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: ditaduras, gênero e feminismos ( )

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

LABORATÓRIO DE ESTUDOS DE GÊNERO E HISTÓRIA

: ditaduras, gênero e feminismos (1960-1990)

Maria Soledad Roca Bravo e Gloria Andrea Maria Vargas (depoimento, 2008)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. Permitida a cópia xerox.

A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

Florianópolis 2009

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Ficha Técnica

Tipo de entrevista: temática Entrevistadora: Joana Maria Pedro

Transcrição realizada por: Larissa Viegas de Mello Freitas Revisão realizada por : Wendy Daniela Volppe Perez Local: Santiago, Chile.

Data: 08/10/2008

Arquivos digitais: Maria Soledad Roca Bravo e Gloria Andrea Maria Vargas - 11.08.08 wav.

Duração arquivo : 1h 43 min 53s Páginas: 48.

Temas: Identificação com o feminismo; Movimento feminista no Chile; leituras feministas; História das Mulheres; memória; movimentos sociais no Chile; Estudos de Gênero e Feminismos nas Universidades do Chile, Ditadura militar no Chile.

Mini biografia das entrevistadas

Maria Soledad Roca Bravo atualmente trabalha na coordenação da rede chilena contra a violência doméstica e sexual, e teve sempre suas atividades vinculadas ao feminismo.

Gloria Andrea Maria Vargas, apesar de seus pais serem chilenos, nasceu fora do Chile quando seus pais foram exilados em decorrência das perseguições do regime militar no país; na Noruega entrou em contato com ideias socialistas e posteriormente começou a militar em movimentos de mulheres no Chile.

Legenda

J - Joana Maria Pedro

M - Maria Soledad Roca Bravo

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G - Gloria Andrea Maria Vargas GF - Gabriel Felipe Jacomel ... – buraco na entrevista.

BRAVO, Maria Soledad Roca. VARGAS, Gloria Andrea Maria. Entrevista concedida a Joana Maria Pedro. Santiago, Chile 08/10/2008. Acervo do LEGH/UFSC. Transcrita por Larissa Viegas de Mello Freitas, revisada por Wendy Daniela Volppe Perez.

M - Meu nome é Maria Soledad Rojas Bravo, mais conhecida como Sole Rojas. Local de nascimento. Eu nasci em Santiago de Chile, em 13 de julho de 1950.

J - Ah sim? Então vocês têm a mesma idade...

M - Sim, temos a mesma idade, 58 anos. E minha direção atual vivo na comuna de [incompreensível] em Santiago. Você quer a direção exata?

J- Não...

M - Eh... eu atualmente trabalho na rede chilena contra a violência doméstica e sexual.

Trabalho na coordenação da rede. Somos uma equipe de sete mulheres. Anteriormente a minha atividade esteve sempre vinculada ao feminismo. Eu sou uma pessoa que fez poucos trabalhos formais na vida, que optou pelo trabalho informal foi uma opção de vida e... pós-exílio, que já vamos entrar neste tema, estive exilada na Alemanha...

J - Sim?

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M - Durante os anos 74 até o ano de 1985. Nesse período... Depois... Isso já faz parte da história, mas, como para falar-te das profissões anteriores que tive eu, desde o meu retorno ao Chile, a partir do ano 87, que eu comecei a trabalhar de forma independente, em um projeto feminista independente, fazendo com as mulheres uma publicação de uma agenda para mulheres. Uma agenda que promove as ideias do feminismo e promove a existência de vínculo entre as mulheres, as redes. E se formou um diretório completo de organizações, através do qual as mulheres pudessem conectar-se. Bom, isso como mais relevante. Não tenho trabalho eh...

J - Formal.

M - Formal. No geral teria que pensar... (risos) eu sou uma pessoa que optou por ser uma pessoa informal, em parte porque é mais da minha personalidade... (risos).

J - Autônoma...

M - Em parte por meu desejo de [incompreensível]

J - E você, Gloria, diga-me o seu nome completo, sua data de nascimento e local.

G - Então, eu sou Gloria Andrea Maria Vargas, este é o meu nome completo. E minha data de nascimento, que pergunta engraçada, eu nasci em 4 de maio de 1958.

J - És mais jovem, hein?

M - Sim que é mais jovem [incompreensível].

J - Eu sou historiadora, por isso...por isso me interesso tanto pelas datas. Tu nasceste aqui, em Santiago?

G – Não...

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J - Onde, por favor?

G- Eu nasci em Paris, mas eu sou chilena de família. Eu nasci lá porque minha mãe e meu pai foram fazer um doutorado na Sorbonne, recém casados, e fizeram mal as contas, e cheguei eu, uma absoluta eventualidade. Mas eu sou chilena, sou chilena de vida. Apesar de que, como Soledad, que também viveu no exílio, mas... Num exílio mais longo que o dela, eu fiquei uns trinta anos por fora.

M - Saíste muito pequena...

G - Saí aos 16 anos, com a minha família, e esse foi meu primeiro exílio.

J - Para onde?

G - Para a Colômbia. Na Colômbia eu vivi 10 anos. Na Colômbia fomos exilados novamente, esse foi meu segundo exílio. Depois para a Europa e depois para a América Latina. Ou seja, estive 30 anos fora. E cheguei a este país há quase 5 anos.

J - Cinco anos?

G - Quase 6. Feminista há muito tempo também.

J - Desde quando?

G - Eu te diria que... Assim como... Desde que tinha 30 anos, faz uns 20 anos mais ou menos.

J - Vocês estavam onde neste momento?

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G: Neste momento, me tornei feminista quando cheguei à Noruega. Na Noruega eu era ainda legionária e combatente, somente. Depois eu era feminista, revolucionária e combatente.

J - Na Colômbia?

G - Sim, mas me tornei feminista na Noruega.

J - Como?

