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A Política Externa do Irã

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8º Encontro da ABCP

01 a 04/08/2012, Gramado, RS

Área Temática: Relações Internacionais

A Política Externa do Irã

Ricardo Fagundes Leães (UFRGS)

Resumo:

O artigo visa à análise da política externa do Irã e de seus recentes desdobramentos, procurando oferecer uma explicação detalhada de suas raízes e principais motivações. Para tanto, procedeu-se à verificação de alguns seus principais condicionantes internos, regionais e sistêmicos. Após o estudo dessas variáveis, realizou-se uma avaliação dos principais temas vinculados à diplomacia iraniana. Além disso, foram estudadas as relações bilaterais entre o Irã e seus principais parceiros, além dos países com os quais os iranianos não mantêm um relacionamento amigável, motivo pelo qual a imagem do país se deteriorou ao longo das últimas décadas. O exame dos acontecimentos fez-se necessário a fim de se examinar o efeito de cada um dos condicionantes para a política externa iraniana.

Palavras-chave:

Irã, Política Externa, Revolução Islâmica, Ocidente e Projeto Nuclear.

1. Introdução:

Há um progressivo interesse em relação à política externa do Irã, à medida que o assunto se torna mais recorrente nas mídias e na academia.

Uma importante parcela dos comentários feitos a respeito do tema, contudo,

carece de embasamento teórico e insiste em tratar o assunto com base nos

preconceitos que o Irã desperta em decorrência de sua agressiva retórica

antiamericanista e anti-Israel. É do escopo deste artigo, portanto, analisar as

modificações que aconteceram nas últimas décadas no Irã e explorar as razões

pelas quais as pedras angulares da diplomacia do país se arraigaram de

maneira tão significativa. A fim de atingir esse objetivo, formulou-se um

comentário sobre a história iraniana a partir da Revolução Islâmica,

considerando seus principais condicionantes internos, regionais e sistêmicos.

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As recentes transformações por que vem passando o Irã nos últimos anos precisam ser entendidas à luz dos acontecimentos que as antecederam. A atual estrutura político-econômica do país está profundamente vinculada à classe religiosa dirigente que tomou o poder na revolução de 1979. É nesse momento, portanto, que começam a se assentar as bases da República Islâmica do Irã, cujas características foram se delineando ao longo do tempo.

Entender os eventos precedentes à ascensão de Khomeini, logo, é fundamental para entender como a revolução que, no início, congregou setores seculares, progressistas e de esquerda, foi paulatinamente tornando-se mais conservadora e fundamentalista (VISENTINI 2010, 01 e 02).

A política externa iraniana é balizada por determinados atributos cuja relevância é inegável para os formuladores da diplomacia do Irã. Pode-se afirmar que esses atributos constituem verdadeiros condicionantes para a política exterior, na medida em que são de suma importância para moldar os acontecimentos em torno da participação de Teerã no sistema internacional. É razoável supor a existência de três grupos de condicionantes: internos, regionais e sistêmicos, os quais representam variáveis interdependentes. Ainda que cada um desses fatores apresente proeminência distinta de acordo com o recorte histórico escolhido, é notória a evidência de todos estes ao longo do período que sucedeu a Revolução Islâmica de 1979.

2. Condicionantes Internos:

Dentre os principais condicionantes internos, é manifesto o destaque dos

aspectos históricos, políticos e econômicos para o desenrolar da política

externa iraniana. Em relação à história, é imperativo ressaltar os sentimentos

que a população do Irã tem com respeito ao Império Persa e aos momentos em

que o país foi vítima da agressão de potências estrangeiras, que representam

ideais imprescindíveis para os iranianos (RAMAZANI 2009, 12 e 13). Já os

fenômenos referentes à política interna influem para que se possa averiguar

quem são os principais responsáveis pela condução da diplomacia. A

economia, por sua vez, marca-se pela saliência do mercado petrolífero e pela

inevitável dependência do governo iraniano para com as receitas da

exportação dessa commodity, o que constrange sua margem de manobra.

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2.1 História:

A história atua como condicionante para a política externa através de dois eixos: o orgulho das realizações do Império Persa e o radicado sentimento de vitimização que carregam os iranianos em virtude do imperialismo praticado por grandes potências em seu território. Se, por um lado, há uma grande vaidade decorrente dos sucessos dos persas por influenciar gregos, árabes, turcos, mongóis, ocidentais e islâmicos e por libertar os hebreus do Cativeiro da Babilônia, persiste igualmente o receio, que é fruto da ocupação que houve por gregos, árabes, mongóis, turcos, britânicos e russos. A principal consequência desses eventos é a intransigente oposição referendada pelos líderes iranianos à interferência das grandes potências em seus assuntos internos e a rejeição ao unilateralismo, pois os iranianos exigem tratamento de igual para igual nas negociações (RAMAZANI 2009, 12 e 13).

O caráter xiita da sociedade iraniana também tem implicações basilares para a política do país. Nas regiões em que vigora o sistema de dominação sunita, verifica-se uma estreita vinculação entre o clero e o Estado, sendo às vezes difícil distinguir os interesses dos religiosos dos estatais. No xiismo, contudo, são consideravelmente mais expressivas as prerrogativas dos setores clericais, que tinham inclusive autonomia financeira, uma vez que realizavam parte da coleta de impostos e os mantinham como bem entendessem. Nessas circunstâncias, a situação de virtual independência econômica do clero para com o Estado, em um país onde era muito prestigiado, fazia com que sua atuação frente aos acontecimentos que norteavam o rumo do país fosse bastante acentuada (HIRO 2009, 359 e 360).

É pertinente ressaltar que as raízes da Revolução Islâmica já poderiam

ser encontradas um século antes de sua irrupção, e estão associadas ao peso

representado pelos clérigos na política. Em 1890-1891, a Revolta do Tabaco foi

uma manifestação contrária à concessão dada pelo Xá à Grã-Bretanha, sob a

alegação de que se tratava uma política colonialista. Em seguida, em 1905-

1906 despertou a Revolução Constitucional, que propunha o rompimento da

ordem vigente em favor de um regime menos autoritário. Por fim, as

nacionalizações promovidas pelo Primeiro Ministro Mossadegh representavam

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uma medida contra o imperialismo que vigorava no Irã. Em todos esses movimentos, era conspícua a participação e liderança do ulemá (clero islâmico), que desempenhou papal proeminente (RAKEL 2007, 160).

