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5º ENCONTRO NACIONAL ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Belo Horizonte / PUC Minas 29 a 31 de julho de 2015

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29 a 31 de julho de 2015   

     

ÁREA TEMÁTICA 

 Teoria das Relações Internacionais   

           

USOS E SENTIDOS DO CONCEITO DE SOBERANIA: CALVO E BORCHARD NO  DEBATE INTERAMERICANO  

         

Edna Aparecida da Silva 

UNICAMP / Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos – INEU   

               

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    Resumo: 

 

O artigo, resultante do trabalho teórico de tese de doutorado, trata das interpretações do        conceito de soberania dos juristas Carlos Calvo e Edwin Borchard entre o final do século XIX        e início do século XX. O trabalho compõe­se de duas partes: uma, a análise do significado        da soberania, intervenção e proteção diplomática, delineados na interpretação dos juristas,        ressaltando as divergências em torno da significação do conceito de soberania em termos        de seus desdobramentos jurídicos, e a outra, a discussão sobre o lugar institucional desse        debate que colocou em confronto visões dos Estados latino­americanos e dos juristas        europeus e norte­americanos em torno das noções jurídico políticas estruturantes do        sistema interamericano. Sob a perspectiva de F. Kratochwil, a análise toma as disputas de        significação como dimensão do processo de estruturação de discursos e das práticas no        sistema internacional. 

 

Palavras­chave: Soberania, sistema interamericano, Doutrina Calvo, proteção diplomática   

Introdução    

No curso recente dos debates teóricos das Relações Internacionais, o tema da        soberania foi colocado sob o foco de múltiplas lentes. As transformações políticas como o        fim da Guerra Fria e da bipolaridade, a emergência das organizações internacionais, bem        como os processos da globalização econômica sugeriam que, diante da envergadura        desses fenômenos, as teorias e os conceitos das abordagens prevalecentes tinham perdido        sua capacidade explicativa    1, o que, do ponto de vista teórico, fazia emergir um campo mais        plural, com a consequente perda de centralidade da concepção positivista que até então        prevalecera nas Relações Internacionais (ROCHA, 2002; LAPID, 1989; HALLIDAY, 1997). 

1 Segundo Lake (2003), a perspectiva realista/neorrealista da política internacional, na qual a soberania é definida                              como atributo exógeno e fixo dos Estados e que nem todos os estados são soberanos, já encontrava alternativas                                    intelectuais no debate teórico no início dos anos 70 seja no trabalho sobre interdependência econômica de                                Richard N. Cooper (1968) e relações transnacionais de Keohane e Nye (1972), seja na teoria da dependência                                  com análise das condições estruturais de desigualdade entre os Estados de I. Wallerstein (1979). Mais                              recentemente, na discussão dos autores construtivistas como John G. Ruggie (1993), Alexander Wendt (1999),                            Christian Reus­Smith (1999), F. Kratochwill (1989) e Nicholas G. Onuf (1989), a reflexão sobre normas e                                práticas, numa dimensão relacional, concebe a soberania não como atributo exógeno do sistema, mas                            socialmente construído pelos discursos e práticas.  

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É no âmago desse debate teórico, ​em cujo foco está a relação entre as categorias

       

teóricas e a dinâmica dos fenômenos no sistema internacional,que interpretações de        diversos matizes, a partir de um conjunto de elementos empíricos ou lógicos, esforçam­se        para demonstrar a substância do conceito de soberania, destacando sua centralidade na        reflexão teórica no campo das Relações Internacionais e nas mudanças no sentido de que        seu referente, o sistema, teria sofrido .  

Tendo esse debate por referência e propondo­se a pensar o conceito de soberania        sob uma perspectiva histórica e política, esta comunicação trata das relações entre o Direito        Internacional e a Política Internacional. Mais especificamente, versa sobre a dinâmica de        como as lutas políticas e as agendas institucionais consubstanciam um campo        argumentativo que confere sentido às disputas de significação de categorias do Direito        Internacional (COPLIN, 1965). 

É sob este enfoque que o texto toma como objeto       ​as interpretações sobre o instituto          da proteção diplomática dos estrangeiros formuladas pelos juristas Carlos Calvo        (1824­1906), argentino, na segunda metade do século XIX, e o norte­americano Edwin M.       

Borchard (1884­1951), nas primeiras décadas do século XX. Construídas na linguagem do        pensamento jurídico internacional, as concepções de cada um dos juristas sobre as práticas        legais implicadas no conceito de soberania, como a proteção diplomática e intervenção,        ganham sentido no debate sobre igualdade política e questionamento da dominação colonial        e reconhecimento da jurisdição soberana, na relação com a Europa e nos confrontos        políticos entre os Estados latino­americanos e os Estados Unidos no processo de        constituição do sistema interamericano. 

A proteção diplomática e o tratamento dos estrangeiros, como obrigação        internacional na argumentação jurídica, são concebidos como desdobramentos práticos do        conceito de soberania. A partir de uma noção de soberania enquanto princípio organizador        da interação entre os Estados na sociedade internacional, os autores, no âmbito do debate        teórico sobre a significação dos princípios e normas derivadas, elaboram uma        re­significação cujo sentido é determinado pelas práticas e interesses dos Estados.       

