29 a 31 de julho de 2015
ÁREA TEMÁTICA
Teoria das Relações Internacionais
USOS E SENTIDOS DO CONCEITO DE SOBERANIA: CALVO E BORCHARD NO DEBATE INTERAMERICANO
Edna Aparecida da Silva
UNICAMP / Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos – INEU
Resumo:
O artigo, resultante do trabalho teórico de tese de doutorado, trata das interpretações do conceito de soberania dos juristas Carlos Calvo e Edwin Borchard entre o final do século XIX e início do século XX. O trabalho compõese de duas partes: uma, a análise do significado da soberania, intervenção e proteção diplomática, delineados na interpretação dos juristas, ressaltando as divergências em torno da significação do conceito de soberania em termos de seus desdobramentos jurídicos, e a outra, a discussão sobre o lugar institucional desse debate que colocou em confronto visões dos Estados latinoamericanos e dos juristas europeus e norteamericanos em torno das noções jurídico políticas estruturantes do sistema interamericano. Sob a perspectiva de F. Kratochwil, a análise toma as disputas de significação como dimensão do processo de estruturação de discursos e das práticas no sistema internacional.
Palavraschave: Soberania, sistema interamericano, Doutrina Calvo, proteção diplomática
Introdução
No curso recente dos debates teóricos das Relações Internacionais, o tema da soberania foi colocado sob o foco de múltiplas lentes. As transformações políticas como o fim da Guerra Fria e da bipolaridade, a emergência das organizações internacionais, bem como os processos da globalização econômica sugeriam que, diante da envergadura desses fenômenos, as teorias e os conceitos das abordagens prevalecentes tinham perdido sua capacidade explicativa 1, o que, do ponto de vista teórico, fazia emergir um campo mais plural, com a consequente perda de centralidade da concepção positivista que até então prevalecera nas Relações Internacionais (ROCHA, 2002; LAPID, 1989; HALLIDAY, 1997).
1 Segundo Lake (2003), a perspectiva realista/neorrealista da política internacional, na qual a soberania é definida como atributo exógeno e fixo dos Estados e que nem todos os estados são soberanos, já encontrava alternativas intelectuais no debate teórico no início dos anos 70 seja no trabalho sobre interdependência econômica de Richard N. Cooper (1968) e relações transnacionais de Keohane e Nye (1972), seja na teoria da dependência com análise das condições estruturais de desigualdade entre os Estados de I. Wallerstein (1979). Mais recentemente, na discussão dos autores construtivistas como John G. Ruggie (1993), Alexander Wendt (1999), Christian ReusSmith (1999), F. Kratochwill (1989) e Nicholas G. Onuf (1989), a reflexão sobre normas e práticas, numa dimensão relacional, concebe a soberania não como atributo exógeno do sistema, mas socialmente construído pelos discursos e práticas.
É no âmago desse debate teórico, em cujo foco está a relação entre as categorias
teóricas e a dinâmica dos fenômenos no sistema internacional,que interpretações de diversos matizes, a partir de um conjunto de elementos empíricos ou lógicos, esforçamse para demonstrar a substância do conceito de soberania, destacando sua centralidade na reflexão teórica no campo das Relações Internacionais e nas mudanças no sentido de que seu referente, o sistema, teria sofrido .
Tendo esse debate por referência e propondose a pensar o conceito de soberania sob uma perspectiva histórica e política, esta comunicação trata das relações entre o Direito Internacional e a Política Internacional. Mais especificamente, versa sobre a dinâmica de como as lutas políticas e as agendas institucionais consubstanciam um campo argumentativo que confere sentido às disputas de significação de categorias do Direito Internacional (COPLIN, 1965).
É sob este enfoque que o texto toma como objeto as interpretações sobre o instituto da proteção diplomática dos estrangeiros formuladas pelos juristas Carlos Calvo (18241906), argentino, na segunda metade do século XIX, e o norteamericano Edwin M.
Borchard (18841951), nas primeiras décadas do século XX. Construídas na linguagem do pensamento jurídico internacional, as concepções de cada um dos juristas sobre as práticas legais implicadas no conceito de soberania, como a proteção diplomática e intervenção, ganham sentido no debate sobre igualdade política e questionamento da dominação colonial e reconhecimento da jurisdição soberana, na relação com a Europa e nos confrontos políticos entre os Estados latinoamericanos e os Estados Unidos no processo de constituição do sistema interamericano.
A proteção diplomática e o tratamento dos estrangeiros, como obrigação internacional na argumentação jurídica, são concebidos como desdobramentos práticos do conceito de soberania. A partir de uma noção de soberania enquanto princípio organizador da interação entre os Estados na sociedade internacional, os autores, no âmbito do debate teórico sobre a significação dos princípios e normas derivadas, elaboram uma resignificação cujo sentido é determinado pelas práticas e interesses dos Estados.
Desdobramse, assim, os conflitos propositivos em torno de arbitragem, em que os Estados Unidos posicionamse contrariamente a todo movimento de defesa e de fundamentação jurídica do reconhecimento da jurisdição interna, da não intervenção e da submissão dos estrangeiros e das disputas jurídicas às cortes locais, demandas estas que resultaram da critica e oposição do pensamento jurídico latinoamericano constituído ao longo do século XIX às categorias do Direito Internacional clássico europeu.