Como no caso de outros países que ficaram à mercê do imperialismo e dele se libertaram através de um processo revolucionário, a política externa do Irã se calca pelo repúdio à intervenção estrangeira nos assuntos domésticos. A Constituição afirma oposição a todas as formas de imperialismo e colonialismo (ABRAHAMIAN 2008, 164). Essa posição se opõe à estratégia utilizada pelo Xá, que se assentava em uma estreita parceria com os Estados Unidos. Nota- se, portanto, que a visão global do novo regime emerge da luta contra o imperialismo norte-americano – e também soviético, ainda que em menor medida – e da campanha em prol dos movimentos islâmicos. À época de Khomeini, os lemas eram “nem Oeste nem Leste” e “exportação da revolução”.

Este viés doutrinário cedeu espaço para um maior pragmatismo nos governos Rafsanjani e Khatami, mas retomou terreno com a ascensão de Ahmadinejad, ainda que com matizes diferentes (VISENTINI 2010, 03 e 04).

2.2 Política Interna

As instituições políticas iranianas estão assentadas na Constituição do país, promulgada em 1979. Embora haja uma separação formal entre Executivo, Legislativo e Judiciário, seus líderes encontram-se sujeitos à aprovação dos grupos religiosos que estão no poder. A principal autoridade política e religiosa do Irã é o Líder Supremo, eleito pela Assembleia dos Peritos. Suas funções são múltiplas: é o responsável pela coordenação das políticas gerais, é o comandante-chefe, possui controle sobre as questões relativas à inteligência e à segurança e tem o poder de declarar guerra. O Líder Supremo é o principal responsável pela política externa, sendo sua palavra decisiva para sua aplicação (SMITH, 2008, p. 83). Vê-se, todavia, que os últimos três presidentes iranianos organizaram três visões distintas de política externa, e não foram impedidos de colocar suas ações em prática.

O presidente iraniano está hierarquicamente abaixo do Líder Supremo, e

tem o dever de implementar a Constituição e de comandar o Executivo. Sua

escolha é realizada através de eleições com sufrágio universal, que são

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realizadas a cada quatro anos. A Constituição prevê, ainda, possibilidade de uma reeleição para o presidente (SMITH, 2008, p. 83). Nas duas últimas décadas, a partir da morte de Khomeini e da ascensão de Khamenei, o presidente foi a figura chave para a política externa, que adquiriu um matiz menos ideológico e mais pragmático, mesmo que a eleição de Ahmadinejad tenha representado um retorno dos setores conservadores à chefia do Executivo e a volta da retórica antiamericanista. (RAKEL 2007, 170 e 171).

Ainda têm atribuições o Ministro de Relações Exteriores, que orienta o presidente e o Conselho Supremo de Segurança Nacional (SNSC), o locus de discussão da política externa iraniana. Deve-se mencionar, por fim, a existência das quatro principais correntes sobre este tema: os conservadores (1979- 1989), os pragmáticos (1989-1997), os reformistas (1997-2005) e os neoconservadores (2005-). De maneira geral, reformistas e pragmáticos apregoam a aproximação com os países ocidentais a fim de que o Irã possa atuar como player no sistema internacional. Seu ideário também é marcado pela defesa dos interesses nacionais em detrimento de valores ideológicos.

Conservadores e neoconservadores, ao contrário, bradam a defesa da revolução islâmica, mas os últimos são mais objetivos (RAKEL 2007, p. 166).

2.3 Economia

O Irã representa a vigésima economia mundial, com um PIB estimado em 357,2 bilhões de dólares. O país apresentou significativo crescimento econômico nas décadas de 1960 e 1970, como consequência da elevação do preço do petróleo. Entretanto, a década seguinte foi marcada pela guerra contra o Iraque e por preços baixos dessa commodity, o que fez com que o país estagnasse. Já nos anos posteriores se observou uma retomada do crescimento, sobretudo nos anos 2000. Esses resultados, contudo, se mostram muito vinculados à flutuação do valor do petróleo, o que demonstra a falta de dinamismo e diversificação da economia iraniana. Os acontecimentos subsequentes à crise financeira de 2007/2008 coadunam com esta visão, pois a taxa de crescimento despencou desde então (ILIAS 2008, 03, 04 e 05).

Conquanto tenha mostrado um bom desempenho ao longo da última

década, a economia iraniana possui problemas estruturas que estão arraigados

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em determinadas visões políticas de sua classe dirigente. O país tem boa parte de sua produção ligada a setores estatais nem sempre eficientes, ainda que haja um corrente esforço para privatizar empresas e diminuir os subsídios. A retórica externa agressiva do governo tampouco serve para melhorar essa situação, pois serve para aumentar as sanções econômicas e minguar os investimentos externos dos quais o país depende. Outro problema macroeconômico grave é a inflação, que há muito já ultrapassou os dois dígitos. Com isso, o rial (moeda iraniana) vem se apreciando frente ao dólar, o que prejudica o setor exportador e a balança comercial (ILIAS 2008, 24 e 27).

O desemprego também constitui uma dificuldade enorme a ser superada, pois sua taxa também se situa acima dos 10%. Em um país de população eminentemente jovem, essa situação se agrava e implica obstáculos para a redução da pobreza, como atesta o índice de 20% da população que se encontra nesse estado. Nessas circunstâncias, o esforço que o governo iraniano vem realizando para fortalecer as instituições de educação superior tem se mostrado contraproducente, pois a mão-de-obra mais qualificada não encontra emprego no mercado doméstico e emigra. De acordo com o FMI, no Irã é onde mais acontece a chamada fuga de cérebros (ILIAS 2008, 06).

3. Condicionantes Regionais:

As questões regionais constituem a prioridade da política externa iraniana. Embora o país seja politicamente estável, a geopolítica representa um grande desafio, na medida em que cercam o Irã vários Estados nos quais a desordem é preponderante. O Golfo Pérsico também é importante por ser o meio pelo qual se assegura a exportação do petróleo produzido no país. É fundamental ressaltar, ainda, que houve uma inegável transformação na geopolítica regional desde o fim da União Soviética, o que acarreta novos desafios à diplomacia de Teerã, que sempre aspirou à condição de líder regional. Ademais, a rivalidade estratégica com Israel e o fato de que o único aliado do Irã no Golfo Pérsico encontra-se em uma situação periclitante são fatores que não podem ser desconsiderados nessa análise.