Desdobram­se, assim, os conflitos propositivos em torno de arbitragem, em que os Estados        Unidos posicionam­se contrariamente a todo movimento de defesa e de fundamentação        jurídica do reconhecimento da jurisdição interna, da não intervenção e da submissão dos        estrangeiros e das disputas jurídicas às cortes locais, demandas estas que resultaram da        critica e oposição do pensamento jurídico latino­americano constituído ao longo do século        XIX às categorias do Direito Internacional clássico europeu. 

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Segundo a perspectiva de COPLIN (1965), o Direito Internacional expressa        consensos sobre a natureza do sistema internacional que é comunicada aos formuladores        de políticas dos Estados, instituindo­se a partir dos pressupostos básicos do sistema        interestatal , pelos quais o estado é um valor institucional absoluto (segurança, luta pela        ampliação de poder e manutenção de uma ordem,balanço de poder). Observa, assim, que        as categorias jurídicas relacionam­se às práticas entre os Estados e comunicam ideias e        propósitos no processo de construção de consenso sobre aspectos normativos da ordem        social, ou seja, remetem às questões procedimentais e substanciais relativas à sociedade        internacional2. Isto posto, o objetivo da exposição é entender as disputas em torno da        significação do conceito de soberania, formuladas no campo da argumentação e linguagem        jurídica ou no mundo dos fatos institucionais, em que, segundo Kratochwill (1989),        configuram­se, pelos processos de debate e decisões nas organizações internacionais, o        campo de construção dos sentidos e o cenário das lutas políticas. 

Para isso a comunicação divide­se em duas partes. A primeira       ​trata do conceito de        soberania e das disputas em torno de sua significação como dimensão do processo de        estruturação de discursos e das práticas no sistema internacional e,       ​na segunda, ​analisa­se  o significado da soberania, intervenção e proteção diplomática, na interpretação de Carlos        Calvo e de Edwin M. Borchard, ressaltando as divergências e o lugar institucional desse        debate que colocou em confronto visões dos Estados latino­americanos e dos europeus e        norte­americanos em torno das noções jurídico políticas estruturantes do sistema        interamericano. 

 

I. Sobre os sentidos do conceito de soberania: entre teoria e história   

Os conceitos de Estado, soberania e território, categorias centrais no estudo e nas

       

práticas das relações internacionais, são socialmente construídos, ou seja, são “definidos e        redefinidos pelas regras, ações e práticas de diferentes agentes, incluindo no caso dos        Estados, por eles mesmos” (BIERSTEKER, 2002, p. 157). O autor, ao sublinhar que as        formas de Estado, os significados da soberania e as concepções de territorialidade não são        fixas nem constantes no tempo e no espaço, indica um veio de reflexão para entender as       

2 Nessa perspectiva compartilhada por Kratochwill e Coplin, a relação entre o direito internacional e política não                                é pensado na sua função coerciva, como uma limitação da ação do estado, mas num outro nível, como um                                      instrumento primário de socialização, que expressa pressupostos do sistema de Estados. “... as a system of                               

‘quasi­authoritative’ communications to the policy­makers concerning the reasons for the state actions and the                            requisites for international order. It is a ‘quasi authoritative’ device because the norms of international law                                represent only a imperfect consensus of the community of states, a consensus which rarely commands complete                                acceptance but which usually express generally held ideas.”( COPLIN, 1965, 617) 

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interações políticas, conflitos e disputas que incidem sobre o conteúdo substancial desses        conceitos. 

O conceito de soberania, como categoria jurídica, historicamente tem sido objeto de        intensa controvérsia. A definição da sua significação substancial é disputada pelos sujeitos        titulares da condição de soberano, os Estados, atores exclusivos da sociedade de estados        que decidem e estabelecem tratados e convenções. Assim, o soberano participa dos        debates sobre os princípios e regras que se referem às consequências lógicas da noção de        soberania no plano das práticas entre os Estados (KRATOCHWILL, 1982; COPLIN, 1965) 

Na sociedade internacional, o juízo decorrente da lógica jurídica supõe que “se um        Estado é soberano, então...”, estabelecendo­se, portanto, os padrões relativos à conduta        dos Estados e a suas práticas legitimas. Ora, é neste âmbito que o debate sobre a        soberania e sobre as regras dela derivadas emergem como problema político: supõe a        discussão de princípios a partir dos quais certas normas e regras são estabelecidas na        sociedade de estados    3. A discussão de princípios e de regras do Direito Internacional supõe,        portanto, a política internacional (COPLIN, 1965). Dessa maneira, a discussão sobre o        significado das disputas normativas constrói, segundo Perelman (1999), a aceitação da        comunidade, por meio de discursos que têm raízes materiais nas práticas, interesse e        valores dos atores que informam suas perspectivas, a partir de teses aceitas pelo auditório.       

Ou seja, o debate sobre o significado da soberania supõe a centralidade e a aceitação        dessa norma como elemento básico da comunidade internacional, mas seu conteúdo        significativo inscreve­se num campo conflitivo na medida em que, ao traduzir­se em regras,        remete, no campo lógico, aos princípios que são instituídos no campo de disputas políticas.       

Contudo, como a noção de soberania transforma­se em argumentação legitimadora de        decisões e práticas diversas e conflitivas, destaca­se o problema da eficácia dos esquemas        argumentativos. Segundo a teoria da argumentação de Perelman, nem todos os        argumentos, no debate, são aceitos pelo auditório, ainda que sejam baseados em regras e        provas lógicas, e, nesse sentido, a força da argumentação não repousa na comunicação        strictu sensu  ​, mas na validade e aceitação das teses pelo auditório (PERELMAN, 1999,        326). 