Segundo a perspectiva de COPLIN (1965), o Direito Internacional expressa consensos sobre a natureza do sistema internacional que é comunicada aos formuladores de políticas dos Estados, instituindose a partir dos pressupostos básicos do sistema interestatal , pelos quais o estado é um valor institucional absoluto (segurança, luta pela ampliação de poder e manutenção de uma ordem,balanço de poder). Observa, assim, que as categorias jurídicas relacionamse às práticas entre os Estados e comunicam ideias e propósitos no processo de construção de consenso sobre aspectos normativos da ordem social, ou seja, remetem às questões procedimentais e substanciais relativas à sociedade internacional2. Isto posto, o objetivo da exposição é entender as disputas em torno da significação do conceito de soberania, formuladas no campo da argumentação e linguagem jurídica ou no mundo dos fatos institucionais, em que, segundo Kratochwill (1989), configuramse, pelos processos de debate e decisões nas organizações internacionais, o campo de construção dos sentidos e o cenário das lutas políticas.
Para isso a comunicação dividese em duas partes. A primeira trata do conceito de soberania e das disputas em torno de sua significação como dimensão do processo de estruturação de discursos e das práticas no sistema internacional e, na segunda, analisase o significado da soberania, intervenção e proteção diplomática, na interpretação de Carlos Calvo e de Edwin M. Borchard, ressaltando as divergências e o lugar institucional desse debate que colocou em confronto visões dos Estados latinoamericanos e dos europeus e norteamericanos em torno das noções jurídico políticas estruturantes do sistema interamericano.
I. Sobre os sentidos do conceito de soberania: entre teoria e história
Os conceitos de Estado, soberania e território, categorias centrais no estudo e nas
práticas das relações internacionais, são socialmente construídos, ou seja, são “definidos e redefinidos pelas regras, ações e práticas de diferentes agentes, incluindo no caso dos Estados, por eles mesmos” (BIERSTEKER, 2002, p. 157). O autor, ao sublinhar que as formas de Estado, os significados da soberania e as concepções de territorialidade não são fixas nem constantes no tempo e no espaço, indica um veio de reflexão para entender as
2 Nessa perspectiva compartilhada por Kratochwill e Coplin, a relação entre o direito internacional e política não é pensado na sua função coerciva, como uma limitação da ação do estado, mas num outro nível, como um instrumento primário de socialização, que expressa pressupostos do sistema de Estados. “... as a system of
‘quasiauthoritative’ communications to the policymakers concerning the reasons for the state actions and the requisites for international order. It is a ‘quasi authoritative’ device because the norms of international law represent only a imperfect consensus of the community of states, a consensus which rarely commands complete acceptance but which usually express generally held ideas.”( COPLIN, 1965, 617)
interações políticas, conflitos e disputas que incidem sobre o conteúdo substancial desses conceitos.
O conceito de soberania, como categoria jurídica, historicamente tem sido objeto de intensa controvérsia. A definição da sua significação substancial é disputada pelos sujeitos titulares da condição de soberano, os Estados, atores exclusivos da sociedade de estados que decidem e estabelecem tratados e convenções. Assim, o soberano participa dos debates sobre os princípios e regras que se referem às consequências lógicas da noção de soberania no plano das práticas entre os Estados (KRATOCHWILL, 1982; COPLIN, 1965)
Na sociedade internacional, o juízo decorrente da lógica jurídica supõe que “se um Estado é soberano, então...”, estabelecendose, portanto, os padrões relativos à conduta dos Estados e a suas práticas legitimas. Ora, é neste âmbito que o debate sobre a soberania e sobre as regras dela derivadas emergem como problema político: supõe a discussão de princípios a partir dos quais certas normas e regras são estabelecidas na sociedade de estados 3. A discussão de princípios e de regras do Direito Internacional supõe, portanto, a política internacional (COPLIN, 1965). Dessa maneira, a discussão sobre o significado das disputas normativas constrói, segundo Perelman (1999), a aceitação da comunidade, por meio de discursos que têm raízes materiais nas práticas, interesse e valores dos atores que informam suas perspectivas, a partir de teses aceitas pelo auditório.
Ou seja, o debate sobre o significado da soberania supõe a centralidade e a aceitação dessa norma como elemento básico da comunidade internacional, mas seu conteúdo significativo inscrevese num campo conflitivo na medida em que, ao traduzirse em regras, remete, no campo lógico, aos princípios que são instituídos no campo de disputas políticas.
Contudo, como a noção de soberania transformase em argumentação legitimadora de decisões e práticas diversas e conflitivas, destacase o problema da eficácia dos esquemas argumentativos. Segundo a teoria da argumentação de Perelman, nem todos os argumentos, no debate, são aceitos pelo auditório, ainda que sejam baseados em regras e provas lógicas, e, nesse sentido, a força da argumentação não repousa na comunicação strictu sensu , mas na validade e aceitação das teses pelo auditório (PERELMAN, 1999, 326).