A partir do desfecho da Guerra Fria, aconteceram mudanças que não

foram negligenciadas pelos iranianos. Em 1990, a invasão do Kuwait pelo

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Iraque representou um ponto de inflexão, pois o país de Saddam Hussein, e não o Irã, passou a ser considerado como a principal ameaça à segurança no Golfo Pérsico. Teerã, pelo contrário, apoiou os ocidentais e os kuaitianos. Essa medida permitiu uma aproximação entre o Irã e os membros do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã), o que ia ao encontro da estratégia de estreitar laços com os países próximos ao Golfo Pérsico (RAKEL 2007, 172 e 173). Hoje, o Irã tem nos Emirados Árabes Unidos um de seus mais relevantes parceiros comerciais, sendo a principal fonte das importações iranianas.

As relações iranianas com os países árabes têm um caráter de primazia para a agenda política do governo. Após alguns anos de turbulência, houve progresso com Kuwait, Omã, Catar e Arábia Saudita. Até então, o Irã era suspeito de dar apoio material a grupos xiitas desses países (Barein e Arábia Saudita) que se opunham à política local. Com o arrefecimento dessa atitude, melhoraram as relações entre árabes e iranianos, o que é demonstrado pelo acordo securitário entre Irã e Arábia Saudita de 2001. Em relação a Egito e Sudão, também se observa uma sensível distensão com o Irã nos últimos anos. Sobre o Líbano, vê-se um apoio iraniano à minoria xiita e ao Hizbollah (CURTIS; HOOGLUND 2008, 242, 243, 244 e 245).

A invasão promovida pelos Estados Unidos ao Iraque e ao Afeganistão é outro fator que implica consequências à política externa iraniana. Ainda que Bagdá tenha sido o grande rival de Teerã durante os anos 1980 e o Talibã tenha entrado em choque com o Irã, não é do agrado às lideranças iranianas a presença de dois Estados fragmentados na região. O Irã chegou a promover uma espécie de bandwagoning seletivo em 2001, ao se juntar à Aliança do Norte para depor o Talibã (GANJI 2005, 10 e 11), mas não tem interesse na permanência da atual conjuntura para o longo prazo . Em relação ao Iraque, há uma expectativa para que sua população – de maioria xiita – possa incentivar a formação de um novo governo, mais afinado com o regime dos aiatolás.

A aliança entre Irã e Síria está diretamente associada à Revolução

Islâmica de 1979, momento a partir do qual os países se acercaram em virtude

da afinidade ideológica que havia entre suas lideranças políticas. Em 1982,

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essa parceria se consolidou, uma vez que os sírios foram o único país árabe a apoiar o Irã contra o Iraque. Além disso, ambos somaram esforços para enviar tropas ao Líbano, em uma manifestação de assistência ao grupo islâmico Hizbollah. Atualmente, os países mantêm um ótimo relacionamento, o que se cristaliza pela defesa intransigente que a Síria faz do programa nuclear do Irã (GELBART 2010, 37 e 38). Contudo, os recentes distúrbios que aconteceram no governo de Assad pressionam Teerã, que teme ficar sem aliados na região.

No contexto regional, vê-se que as relações exteriores do Irã, pautam-se pela premente tentativa de situar o país como uma liderança regional através da apresentação de estreitos laços com os seus vizinhos. A existência de favoráveis relações comerciais com os países em desenvolvimento faz-se necessária, à medida que somente estas lhe possibilitariam a chance de exercer o papel de player na região, uma vez que o país não conta mais com o apoio norte-americano. Vão em direção dessa política as tentativas empreendidas pelo governo iraniano de estreitar laços com os países da Ásia Central, lançando mão do argumento da afinidade religiosa. A inauguração de um gasoduto ligando entre o Irã e o Turcomenistão em 2010 mostra um exemplo dessa iniciativa. Assim, o Irã tenta exercer influência em uma região outrora controlada por Moscou (CURTIS; HOOGLUND 2008, 247 e 248).

Ainda em relação às antigas repúblicas da União Soviética que se situam próximas do Irã, ressalta-se que o país mantém excelentes relações diplomáticas com a Armênia, o que é evidenciado pela existência de canais de comunicação para o escoamento de petróleo. Além disso, o Irã concedeu assistência militar à Armênia durante seu confronto fronteiriço com o Azerbaijão, entre 1992 e 1994. Os azeris também reclamam, embora não oficialmente, territórios iranianos que contêm um grande percentual de azeris, o que suscitou estrondosas críticas por parte de Teerã, que afirma a ascendência sobre essas regiões. Decorrem, daí, as dificuldades iranianas de estabelecer vínculos com os azeris (CURTIS; HOOGLUND 2008, 247).

O Irã apresenta relações mais complexas com os seus vizinhos a leste,

Paquistão e Afeganistão. Em relação ao último, o país mostrou-se contrário à

presença dos talibãs no poder, por considerá-los antixiitas e um instrumento da

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política paquistanesa. Em 1998, ocorreu o sequestro e a execução de diplomatas iranianos pelos talibãs, o que fez com que as autoridades no Irã ameaçassem invadir o país vizinho. A oposição ao Talibã é tanta que houve cooperação com a ocupação norte-americana em 2001. Entretanto, desde então, os iranianos tentam desestabilizar tanto os talibãs quanto os norte- americanos, a fim de assegurar preponderância em solo afegão. Como consequência desses acontecimentos, o Irã mantém relações meramente estáveis com o Paquistão, por acreditar que este apoiou o Talibã. As dificuldades representadas pelos paquistaneses fizeram o Irã virar-se para a Índia, o que implicou acordos comerciais e a construção de infraestrutura entre os dois países (CURTIS; HOOGLUND 2008, 248).

A oposição a Israel é, atualmente, um dos pilares da política externa iraniana. Uma das primeiras medidas concretas do novo regime foi justamente retirar o reconhecimento diplomático que fora estabelecido pelo Xá, sob a argumentação de que Israel representava uma ofensa e uma ameaça ao Islã.

