um mirante localizado em Tanger – Marrocos, dirige diariamente, seu olhar à Espanha e planeja uma nova invasão. Na mesma entrevista a Gonzalo Sobejano o autor esclarece: “El ataque del narrador contra su patria [...] es una tentativa de sicoanálisis” (GOYTISOLO, 1975, p.117-118). Estruturada a partir da combinação de recursos linguísticos e estilísticos sobejamente conhecidos, a sua estética garante um efeito inovador e original. Ainda sobre essa obra o autor explica: “El propósito fundamental de una novela como Don Julián es lograr la unidad del objeto y el medio de representación, la fusión de la traición-tema y la traición-lenguaje” (GOYTISOLO, 1977c, p.292).

A configuração – intertextualidade, ruptura da temporalidade linear e do fio condutor da narrativa, paródia, sátira, ficcionalização de personagens e fatos históricos, crítica literária, religiosa e política, utilização dos signos de pontuação de forma anticonvencional, entre outros elementos – confere, na avaliação de vários críticos, à Reivindicación del Conde Don Julián2 o lugar de um divisor de águas na produção literária de Goytisolo. A inovação ou experimentação que o escritor empreende nessa obra sinaliza a subversão da linguagem, não somente do ponto de vista da renovação da escritura formal como também na possibilidade de desmascaramento e denúncia. Sobre essa temática, afirma Victor Lemus:

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Reivindicación del Conde Don Julián se inserta plenamente, al igual que en la tradición española, en la renovación de la narrativa hispanoamericana de esa época. Juan Goytisolo opera una defenestración vanguardista que hoy se encuentra en desuso. Así, al decidir insertarse en la tradición que se ocupa del “tema de España”, este escritor, al hablar de hambre, explotación, machismo o catolicismo, habla también de libros y de autores, junto con las tradiciones literarias e imagéticas a las que ellos pertenecen (LEMUS, 2007, p. 12 -13).

Entendemos que a análise dessa obra oferece ainda um rico corpus para uma reflexão sobre questões históricas que permeiam a narrativa e pode contribuir para a discussão de importantes temas da atualidade, considerando inclusive o mito da superioridade ocidental e a sua inclusão no debate sobre as, assim denominadas, políticas antiterroristas, que, entretanto, não serão objeto de análise neste estudo.

III. 3. Juan sin Tierra (1975) – difere das obras anteriores em alguns aspectos e se destaca pelo uso da ironia empregada pelo autor. Uma vez mais se registra o problema da identidade – negação e busca –, já que a personagem principal não tem nome e vagueia numa ciranda temporal entre personagens históricas, assumindo distintas personalidades. No aspecto linguístico, está notadamente delimitada entre o tempo presente, o gerúndio e o futuro. Em entrevista ao periódico CNT Málaga, datada de 21 de março de 2006, Goytisolo responde à seguinte pergunta de Francisco Ferrer: “¿Cómo has encontrado novelas como Juan sin

Tierra, Señas de identidad, ahora? ”

JG: Funcionan muy bien, cambiaría algún párrafo. De “la Reivindicación del Conde de D. Julián” no cambiaría una palabra. El gran traidor de la Historia de España es ella misma: por ejemplo, sabemos hoy que la famosa invasión de los musulmanes no ocurrió en absoluto, o como el Apóstol Santiago no era tan Apóstol. Cuando España empieza a decaer (su imperio), qué hicieron los poderes entonces para enfrentarse a esas pérdidas, ¿qué hizo el apóstol Santiago?, se necesitaba alguien como Quevedo, un escritor que odiaba a las mujeres, a los moros, a los homosexuales, y glosar a Santiago como cortador de millones de cabezas.

Com relação aos ensaios, parte importante de sua criação, além dos já citados, registramos Presentación crítica de J. M. Blanco White (1972), prólogo de la obra

de D. José María Blanco White (1977); El problema del Sáhara (1979); Cogitus

interruptus (1999); El peaje de la vida, integración y rechazo de la emigración en

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nido (2001); España y sus ejidos (2003) e El lucernario. La pasión crítica de Manuel Azaña (2004).