Segundo Kratochwil (1989), no âmbito da estrutura interna da sociedade política, a soberania envolve a crença de que há um poder político absoluto na sociedade política e, inversamente, nas relações entre as comunidades políticas, nas relações internacionais, não existe uma autoridade suprema. Estabelecese assim o princípio das relações entre os Estados no sistema internacional: autoridade centralizada e territorial exclusiva e ao mesmo
3 A distinção entre normas, regras e princípios que fundamenta nossa discussão fazse segundo Dworkin (2002).
tempo relações entre Estados soberanos. Portanto, a soberania como regra exclusiva interna faz necessário conceber as relações entre as autoridades soberanas como possuidores desses mesmos direitos. A aceitação do princípio de soberania estatal e de seu corolário, a independência de cada unidade, tem como consequência lógica o reconhecimento de que esses princípios envolvem limites sobre a liberdade de ação na medida em que reconhece a mesma liberdade e independência para os outros estados, numa lógica de reciprocidade (HINSLEY, 1986, p. 158). Nesse sentido, desdobramse duas regras internacionais: a igualdade formal dos Estados e a não interferência.
Historicamente, o Acordo de Vestfália (1648), que encerrou as guerras religiosas na Europa, estabeleceu o princípio da autoridade centralizada sobre território e população. O acordo instituía uma comunidade de Estados soberanos, com controle de seus assuntos internos e independência. Mas, ainda muito mais, instituía mesmo uma ideia, princípio da concepção moderna das relações entre os Estados e da sociedade de estados soberanos, porque, como descreve Watson, o acordo instituiu uma hierarquia entre os Estados europeus4. Ou seja, não havia o reconhecimento da igualdade, mas tão somente, nos termos de Watson, “uma colcha de retalhos de independências”, com delimitação de fronteiras e uma ordem antihegemônica que demarcou a ruptura com as noções de império, igreja e autoridade universal5.
Ao longo dos séculos XVII a XIX prevalecem na sociedade europeia de Estados as
concepções de autoridade centralizada, territorial e exclusiva, e igualdade na relação entre soberanos. No sentido atribuído por Bull (2002), a sociedade de estados, para além do sistema de estados em que a interação poderia ser cooperativa, conflitiva ou neutra, envolve um conjunto de valores e interesses comuns, que se consubstanciam em regras e instituições. A sociedade de estados europeus fundase, portanto, sobre o reconhecimento mútuo e existência de expectativas compartilhadas relativamente ao respeito e cooperação para o funcionamento das instituições como o Direito Internacional, a diplomacia e as organizações internacionais, que se sustentam sobre o princípio da inviolabilidade das fronteiras (não intervenção), o cumprimento dos acordos,o limite do uso recíproco da força,
4 Composta por três categorias: uma com alguns soberanos reconhecidos como independentes (como o imperador, os reis de França e da Espanha); uma categoria de Estados independentes de fato, mas não de direito, que não podiam, por exemplo, declarar guerra sem o consentimento do império, como a Baviera, a Saxônia e Brandenburgo, e uma terceira formada por estados que, apesar de possuírem leis próprias e instituições, permaneciam dependentes, como os países Baixos meridionais, estados italianos e colônias europeias no Novo Mundo (WATSON, 2004, 264).
5 Apesar da legitimidade da noção antihegemônica presente no Acordo de Vestfália, a hegemonia continuou a ser um traço das práticas do sistema europeu; a liderança da coalizão antihegemônica tornouse potência hegemônica, já que a liberdade do controle imperial e a independência ensejaram a constituição de relações e interações que permitiam barganhas políticas e contratos de pequenos Estados com potências europeias.
(WATSON, 2004, 268)
o princípio da igualdade jurídica entre os Estados soberanos e a exclusão da jurisdição no território.
Segundo Bull (2002), dentre os principais objetivos da sociedade de Estados está a preservação do sistema e da sociedade em que os Estados são os principais atores da política mundial e os mais importantes sujeitos de direitos e deveres, bem como a preservação da independência externa dos estados, da paz. Ademais, impõemse como objetivos denominados primários pelo autor, dentre outros,a limitação da violência, o cumprimento dos contratos e a estabilidade da posse por meio das regras de regulação da propriedade. Assim a participação na sociedade dos estados representa um meio de reconhecimento mútuo de iguais direitos à independência e soberania por parte dos outros estados. Aqui, destacase um dos aspectos centrais do debate que analisamos: o reconhecimento da autoridade da jurisdição relativa à propriedade estrangeira no território implicado no instituto da proteção diplomática 6. Esta é a questão em torno da qual se desenharam as posições divergentes entre os Estados americanos sobre o instituto da arbitragem, e sobre a qual os juristas latino americanos e norteamericanos construíram argumentos juridicos, no debate acadêmico e político ao longos das conferências interamericanas, entronizando o tema da desigualdade política suposta nos conceitos clássicos do Direito Internacional europeu.