Segundo Kratochwil (1989), no âmbito da estrutura interna da sociedade política, a        soberania envolve a crença de que há um poder político absoluto na sociedade política e,        inversamente, nas relações entre as comunidades políticas, nas relações internacionais, não        existe uma autoridade suprema. Estabelece­se assim o princípio das relações entre os        Estados no sistema internacional: autoridade centralizada e territorial exclusiva e ao mesmo       

3 A distinção entre normas, regras e princípios que fundamenta nossa discussão faz­se segundo Dworkin (2002). 

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tempo relações entre Estados soberanos. Portanto, a soberania como regra exclusiva        interna faz necessário conceber as relações entre as autoridades soberanas como        possuidores desses mesmos direitos. A aceitação do princípio de soberania estatal e de        seu corolário, a independência de cada unidade, tem como consequência lógica o        reconhecimento de que esses princípios envolvem limites sobre a liberdade de ação na        medida em que reconhece a mesma liberdade e independência para os outros estados,        numa lógica de reciprocidade (HINSLEY, 1986, p. 158). Nesse sentido, desdobram­se duas        regras internacionais: a igualdade formal dos Estados e a não interferência. 

Historicamente, o Acordo de Vestfália (1648), que encerrou as guerras religiosas na        Europa, estabeleceu o princípio da autoridade centralizada sobre território e população. O        acordo instituía uma comunidade de Estados soberanos, com controle de seus assuntos        internos e independência. Mas, ainda muito mais, instituía mesmo uma ideia, princípio da        concepção moderna das relações entre os Estados e da sociedade de estados soberanos,        porque, como descreve Watson, o acordo instituiu uma hierarquia entre os Estados        europeus4. Ou seja, não havia o reconhecimento da igualdade, mas tão somente, nos        termos de Watson, “uma colcha de retalhos de independências”, com delimitação de        fronteiras e uma ordem anti­hegemônica que demarcou a ruptura com as noções de império,        igreja e autoridade universal5

Ao longo dos séculos XVII a XIX prevalecem na sociedade europeia de Estados as

       

concepções de autoridade centralizada, territorial e exclusiva, e igualdade na relação entre        soberanos. No sentido atribuído por Bull (2002), a sociedade de estados, para além do        sistema de estados em que a interação poderia ser cooperativa, conflitiva ou neutra, envolve        um conjunto de valores e interesses comuns, que se consubstanciam em regras e        instituições. A sociedade de estados europeus funda­se, portanto, sobre o reconhecimento        mútuo e existência de expectativas compartilhadas relativamente ao respeito e cooperação        para o funcionamento das instituições como o Direito Internacional, a diplomacia e as        organizações internacionais, que se sustentam sobre o princípio da inviolabilidade das        fronteiras (não intervenção), o cumprimento dos acordos,o limite do uso recíproco da força,       

4 Composta por três categorias: uma com alguns soberanos reconhecidos como independentes (como o                          imperador, os reis de França e da Espanha); uma categoria de Estados independentes de fato, mas não de direito,                                      que não podiam, por exemplo, declarar guerra sem o consentimento do império, como a Baviera, a Saxônia e                                    Brandenburgo, e uma terceira formada por estados que, apesar de possuírem leis próprias e instituições,                              permaneciam dependentes, como os países Baixos meridionais, estados italianos e colônias europeias no Novo                            Mundo (WATSON, 2004, 264). 

5 Apesar da legitimidade da noção anti­hegemônica presente no Acordo de Vestfália, a hegemonia continuou a                              ser um traço das práticas do sistema europeu; a liderança da coalizão anti­hegemônica tornou­se potência                              hegemônica, já que a liberdade do controle imperial e a independência ensejaram a constituição de relações e                                  interações que permitiam barganhas políticas e contratos de pequenos Estados com potências europeias.                         

(WATSON, 2004, 268)  

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o princípio da igualdade jurídica entre os Estados soberanos e a exclusão da jurisdição no        território. 

Segundo Bull (2002), dentre os principais objetivos da sociedade de Estados está a        preservação do sistema e da sociedade em que os Estados são os principais atores da        política mundial e os mais importantes sujeitos de direitos e deveres, bem como a        preservação da independência externa dos estados, da paz. Ademais, impõem­se como        objetivos denominados primários pelo autor, dentre outros,a limitação da violência, o        cumprimento dos contratos e a estabilidade da posse por meio das regras de regulação da        propriedade. Assim a participação na sociedade dos estados representa um meio de        reconhecimento mútuo de iguais direitos à independência e soberania por parte dos outros        estados. Aqui, destaca­se um dos aspectos centrais do debate que analisamos: o        reconhecimento da autoridade da jurisdição relativa à propriedade estrangeira no território        implicado no instituto da proteção diplomática      6. Esta é a questão em torno da qual se        desenharam as posições divergentes entre os Estados americanos sobre o instituto da        arbitragem, e sobre a qual os juristas latino americanos e norte­americanos construíram        argumentos juridicos, no debate acadêmico e político ao longos das conferências        interamericanas, entronizando o tema da desigualdade política suposta nos conceitos        clássicos do Direito Internacional europeu. 