G - Porque me vinculei através de trabalho pela solidariedade com Chile e na América Latina me envolvi com o movimento de mulheres norueguês e assim foi como... Ainda mais porque trabalhei com mulheres exiladas, lá em Noruega, e assim foi como tudo se foi somando podendo traduzir a vida em clave feminista. Foi assim.

J - E você, Soledad, quando se tornou feminista?

M - Olha, eu sai para o exílio, no ano de 74.

J - Por quê?

M - Eu estava envolvida com a esquerda chilena. Eu militava no partido da esquerda chilena...

J - Em que partido?

M - No Mapo.

J - Mapo?

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M- Conhece?

J - Não entrevistamos uma pessoa [incompreensível] em Mapo, mas lemos sobre isto.

M - Bom esse partido já não existe, a maioria são socialistas e há muitos que estão...

J- Desde o início estavas no Mapo? Como... como surgiu o Mapo?

M - O Mapo...o Mapo é uma fusão de ideologia cristã... Com marxista.

J - Mas você estava aonde?

M - Eu estava na universidade. Como estudante, entrei para o Mapo.

J - Como estudante na universidade.

M - Sim. Eu estudava pedagogia.

J - E então?

M - E então estava envolvida... Militava no Mapo e o trabalho que nós fazíamos, principalmente, não era referido à universidade senão que era referido ao mundo sindical... Eu trabalhava com o setor operário de um dos cordões industriais em Santiago. Chegou o golpe, como você já deve saber, muito duro. Foi um período muito difícil. Eu me exilei em fevereiro do ano de 74.

J - Você chegou a se presa ou não?

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M - Perdão?

J - Foi presa?

M - Aqui. Fui presa no estádio nacional...

J - Ah sim

M - Mas não muito tempo... Estive presa no Estádio Nacional no primeiro momento da ditadura. Depois me soltaram...

J - Te deixaram sair.

M - Sim. Em fevereiro de 74 eu fui para a Alemanha, para o exílio, com um namorado que eu tinha... Que também se exilou... E então nesse tempo... Bom, continuamos trabalhando para a resistência chilena, para apoiar a resistência chilena desde Alemanha, em todos os Comitês de Solidariedade, que foram fortíssimos na Europa e em toda América [incompreensível]. E seguimos muito de perto os processos que a esquerda chilena vivenciou. Os processos de cisão... Da esquerda chilena, de transformação, da convergência socialista. São várias histórias. E...nessas histórias nós começamos a reunir as mulheres no que foi a Convergência Socialista. As mulheres de Mapo, socialistas, da esquerda cristã, principalmente.

J - E você estava na Alemanha? Todo exílio se passou na Alemanha?

M - Sim, com algumas saídas para a Bulgária, mas o resto foi na Alemanha.

J - Então começou como um grupo de mulheres?

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M - Sim. Começou como grupo de mulheres exiladas.

J - Somente chilenas ou de outras nacionalidades?

M - Maioria chilenas, mas havia um par de outras nacionalidades Latino-americanas.

J - Sim, porque toda a América estava...

M - Na maioria eram chilenas porque o exílio chileno tinha muita estrutura. Na Alemanha, na Europa em geral, tinha muita estrutura e nos Comitês de Solidariedade, havia muitas instâncias onde nós nos nucleávamos e mantínhamos um contato direto e uma vinculação muito direta com as informações que vinham do Chile. Ou seja, realmente funcionávamos de acordo com o que acontecia no Chile, mas que vincular- nos... Com o que estava passando nesses países, não? Então, bem, aí começamos a trabalhar com muitas mulheres de diferentes cidades da Alemanha... Nos encontrávamos...

J - Como surgiu essa ideia?

M - Como surgiu essa ideia... Surgiu mais ou menos em torno do primeiro Encontro Feminista Latino americano e do Caribe, no ano 81, em Bogotá. Começamos reunindo- nos como chilenas e destes grupos e a intercambiar e... Perguntas... Sobre os temas da sexualidade, eram os temas mais importantes, que foram abordados nesse grupo.

J - Eram como grupos de consciência?

M - Não tinham esse nome, mas poderia ser isso...

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J - Que nome tinha?

M - Não me lembro.

J - Geralmente se chama círculo, coletivo, se repetem esses...

M - Não me lembro como nos chamávamos nós . Na realidade nos juntávamos em diferentes cidades e fizemos um grande encontro numa cidade da Alemanha de onde vinham gente do Chile e isso foi posteriormente a... Foi na época, no ano 81. No primeiro encontro latino-americano... Então... foi um grupo que se vinculou muito, desde o seu início, ao feminismo na América Latina. Sim havia muito de autorreflexão, em torno da sexualidade, principalmente, começamos a intercambiar as experiências em torno da sexualidade... E isso nos deu bastante identidade. Tinha uma intencionalidade muito terapêutica, havia várias terapeutas e havia novas tendências terapêuticas, estava a bioenergia. Havia coisas muito de moda nesse momento nos anos 80. Então nós éramos muito permeáveis a incorporar todo o novo que aparecesse e assim foi se desenvolvendo o grupo.

J - E o Comitê não se opôs às reuniões de vocês?

M- Não sei.

J - Mas ele não ficou contra?

M - Eles não tinham nada o que dizer. Eu não recordo se eles tiveram alguma opinião nem nós perguntávamos muito. Foi um processo que se foi dando independente da solidariedade com o Chile. A Solidariedade com Chile não incorporava muitos elementos de consideração às mulheres, particularmente. Era como uma visão bastante tradicional da política. A gente começou a formar grupos à parte. Mas nunca teve um conflito, não me lembro de ter havido algum conflito nesse sentido. O que sim

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significou que muitas de nós traduzimos nossa pulsão política ao feminismo. Nesse processo, pelo menos no meu caso, não foi uma ruptura com a esquerda chilena. E sim foi um transpor a uma identidade que a gente foi se dando enquanto mulheres.

J - E vocês na Europa seguiam casadas? Eu pergunto isso porque as brasileiras chegaram na França e se descasaram.