A análise de Krasner ressalta a incapacidade das normas e regras em constranger os Estados, atores unitários e autônomos. Isso indica que a sua leitura fica circunscrita à perspectiva jurídica (concepção de norma como coação tal como no direito doméstico), ou seja, limitada à indagação sobre a capacidade de constrangimento do comportamento dos atores, obediência e autoridade para imposição da norma 7. Isto posto, considerandose sua concepção realista do sistema internacional, a soberania, como dimensão legal, não pode ser mais do que uma hipocrisia, já que não se efetiva para parte dos atores, os Estados soberanos.
Aqui cabe pontuar nossa distância em relação às formulações do autor, seguindo a proposição de Biersteker (2002), para quem, na análise de Krasner, a soberania seria um atributo das unidades, formulação que desconsidera o movimento de mudanças e o sentido das disputas normativas bem como seu significado na sociedade internacional, deixando
6 Proteção diplomática referese ao princípio da responsabilidade dos estados por danos causados aos estrangeiros, como obrigação internacional dos Estados, na concepção do Direito Internacional clássico.
Chamado de intervenção, ou, na perspectiva de seus defensores, interposição diplomática.
7Kingsbury aponta várias objeções à visão de Krasner acerca dos micro fundamentos do comportamento estatal como a ausência de uma discussão mais elaborada sobre atores e interesses que constituem a instituição da soberania, a simplificação da relação entre normas e instituições, e destaca que a segmentação do conceito “may obscure fundamental links between these different forms of sovereignty – links that may be essential in understanding how sovereignty works.” (KINGSBURY, 2000, 594)
ausente a referência aos processos de disputas tanto pelo reconhecimento da soberania bem como o de transformação do seu conteúdo significativo 8. Os consensos relativos à dimensão normativa são constituídos politicamente pelos atores, os Estados, não é algo dado, e referese a um processo conflitivo em que os atores se mobilizam pela restrição ou ampliação do significado e que envolve práticas, interesses e desigualdades de poder. Os Estados lutam pela soberania e em torno da noção de soberania, como reconhecimento, práticas e sentido relacionalmente constituídos, logo não se trata de um atributo objetivo ou característica imanente de uma condição, mas uma dimensão normativa e relacional:
Eminentemente normativo, o princípio da soberania incorporase à realidade política ao traduzirse em duas regras constitutivas da ordem internacional – a igualdade formal dos Estados e a “não interferência”. Contempladas em conjunto, elas chama atenção para um aspecto fundamental:
embora sirva de base para a formulação de juízos sobre unidades políticas particulares (A é um Estado soberano; N, não), o conceito de soberania qualifica uma relação. Nesse sentido, ele não é uma propriedade dos Estados, isoladamente, mas do sistema. (VELASCO E CRUZ, 2004, 206) ... dimensão normativa que constitui uma ordem para a sociedade internacional baseado em frágil consenso entre seus membros. (AYOOB, 2002, 29)
Como sublinham os autores, a soberania supõe a relação entre os Estados baseada em consenso, portanto, sujeita as mudanças da ordem internacional. A ampliação do número de Estados que, segundo Ayoob (2002), transformou a sociedade internacional a medida que faz emergir demandas de remodelação da ordem política, tem impacto sobre o funcionamento do sistema internacional e das normas da sociedade internacional 9. O autor destaca que essa ampliação tem potencial para impactos empírico e normativo de longo prazo, pois gera mudanças e conflitos (AYOOB, 2002, 33). O que se expressa nas demandas de reconhecimento e de participação derivadas da ampliação do número de estados desde o final do século XIX A própria mudança do conceito de soberania, evidenciada na tipologia construída por Krasner, mostra como sua concepção estática deixa escapar a compreensão do movimento da sociedade internacional e da mudança do conteúdo significativo da soberania relacionada à transformação política das relações entre os estados e dos processos de interação comunicativa, considerandose que se trata de categoria jurídica, mundo dos fatos institucionais, segundo Kratochwill (l989). Tanto na Segunda Conferência
8“The principal limitation with the Krasner’s conceptualization of sovereignty is that it is essentially a static one.
It does not help us comprehend the possibility of change in the operational meaning of sovereignty, and it does not suggest (or allow for) any typology for the different forms and meanings of sovereignty over time and across place. Like the tendency to treat states as fundamentally like units, Krasner’s conceptualization of sovereignty fixed and unchanging. It does not help us understand the significance of challenges to sovereignty or the possibility of its transformation. (BIERSTEKER, 2002) (grifo nosso)
9 Ayoob (2002) observa que a bipolaridade e as armas nucleares não mudaram nem o funcionamento do sistema internacional ou as normas da sociedade internacional, seriam, portanto, no seu entendimento, mudanças de segunda ordem quando comparadas aos impactos da expansão do sistema.
de Haia em 1907 quanto nas conferências interamericanas, houve intensa mobilização em torno de princípios e regras, um debate sobre questões de reconhecimento, suas implicações políticas e jurídicas, bem como sobre o significado da soberania nas proposições de codificação do Direito Internacional.