Embora não tenha mantido um bom relacionamento com a Organização para a Libertação da Palestina – que apoiou o Iraque na Guerra de 1980-1988 -, o Irã sempre se mostrou favorável à criação de um Estado Palestino. O foco de tensão entre os dois países, no entanto, dá-se pelo apoio material concedido pelos iranianos ao Hamas e ao Hizbollah, que procuram desestabilizar o governo israelense. As declarações de Ahmadinejad sobre os judeus e o Holocausto, além do projeto nuclear, despertam apreensão nos israelenses, temerosos das intenções iranianas (CURTIS; HOOGLUND 2008, 246).

Embora a rivalidade com Israel seja um dos aspectos basilares da

diplomacia iraniana, esse episódio precisa ser matizado à luz dos fatos, pois

representa um processo que não estava cimentado durante a década de 1990,

a despeito da retórica hostil que permeava os discursos dos líderes iranianos a

respeito de Israel. Até então, a política do Irã havia sido marcada por um

exaustivo e pouco recompensador confronto militar contra o Iraque (1980-1988)

e, posteriormente, pela tentativa de pragmatismo e reformismo característicos

dos governos Rafsanjani e Khatami respectivamente. Esse último havia

ensaiado uma reaproximação com os israelenses (assim como fizera em

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relação aos países europeus e aos Estados Unidos), oferecendo-se para mediar o conflito palestino (KAYE; NADER; ROSHAN 2011, 16 e 17).

A virada do século trouxe um novo e decisivo componente à disputa israelo-iraniana, uma vez que a queda dos maiores adversários regionais de Teerã (Saddam Hussein e o Talibã) despertou receios em Israel, que temia o advento de um Irã como potência regional. Esse prognóstico, aliado ao apoio dado pelos iranianos ao Hamas e ao Hizbollah, fazia com que Teerã fosse visto como uma ameaça à estabilidade do Oriente Médio. Esses problemas foram exacerbados com a administração de Ahmadinejad, assinalada por críticas a Israel. Por fim, devem-se realçar as questões relativas ao programa nuclear em curso no Irã, o qual é combatido veementemente por Israel, um dos principais defensores da tese segundo a qual este teria fins militares específicos, para que o Irã pudesse atacá-lo (KAYE; NADER; ROSHAN 2011, 17 e 18).

A Rússia pode ser considerada como um país cuja linha de atuação é pouco definida e de difícil compreensão, sobretudo em relação ao Irã. Nota-se, em primeiro lugar, que os países mantêm uma parceria estratégica militar há duas décadas. Esse tipo de relacionamento é visto com apreensão por parte dos Estados Unidos, que temem os laços entre esses países que vise ao enfraquecimento do papel norte-americano na Ásia Central. Há, também, participação russa na construção de uma usina nuclear iraniana, na cidade de Bushehr (FREEDMAN, 2006). O material a ser utilizado nesse local, urânio levemente enriquecido, chegou ao Irã através do território russo. A Rússia se comportou como um defensor dos interesses iranianos, mostrando-se contrária às sanções. No entanto, em 2010, a Rússia aprovou essas medidas.

A recente história da parceria militar irano-russa deu-se na sequência

dos acontecimentos anteriores à queda da União Soviética. O recém-eleito

Rafsanjani, após a morte de Khomeini, firmou um acordo de defesa e respeito

mútuo com a URSS em 1989, e as relações floresceram após esse evento. No

ano seguinte, os russos já haviam se tornado os principais fornecedores de

armamentos para os iranianos. Durante o resto da década, todavia, a Rússia

diminuiu o ritmo de vendas para o país dos aiatolás, pois desejava melhorar

seu relacionamento com os Estados Unidos, que encabeçavam o embargo ao

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Irã. A partir de 2000, entretanto, essa situação se reverteu, e os russos ganharam bilhões com as receitas obtidas da venda de armamentos de defesa.

Concomitantemente, a parceria na construção da usina nuclear e a oposição russa às sanções econômicas a Teerã pareciam demonstrar a solidez dessa parceria (FREEDMAN, 2006).

Os acontecimentos, no entanto, frustraram as expectativas. Em uma votação no Conselho de Segurança da ONU, em junho de 2010, os russos mostraram-se favoráveis à adoção de novas sanções ao Irã, como consequência do seu famigerado programa nuclear. Esse comportamento aparentemente incoerente parece ter duas fontes: por um lado, representa um temor russo de que o Irã aumente sua presença nos países centro-asiáticos, antiga área de influência soviética. Por outro, pode ser um subproduto do lobby israelense e saudita para que Moscou diminuísse seu suporte a Teerã. Como a política externa russa carece de coesão, é razoável supor que receie que um excessivo apoio ao Irã estrague o relacionamento com Israel e Arábia Saudita, que também são compradores de seu arsenal bélico.

Outro país de grande importância para o Irã é a China, seu principal parceiro comercial. Sua essencialidade decorre da consolidação dos laços comerciais entre essas economias, o que de alguma forma inquieta os interesses norte-americanos. Alguns analistas chegaram a argumentar a existência de uma aliança sino-iraniana visando à eliminação da presença dos Estados Unidos na região, o que é facilmente desmentido pelos fatos, uma vez que os chineses, embora reconheçam o direito legítimo dos iranianos ao uso pacífico de energia nuclear, apoiaram as decisões da ONU de aumentar as sanções contra o Irã Ainda sim, deve ser ressaltado que os chineses manifestaram-se contra a aplicação de medidas econômicas, o que demonstra a existência de interesses econômicos (GARVER 2011).

A importância do Irã para a China despontou durante a década de 1990,

período em que os asiáticos deixaram de ser exportadores de petróleo; desde

então, cresce a necessidade de importação dessa fonte de energia, o que fez

com que Pequim visse com bons olhos a consecução de uma parceria com

Teerã. Por outro lado, já havia no Irã mercado desejoso de bens de consumo,

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que podem ser comprados a um baixo custo na China. Além do aumento registrado na balança comercial, houve um recrudescimento dos investimentos chineses no Irã – principalmente em energia, construção civil e transportes –, motivo pelo qual seus representantes se opõem às sanções econômicas, que poderiam lhe ser prejudiciais. (MACKEZNZIE, 2010).