M - Não, eu me separei quando voltei ao Chile. Bem, eu penso que também existe uma influência, deixe-me ver, eu estou te falando de 80 e 81, e nós chegamos no ano de 74.

Ou seja, existem vários anos prévios vividos em uma cultura que era muito mais aberta com as mulheres, em que as mulheres [incompreensível]. Então para mim eu não tenho história de uma cultura, nem sequer ideológica, senão que eu cheguei a um lugar onde tinha que ser o normal, à diferença de outras mulheres que viveram o exílio em países onde havia mais restrição do que o nosso. Então, ela se confrontava de outra maneira e, no nosso caso, que fosse...

J - Não havia conflitos...

M - Não havia pequenos conflitos, nem grandes... Não foi um processo nem sequer tão teórico, foi um processo muito vivencial.

J - E vocês começaram a se reunir e pensavam como feministas ou ainda não?

M - O que acontece nessa situação é que nesse momento a gente começou a ter reflexão crítica, a pensar, digamos, o ser mulher, nós não nos intitulávamos feministas e nós simplesmente nos identificamos com tudo aquilo que estava acontecendo, então já nos identificávamos como feministas, sem também uma grande discussão teórica para chegar a isso.

J- Alguém acusava vocês como feministas?

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M - Não...ademais que na Alemanha, as mulheres... havia feministas, mas também havia movimentos...havia movimentos... Nesse momento estava se tratando de derrubar o parágrafo 218 que permitia o aborto. Então existia todo um movimento conservador da igreja. Então era um montão de problemáticas que no Chile não tinha sido presente, nem na política, nem na sociedade. E pra mim era a coisa mais normal do mundo, não?

Então nós vivemos uma situação de muito mais abertura para as mulheres, de muito mais acesso. Enfim, um país de certa maneira mais progressista, entre aspas.

J - Quanto tempo durou?

M - O exílio?

J- Não, esses grupos.

M - Desde 81 até... Bem, eu voltei ao ano 85 e ainda existiam...

J - E ainda esses grupos continuaram?

M - Claro, continuaram.

J - Você retornou e continuaram a existir lá?

M - Quem faz parte do grupo...Ana Maria Dias, Alejandra [incompreensível], somos amigas, somos amigas...não existe aquela organização e hoje é,1 trabalham com distintas coisas...tem uma que trabalha em projetos de desenvolvimento, a outra atua como feminista, a outra atua com as questões dos imigrantes, desses imigrantes que chegam a Alemanha de outros países...que estão em situações muito duras... E os imigrantes que chegam a Alemanha, em virtude dos partidos políticos perseguidos politicamente.

1 N.R.: Maria e Gloria falam ao mesmo tempo.

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J - E você, Gloria?

G - Eu...primeiramente eu fui para a Noruega e da Noruega eu me aproximei ao movimento feminista de uma experiência de esquerda basicamente revolucionária, onde... Digamos que eu tinha uma percepção nesse tempo, de que as coisas das mulheres se resolviam na medida em que se resolvessem as questões de classe e o problema da revolução. Honestamente eu não tinha perguntado o que era mulher e incluía todas as mulheres em um só saco e que íamos ganhar a revolução e tudo isso se solucionar. Quando eu cheguei à Noruega aconteceu uma coisa parecida com que disse Soledad, no sentido de me incluir e viver em uma sociedade onde o assunto de igualdade entre homem e mulheres já era superado dentro do cotidiano. Não porque tivessem resolvido o problema de discriminação de forma definitiva, mas, digamos que, a reprodução compartilhada entre homens e mulheres, as medidas de ações positivas para que as mulheres se colocassem no mercado de trabalho e na política, o aborto legal... Te inseres numa sociedade, onde tudo isso é um jogo. Eu me vinculei a uma associação de homens e mulheres exiladas. Tínhamos uma associação de exilados Latino-americana e quando eu cheguei fui presidente dessa associação.

J - Em que ano foi isso?

G - Isso foi em 80. Deixa eu ver... Isso foi em... 76, 75 eu fui para a Noruega... Comecei meu segundo exílio lá na Alemanha... estive 10 anos, foi em 85. Comecei meu segundo exílio lá. E já existia essa associação de exilados latino-americanos que já levava vários anos funcionando e eu fui uma das suas presidentas, digamos... E aí eu me vinculei ao trabalho com as mulheres exiladas.

J - Por quê?

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G - Porque é um setor de mulheres onde havia mulheres políticas, mas também existiam mulheres frutos da imigração dos últimos anos. Que não chegaram por motivos políticos, mas por migração econômica. Que a própria ditadura tinha expulsado também. Isso foi o arrocho da ditadura, não só o primeiro exílio político, mas que nos anos 80 tiveram que sair daqui, porque a coisa economicamente não dava mais. Eram pessoas, sobretudo, dos setores populares de Valparaíso, Santiago do Sul. Então começamos um trabalho, foi uma primeira aproximação ao feminismo, mas não foi ligada à sexualidade, senão... Que é o que significava basicamente a reprodução compartilhada [18m57s] como esses homens chilenos que chegaram, com estas mulheres chilenas, com família ou que constituíram família lá, eles tinham se colocar em outra posição, perante a sociedade norueguesa. Porque lá não era possível o homem dizer que não ia levar as crianças para o jardim, ele era obrigado a pensar de uma forma diferente dentro da estrutura familiar.

Isso foi o começo. E a confrontação se dava quando elas vinham para o Chile. Era um tipo de confrontação porque o cara descia do avião e ele se esquecia que tinha estado na Noruega. Ele já começava a pedir cafezinho na cama. E esses eram elementos de reflexão do grupo. De como abordar algo que fosse sustentável lá e aqui. Foi aí a primeira aproximação do grupo. Também nós juntamos ao movimento de solidariedade norueguês, um movimento de mulheres e feministas norueguês, que era um movimento muito poderoso, chamava-se Kvinner Front...

J - Como?