Assim, ao lado dessa dimensão, reconhecem que, em decorrência do estatuto legítimo dos estados soberanos na sociedade de estados, estes últimos podem operar transformações na noção de soberania. Nesse sentido observamos que o argumento construtivista recupera as considerações de Aristóteles quando este afirma que o cidadão pode ter os direitos que, como resultantes do debate e da argumentação, sejam aceitos pela comunidade política. Por isso, segundo a formulação aristotélica, a questão constitucional, que define quem pode ser cidadão, é o aspecto fundamental da comunidade política que se institui numa cidade. De nossa perspectiva, partindose dessas reflexões, entendemos que as organizações intergovernamentais constituem o espaço onde os Estados soberanos, seus atores exclusivos, discutem princípios e questões normativas que envolvem atributos do conceito de soberania, e o fazem a partir da noção de soberania como princípio do sistema. Os Estados soberanos são atores exclusivos do sistema interestatal, e nesse sentido o conceito de soberania institui a sua titularidade e exclui outros atores, ou seja, define os Estados como atores exclusivos e ao mesmo tempo os qualifica para alterar o conteúdo substancial do conceito, de modo a legitimar práticas e estratégias entre esses atores em consonância com seus interesses, ideias e capacidades.
Essa perspectiva de interpretação sugerida pela abordagem construtivista ilumina o campo de disputas pela significação das normas e regras da soberania e explicita a crítica da visão da soberania e seus corolários como atributos objetivos. Tratamse de conceitos socialmente construídos, valores e ideais, que em decorrência da interação, nas arenas e processos políticos geram outputs que redefinem a natureza dos projetos e posições dos atores (ONUF, 2002; KRATOCHWIL, 1982; KRATOCHWIL, 1989; REUSSMIT, 1997).
Partindo dessa perspectiva, a seção seguinte apresenta os significados do conceito de soberania no pensamento jurídico de Carlos Calvo e Edwin M. Borchard e seu lugar no contexto do debate político e jurídico no sistema interamericano.
II. As controvérsias Carlos Calvo e Edwin Borchard: sentidos da soberania
Segundo a doutrina da proteção diplomática de Emmeric de Vattel, um Estado poderia intervir nos assuntos internos do outro supondo que o prejuízo sofrido por um cidadão num Estado hospedeiro constitui uma agressão ao seu país de origem. A “ficção
vatteliana”, segundo Shea (1955), considera que uma injúria para o estrangeiro representa injúria ao Estado, e os indivíduos não poderiam derrogar a proteção diplomática por meio de contratos já que o instituto da proteção diplomática constituiria um direito dos Estados e não dos indivíduos. O problema da proteção aos estrangeiros esteve relacionado tanto à questão do reconhecimento da soberania quanto às demandas de proteção de propriedade e interesses privados dos estrangeiros mantidos nos territórios que tinham estado sob o domínio imperialista ou áreas colonizadas (ANGHIE, 1996).
Essa noção de soberania fundamentou as práticas dos Estados europeus e estimularam uma profícua produção teórica, particularmente entre os especialistas norteamericanos, que reiteravam o direito de proteção aos seus nacionais no exterior como elemento legítimo do Direito Internacional e recusavam validade jurídica às críticas, como da Doutrina Calvo e outros juristas semiperiféricos10 (LORCA, 2010).
O jurista, historiador e diplomata argentino Carlos Calvo, formulou noção de tratamento nacional aos estrangeiros a partir do conceito de soberania absoluta, que constituiu as bases jurídicas e lógicas das demandas políticas de reconhecimento da jurisdição doméstica e da recusa da arbitragem dos Estados latino americanos. Suas considerações, chamadas de Doutrina Calvo, relativas ao princípio da não intervenção e ao princípio do tratamento nacional de estrangeiros, encontramse no seu tratado “O direito internacional teórico e prático” publicado entre 1868 e 1896.
Apesar do reconhecimento do autor na comunidade de especialistas do Direito Internacional, sua doutrina jurídica foi recusada, ainda que solidamente fundamentada do ponto de vista do conhecimento histórico e filosófico do Direito Internacional 11. Em decorrência dessa rejeição, as concepções da Doutrina Calvo expressaramse no que se chamou Cláusula Calvo, referindose ao seu uso nas constituições nacionais, bem como sua inclusão nos contratos com os estrangeiros, dos Estados latino americanos, com disposições de recusa da arbitragem, aceitação da jurisdição local e recusa da proteção diplomática, como um expediente para garantir sua legitimidade. Outro caminho foi a tentativa de obter a aceitação dos princípios nas conferências interamericanas no processo de codificação do Direito Internacional ou como política hemisférica.
10 Além de Calvo (18221906) Lorca cita vários outros juristas “semiperiféricos” como Etienne Carathéodory (18361907, turco nacional, grego étnico), Fedor F. Martens (18451909, nacional russo, germânico/báltico/estoniano étnico), Nicolas Saripolos (18171880, grego), e os japoneses Tsurutaro Senga (18571929) e Kentaro Kaneko (18531942). (LORCA, 2010)
11 O seu “Manual de derecho internacional teórico e práctico” publicado em espanhol e traduzindo para o francês, com a publicação de três edições, também foi adotado como manual em curso de Direito nos Estados Unidos, como citado no prefácio da edição francesa do seu Manual de Direito Público, obra produzida para uso em curso de direito na Europa. Foi membro fundador da Associação Internacional de Juristas.