Em termos puramente comerciais, o sucesso da parceria sino-iraniana é facilmente demonstrável: a balança saltou de 450 milhões de dólares em 1994 para 30 bilhões de dólares em 2010. As causas desse fenômeno têm suas explicações ligadas ao estável e expressivo crescimento econômico chinês e às difíceis relações entre Irã e Ocidente, o que pressiona os iranianos a buscar apoio em Pequim (SAHRIATINIA 2009, 69 e 70). Ainda sim, Teerã segue necessitando desesperadamente de tecnologia para renovar seu setor energético, elemento que nem sempre pode ser fornecido pela China, na medida em que um importante percentual da tecnologia para a extração de petróleo e gás pertence a companhias ocidentais que estão proibidas de transferi-la para o Irã em virtude do embargo.

A vontade manifestada pelos representantes iranianos para ingressar na Organização para Cooperação de Xangai (OCX) – o Irã não pertence a nenhuma instituição securitária – demonstra como o país tem procurado estreitar laços com a Rússia e a China a fim de assegurar investimentos externos diretos e a renovação de sua capacidade militar. A importância exercida pelos interesses norte-americanos, contudo, vem minando as possibilidades de essa parceria se viabilizar, pois chineses e russos não têm margem de manobra suficiente para atuar à revelia de Washington. Em uma conjuntura de tensão entre Irã e EUA, torna-se pouco viável a realização dessa aliança, o que deixa os iranianos ainda mais isolados na sociedade internacional.

As relações bilaterais que Teerã tem com Pequim e Moscou são

paradigmáticas para comprovar a existência de pragmatismo na política

externa iraniana, a despeito dos fatores ideológicos que tiveram primazia

durante o período em que Khomeini era o Líder Supremo. A presença de

populações muçulmanas em territórios russos ou chineses como Xianjiang,

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Chechênia e Daguestão não desperta a atenção das autoridades iranianas, ainda que durante uma década a exportação da revolução islâmica era um princípio basilar da diplomacia do Irã. Com efeito, os iranianos sabem da importância que têm os investimentos realizados pelas empresas russas e chinesas, e a solidariedade para com os muçulmanos fica em segundo plano.

Nota-se, portanto, que a tentativa de estabelecer sólidos laços econômico-militares com China e Rússia não obteve o resultado esperado. Se, por um lado, essa impossibilidade se cristaliza pela ausência de independência por parte de chineses e russos em relação aos norte-americanos, é igualmente verdade que a intransigência governamental faz com que o Irã não apresente a credibilidade desejada pela comunidade internacional. O país encontra-se, logo, em uma encruzilhada, uma vez que necessita de novas fontes energéticas – que poderiam ser fornecidas pelo projeto atômico -, mas também carece de IED no setor petrolífero. Nessa conjuntura, é improvável o abandono do desenvolvimento nuclear, assim como não é fácil imaginar que as sanções econômicas cessem sem que isso aconteça (VISENTINI, 2010, p. 06).

4. Condicionantes Sistêmicos:

Os fatores sistêmicos, para o Irã, constituem o terceiro grupo dos mais importantes condicionantes à formulação de sua política externa. Isto se deve à rejeição que existe na comunidade internacional às atitudes promovidas pelas autoridades iranianas. Essa desaprovação se materializa através de sanções econômicas, capitaneadas pelos Estados Unidos. Percebe-se que a aprovação dessas retaliações ocorre através das organizações internacionais e de países aliados dos EUA. É manifesta, portanto, a influência da diplomacia norte- americana para encurralar o Irã e limitar sua capacidade de atuação, afinal o acirramento das sanções obteve êxito em reduzir significativamente os índices de investimento externo direto na economia iraniana.

As relações entre Irã e Estados Unidos foram profundamente alteradas

após a ascensão do regime islâmico em 1979. Até então, havia um excelente

relacionamento entre norte-americanos e iranianos, pois o Xá mostrava-se

adepto da política norte-americana de contenção da União Soviética e dos

movimentos nacionalistas radicais. Esse bom entendimento entre essas

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nações ficou cristalizado na parceria militar existente, sobretudo, entre 1973 e 1979, momento em que os choques do petróleo elevaram a renda do governo iraniano que a utilizou para robustecer as forças armadas do país. Os grupos que se opunham a Reza Pahlevi sempre criticaram essa visão subserviente que predominava na cúpula governamental, e, ao chegaram ao poder, fizeram de tudo para alterá-la (ABRAHAMIAN 2008, 157 e 158).

Em abril de 1980, durante o período no qual ocorreram sequestros de cidadãos norte-americanos em Teerã, foram rompidas as relações diplomáticas entre Irã e Estados Unidos, situação que permanece inalterada. A agressiva retórica iraniana contra os EUA – Khomeini constantemente referiu-se ao país como o “Grande Satã” -, profundamente assentada na memória da deposição de Mohammed Mossadegh pela CIA em 1953, é um elemento constituinte da política externa iraniana, que oscila de tempos em tempos, de acordo com o governo que se encontra no poder. De maneira geral, pode-se dizer que o momento de maior distensão entre os dois países ocorreu durante o mandato de Khatami. Por outro lado, a emergência de Ahmadinejad frustrou as expectativas de quem esperava uma retomada nas relações, com o retorno do discurso antiamericano (CURTIS; HOOGLUND 2008, 248 e 249).

A existência de barreiras à destruição desses paradigmas fica mais clara ao observarmos os recorrentes atos perpetrados pelas elites políticas tanto de Irã quanto de Estados Unidos nos últimos anos. Embora durante os governos de George Bush e Rafsanjani tenham acontecido conversações em torno de uma mudança nessa esfera, o presidente Bill Clinton não se mostrou favorável à tomada dessa medida, o que fica evidenciado pela política de contenção de Irã e Iraque em 1993. Além disso, o Ato de Sanções Irã-Líbia, ratificado em 1996, expandiu as sanções econômicas contra o Irã. É na esteira desses acontecimentos que surge a figura do reformista Khatami, defensor do pragmatismo político, que poderia ser favorecido pela obtenção de um melhor relacionamento com os Estados Unidos (CURTIS; HOOGLUND 2008, 249).