G – K-V-I-N-N-E-R2, Kvinner significa mulher, frente de mulheres, pelas ações de solidariedade. E aí eu comecei a descobrir um mundo como que de... Eu via as mulheres lésbicas, que andavam de as mãos dadas e havia mulheres [incompreensível] e de todos os tipos e eu comecei a olhar. Não me chocava, mas ao mesmo tempo me parecia desconhecido. Foi como começar a escutar outros debates, ouvir outras histórias. Uma vez me pediram para numa ação do dia 8 de setembro para que eu falasse o que significava, a partir das mulheres, o que representava Pinochet. Obviamente, eu tive que sentar e estudar. E eu descobri que o Pinochet era pró-natalista, que o Pinochet dizia que

2 N.R.: Gloria soletra.

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as mulheres deveriam estar em sua casa, que essa era sua primeira função. Foi como encontrar dentro do trabalho um apoio à resistência e a solidariedade com a luta. Essa dimensão com a qual eu estava envolvida, mas que sempre foi muito civilizada. Foi assim como um estouro. Até esse momento, minha consciência feminista era com respeito às outras...

J - Não era contigo...

G - Ou seja, eu nunca tinha sido discriminada. Eu vim de uma boa família, no sentido de que tive condições de estudar em colégio particular... Nunca apanhei, nunca tive restrições quanto a questões pessoais, ou seja, eu nunca tinha tido problemas pessoais.

Era problema das outras. Nunca era problema meu. E eu sinto que no momento em que eu adquiro uma consciência. E eu tenho consciência de minha vida e não só uma reflexão do problema das outras e eu sinto que adquiro minha consciência com a vida, não só com os problemas de fora, mas sim com uma experiência minha de vida. Isso começou no Equador. Aconteceu quando eu voltei da Noruega e fui para o Equador. Eu cheguei no Equador nos anos 90...

J - Quando retornou da Noruega... Foi ao Equador..?

G - E aí... Me dei conta de que o problema também era meu. Nesse momento com que dá um click. Uma coisa é o que te diz a razão e outra coisa é o que acontece com teu corpo e tu te das conta. Ou seja, aí eu acho que foi realmente quando eu fiz esse click de consciência feminista. Antes, na Noruega foi quando eu descobri como defender, mas como um trabalho mais intelectual do que a própria incorporação na luta. É mais que um problema próprio.

J - E porquê no Equador?

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G - Porque no Equador eu comecei a trabalhar numa Comissão de Direitos Humanos e se criou uma área da mulher. E aí foi onde me tocou... E aí chegaram mulheres muito poderosas. Feministas onde já existia essa consciência e organizamos oficinas para estas mulheres. No caso mulheres juízas, advogadas. E o processo das oficinas não foi só com essas mulheres senão que também, foi meu próprio processo, apesar de que eu não era parte das participantes, como era organizadora, mas acontece que foi como um click, como... Um dia te dás conta, eu assumi minha própria discriminação, por assim dizer.

J - Você já era casada neste momento?

G - Não, não.

J - Não se casou?

G - Não, eu convivi, sim. Mas eu fui sozinha para Noruega daí...

M - Mas foste com duas filhas.

G - Sim, fui embora por causa disso. Eu tinha um companheiro na Colômbia. Tive dois filhos com esse namorado. Mas quando fui da Colômbia para a Noruega, no meu segundo exílio, esse namoro acabou. E eu fui sozinha com as duas filhas. E quando voltei para o Equador voltei também sozinha com as duas filhas, ou seja, tenho sido mãe solteira durante toda vida. Claro que tive meus namoricos e meus encontros, mas digamos que minha família sou eu e elas.

J - E no Equador o que você fez?

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G - No Equador eu trabalhei bastante. Trabalhei em um organismo regional de Direitos Humanos. Trabalhei nas Nações Unidas. Trabalhei na UNICEF. Depois eu voltei ao mundo civil e onde eu fui diretora executiva da oficina de comunicação mulher que uma organização feminista de todos os pontos de vista, basicamente. Eu fiz consultoria também e depois eu vim para cá.

J- Quando?

G - Em 2003. Em mais ou menos 2003 eu cheguei aqui. Aqui no Chile eu voltei... E trabalhei na Morada.

J - Ah, começou na Morada?

G - Aqui no Chile voltei à Morada, ou seja, a partir do Equador minha trajetória laboral e pessoal foi muito vinculada ao feminismo. Ou seja, isso é o que basicamente abre os meus caminhos.

J - E você? Voltou em 1985, e o que fez lá, quando chegou... Se separou?

M - Sim, me separei. Cheguei no ano 85 em agosto, setembro, por aí.... Eu vim no ano 84 um ano antes, fiz alguns contatos e apresentações a umas bolsas oferecidas pelo World University Service para voltar ao país dos exilados, com pequenos programas.

Então eu voltei com um destes programas pra trabalhar em uma organização uma ONG [26min] de mulheres... Não tão claramente feminista. Era o DOMO, nessa época, hoje em dia existe, mas é outro, era o Domo inicial. Tudo mudou, a MORADA também existe mas é diferente. Esse DOMO era... Era uma ONG que trabalhava com mulheres de setores populares e eu me voltei para trabalhar com elas, como o trabalho de corpo.

Na Alemanha tive um pouco de informação e experiência, também terapêutica, vinculada a esse grupo feminista de trabalho com o corpo com as mulheres. Então eu vim a trabalhar com...

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J - Oficinas...

M - Oficina para nós é o espaço onde...

J- É como nós chamamos escritório... (risos).

M - Isso, isso oficinas... Com mulheres de setores populares, principalmente. E isto durou um ano e diante de tantos problemas com as instituições neste tempo, eu nunca fui institucional, não gostava das instituições. Sempre estive buscando uma forma de fazer uma inserção pessoal, laboral e política que se adequasse a mim. Então, eu trouxe da Alemanha a ideia de uma agenda para mulheres, que se chamava [incompreensível] e que tinha me dado muita identidade. Eu sentia que isso era um instrumento muito simples, mas que apoiava e aportava ideologias para as mulheres, o que eu considero absolutamente necessário. E...3 então eu comecei a fazer isso e inventei uma forma autossustentável que eu diria que não tem nenhuma consistência com... 4 Lhe incomoda que fume?