A análise de Krasner ressalta a incapacidade das normas e regras em constranger        os Estados, atores unitários e autônomos. Isso indica que a sua leitura fica circunscrita à        perspectiva jurídica (concepção de norma como coação tal como no direito doméstico), ou        seja, limitada à indagação sobre a capacidade de constrangimento do comportamento dos        atores, obediência e autoridade para imposição da norma      7. Isto posto, considerando­se sua          concepção realista do sistema internacional, a soberania, como dimensão legal, não pode        ser mais do que uma hipocrisia, já que não se efetiva para parte dos atores, os Estados        soberanos.  

Aqui cabe pontuar nossa distância em relação às formulações do autor, seguindo a        proposição de Biersteker (2002), para quem, na análise de Krasner, a soberania seria um        atributo das unidades, formulação que desconsidera o movimento de mudanças e o sentido        das disputas normativas bem como seu significado na sociedade internacional, deixando       

6 Proteção diplomática refere­se ao princípio da responsabilidade dos estados por danos causados aos                          estrangeiros, como obrigação internacional dos Estados, na concepção do Direito Internacional clássico.                       

Chamado de intervenção, ou, na perspectiva de seus defensores, interposição diplomática. 

7Kingsbury aponta várias objeções à visão de Krasner acerca dos micro fundamentos do comportamento estatal                              como a ausência de uma discussão mais elaborada sobre atores e interesses que constituem a instituição da                                  soberania, a simplificação da relação entre normas e instituições, e destaca que a segmentação do conceito “may                                  obscure fundamental links between these different forms of sovereignty – links that may be essential in                                understanding how sovereignty works.” (KINGSBURY, 2000, 594)   

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ausente a referência aos processos de disputas tanto pelo reconhecimento da soberania        bem como o de transformação do seu conteúdo significativo      8. Os consensos relativos à          dimensão normativa são constituídos politicamente pelos atores, os Estados, não é algo        dado, e refere­se a um processo conflitivo em que os atores se mobilizam pela restrição ou        ampliação do significado e que envolve práticas, interesses e desigualdades de poder. Os        Estados lutam pela soberania e em torno da noção de soberania, como reconhecimento,        práticas e sentido relacionalmente constituídos, logo não se trata de um atributo objetivo ou        característica imanente de uma condição, mas uma dimensão normativa e relacional: 

Eminentemente normativo, o princípio da soberania incorpora­se à realidade política ao traduzir­se                        em duas regras constitutivas da ordem internacional – a igualdade formal dos Estados e a “não                                interferência”. Contempladas em conjunto, elas chama atenção para um aspecto fundamental:                     

embora sirva de base para a formulação de juízos sobre unidades políticas particulares (A é um                                Estado soberano; N, não), o conceito de soberania qualifica uma relação. Nesse sentido, ele não é                                uma propriedade dos Estados, isoladamente, mas do sistema. (VELASCO E CRUZ, 2004, 206)   ... dimensão normativa que constitui uma ordem para a sociedade internacional baseado em frágil                            consenso entre seus membros. (AYOOB, 2002, 29) 

Como sublinham os autores, a soberania supõe a relação entre os Estados baseada        em consenso, portanto, sujeita as mudanças da ordem internacional. A ampliação do        número de Estados que, segundo Ayoob (2002), transformou a sociedade internacional a        medida que faz emergir demandas de remodelação da ordem política, tem impacto sobre o        funcionamento do sistema internacional e das normas da sociedade internacional      9. O autor      destaca que essa ampliação tem potencial para impactos empírico e normativo de longo        prazo, pois gera mudanças e conflitos       (AYOOB, 2002, 33).     O que se expressa nas demandas        de reconhecimento e de participação derivadas da ampliação do número de estados desde        o final do século XIX A própria mudança do conceito de soberania, evidenciada na tipologia        construída por Krasner, mostra como sua concepção estática deixa escapar a compreensão        do movimento da sociedade internacional e da mudança do conteúdo significativo da        soberania relacionada à transformação política das relações entre os estados e dos        processos de interação comunicativa, considerando­se que se trata de categoria jurídica,        mundo dos fatos institucionais, segundo Kratochwill (l989). Tanto na Segunda Conferência       

8“The principal limitation with the Krasner’s conceptualization of sovereignty is that it is essentially a static one.                                 

It does not help us comprehend the possibility of change in the operational meaning of sovereignty, and it does                                      not suggest (or allow for) any typology for the                 different forms and meanings of sovereignty over time and across                     place. Like the tendency to treat states as fundamentally like units, Krasner’s conceptualization of sovereignty                              fixed and unchanging. It does not help us               understand the significance of challenges to sovereignty or the                  possibility of its transformation. (BIERSTEKER, 2002) (grifo nosso) 

 

9 Ayoob (2002) observa que a bipolaridade e as armas nucleares não mudaram nem o funcionamento do sistema                                  internacional ou as normas da sociedade internacional, seriam, portanto, no seu entendimento, mudanças de                            segunda ordem quando comparadas aos impactos da expansão do sistema.  

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de Haia em 1907 quanto nas conferências inter­americanas, houve intensa mobilização em        torno de princípios e regras, um debate sobre questões de reconhecimento, suas        implicações políticas e jurídicas, bem como sobre o significado da soberania nas        proposições  de codificação do Direito Internacional.  