No seu texto “Manuel de Droit Publique” de 1881, Calvo analisa a história e os elementos políticos do Direito Internacional, observando, em cada um dos eventos políticos, o direito positivo e as doutrinas jurídicas. O texto abrange da Antiguidade à queda do Império Romano, em 476; de 476 à Paz de Westphalia, em 1648; de 1648 ao Tratado de Utrecht em 1713; da Paz de Utrecht ao fim da Guerra dos Sete Anos, em 1763; de 1763 à Revolução Francesa de 1789; de 1789 à Convenção de Viena de 1815, e a oitava época de 1815 ao seu tempo, 1881. Ao considerar a história e o direito da perspectiva positivista, Calvo afirma que a existência de um Estado soberano, sua soberania interna, devese a sua origem histórica e não depende de reconhecimento. Ou seja, as soberanias interna e externa, remetem, portanto, a diferentes dimensões e o reconhecimento não institui a soberania, apenas incorpora o novo estado à sociedade de estados12.
Para Calvo a soberania absoluta significa completa independência, traço característico da sociedade de estados, e por isso seria um dever o respeito e o reconhecimento dos diretos de independência absoluta dos outros Estados, o que se desdobra na autonomia legislativa e judiciária (CALVO, 1991, 9497). A sua concepção de sociedade internacional emerge então como ideia de valores e ideais compartilhados13.
Seguindo o argumento, Calvo destaca o tema da intervenção, que tinha sido uma constante nas relações entre os Estados europeus e entre europeus e outros povos, identificada na história e nas interpretações dos teóricos do Direito Internacional em cada período. A pergunta é se a intervenção poderia ser considerada como um princípio jurídico das relações entre os Estados. O autor compara os casos de intervenção entre Estados europeus, que foram justificadas como proteção de valores morais ou religiosos ou preservação de equilíbrio, com os casos das intervenções europeias na América Latina, motivadas por interesses pecuniários ou como tentativa de obter reparação por perdas alegadas por partes privadas 14. No primeiro caso a ajuda, solicitada ou aceita pelas nações,
12« Tous les Etats naissent des évolutions historiques. Le droit international a beaucoup moins à se préoccuper de cette origine que de savoir quand un État devient souverain. La souveraineté commence dès qu'une société s'est constituée avec un organe suprême de droit, c'estàdire avec un gouvernement, et s'est séparée d'une autre société dans laquelle elle se trouvait comme englobée ou confondue. Ce principe s'applique à la fois à la souveraineté intérieure et à la souveraineté extérieure des États, avec cette seule différence que la souveraineté intérieure existe de piano et n'a pas besoin d'être sanctionnée par la reconnaissance des autres États, tandis que la souveraineté extérieure doit être sanctionnée par les autres États, et jusque là l'État nouveau ne fait pas partie de la grande société légale des nations. Chaque État reste sans doute libre de reconnaître ou de ne pas reconnaître l'État nouveau qui vient à se former; mais il est, dans tous, les cas, obligé de subir les conséquences de la détermination à laquelle il s'arrête. (CALVO, 1881,87).
13 «Si les. États, sont réciproquement indépendants, il faut admettre comme conséquence logique qu'ils ont sans réserve le droit illimité de, déterminer, et d'organiser leur constitution intérieure! mais, toujours, à, condition de, respecter scrupuleusement l'indépendance des, autres peuples ». (CALVO, 1881, p.95)
14 Calvo referese às intervenções francesa (18381840) e anglofrancesa (18431850) no Rio Prata e anglofrancesaespanhola no México (18611868).
não seria intervenção, mas sim mediação, ou “bons ofícios”; no segundo, expressão do tratamento desigual, que desrespeita o princípio da igualdade, outro elemento derivado da noção de soberania absoluta. Assim, condena qualquer forma de intervenção como princípio do Direito Internacional e reitera a soberania absoluta:
La souveraineté absolue d'un État a pour corollaire naturel et forcé, l'indépendance, dans le domaine, législatif et judiciaire. Absolue dans la sphère des, relations de droit qui s'établissent entre, le gouvernement et ses propres, sujets, ou citoyens, cette indépendance (CALVO, 1881, 95)
Nesta concepção, o governo não teria maior responsabilidade em relação aos estrangeiros do que teria para com seus próprios cidadãos 15. Essa noção é consequência da noção de jurisdição sobre bens imóveis sobre os quais outra jurisdição não poderia estenderse. Daí a exigência de submissão às cortes locais, tema sensível que mobilizava o interesse de europeus em especial, no que refere aos direitos de propriedade. Para Calvo, o ataque ao princípio de independência das nações expressase no tema da jurisdição territorial (HERSHEY, 1907, p. 28). Não questionava, portanto, as leis e direitos de propriedade tal como definidos pelos países europeus e pelo Direito Internacional, mas propugnava a independência e o reconhecimento da jurisdição exclusiva sobre a resolução de controvérsias, como corolários da soberania absoluta.