Dentre os vários teóricos que dedicam sua atenção e interesse às obras de Goytisolo, consultamos Gonzalo Sobejano –Teoría de la novela en la novela

española última (Martín-Santos, Benet, Juan y Luis Goytisolo), de 2009, e Matilde

Albert Robatto – Juan Goytisolo: destrucción y creación del lenguaje, de 1978. Essa seleção teve como critério o fato de Gonzalo Sobejano discorrer sobre o processo pelo qual se deu a ruptura com a estética do realismo e apontar na escrita de Goytisolo as características de sua forma de “novelar”, ou seja, uma análise focada na forma do romance. O estudo de Matilde Albert Robatto (1978) está centrado no processo da busca de renovação da linguagem empreendida por Goytisolo e também expõe a opinião de autores como Carlos Fuentes, Severo Sarduy, Claude Couffon, Emir Rodríguez Monegal, entre outros, resultando em um estudo abrangente. Registramos também a contribuição de Inger Enkvist, que em seu artigo Edward Said, Juan Goytisolo y la comprobación de los datos, datado de 2015, identifica em Goytisolo algumas atitudes que o próprio autor critica na tradição espanhola – a troca de elogios mútuos: “si me citas te cito si me alabas te alabo, si me lees te leo” (GOYTISOLO, 1999, p.129), desprovidos de qualquer análise crítica. Cremos que esses teóricos oferecem um painel elucidativo do percurso literário de Goytisolo, uma vez que contemplam aspectos fundamentais de seu labor novelístico.

Gonzalo Sobejano inicia seu ensaio propondo um conceito didático do termo teoria:

Por teoría suele entenderse el „conjunto organizado de ideas referentes a cierta cosa o que tratan de explicar un fenómeno‟ (teoría de la relatividad, por ejemplo) o bien el „conjunto de conocimientos sobre cierta actividad, separados de la práctica de ella‟ (se puede conocer, por ejemplo, la teoría de la pintura sin ser pintor). Me refiero aquí a esta segunda acepción, pero no como separada de la práctica, sino precisamente como incorporada a ella: teoría de la novela dentro de la novela; conocimientos sobre la actividad del novelar que pueden hallarse no fuera de las novelas sino en las novelas de cuatro autores españoles cuya vigencia actual me parece fuera de duda [...] (SOBEJANO, 2009, s/p).

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novelística, desenvolve em paralelo a sua teoria sobre como criar sua obra, chamando a atenção do leitor para as possibilidades da escrita na criação de uma realidade ou mesmo se expondo mediante uma autocrítica. A Trilogia Álvaro Mendiola estaria inserida nessa categoria e, portanto, contemplada pelo estudo de Gonzalo Sobejano. Esse teórico explica que não constitui novidade essa forma de escritura e menciona o processo de criação de El Quijote, citando os episódios da queima de livros da biblioteca do protagonista, suas reflexões e conversas com seu escudeiro sobre a primeira parte da obra como exemplo de teoria e autocrítica. Cita também, de época mais recente, os escritores André Gide, Marcel Proust, Azorín, Miguel de Unamuno e Julio Cortázar. Destaca, entretanto, que Goytisolo junto com Juan Benet é o autor que mais se dedica à teoria literária fora de seus romances e alude à obra Problemas de la novela (1959), em que o autor, influenciado pelas ideias de Georg Lukács e Antonio Gramsci, defendia a estética realista.

Se estamos diante de uma forma de escritura que, em princípio, não apresenta nenhuma novidade, caberia perguntar: qual a importância da criação literária de Goytisolo na visão de Gonzalo Sobejano? O que aporta sua escritura que despertou o interesse da crítica? O que agrega a “el árbol de la literatura” que lhe confere o lugar de escritor reconhecido e detentor de vários prêmios? O que o desabona segundo seus críticos mais severos? Buscamos, no estudo desses teóricos, possíveis respostas a esses questionamentos.

Gonzalo Sobejano, coetâneo de Goytisolo, analisa em Valores figurativos y compositivos de la soledad en la novela de Juan Goytisolo (1981), desde Juegos de manos (1954) até Señas de Identidad (1966), e comenta o amadurecimento literário de Goytisolo no que concerne à sua concepção do que seja o romance. Situa-o a partir de Señas de identidad, obra cuja ênfase recai mais sobre o discurso do que sobre a história. Segundo Sobejano nessa obra: “saltan a la vista los vestigios de Martín-Santos, Luis Cernuda, Julio Cortázar, Max Aub y Raymond Queneau, por lo menos” (SOBEJANO, 1981, p. 29).

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La capacidad de variación y desenvolvimiento de posiciones, temas, géneros y recursos [...] todos estos aspectos configuran sin duda la personalidad más dinámica entre los novelistas de su edad, o siquiera la personalidad dotada de un dinamismo más proyectado hacia fuera, más „traducido‟ (SOBEJANO, 1981, p.24).