Assim, ao lado dessa dimensão, reconhecem que, em decorrência do estatuto        legítimo dos estados soberanos na sociedade de estados, estes últimos podem operar        transformações na noção de soberania. Nesse sentido observamos que o argumento        construtivista recupera as considerações de Aristóteles quando este afirma que o cidadão        pode ter os direitos que, como resultantes do debate e da argumentação, sejam aceitos pela        comunidade política. Por isso, segundo a formulação aristotélica, a questão constitucional,        que define quem pode ser cidadão, é o aspecto fundamental da comunidade política que se        institui numa cidade. De nossa perspectiva, partindo­se dessas reflexões, entendemos que        as organizações intergovernamentais constituem o espaço onde os Estados soberanos,        seus atores exclusivos, discutem princípios e questões normativas que envolvem atributos        do conceito de soberania, e o fazem a partir da noção de soberania como princípio do        sistema. Os Estados soberanos são atores exclusivos do sistema interestatal, e nesse        sentido o conceito de soberania institui a sua titularidade e exclui outros atores, ou seja,        define os Estados como atores exclusivos e ao mesmo tempo os qualifica para alterar o        conteúdo substancial do conceito, de modo a legitimar práticas e estratégias entre esses        atores em consonância com seus interesses, ideias e capacidades. 

Essa perspectiva de interpretação sugerida pela abordagem construtivista ilumina o        campo de disputas pela significação das normas e regras da soberania e explicita a crítica        da visão da soberania e seus corolários como atributos objetivos. Tratam­se de conceitos        socialmente construídos, valores e ideais, que em decorrência da interação, nas arenas e        processos políticos geram outputs que redefinem a natureza dos projetos e posições dos        atores (ONUF, 2002; KRATOCHWIL, 1982; KRATOCHWIL, 1989; REUS­SMIT, 1997).       

Partindo dessa perspectiva, a seção seguinte apresenta os significados do conceito de        soberania no pensamento jurídico de Carlos Calvo e Edwin M. Borchard e seu lugar no        contexto do debate político e jurídico no sistema interamericano. 

 

II. As controvérsias Carlos Calvo e Edwin Borchard: sentidos da soberania   

Segundo a doutrina da proteção diplomática de Emmeric de Vattel, um Estado        poderia intervir nos assuntos internos do outro supondo que o prejuízo sofrido por um        cidadão num Estado hospedeiro constitui uma agressão ao seu país de origem. A “ficção       

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vatteliana”, segundo Shea (1955), considera que uma injúria para o estrangeiro representa        injúria ao Estado, e os indivíduos não poderiam derrogar a proteção diplomática por meio de        contratos já que o instituto da proteção diplomática constituiria um direito dos Estados e não        dos indivíduos. O problema da proteção aos estrangeiros esteve relacionado tanto à questão        do reconhecimento da soberania quanto às demandas de proteção de propriedade e        interesses privados dos estrangeiros mantidos nos territórios que tinham estado sob o        domínio imperialista ou áreas colonizadas (ANGHIE, 1996). 

Essa noção de soberania fundamentou as práticas dos Estados europeus e        estimularam uma profícua produção teórica, particularmente entre os especialistas        norte­americanos, que reiteravam o direito de proteção aos seus nacionais no exterior como        elemento legítimo do Direito Internacional e recusavam validade jurídica às críticas, como da        Doutrina Calvo e outros juristas semi­periféricos10 (LORCA, 2010).  

O jurista, historiador e diplomata argentino Carlos Calvo, formulou noção de        tratamento nacional aos estrangeiros a partir do conceito de soberania absoluta, que        constituiu as bases jurídicas e lógicas das demandas políticas de reconhecimento da        jurisdição doméstica e da recusa da arbitragem dos Estados latino americanos. Suas        considerações, chamadas de Doutrina Calvo, relativas ao princípio da não intervenção e ao        princípio do tratamento nacional de estrangeiros, encontram­se no seu tratado “O direito        internacional teórico e prático” publicado entre 1868 e 1896.  

Apesar do reconhecimento do autor na comunidade de especialistas do Direito        Internacional, sua doutrina jurídica foi recusada, ainda que solidamente fundamentada do        ponto de vista do conhecimento histórico e filosófico do Direito Internacional      11. Em    decorrência dessa rejeição, as concepções da Doutrina Calvo expressaram­se no que se        chamou Cláusula Calvo, referindo­se ao seu uso nas constituições nacionais, bem como sua        inclusão nos contratos com os estrangeiros, dos Estados latino americanos, com        disposições de recusa da arbitragem, aceitação da jurisdição local e recusa da proteção        diplomática, como um expediente para garantir sua legitimidade. Outro caminho foi a        tentativa de obter a aceitação dos princípios nas conferências interamericanas no processo        de codificação do Direito Internacional ou como política hemisférica. 

10 Além de Calvo (1822­1906) Lorca cita vários outros juristas “semi­periféricos” como Etienne Carathéodory                          (1836­1907,  turco  nacional,  grego  étnico),  Fedor  F.  Martens  (1845­1909,  nacional  russo,  germânico/báltico/estoniano étnico), Nicolas Saripolos (1817­1880, grego), e os japoneses Tsurutaro Senga                      (1857­1929) e Kentaro Kaneko (1853­1942). (LORCA, 2010) 

11   O seu “Manual de derecho internacional teórico e práctico” publicado em espanhol e traduzindo para o                              francês, com a publicação de três edições, também foi adotado como manual em curso de Direito nos Estados                                    Unidos, como citado no prefácio da edição francesa do seu Manual de Direito Público, obra produzida para uso                                    em curso de direito na Europa.  Foi membro fundador da Associação Internacional de Juristas. 