Logo que assumiu a presidência do Irã, Khatami manifestou a sua

vontade de estreitar laços com os EUA. Durante uma entrevista chegou a

externar “um grande respeito” pelo povo norte-americano e a condenar o

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terrorismo. A resposta do governo norte-americano, não foi positiva, pois rejeitou a possibilidade da retomada de negociações enquanto o Irã não abdicasse do seu programa nuclear. Nessas circunstâncias, o governo Khatami não obteve o que esperava e sofreu críticas internas por isso. Essa situação agravou-se com a eleição de George W. Bush em 2000 e seu discurso que incluiu o Irã na lista dos países que formavam o “Eixo do Mal” a ser combatido pelas democracias ocidentais. É nesse momento que se inviabilizam as chances de uma alteração de políticas e que ganham força os movimentos conservadores contrários a Khatami (ABRAHAMIAN 2008, 192 e 193).

George W. Bush também ficou marcado pelas invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003), que tiveram recepções ambíguas e complexas no seio da comunidade iraniana. Por um lado, a destituição dos governos de Saddam Hussein e do Talibã agradou à cúpula governamental, uma vez que se tratava de antigos inimigos. O Irã, inclusive, concedeu às forças norte- americanas o direito do uso de solo iraniano para combater o Talibã, além de facilitar o contato com a Aliança do Norte. No entanto, a decisão de Bush de colocar o Irã na lista dos países que apoiavam o terrorismo arrefeceu essa parceria em solo afegão. A deposição de Saddam Hussein, por sua vez, regozijou os iranianos pela possibilidade de representação que ganhavam os xiitas, o que ensejou negociações com os EUA, que, no entanto, não só não se mostraram disponíveis como acenaram com a possibilidade de retirar o governo iraniano também (CURTIS; HOOGLUND 2008, 249 e 250).

Vê-se, portanto, que a ascensão de Ahmadinejad não representa

propriamente um ponto de inflexão nas relações bilaterais entre Irã e Estados

Unidos, mas sim a cristalização do processo de desgaste que começou

justamente em uma conjuntura favorável que representou o início do governo

George W. Bush. À subida de Ahmadinejad em 2005 sucedeu uma

revitalização da retórica antiamericana por parte dos representantes iranianos,

acompanhada de uma perspectiva de invasão militar norte-americana, que,

contudo, não se realizou. As maiores críticas do governo dos EUA recaíam

sobre o projeto nuclear iraniano, o suposto apoio dado a grupos terroristas e

seus discursos contrários à existência do Estado de Israel, aliado dos norte-

americanos no Oriente Médio (CURTIS; HOOGLUND 2008, 250).

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O segundo mandato George W. Bush foi marcado pelo estremecimento no relacionamento irano-americano. O presidente dos EUA não atendeu aos pedidos de Ahmadinejad de revisão das posições norte-americanas, sobretudo em relação ao projeto nuclear. Além disso, por considerar que o Irã está em vias de desenvolver armas atômicas, os norte-americanos enfatizaram a necessidade de novas sanções econômicas. Em 2008, houve um incidente naval no estreito de Ormuz entre navios tripulados pela Guarda Revolucionária e navios de guerra norte-americanos, que argumentaram terem sido provocados pelos iranianos. O departamento de defesa dos EUA, então, declarou que o ato foi agressivo, o que foi negado pelos acusados. Depois, na ausência de provas, o evento foi obliterado (US-IRANIAN 2008).

A eleição de Barak Obama foi seguida por uma mensagem oficial de Teerã congratulando o novo presidente, a primeira atitude do tipo desde a revolução de 1979. A resposta de Obama foi tímida: reservou parte de seu discurso inaugural para se endereçar ao “mundo muçulmano”, no qual fez promessas vagas de busca de nova política para seus países, palavras que, todavia, não foram seguidas de um desdobramento prático. No mesmo ano, ocorreu a reeleição de Ahmadinejad, em um pleito que foi contestado por suposta falta de lisura e transparência. A Casa Branca, no entanto, não deu grande atenção ao fato, conquanto tenha criticado a repressão oficial realizada para conter aqueles que manifestavam seu repúdio ao resultado da eleição (KATZ 2009, 03 e 04).

O programa nuclear em desenvolvimento no Irã é o principal alvo de

críticas por parte dos Estados Unidos, pois se acredita que a real intenção

iraniana seria a obtenção de arsenal nuclear próprio. A situação tornou-se mais

nevrálgica a partir de 2002, quando o Irã foi incluído no “Eixo do Mal”. Desde

então, Washington tem conseguido levar sua agenda às Nações Unidas, que

iniciaram uma rodada de sanções em 2006. Levando-se em consideração o

histórico iraniano de desconfiança e não cooperação com a Agência

Internacional de Energia Atômica, permanece pouco crível imaginar que

aumente a credibilidade do país perante o resto do mundo, o que emperra o

avanço de seu programa nuclear (D’AMATO 2011, 12 e 13).

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Em suma, observa-se que o as relações irano-americanas estão estruturadas em diversos planos que se interconectam. Por um lado, há a característica atávica dos governantes iranianos de se oporem aos Estados Unidos, principalmente em virtude da deposição de Mossadegh e do apoio norte-americano a Saddam Hussein no conflito de 1980-1988. Por outro, mesmo os setores iranianos mais favoráveis à reaproximação com os EUA encontram-se deslegitimados pelo fato de Washington não ter demonstrado interesse em levantar as sanções econômicas, por medo de que isso sirva para fortalecer as potências regionais mais próximas do Irã, Rússia e China, que contam com maior boa vontade da população iraniana, muito hostil aos interesses dos EUA.

As sanções econômicas aplicadas contra o Irã não só bloqueiam a chegada de material nuclear, mas também impediram a aquisição de mísseis antiaéreos que o país pretendia comprar da Rússia. Este país, assim como a China, tem se afastado de Teerã em virtude da pressão que vem acontecendo para que o Irã não possa contar com poderosos aliados. Consequentemente, o enorme potencial petrolífero iraniano não pôde ser aproveitado, o que assusta os líderes iranianos, que sabem que o setor de petróleo representa 1/5 da economia nacional. Há dificuldades, também, para o refino e produção de gasolina, suscitando a necessidade da importação desse produto, o que acaba pressionando a balança comercial do Irã (D’MATO 2011, 44, 45 e 46).