J - Não, não.

M - Obrigada. Bom, então eu comecei a trabalhar com agenda mulher... É uma pena que não tenho... No carro tenho... Quero dar-te uma deste ano. Então eu comecei através da Agenda a vincular-me com todo o mundo das mulheres. Eu cheguei da Alemanha, aqui, já identificada com o mundo feminista e era um lugar que gostava. Era como a minha casa. Eu diria era como a Morada, mas a Morada nessa época era muito diferente. Era uma casa aberta, aonde chegavam as mulheres, não tinham muitas estruturas. Era outra força. Ali era onde aconteceu a discussão entre a Morada e o Centro, o Centro de estudos. A Morada era como um espaço ativista. Eu cheguei a esse espaço... Eu gosto

3 N.R.: A entrevistada se afasta do local.

4 N.R.: Afastamentos e barulhos.

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de ativismo, sou ativista e... Bem, desde esse lugar eu me movia...então eu fazia meu espaço social feminista e laboralmente comecei a estruturar a este negócio da Agenda, com uma fórmula que me permitiu vincular-me e conhecer tudo o que existia sobre as mulheres. Eu recopilava tudo, de alguma forma na agenda e oferecia a todas uma troca, que elas ocupassem um espaço dela e comprassem alguns exemplares, e com isso eu financiava a produção da agenda. Isso me deu plena autonomia, então eu tive uma vinculação com todo mundo organizacional que existi a nessa época. Coisa que era muito interessante. Ou seja, um lugar que me permitia funcionar com plena autonomia, o que é pouco comum. Com plena autonomia, sem dependência com nenhuma instituição. Isso me permitia estar em todo esse es paço, vendo-o também. Isso eu faço até nos dias atuais. Isso me permitia aproveitar isso.

J - Então, você ficou durante um ano... Voltou à Alemanha...?

M - Não, foi em torno de um mês, um mês... Foi no ano de 84... Estava no programa voltar e trabalhar no projeto e fazer os contatos aqui. Voltei pra lá e postulei ao World University Service.

J - E vocês tinham filhos?

M - Eu tinha dois filhos, eu tenho dois filhos.5

M- Ok, o que Estava me perguntando?

J - Eu estava perguntando sobre quando você retornou e sobre seus filhos.

5 N.R.: Barulho, falas diversas, entra um tal de Gabriel.

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M - Dois filhos. Tinha um, nesta época um de seis e outro de quatro anos, uma filha e um filho, um ano depois, eu me separei. Então eu fiquei na situação difícil de mãe sozinha e restabelecendo-se em um país que passei 12 anos ausente e que havia mudado muitíssimo, porque o Chile em 12 anos mudou muitíssimo, tendo em vista as redes sociais e políticas, dos anos 73, já não se tinha mais nada. Então eu me recordo que nesse tempo quando eu voltei, já havia circulado, porque também necessitava arrumar espaços de trabalho e havia circulado vários meses, então nesse tempo eu tinha um pouco de apoio dessa bolsa do [incompreensível]. Circulando por diversos lugares este difícil espaço... Porque eu conhecia pouca gente e francamente não me sentia com vontade de trabalhar em nenhum desses lugares onde eu não pudesse transitar. Sem estrutura... Não sei. Eu necessitava também de um lugar um espaço laboral, remunerado, para financiar a minha vida e meus filhos. Bom, isso o fiz com a Agenda...

J - Fez isso com a Agenda?

M - Claro. Foi com esse sistema, enfim, foram iguais, em condições não demasiadas folgadas, do ponto de vista econômico, com bastantes restrições, mas, eu poderia virar perfeitamente.

J - Como foi sua recepção em a Morada?

M - Em a Morada... A Morada nessa época era a época de Margarita Pizzano que já devem ter ouvido falar sobre ela.

J -Nós já entrevistamos a Margarita.

M - É uma mulher muito interessante e muito problemática, ela tem seus dois lados. A Margarita tem algo encantador, brilhante, por um lado e, por outro lado, algo mais obscuro. Nesse tempo era difícil chegar à Morada, porque ela tinha que salvaguardar...

Era muito ciumenta, daquilo que ela e as pessoas com quem trabalhava, estavam

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realizando em Chile. Então, as mulheres que vínhamos de fora, nessa época, como várias que chegaram à Morada, tínhamos feito os nossos processos de ajustamento do feminismo para a nossa realidade e, por certo, que eram as nossas referências e queríamos recontextualizar-las em Chile. E, não sei, Margarita, quiçá sentia-se ameaçada, não sei, mas colocava muitos problemas. Com essa história de que as que vinham de Holanda queriam fazer assim, as que vinham da Alemanha, queriam fazer assado. Então, punha alguns obstáculos, de maneira que a gente não pudesse, fluidamente, aportar num processo coletivo que estava se acertando desde, não fazia tanto tempo no Chile, tampouco. Mas era um espaço natural, finalmente era um espaço natural para todas nós. Eu rapidamente me inseri em uma oficina, com o trabalho corporal, que é o que já vinha fazendo e... Bem, começamos a funcionar...

J - E você ficou na Morada... Até quando?

M - Não, mas eu não trabalhava na Morada... Eu comparecia a algumas atividades na Morada... Ministrei um par de oficinas, mas como freelance, completamente freelance numa época minha mais institucional... (risos).

J – E isto foi quando...

M - Em 2003.

J - Bem recente.

M - Exatamente. No ano 2003. Eu me encarreguei da coordenação da rede É uma rede que existe no Chile desde os anos 80, havia uma efervescência de grupo de mulheres, dos grupos de autoconsciência,

G - Por parte da Igreja...

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M - Sim, pela Igreja, mas eu nunca fui trabalhar com a Igreja porque não estive aqui nesse período.