Com a citação acima Sobejano legitima a importância da criação ficcional de Goytisolo e complementa: “Autor de novelas, cuentos, libros de viaje y ensayos críticos; introductor de novelistas españoles en Francia y por tanto, en el mundo; promotor de campañas y manifiestos [...]” (SOBEJANO, 1981, p.24). Concorda com os críticos que identificam nas obras de Goytisolo a influência de outros escritores, fundamentalmente naquelas obras de cunho realista produzidas no início de sua atividade literária. Destaca, citando Sartre e Dostoievski, o mesmo talento e capacidade imaginativa no autor e identifica a busca de pertencimento como o núcleo central de sua obra: “la obsesión de no haber poseído nunca, o de haber perdido, el vínculo con el mundo al que su ser propiamente pertenezca” (SOBEJANO, 1981, p.25). Tema que será retomado no desenvolvimento desta pesquisa.

Em seu estudo Teoría de la novela en la novela española última (Martín-Santos,

Benet, Juan y Luis Goytisolo) (2009), Sobejano destaca que a partir de Señas de

Identidad (1966) Goytisolo começa a se dedicar mais à sua atividade criativa, afastando-se paulatinamente da escrita de cunho político. O comentário se estende a seu irmão Luis Goytisolo, também escritor, ao afirmar Sobejano que esse fato se deve a que: “Los hermanos Goytisolo, en distinto grado de intensidad, acusan nítidamente el cambio de la política a la estética como consecuencia de una pérdida de fe en la primera” (SOBEJANO, 2009, s/p). E se, no contexto geral, constituiu uma moda a presença da teoria dentro do romance, no caso desses autores, mais especificamente de Juan Goytisolo, Sobejano esclarece:

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ámbito prospera, entre otras mentiras, la mentira del realismo convencional (SOBEJANO, 2009, s/p).

Entendemos que o binômio literatura e crítica literária, conjugados na escritura de Juan Goytisolo configuram, em parte, seu aporte à literatura e contribuíram para despertar nos críticos o interesse por sua obra. Observamos que se, de início, o estudo de Gonzalo Sobejano prioriza a forma de “novelar” adotada por Goytisolo, passa em seguida a apreciação de seu conteúdo e aponta o que considera como um aspecto pouco louvável – uma marcada influência de suas leituras recentes, destacando: “Cuesta trabajo admitir que un escritor tan ducho, capaz de levantar con tan sabia arquitectura una novela como Señas de Identidad, pueda recordar tan de cerca, [...] el verboso sarcasmo de Martín-Santos [...]” (SOBEJANO, 1981, p.29 ).

Em artigo publicado na Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal – Sistema de Información Científica, Fidel Chávez Pérez observa: “[…] Goytisolo representa la figura clave que ha incursionado en el tema de España tocando las fibras más sensibles de su historia, gracias a esa distancia que, como escritor, estableció desde sus inicios” (CHÁVEZ PÉREZ, 2001, p. 63-68). Registra-se um considerável estudo sobre as obras, entrevistas e artigos de Goytisolo, notadamente os que abordam seu posicionamento com relação ao binômio Ocidente X Oriente. O tema da visão eurocêntrica e da manipulação dos mitos nacionalistas, como estratégias de dominação, bem como o interesse pelo mundo árabe e pela cultura islâmica, são exemplos icônicos de seu interesse literário somente para citar alguns.

A figura paterna, tema recorrente em Goytisolo, tem recebido a atenção da Psicanálise, Antropologia, Sociologia, Mitologia, e está também presente na Trilogia Álvaro Mendiola. Essa figura ou função paterna pode ser analisada sob distintos enfoques e nos interessa abordá-la enquanto figura literária em algumas de suas configurações e inclusive como ausência. Frequentemente citada em Coto vedado:

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Na maioria das vezes associado à infância, o impacto da orfandade na vida do autor enseja algumas reflexões. Em princípio podemos pensar na orfandade como uma ruptura definitiva causada pela morte dos pais, ou de um deles, que marcará a infância. Outra forma de orfandade ocorre pela negligência, voluntária ou acidental, do adulto em relação à criança. Uma outra configuração de orfandade, inclusive comentada por Goytisolo em Coto vedado (1985a), diz respeito a um texto de Freud intitulado Romances Familiares(1908 [1909]), em que o psicanalista discorre sobre a descoberta, pela criança, de que seus pais são pessoas normais que não correspondem ao que havia idealizado. Esse fato, que simbolicamente representaria também uma perda, levaria a criança, em um mecanismo de compensação, a fantasiar uma “novela familiar” (grifo do autor) substituindo os pais reais por equivalentes imaginários, os quais funcionariam como suportes emocionais em seu enfrentamento com a realidade. Em qualquer das situações, a questão do abandono, de sentir-se a criança traída e abandonada é o sentimento que subjaz à orfandade.