Desde 2006, já foram aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas cinco sanções econômicas contra o Irã. Ademais, além dos Estados Unidos e União Europeia, dez países (África do Sul, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Índia, Israel, Japão, Rússia, Suíça e Turquia) impuseram esse tipo de medida contra Teerã. Esses episódios, além de sinalizar a grande quantidade de implicações que tem a política externa norte-americana para o resto dos países, assinala o crescente isolamento que têm de enfrentar os iranianos. Não há perspectivas, até agora, para uma alteração significativa nesse processo, o que torna urgente a necessidade de mudanças na política iraniana, a fim de que o país se aproxime do resto do mundo.

5. Da Revolução Islâmica a Ahmadinejad:

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O regime do Xá Reza Pahlevi desgastou-se enormemente nos anos anteriores à sua queda. O monarca era criticado por sua política autoritária, que representava uma caça à oposição. O próprio aiatolá Khomeini, líder religioso que ganhou importância no início dos anos 1960, foi perseguido até ser exilado no Iraque em 1964, de onde proferia discursos de tom islâmico a fim de desestabilizar o Xá. Além disso, a estreita aliança que Pahlevi estabelecera com os Estados Unidos (o Irã era, junto com a Arábia Saudita, um dos pilares da segurança regional) desagradava os setores nacionalistas. Após 1973, quando o surto do preço do petróleo converteu-se em enormes superávits para os iranianos, as críticas recrudesceram, pois esse aumento de receita não se tornou ganhos materiais para a população, mas sim um fortalecimento militar através da compra de armamento dos Estados Unidos (ABRAHAMIAN 2008, 156, 157 e 158).

Nesse contexto, os setores que se opunham às políticas do Xá eram amplos e variados, sendo capitaneados tanto pela esquerda – sobretudo pela Tudeh, o Partido Comunista local – quanto pelos religiosos liderados por Khomeini. Assim, após uma série de rebeliões, Pahlevi abandonou o país no início de 1979, abrindo caminho para a volta de Khomeini, recebido por milhões em Teerã. Logo que chegou, o aiatolá nomeou Mehdi Bazargan como primeiro- ministro do governo provisório, mantendo a característica de um governo dual.

No entanto, a situação no Irã era caótica, não havendo uma autoridade de facto. Embora Khomeini apoiasse Bazargan, também ajudou a instalar comitês revolucionários e suas guardas que assumiram as funções municipais de serviços básicos e não respeitavam as ordens do governo central, tornando inócuo o governo de Bazargan (ABRAHAMIAN 2008, 162 e 163).

Nos meses subsequentes, ficou claro que a autoridade de Khomeini era

superior à de Bazargan, como se nota pelo fato de o aiatolá criar inúmeras

instituições (como o Conselho Revolucionário e as Guardas Revolucionárias)

que passaram a governar a despeito das ordens do primeiro-ministro. Além

disso, foi estabelecido nesse momento o Partido Republicano Islâmico que

funcionou como uma das principais bases de apoio de Khomeini nos primeiros

anos do novo regime. Assim, em uma eleição plebiscitária com voto não-

secreto, foi aprovado o projeto do grupo revolucionário, através do qual

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Khomeini tornou-se o Líder Supremo do país, com poderes que nem mesmo o Xá tivera. A nova Constituição do país determinava que o Irã seria uma República Islâmica, conforme desejara Khomeini (ABRAHAMIAN 2008, 163).

No final de 1979, enquanto se promulgava a constituição, Bazargan encontrou-se com oficiais norte-americanos, o que despertou severas reprimendas por parte dos iranianos. Empolgado pela baixa popularidade do primeiro-ministro, o Conselho Revolucionário tomou conta de suas funções e prometeu uma nova eleição para o ano seguinte, na qual Abolhassan Banisadr – aliado de Khomeini – sagrou-se o novo presidente. Seu programa de governo pautava-se pelo restabelecimento do poder central através da eliminação das instituições pós-revolução que controlavam o país. Contudo, Banisadr entrou em conflito com o Partido Republicano Islâmico, que nomeou como primeiro- ministro Mohammed Rajai (ABRAHAMIAN 2008, 181).

Em 1980, além das dificuldades políticas internas, Banisadr ainda enfrentava a questão dos norte-americanos sequestrados no ano anterior e a guerra contra o Iraque, que acabara de começar. No princípio de 1981, a conjuntura caótica o fez perder o apoio do Líder Supremo, e Banisadr sofreu impeachment, sendo substituído por Rajai que, no entanto, governou por poucos dias, pois foi assassinado. Então, Ali Khamenei – clérigo próximo de Khomeini – foi eleito presidente, cargo que ocupou até 1989. Seu governo foi marcado pela consolidação da República Islâmica e pela Guerra Irã-Iraque. O decorrer do conflito assistiu a uma intensa burocratização do governo e militarização da sociedade, o que contribuiu para assentar as bases das políticas de Khamenei (ABRAHAMIAN 2008, 181 e 182).

Sob o ponto de vista socioeconômico, aconteceram inúmeras

nacionalizações em seu governo, a fim de manter o emprego dos

trabalhadores. Ainda sim, as autoridades sempre mantiveram boas relações

com os comerciantes, os bazaar, deixando claro seu respeito à propriedade

privada e sua ojeriza ao comunismo. Para Khomeini “o Islã difere

substancialmente do comunismo”. O governo também tentou favorecer os

camponeses através de políticas de auxílio. Foram, também, instituídos

benefícios à classe trabalhadora tais como subsídios para alimentos,

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eletricidade, energia etc., além da concessão de direitos trabalhistas. Ao encontro dessas iniciativas foram as medidas para reduzir o alfabetismo e a mortalidade infantil, que tiveram um êxito considerável. Politicamente, o governo ficou marcado pela repressão à oposição (ABRAHAMIAN 2008, 182).