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No seu texto “Manuel de Droit Publique” de 1881, Calvo analisa a história e os        elementos políticos do Direito Internacional, observando, em cada um dos eventos políticos,        o direito positivo e as doutrinas jurídicas. O texto abrange da Antiguidade à queda do        Império Romano, em 476; de 476 à Paz de Westphalia, em 1648; de 1648 ao Tratado de        Utrecht em 1713; da Paz de Utrecht ao fim da Guerra dos Sete Anos, em 1763; de 1763 à        Revolução Francesa de 1789; de 1789 à Convenção de Viena de 1815, e a oitava época de        1815 ao seu tempo, 1881. Ao considerar a história e o direito da perspectiva positivista,        Calvo afirma que a existência de um Estado soberano, sua soberania interna, deve­se a sua        origem histórica e não depende de reconhecimento. Ou seja, as soberanias interna e        externa, remetem, portanto, a diferentes dimensões e o reconhecimento não institui a        soberania, apenas incorpora o novo estado à sociedade de estados12

Para Calvo a soberania absoluta significa completa independência, traço        característico da sociedade de estados, e por isso seria um dever o respeito e o        reconhecimento dos diretos de independência absoluta dos outros Estados, o que se        desdobra na autonomia legislativa e judiciária (CALVO, 1991, 94­97). A sua concepção de        sociedade internacional emerge então como ideia de valores e ideais compartilhados13.  

Seguindo o argumento, Calvo destaca o tema da intervenção, que tinha sido uma        constante nas relações entre os Estados europeus e entre europeus e outros povos,        identificada na história e nas interpretações dos teóricos do Direito Internacional em cada        período. A pergunta é se a intervenção poderia ser considerada como um princípio jurídico        das relações entre os Estados. O autor compara os casos de intervenção entre Estados        europeus, que foram justificadas como proteção de valores morais ou religiosos ou        preservação de equilíbrio, com os casos das intervenções europeias na América Latina,        motivadas por interesses pecuniários ou como tentativa de obter reparação por perdas        alegadas por partes privadas      14. No primeiro caso a ajuda, solicitada ou aceita pelas nações,       

12« ​Tous les Etats naissent des évolutions historiques. Le droit international a beaucoup moins à se préoccuper                                de cette origine que de savoir quand un État devient souverain. La souveraineté commence dès qu'une société                                  s'est constituée avec un organe suprême de droit, c'est­àdire avec un gouvernement, et s'est séparée d'une autre                                  société dans laquelle elle se trouvait comme englobée ou confondue. Ce principe s'applique à la fois à la                                    souveraineté intérieure et à la souveraineté extérieure des États, avec cette seule différence que la souveraineté                                intérieure existe de piano et n'a pas besoin d'être sanctionnée par la reconnaissance des autres États, tandis que la                                      souveraineté extérieure doit être sanctionnée par les autres États, et jusque là l'État nouveau ne fait pas partie de                                      la grande société légale des nations. Chaque État reste sans doute libre de reconnaître ou de ne pas reconnaître                                      l'État nouveau qui vient à se former; mais il est, dans tous, les cas, obligé de subir les conséquences de la                                          détermination à laquelle il s'arrête. (CALVO, 1881,87). 

13 «​Si les. États, sont réciproquement indépendants, il faut admettre comme conséquence logique qu'ils ont sans                              réserve le droit illimité de, déterminer, et d'organiser leur constitution intérieure! mais, toujours, à, condition de,                                respecter scrupuleusement l'indépendance des, autres peuples ». (CALVO, 1881, p.95) 

14  Calvo refere­se às intervenções francesa (1838­1840) e anglo­francesa (1843­1850) no Rio Prata e                          anglo­francesa­espanhola no México (1861­1868). 

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não seria intervenção, mas sim mediação, ou “bons ofícios”; no segundo, expressão do        tratamento desigual, que desrespeita o princípio da igualdade, outro elemento derivado da        noção de soberania absoluta. Assim, condena qualquer forma de intervenção como princípio        do Direito Internacional e reitera a soberania absoluta:  

La souveraineté absolue d'un État a pour corollaire naturel et forcé, l'indépendance, dans le domaine,                              législatif et judiciaire. Absolue dans la sphère des, relations de droit qui s'établissent entre, le                              gouvernement et ses propres, sujets, ou citoyens, cette indépendance (CALVO, 1881, 95) 

Nesta concepção, o governo não teria maior responsabilidade em relação aos        estrangeiros do que teria para com seus próprios cidadãos      15. Essa noção é consequência          da noção de jurisdição sobre bens imóveis sobre os quais outra jurisdição não poderia        estender­se. Daí a exigência de submissão às cortes locais, tema sensível que mobilizava o        interesse de europeus em especial, no que refere aos direitos de propriedade. Para Calvo, o        ataque ao princípio de independência das nações expressa­se no tema da jurisdição        territorial (HERSHEY, 1907, p. 28). Não questionava, portanto, as leis e direitos de        propriedade tal como definidos pelos países europeus e pelo Direito Internacional, mas        propugnava a independência e o reconhecimento da jurisdição exclusiva sobre a resolução        de controvérsias, como corolários da soberania absoluta.  