Os temas de infância e orfandade surgem com bastante frequência na literatura de pós-guerra. Citamos, como exemplo, as obras do próprio Goytisolo – Juegos de

manos, Duelo en el paraíso, El circo, Fiestas e La resaca, mencionadas na

introdução deste estudo. A morte de sua mãe, Julia Gay, durante um bombardeio à cidade de Barcelona em 1938, o privou da presença, atenção e amor maternos. Esse trágico episódio, cujas consequências – a infância interrompida, a ausência física da mãe, a falta de modelos adultos em quem se espelhar, a sensação de abandono e de exclusão refletem, de forma bastante direta, a infância do autor, podendo ser consideradas como marcas autorreferenciais. Explicitamente mencionado em Coto Vedado (1985a), como visto no fragmento anteriormente citado, esse tema pode ser identificado também nas obras da Trilogia, começando

por Señas de identidad: “En las melancólicas semanas que precedieron al

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seu duplo, é potencializada, primeiro com a morte do pai e em seguida a da mãe. Circunstância que, para além de mostrar o poder e a liberdade que a escritura outorga ao escritor, evidencia também o impacto da orfandade na vida de Goytisolo. Na sequência da narrativa o protagonista, criado pelos tios, será o último sobrevivente da família: “Álvaro era el último brote del árbol condenado y enfermo” (GOYTISOLO, 1977a, p. 49).

Refletimos sobre a significação dessa imagem de Álvaro como: “el último brote del árbol condenado y enfermo” situando-a no contexto da ditadura franquista. A personagem se apresenta enferma do coração em um duplo sentido. A cardiopatia, possivelmente hereditária, motivo de seu retorno a Barcelona para recuperar-se, remete a outro padecimento – a desidentificação com seu passado e a angústia de não se reconhecer. Configura-se assim um quadro patológico, pois como afirma Susan Sontag “a doença é o lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais onerosa” (SONTAG, 2008, p.94). Sua tentativa de reencontrar-se o coloca face a face com a ausência de si mesmo, revelando a inutilidade de sua existência, como se verá na análise da obra.

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venga de ti sea enterrado adónde reparación y olvido aquí cerca en el fondo de un lago suizo mezclado con el semen la sangre y los residuos de todas las cloacas” (GOYTISOLO, 1977a, p. 346). Seu desencanto diante da vida voltará à cena no episódio da tentativa de suicídio.

Em Don Julián (1999), a orfandade, simbolicamente representada, se relacionaria à perda da mãe-pátria. O protagonista relata sentimentos conflitantes em relação à figura da mãe. O narrador criança: “ceguera de amor sin duda [...] interiormente dividido en dos : por un lado la cáscara y por otro la pulpa [...] (GOYTISOLO, 1999, p.195); o escritor/narrador adulto movido pela mágoa de uma perda real, e também metaforicamente concretizada, reflexiona sobre a impossibilidade de rompimento com essa mãe, agora madrasta: “unido tú a la otra orilla como el feto al útero [...] el cordón umbilical entre los dos como una longa larga y ondulante serpentina” (p.13).

Em Juan sin Tierra (1977) o tema da orfandade é mencionado, indiretamente,

apenas uma vez: “[...] pesadilla renuente y atroz que obstinadamente te acosa con su indeleble estigma a pesar de tus viejos esfuerzos por liberarte de ella […]” (GOYTISOLO, 1977b, p. 96).

Em seu artigo Literatura y orfandad en la Barcelona de posguerra (2): los hermanos Goytisolo, Sergio Colina Martín (2010) afirma:

Desde una perspectiva literaria, la orfandad, más que como un mero estado (es decir, una situación pasiva), debe ser entendida como un sentimiento o vivencia, y por lo tanto, como algo dinámico, complejo y capaz de adoptar múltiples formas. En este sentido narrativo, por así decirlo, la orfandad sería - de forma lata y, a la vez, restringida al ámbito de la representación - la característica del ser humano indefenso, desprotegido, desorientado. Pues bien: todos los escritores huérfanos que hemos seleccionado como objeto de este estudio han sabido desbordar el ámbito restringido y personal de su circunstancia biográfica; y, al mismo tiempo, han tenido la capacidad intelectual y ética de identificarse con toda criatura débil, proyectando - con una mayor o menor carga crítica, según el caso - fragmentos de su personalidad y de su itinerario emocional sobre los seres marginales u olvidados de la sociedad. Huérfanos forzosos, incluso a veces con padres y madres, a los que les ha sido otorgada, así, una nueva entidad y, sobre todo, una nueva dignidad (COLINA MARTÍN, 2010, s/n).

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