§ 228. S'il est un principe universellement admis, c'est assurément celui qui donne à la juridiction locale le droit de connaître de toutes les questions relatives aux droitsréels et personnels qui surgissent entre individus résidant dans le pays temporairement ou à titre permanent, alors même que ces questions ont pris naissance dans d'autres pays. (...). Ainsi, par exemple, les actions réelles et possessoires ne peuvent être intentées que devant les tribunaux du pays de la situation des biens qui leur donnent origine. § 229. Tout État possède un droit incontestable et absolu de juridiction sur ses citoyens aussi longtemps qu'ils se trouvent sur son territoire ; mais ce pouvoir ne va pas jusqu'à régler les droits, les devoirs et les obligations de ceux qui résident à l'étranger. (CALVO, 1881, 230231)
A extraterritorialidade e jurisdição consular, institutos do Direito Internacional, tinham sido usados pelos europeus nas relações com países não ocidentais, considerados “não civilizados” (ANGHIE, 1996; LORCA, 2006). Calvo recusa esses institutos com base no padrão de civilização, já que os estados latino americanos, colonizados pelos europeus, partilhavam as mesmas instituições. Aqui, como observa Lorca (2010), os juristas periféricos, membros das elites locais e engajados em processos de modernização, não colocavam em questão a ideia de padrão de civilização, antes, buscavam a partir dele seu reconhecimento.
15 « § 230. Qu'un État doive avoir juridiction sur les biens immeubles situés dans les limites de son territoire, c'est là un principe d'une évidence telle qu'il n'a pas besoin de démonstration. Il s'ensuit comme conséquence du même principe : 1° que le statut réel, tenant à la chose et non à la personne et dérivant du droit éminent de l'État, oblige le possesseur, qu'il soit national ou étranger ; 2° que toute tentative de la part d'un tribunal d'étendre son action sur des immeubles situés dans un autre pays, outre qu'il serait matériellement impossible que sa décision sortît tous ses effets, constituerait une dangereuse usurpation de pouvoir. » (CALVO, 1881)
A Doutrina Calvo constitui, portanto, uma fundamentação jurídica da liberdade dos governos de interferências de qualquer tipo, que denegava a estrangeiros a titularidade de qualquer direito ou privilégio que não fossem os mesmos que os nacionais de um dado país.
Os estrangeiros que estabelecessem negócios num outro país deveriam apresentar suas queixas apenas diante das autoridades locais. A soberania absoluta e a crítica da intervenção consolidaram posição contrária à arbitragem no debate político americano, como elemento jurídicopolítico do reconhecimento da igualdade entre os Estados.
As ideias de soberania absoluta e igualdade política como princípios foram objeto da interpretação crítica de Edwin M. Borchard. Sua produção teórica fundamentou as proposições contestatórias das posições dos Estados latinoamericanos ao longo das Conferências interamericanas e na Conferência de Haia para codificação do Direito Internacional em 1930, representando o ponto de vista dos Estados Unidos.
No seu texto “Basic elements of diplomatic protection of citizens abroad” de 1913, desenvolve o fundamento jurídico da proteção diplomática com base na relação entre Estado e cidadania, usando, portanto, uma linguagem diversa dos críticos, posto que não fala de “estrangeiro”, mas de cidadão no exterior. Para Borchard, a participação na sociedade de Estados exige o reconhecimento dos direitos de propriedade conforme as disposições do Direito Internacional (BORCHARD, 1913).
O autor desenvolveu e sintetizou as posições compartilhadas entre os Estados Unidos e os Estados europeus quanto à proteção diplomática e defesa dos estrangeiros no exterior, e representou os Estados Unidos nas Conferências de Haia e nas conferências interamericanas. Seu texto constitui esforço direto do autor para contraporse, no campo da argumentação jurídica, às concepções dos juristas e às posições políticas latinoamericanas, sustentandose no seu reconhecimento na comunidade de juristas internacionais como autoridade sobre o tema16.
O exercício da autoridade suprema sobre um território, um dos traços essenciais da soberania, põe em relevo a dimensão territorial do conceito. Segundo Borchard, ao longo da Idade Média teria ocorrido um processo de transição do princípio da pessoalidade para a territorialidade da lei, quando os elementos primários da relação entre Estado e cidadão e a função protetiva do poder estatal emergiram nas instituições feudais. O princípio da territorialidade nas relações entre senhores e camponeses estabelecia obrigações recíprocas de proteção e serviços que foram incorporados à noção moderna de soberania.
16 Foi professor na Europa e editor do American Journal of International Law, e dentre suas atividades para o governo, atuou a pedido do governo americano em várias ocasiões, como no Peru na disputa de TacnaArica (19231925) e no Tribunal de Arbitragem Centro Americana em 1925, e foi assistente jurídico da delegação Americana na Conferencia de Haia em 1930 e no Comitê Pan Americano de Especialistas Pan Americanos para codificação do Direito Internacional em 1938.