§ 228. S'il est un principe universellement admis, c'est assurément celui qui donne à la juridiction locale                                  le droit de connaître de toutes les questions relatives aux droits­réels et personnels qui surgissent entre                                individus résidant dans le pays temporairement ou à titre permanent, alors même que ces questions ont                                pris naissance dans d'autres pays. (...). Ainsi, par exemple, les actions réelles et possessoires ne                              peuvent être intentées que devant les tribunaux du pays de la situation des biens qui leur donnent                                  origine. § 229. Tout État possède un droit incontestable et absolu de juridiction sur ses citoyens aussi                                  longtemps qu'ils se trouvent sur son territoire ; mais ce pouvoir ne va pas jusqu'à régler les droits, les                                      devoirs et les obligations de ceux qui résident à l'étranger. (CALVO, 1881, 230­231) 

A extraterritorialidade e jurisdição consular, institutos do Direito Internacional, tinham        sido usados pelos europeus nas relações com países não ocidentais, considerados “não        civilizados” (ANGHIE, 1996; LORCA, 2006). Calvo recusa esses institutos com base no        padrão de civilização, já que os estados latino americanos, colonizados pelos europeus,        partilhavam as mesmas instituições. Aqui, como observa Lorca (2010), os juristas        periféricos, membros das elites locais e engajados em processos de modernização, não        colocavam em questão a ideia de padrão de civilização, antes, buscavam a partir dele seu        reconhecimento. 

15 « ​§ 230. Qu'un État doive avoir juridiction sur les biens immeubles situés dans les limites de son territoire,                                    c'est là un principe d'une évidence telle qu'il n'a pas besoin de démonstration. Il s'ensuit comme conséquence du                                    même principe : 1° que le statut réel, tenant à la chose et non à la personne et dérivant du droit éminent de l'État,                                                oblige le possesseur, qu'il soit national ou étranger ; 2° que                     toute tentative de la part d'un tribunal d'étendre son                   action sur des immeubles situés dans un autre pays,                 outre qu'il serait matériellement impossible que sa décision                sortît tous ses effets, constituerait une dangereuse usurpation de pouvoir. » (CALVO, 1881) 

(13)

A Doutrina Calvo constitui, portanto, uma fundamentação jurídica da liberdade dos        governos de interferências de qualquer tipo, que denegava a estrangeiros a titularidade de        qualquer direito ou privilégio que não fossem os mesmos que os nacionais de um dado país.       

Os estrangeiros que estabelecessem negócios num outro país deveriam apresentar suas        queixas apenas diante das autoridades locais. A soberania absoluta e a crítica da        intervenção consolidaram posição contrária à arbitragem no debate político americano,        como elemento jurídico­político do reconhecimento da igualdade entre os Estados. 

As ideias de soberania absoluta e igualdade política como princípios foram objeto da        interpretação crítica de Edwin M. Borchard. Sua produção teórica fundamentou as        proposições contestatórias das posições dos Estados latino­americanos ao longo das        Conferências interamericanas e na Conferência de Haia para codificação do Direito        Internacional em 1930, representando o ponto de vista dos Estados Unidos. 

No seu texto     ​“Basic elements of diplomatic protection of citizens abroad”               de 1913,    desenvolve o fundamento jurídico da proteção diplomática com base na relação entre        Estado e cidadania, usando, portanto, uma linguagem diversa dos críticos, posto que não        fala de “estrangeiro”, mas de cidadão no exterior. Para Borchard, a participação na        sociedade de Estados exige o reconhecimento dos direitos de propriedade conforme as        disposições do Direito Internacional (BORCHARD, 1913). 

O autor desenvolveu e sintetizou as posições compartilhadas entre os Estados        Unidos e os Estados europeus quanto à proteção diplomática e defesa dos estrangeiros no        exterior, e representou os Estados Unidos nas Conferências de Haia e nas conferências        interamericanas. Seu texto constitui esforço direto do autor para contrapor­se, no campo da        argumentação jurídica, às concepções dos juristas e às posições políticas latino­americanas,        sustentando­se no seu reconhecimento na comunidade de juristas internacionais como        autoridade sobre o tema16.  

O exercício da autoridade suprema sobre um território, um dos traços essenciais da        soberania, põe em relevo a dimensão territorial do conceito. Segundo Borchard, ao longo da        Idade Média teria ocorrido um processo de transição do princípio da pessoalidade para a        territorialidade da lei, quando os elementos primários da relação entre Estado e cidadão e a        função protetiva do poder estatal emergiram nas instituições feudais. O princípio da        territorialidade nas relações entre senhores e camponeses estabelecia obrigações        recíprocas de proteção e serviços que foram incorporados à noção moderna de soberania.       

16 Foi professor na Europa e editor do American Journal of International Law, e dentre suas atividades para o                                    governo, atuou a pedido do governo americano em várias ocasiões, como no                       Peru na disputa de Tacna­Arica          (1923­1925) e no Tribunal de Arbitragem Centro Americana em 1925, e foi assistente jurídico da delegação                                Americana na Conferencia de Haia em 1930 e no Comitê Pan Americano de Especialistas Pan Americanos para                                  codificação do Direito Internacional em 1938. 