J - Quando voltas-te já havia a separação.

M - Exato. Então e... Mas acima dos oitenta, esse movimento dos 80 teve, neste assunto da violência contra as mulheres, teve um dos seus ápices como na maioria dos feminismos. Então no final da década dos 80, quando começa um pouco a transição para a democracia, um pouco digo, pois foi um pouco antes ou um pouco depois, não sei exatamente a data. Ninguém a sabe tem gente que diz que começa em 91, tem gente que diz que foi no ano de 89... A verdade é que a rede... Essa foi gestada nos anos 80. Então a constituição oficial... Bem, não se sabe exatamente, mas é em torno dos anos 90, quando da época de transição, quando terminou a ditadura do Pinochet. Mas esse movimento veio antes, nos anos 80. Então essa rede que se estrutura nessa época engloba esses grandes temas que são a violência contra as mulheres, os direitos sexuais e reprodutivos, fez no Chile, uma é esta e a outra é o fórum rede de direitos sexuais e reprodutivos. É claro que deves ter entrevistado ao...6. Bem, esta rede, tem nessa época uma importância muito grande em colocar a democracia recente, que vinha chegando, a necessidade de abordar esses temas, de regulá-los través de legislações e de políticas públicas, então tinha uma demanda grande em direção à democracia e também uma colaboração, eu diria, muito estreita por parte de mulheres feministas que estavam articuladas nesta rede através das ditas instituições7 do Instituto da mulher, que fizeram propostas legislativas e participaram muito desse debate. Agora, aqui no Chile, como na maioria dos países da América Latina, se bem há uma demanda de mulheres contra a violência às mulheres, o que se consegue nas legislações, na política já é uma

produção de problemas, no espaço intrafamiliar e c om esse nome, difundindo quem é quem nessas relações. Então isso determina muito, a política também, das próprias feministas. Ou seja, houve uma grande mudança na época da transição à democracia, que é essa nova democracia que começa a colocar os parâmetros também da política feminista, na medida em que se produz também um [incompreensível] de pessoas que vão se incorporar às tarefas do Estado democrático e que são as que sabem dos

6 N.R.: Maria não lembra o nome do entrevistado. 7 N.R.: Entrevistada tosse.

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problemas das mulheres e bom, por um lado, que bom que elas podem estar aí, mas, por outro lado, também significou um enquadrar o feminismo, nos parâmetros de definir as políticas públicas e legislativas. Então, nos anos 90, diria eu que toda essa época existe uma grande baixa de um movimento com mais capacidade de proposta, com mais independência e mais autonomia. Então é isso. E... Onde estávamos mesmo?

J - Antes de passar para a Gloria. Você começou com essa rede e tem um momento em que você se vincula com agência de financiamento também.

M - Não, espera aí. Então a gente estava na rede. Isso acontece nos anos 90. Em 2003 eu entrei nessa rede. Nesse tempo essa rede é uma rede que funcionava e... Não tinha uma existência própria, jurídica, senão que era uma rede que se articulava nas ONG’s, principalmente. E as ONG’s faziam turnos e estavam muito vinculadas ou em consultorias ou apoiando o Estado. Então, a rede era muito funcional aos sentidos que as articulações de ONG’s, principalmente, lhes pudessem dar. Havia organizações sociais também, mas que não tinham um peso muito grande nas decisões. Agora, eu entrei no ano de 2003, eu tinha o defeito de vir totalmente de fora das instituições, e, portanto vinha com uma visão muito crítica com tudo o que acontecia ali. Então me pareceu que a rede tinha que conseguir certa autonomia com respeito às ONG’s que habitualmente estavam armando e desarmando articulações, que eram funcionais aos mesmos interesses, como o GIM, não se você já ouviu falar do Grupo de Iniciativa de Mulheres, várias articulações que funcionavam um pouco... Olhava para o Estado para às necessidades do Estado... pelas políticas públicas, mesmo. Pelas políticas

públicas para as mulheres. Mas, bem, digamos que aí existiam funções distintas, não é?

E que precisavam ser fortalecidas e nisso que estamos nós agora, não é? Então, no ano de 2003, nós fizemos uma personificação jurídica para a rede. No ano de 2004 já estava feito e isso permitiu que a rede começasse autonomamente, de forma independente, a optar por recursos financeiros. Agora a rede conta com poucos recursos. Não é fácil de conseguir recurso. Está absolutamente fora das prioridades do mundo social. Porque nós de alguma maneira trabalhamos no fortalecimento do movimento social e político feminista. Ou seja, é um movimento social das mulheres, com o olhar feminista. É no que estão empenhadas as atuais coordenadoras da rede. E isso está fora dos critérios de

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incidência política hoje. Hoje em dia o que se valoriza, muito mais do que incidência política, tem mais a ver com os lobbies parlamentares. Outras lógicas, outras dinâmicas, que por si só não conseguem lograr um nível de autonomia e de demanda feminista necessária. Porque nós apontamos outra estratégia de levantar o movimento feminista, de levantar movimento social das mulheres. Para ter uma maior capacidade de incidência política e de transformação das pessoalmente, eu sinto que as outras estratégias, lógica das dinâmicas do poder, não fazem muitas. Eu acho que faz uma transformação a larguíssimo para próprias mulheres. Ao menos, que se movimentam um pouco na transformações nas mulheres, ou seja.

J - O que não é suficiente, as transformações das leis.

M- Não é suficiente para nada. Uma coisa é o papel, outra é a implementação dela. As leis se aprovam sem financiamento, ou seja, muitos títulos se abordam, mas na verdade isso tudo é bem deficiente. Existe pouco o que se mostrar. Essa democracia em que vivemos está em divida com as mulheres. É um dos slogans que se tem relevantado, porque já se tinha levantado um tempo atrás pelo movimento, e agora nos estamos reposicionando, porque nesse período de lecionário, para a contestação é muito importante mostrar conquistas e dentro dessas conquistas estariam todas essas políticas das mulheres que são muito deficientes, realmente, muito deficientes, muito titular, mas com pouca relevância.