No entanto, como observa em nota, o sistema de leis pessoais ainda sobreviveu até o início do século XX, como apontado por jurista como AsserRivier e Savigny, “... Europeans live in various parts of the world (Turkey, India, the Malay peninsula, the Barbary States) under their own law” (BORCHARD, 1913, 499). Assim, Borchard sublinha a relação entre soberania e cidadania:
The Third Years’ War was an epochmaking event in the history of international law. It was not merely a great struggle between Protestantism and Roman Catholicism, but from it emerged the principle of territorial independence as opposed to imperialism. The international system of the present day was definitely market out and the characteristics of the modern state defined. While unequal power, the states in the system were recognized each as independent, as legally equal, and as exercising exclusive jurisdiction within certain definite territorial limits. The removal of the commom superior fostered what had in fact for years been sense a national independence and national consciousness. Overshadowed for a time by the religious attributes of the Reformation, and obscured by feudal particularism, nationality emerged at the Peace of Westphalia as a phenomenon distinct of religion.” (BORCHARD, 1913, 501) O argumento de Borchard ao enfatizar a relação entre o cidadão e o soberano ressalta os fundamentos da proteção diplomática dos cidadãos no exterior constituídos no Direito Internacional europeu, contudo, mitigando a significação do traço da territorialidade no conceito de soberania. A cidadania e a soberania ou a autoridade suprema do Estado são igualmente relações jurídicas; e, para ele, a relação entre o indivíduo e o Estado, a nacionalidade, teria precedência lógica sobre o Direito Internacional:
A territory is not in fact an essential element of sovereignty, although international law has arbitrarily conditioned the enjoyment of membership in the international community of the possession of a territory. It is by virtue of the personal relationship involved in sovereignty and citizenship that the state may declare its laws binding on its citizens even when abroad and by virtue of which its obligations to those nonresident citizens continue to exist. (BORCHARD, 1913, 502)
Borchard observa que a jurisdição, entendida como “controle físico sobre pessoas”, tornouse territorial e só pode ser aplicada para além dos limites do Estado quando permitida por um acordo internacional. Contudo, ressalta o ponto de vista da teoria constitucional, em que os princípios da nacionalidade são derivados da relação entre Estado e seus cidadão, ou seja, o vínculo jurídico (civitas) do pertencimento a uma comunidade organizada, o princípio da exclusividade, da mutabilidade e da continuidade. Ou seja, a nacionalidade permanece, como vínculo exclusivo e continuo, salvo quando outra nacionalidade seja adquirida, por naturalização. E é em virtude de sua nacionalidade que os indivíduos possuem direitos, não um “direito natural”, mas, segundo Borchard, dos direitos positivados que os Estados civilizados conferem aos indivíduos sob sua jurisdição.
Nesse sentido, conclui que a comunidade internacional deve respeitar não um conceito abstrato de direitos naturais, mas os direitos positivados de que os indivíduos são
titulares em virtude de sua nacionalidade, pois as relações recíprocas, dos direitos e obrigações, do Estado em relação aos seus cidadãos continuam mesmo que estes estejam no exterior. Dessa forma, a anterioridade dos direitos decorrentes da nacionalidade em relação do Direito Internacional legitima o recurso ao Estado sob a forma de proteção diplomática nos casos de danos aos cidadãos assim como as falhas na proteção desses direitos. A proteção diplomática e a extraterritorialidade constituem, nessa interpretação, institutos do exercício da soberania, a partir dos quais se estabeleceu a relação dos soberanos europeus com o mundo nãoeuropeu.
“While at times diplomatic protection in the hands of dominant powers ha oppressed weak states, I venture to say that the show is now on the other foot. Indeed, the effect of international adjudication, the growth of nationalism, the movements for codification, the greater tolerance of social experimentation has encouraged weak states to invoke their national sovereignty either to escape the restrictions of international law, or to maintain the international has changed content so as to support what it once disapproved.” (BORCHARD, 1940, 449450)
Esse ponto de vista esteve no centro dos embates acerca da arbitragem que
afloraram nos confrontos políticos decorrentes das discussões sobre a codificação do Direito Internacional, tanto hemisférica quanto nas Conferências de Haia. Borchard, então professor da Yale Law School, atuou, a pedido do Departamento de Estado, como assistente jurídico de Green H. Hackworth, delegado dos Estados Unidos no Comitê sobre “Responsabilidade dos Estados por danos causados em seus territórios a pessoas ou propriedade estrangeiras”, o “Committee on Responsability of States”. (HACKWORTH, 1930). O tema da arbitragem como instituto de resolução de conflitos e o tema da proteção aos estrangeiros esteve, desde a Conferência Pan Americana de 18891890 até a Conferência de Bogotá de 1948, no centro dos debates interamericanos, marcado pela posição de resistência dos Estados latinoamericanos fundamentada nas concepções de Calvo (FENWICK, 1965a, 1965b).
Considerações finais
A questão da proteção diplomática aos cidadãos no exterior, a relação entre o Estado e os estrangeiros e o direito de intervenção emergiram com força peculiar nas conferências da Organização dos Estados Americanos e ecoou de modo contundente no debate políticojurídico interamericano (HICKS, 1906; HERRERA, 1946; SHEA, 1955). Esse tema foi entronizado no debate político entre os Estados Americanos no começo do século XX, sobre o princípio da igualdade entre os Estados, o instituto da proteção diplomática e o direito de intervenção no processo de codificação das regras do Direito Internacional,