(14)

No entanto, como observa em nota, o sistema de leis pessoais ainda sobreviveu até o início        do século XX, como apontado por jurista como Asser­Rivier e Savigny, “... Europeans live in        various parts of the world (Turkey, India, the Malay peninsula, the Barbary States) under their        own law” (BORCHARD, 1913, 499). Assim, Borchard sublinha a relação entre soberania e        cidadania:  

The Third Years’ War was an epoch­making event in the history of international law. It was not merely a                                      great struggle between Protestantism and Roman Catholicism, but from it emerged the principle of                            territorial independence as opposed to imperialism. The international system of the present day was                            definitely market out and the characteristics of the modern state defined. While unequal power, the states                                in the system were recognized each as independent, as legally equal, and as exercising exclusive                              jurisdiction within certain definite territorial limits. The removal of the commom superior fostered what had                              in fact for years been sense a national independence and national consciousness. Overshadowed for a                              time by the religious attributes of the Reformation, and obscured by feudal particularism, nationality                            emerged at the Peace of Westphalia as a phenomenon distinct of religion.” (BORCHARD, 1913, 501)    O argumento de Borchard ao enfatizar a relação entre o cidadão e o soberano        ressalta os fundamentos da proteção diplomática dos cidadãos no exterior constituídos no        Direito Internacional europeu, contudo, mitigando a significação do traço da territorialidade        no conceito de soberania. A cidadania e a soberania ou a autoridade suprema do Estado        são igualmente relações jurídicas; e, para ele, a relação entre o indivíduo e o Estado, a        nacionalidade, teria precedência lógica sobre o Direito Internacional: 

A territory is not in fact an essential element of sovereignty, although international law has                              arbitrarily conditioned the enjoyment of membership in the international community of the                        possession of a territory. It is by virtue of the personal relationship involved in sovereignty and                                citizenship that the state may declare its laws binding on its citizens even when abroad and by                                  virtue of which its obligations to those non­resident citizens continue to exist. (BORCHARD, 1913,                            502) 

Borchard observa que a jurisdição, entendida como “controle físico sobre pessoas”,        tornou­se territorial e só pode ser aplicada para além dos limites do Estado quando permitida        por um acordo internacional. Contudo, ressalta o ponto de vista da teoria constitucional, em        que os princípios da nacionalidade são derivados da relação entre Estado e seus cidadão,        ou seja, o vínculo jurídico (civitas) do pertencimento a uma comunidade organizada, o        princípio da exclusividade, da mutabilidade e da continuidade. Ou seja, a nacionalidade        permanece, como vínculo exclusivo e continuo, salvo quando outra nacionalidade seja        adquirida, por naturalização.      E é em virtude de sua nacionalidade que os indivíduos        possuem direitos, não um “direito natural”, mas, segundo Borchard, dos direitos positivados        que os Estados civilizados conferem aos indivíduos sob sua jurisdição.  

Nesse sentido, conclui que a comunidade internacional deve respeitar não um        conceito abstrato de direitos naturais, mas os direitos positivados de que os indivíduos são       

(15)

titulares em virtude de sua nacionalidade, pois as relações recíprocas, dos direitos e        obrigações, do Estado em relação aos seus cidadãos continuam mesmo que estes estejam        no exterior. Dessa forma, a anterioridade dos direitos decorrentes da nacionalidade em        relação do Direito Internacional legitima o recurso ao Estado sob a forma de proteção        diplomática nos casos de danos aos cidadãos assim como as falhas na proteção desses        direitos. A proteção diplomática e a extraterritorialidade constituem, nessa interpretação,        institutos do exercício da soberania, a partir dos quais se estabeleceu a relação dos        soberanos europeus com o mundo não­europeu.  

“While at times diplomatic protection in the hands of dominant powers ha oppressed weak states, I                                venture to say that the show is now on the other foot. Indeed, the effect of international adjudication, the                                      growth of nationalism, the movements for codification, the greater tolerance of social experimentation                          has encouraged weak states to invoke their national sovereignty either to escape the restrictions of                              international law, or to maintain the international has changed content so as to support what it once                                  disapproved.” (BORCHARD, 1940, 449­450) 

Esse ponto de vista esteve no centro dos embates acerca da arbitragem que

       

afloraram nos confrontos políticos decorrentes das discussões sobre a codificação do Direito        Internacional, tanto hemisférica quanto nas Conferências de Haia. Borchard, então professor        da Yale Law School, atuou, a pedido do Departamento de Estado, como assistente jurídico        de Green H. Hackworth, delegado dos Estados Unidos no Comitê sobre “Responsabilidade        dos Estados por danos causados em seus territórios a pessoas ou propriedade        estrangeiras”, o “Committee on Responsability of States”. (HACKWORTH, 1930). O tema da        arbitragem como instituto de resolução de conflitos e o tema da proteção aos estrangeiros        esteve, desde a Conferência Pan Americana de 1889­1890 até a Conferência de Bogotá de        1948, no centro dos debates interamericanos, marcado pela posição de resistência dos        Estados latino­americanos fundamentada nas concepções de Calvo (FENWICK, 1965a,        1965b). 

   

Considerações finais 

A questão da proteção diplomática aos cidadãos no exterior, a relação entre o Estado        e os estrangeiros e o direito de intervenção emergiram com força peculiar nas conferências        da Organização dos Estados Americanos e ecoou de modo contundente no debate        político­jurídico interamericano (HICKS, 1906; HERRERA, 1946; SHEA, 1955). Esse tema        foi entronizado no debate político entre os Estados Americanos no começo do século XX,        sobre o princípio da igualdade entre os Estados, o instituto da proteção diplomática e o        direito de intervenção no processo de codificação das regras do Direito Internacional,       

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