J - E desde então, tanto Gloria quanto Soledad, começaram por aqui nos anos, você com a rede e ela, no Chile, em 2003?

G - Sim coincidimos, olha só.

M - Claro, foi o ano em chegas-te o mesmo ano que me encarreguei da organização da rede. Estive um tempo muito curto onde ela trabalho... E eu não o identifico como a Morada. Porque a Morada não tem nada ver com a Mora da antiga, que era

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movimentista e bem feminista... A Morada de hoje em dia não. E ali existia um programa que era mais interessante, do ponto de vista feminista, que eu vivia numa corporação humana, a área de cidadania e direitos humanos. Aí chegou a Gloria e aí eu entrei também, e desde esse lugar eu comecei a trabalhar na rede.

G - E aí nós conhecemos e nos encantamos (risos) sim, sim.

J - E vocês começaram a trabalhar juntas, pois uma trabalhava com a rede e você...

G - Eu trabalhava na Morada de tarde. Mas eu cheguei porque, para mim era a experiência de como pensávamos, porque este encontrei, comecei a trabalhar na hora.

Quando eu cheguei ao Equador e comecei a trabalhar com as mulheres, eu comecei a me apropriar de uma própria consciência feminista e eu estava trabalhando nas Nações Unidas, na época. O que me reforçou uma lição do trabalho para o Estado, com as legislações, com políticas públicas e tudo isto. Mas eu sentia que as possibilidades de ação, que me dava esse espaço eram muito poucas. Ou seja, finalmente tu tinhas como interlocutor o Estado e se ele dizia que sim, aí eu podia fazer alguma coisinha, se ele dizia que não, então tinhas que organizar outras coisas, ou seja, éramos muito dependentes dos outros. E, em segundo lugar, porque a estrutura das Nações Unidas, as próprias agências têm uma estrutura muito rígida e muito hierárquica, quem é representante, diretor, diretora é quem determina as coisas. Ou seja, por exemplo, no caso da [incompreensível] igual se produzia mas eu trabalhava em programas regionais e me movia por toda a área andina então tinha mais liberdade de ação. Depois eu comecei a trabalhar na OPS, com questões de gênero, em Equador, e eu teria que convencer o representante de que valia a pena envolver-se em um tema específico. Entende-me? Um tempo quando eu cheguei, o representante era [incompreensível] era um jurista chileno e eu lhe disse: quero trabalhar direitos sexuais e reprodutivos, não somente violência, em questões de política pública, e quero fazer agora. E Patrício me disse: “nenhum problema, o único que te peço é que me digas o que vás fazer porque não quero aparecer no jornal amanhã sem que eu saiba”. Bom, isso durou um ano, ao ano seguinte, ele se aposentou e chegou outro representante, um veterinário colombiano muito boa gente, doutor Escobar, que me chamou e disse: “não

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quero ter problemas. Eu quero que minha representação seja uma xícara de leite porque daqui a dois anos vou me aposentar. Então esqueçamos a lei do aborto, dos direitos reprodutivos e se concentre na violência” Entendes, então é muito pouco o nível de manobra que você tem. Isso me significou, por assim dizer, que a experiência foi valiosa, eu aprendi muito e conheci muita gente da região, mas eu volto para o mundo das mulheres desses movimentos e me fui à oficina de comunicação mulher . E sinto eu que vivenciei um momento privilegiado dos movimentos de mulheres e feministas do Equador. Porque, a diferença de Chile, o movimento de mulheres é um movimento político, não é um movimento que funciona com base nas ONG’s ou que estivessem institucionalizados como acontece aqui. É claro que tinha ONG’s, mas tinham também organizações políticas dentro do movimento mulher. Então tinha-se a coordenação política das mulheres, o fórum político das mulheres, fórum político das mulheres do equatorianas, estava o movimento de mulheres dos setores populares, movimento de mulheres negras, movimento de mulheres indígenas. E nós montamos o movimento mulheres autônomas E tudo isso formava parte do Movimento Mulheres, não era a ONG´s que decidia esse caminho. E por uma experiência superinteressante, como muitos bons debates, nós casávamos e divorciávamos todos os dias, no sentido de que à luz desses debates haviam pontos de coincidências e de outros momentos que realmente tínhamos confrontações complicadas, mas finalmente tínhamos uma ação política. Por exemplo, a raiz do lésbico, dentro da organização as mulheres teve uma tensão que se produziu a raiz de um par de companheiras que decidiram ser um casal e isso dentro da coordenação política, que era mulheres todas vinculadas ao mundo dos partidos políticos e foi difícil manejar. E se criou uma situação que podemos catalogar como discriminatória. Este foi um tema de discussão dentro do movimento de mulheres.

Muitas confrontações e de exigências de que elas tinham que reparar essa discriminação. Havia espaço de discussão E, ao mesmo tempo, trabalhamos juntas com muita força, por exemplo, quando se constitui a primeira constituinte, em 1998, para reformar a constituição, houve uma discussão na qual estivemos todas mobilizadas.