Em 1989, a morte de Khomeini marca a ascensão de Khamenei como novo Líder Supremo e de Rafsanjani como o próximo presidente, o que constitui o Termidor da Revolução, na medida em que o novo governo – já livre das amarras que a guerra contra o Iraque representava – pode empreender novas medidas. Foram aprovadas iniciativas que visavam à liberalização da economia, tais como o fim de alguns subsídios, o relaxamento do controle de preços, privatizações de empresas estatais, a redução do orçamento de defesa, a instalação de zonas de livre comércio e a atração de capital estrangeiro. No entanto, a difícil conjuntura (baixa do preço do petróleo e sanções econômicas impostas pelos EUA) fez a taxa de desemprego disparar e a oposição ao governo recrudescer (ABRAHAMIAN 2008, 183 e 184).

O novo presidente do Irã, eleito em 1997, foi Mohammed Khatami, conhecido por sua reputação liberal, pois pregava o diálogo com o Ocidente.

Contrariamente a seu predecessor, Khatami contou com uma conjuntura favorável e pode usar as receitas do petróleo para financiar programas de bem- estar social. Além disso, Khatami experimentou uma nova política externa, ao melhorar relações com os antigos inimigos do Irã. Conseguiu restabelecer relações diplomáticas com o Reino Unido e suavizar o embargo econômico durante o governo Clinton. No entanto, o discurso de George W. Bush em 2002, no qual incluiu o Irã no “Eixo do Mal” aumentou o prestígio dos conservadores, que conseguiram voltar ao poder em 2005, através da eleição de Ahmadinejad (ABRAHAMIAN 2008, 186, 188, 189 e 190).

A plataforma de Ahmadinejad alicerça-se na realização das promessas

não cumpridas de Khatami e no reforço da segurança nacional. Ao mesmo

tempo, o novo presidente esboçou uma frágil liberalização econômica, em um

contexto de conservadorismo social (SMITH 2008, 82). No plano externo,

Ahmadinejad promoveu uma reviravolta nas iniciativas de Khatami, pois

reascendeu o vigor combativo da política iraniana, através de um aberto

(21)

confronto com as potências ocidentais. Tornaram-se extensos, também, os debates sobre o programa nuclear iraniano, que se apresenta com fins unicamente pacíficos, mas que suscita debates na comunidade internacional quanto às suas verdadeiras intenções. Em 2009, Ahmadinejad foi reeleito ao derrotar o candidato reformista Hossein Mousavi, em eleição que ficou marcada pela suspeita de fraudes (VISENTINI 2010, 02 e 03).

A despeito das promessas, o governo Ahmadinejad não se marca por transformações. A economia do país segue dependente do petróleo e pouco diversificada, e as instituições iranianas conservaram as suas características.

Na verdade, os assuntos de política externa têm dominado a agenda governamental, pois a política agressiva dos EUA no Afeganistão e no Iraque e o processo de enriquecimento de urânio unem a população em torno do projeto nacionalista. É razoável imaginar, também, que o excesso de preocupação com o contexto externo seja uma tentativa para desviar o foco de suas dificuldades internas. Sua atitude intransigente para com as organizações internacionais (ONU e AIEA), no entanto, tem suscitado críticas de inúmeros segmentos da sociedade, até mesmo do clero (o próprio Khamenei), temerosos de que as sanções contra o Irã aumentem (VISENTINI 2010, 03 e 04).

Ainda sobre questões econômicas, deve-se ressaltar que o governo tem mantido o programa de privatizações – iniciado durante o período Khatami – que é capitaneado pela IPO (Organização Iraniana de Privatização). Essa política está estruturalmente atrelada à necessidade de atração de capital externo para a modernização econômica do país. Com isso, os grandes beneficiados por essa medida são a China e a Rússia, cujas relações com o Irã são melhores do que no caso norte-americano. É aí que se revitalizam as sanções econômicas impostas pelo governo norte-americano, que deseja limitar o afluxo de capitais para a região a fim de evitar que outras potências regionais apoderem-se desse vultoso mercado. Em alguma medida, essas sanções têm obtido êxito, pois têm limitado a capacidade iraniana de obter os recursos financeiros de que necessita (VISENTINI 2010, 04 e 05).

6. Conclusão:

(22)

O estudo da política externa iraniana evidencia a influência que teve a Revolução Islâmica e o Império Persa para sua constituição. Esse processo arraigou as características basilares da diplomacia do país, tais como o repúdio ao imperialismo, o apelo ao islamismo e as críticas aos Estados Unidos e a Israel. Ademais, é premente a noção de que o país congrega um espírito revolucionário que está sempre sob ameaça, o que suscita a necessidade de vigilância e defesa constante. Para alguns líderes iranianos, a supremacia norte-americana e sua aliança com Israel simbolizam, por si só, uma intimidação à República Islâmica do Irã, daí a persistência das atitudes hostis a esses países. Essa política é uma decorrência do extenso poder de que dispõem os clérigos iranianos, que se esforçam para enfatizar o caráter islâmico do regime, ainda que este seja contraposto a medidas modernizantes.

Entre 1979 e 1989, quando Khomeini era o Líder Supremo, a política externa do Irã estava assentada em dois eixos: “nem Oeste nem Leste” e

“exportação da revolução”. Contudo, a partir do momento em que Khamenei passou a exercer as antigas prerrogativas do líder da Revolução, foram abandonados alguns dos preceitos anteriores, em favor do pragmatismo. Esse fenômeno se aprofundou nos anos subsequentes através do reformismo, mas sofreu um retrocesso a partir da ascensão dos neoconservadores. O final do mandato de Ahmadinejad, que acontecerá em 2013, deve indicar as mudanças e as novas tendências para a política iraniana, o que talvez permita as transformações necessárias ao acercamento do Irã com outros países.

Há, portanto, fissuras dentro do próprio regime, que são cristalizadas

pelas iniciativas de distensão promovidas durante o governo Khatami. De

maneira geral, contudo, a posição dos aiatolás ainda é predominante, o que

torna a política externa mais passível de alterações pontuais do que de

rupturas. Nessas circunstâncias, não há evidências para imaginar o abandono

de seu programa nuclear ou uma aproximação efetiva com seus atuais

inimigos, o que eleva a tensão na região e impossibilita que as perspectivas de

uma guerra sejam dirimidas. No entanto, a estagnação econômica que

sucedeu a crise de 2008 coloca outra dificuldade para que as lideranças

iranianas consigam levar adiante seu projeto de modernização conservadora.

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