Fora, dentro... Havia uma coisa muito forte. E quando eu chego no Chile, venho a buscar esse movimento, de alguma maneira, e chego à Morada , como disse Soledad, não era a Morada de antes era uma coisa superinstitucionalizada e não tanto feminista, realmente mais dançando com os requerimentos do Estado do que com os requerimentos da coisa movimentista. A primeira vez que eu fui a uma reunião no GIM, o grupo de iniciativa às mulheres e pensei “Puxa, eu vou ir”. Justo, vinha fulana que era

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não sei da onde... Vinha fulana que era não sei quem. Não tinha ninguém de nome próprio. Não porque uma fizesse pouco caso das instituições senão em termos de eu mesma como feminista, localizada nesse espaço. E... Foi também um golpe duro para eu trabalhar aqui, em termos de militância. Onde estavam as feministas? Quando vamos pra rua? Em Equador todos os dias saíamos para as ruas. Então me aconteceu um fato, eu vou ao escritório e escuto no rádio de que tinham decidido ampliaram o perímetro urbano de Santiago. Isso foi um horror porque ficávamos solícitos a contaminações quando ampliaram, aumentariam... Onde será a manifestação hoje dos ecologistas, porque o movimento ecologistas no Equador é muito forte. Estavam mulheres ecologistas liderando. E a gente se acha nessas lutas. Então pensei: hoje vou à manifestação ecologista à tarde. Onde será a marcha das ecologistas protestando? Todos ficaram me olhando (risos) e me disseram: olha Gloria, precisa que se presente um recurso constitucional para pedir ao tribunal constitucional... Ou seja, uma lógica superinstitucionalizada. Não somente da sociedade civil, senão... [inaudível] Então isto era uma institucionalização que recorre também ao Estado. E este é um país muito legalista. Então se não há uma lei... Um projeto de lei... A coisa não funciona... Grande.

Eu sentia que o trabalho que existia na área de cidadania era um trabalho interessante, os temas eram importantes, mas eu realmente sentia que não era a minha área. Aí nós conhecemos pela Soledad, que estava encarregada da rede. E a rede estava fazendo neste momento a primeira investigação de feminicídio, estava a Soledad e a Camila dentro e eu entrei também. E aí o espaço da rede foi a possibilidade de mover-se para uma coisa mais de movimento social, mais de mulheres enquanto tais, como atoras, quero dizer, na rua, nas demandas ao Estado, na interlocução com os outros movimentos sociais. Pelo menos eu sinto que meus atos têm mais sentido. E igualmente foi difícil chegar, primeiro, por essa coisa institucional, segundo, porque em 12 anos o país havia mudado muito. Também em 30 anos, era como chegar a outro país. E eu nunca me senti mais estrangeira do que aqui, juro que nunca me senti tão estrangeira como no Chile.

J – É no Equador?

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G - Na maior parte das gerências dos movimentos de mulheres. Gerência no sentido de estar metido todo tempo nas discussões e tudo o mais. E a mim nunca, ninguém me jogou na cara que não era chilena, nem de nenhum outro lugar. A mim me diziam: a gente sempre é primeira, do país onde a gente nasce e segundo do país onde [incompreensível] e mais, era até muito integrador. Em compensação aqui nada me perguntaram sobre o feminismo no Equador, nada me perguntaram sobre o feminismo na Colômbia, nada me perguntaram sobre o feminismo na Noruega. Então, eu devo dizer que no primeiro ano, pensei em ir embora porque eu não encontrava espaço, evidentemente tinha a parte de trabalho resolvida, a sobrevivência resolvida, além disso, minha filha já...

J - Em que trabalhava?

M - Eu trabalhava na área de cidadania. Ajudava na coordenação de um projeto regional para trabalhar pela ratificação do estatuto da corte penal internacional, participar da elaboração do [incompreensível] Tudo o que tem a ver com os direitos humanos das mulheres. O tema era interessante, mas eu sentia que não... Que o fazia e o fazia bem, acho que sou uma boa técnica, mas isso não me satisfazia. Estive um ano aponto de ir embora, estava pronta para ir. Mas eu disse: “não, tenho os problemas de sobrevivência resolvidos, ganho salário todos os meses, ganho bem”. Para o padrão chileno era um rendimento mais ou menos bom, mas... Era árido, precário, para se vincular com outras coisas. Mas afortunadamente, o trabalho com a possibilidade de trabalhar na rede no sentido de começar com outra perspectiva e de lutar... Sinto que abri um espaço dentro do grupo de mulheres feministas. Eu entrei de cabeça na organização do movimento feminista, em 2005, depois de 10 anos. Eu diria que foi aí que aconteceu, em 2005, no encontro feminista a Soledade estava lá. Fui chamada para administrar a plenária de encerramento. Foi bem simbólico para mim, como Marisa Madamar. Marisa era uma feminista de longa data. A Marisa eu conheço de muitíssimos anos, porque ela fazia parte da luta da resistência no Chile e eu a conhecia neste contexto. Politicamente éramos afins. Então gerenciar com ela a última plenária do encontro feminista, era como contar a trajetória da esquerda e da revolução ligada ao feminismo, encerrando um encontro com feminista chileno. Foi uma coisa superpotente. Dissemos tchau, eu fui para o canto e comecei a chorar. Porque foi nesse momento, que eu senti como se

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tivesse posto os pés neste país. Porque foi difícil vir de uma experiência em busca de ações distintas e encontrar-se com algo tão estruturado, burocrático. E, ademais, não é uma coisa fácil chegar aos 30 dentro de um país, ainda se tem uma certa possibilidade [incompreensível]. Quando se chega a quase 50, as redes estão armadas, as tranças estão armadas, então estruturadas em uma vida muito definida e os nichos laborais muito armados aí não te deixam entrar pela competência, de nenhuma maneira. Por exemplo, eu já tentei ser consultora freelance, que fui no Equador. Eu tenho bom currículo e fui consultora para várias agências, aqui consegui nada. Ou seja, acho que ninguém ficou sabendo porque, já vi que as que são consultoras das Nações Unidas.8 Então, dessa experiência que para mim foi difícil de encontrar um lugar. E na rede foi superimportante encontrar essa possibilidade de ação e de ir abrindo espaços de discussões e debates com mulheres de outras redes, do fórum da luta feminista... Mas tem que lutar por isso também. Não é um país fácil. Não é.

GF - E mesmo as chamadas “Sueltas”, tem institucionalizado a si mesmas?

G - Os grupos das mulheres “Sueltas” Aqui?

GF - As feministas “Sueltas” que teriam uma crítica a hierarquização do movimento e de coisas assim.

G - Com quem você falou deste...

GF - Não sei, Eliana falou um pouquinho, mas não dissertou muito sobre isso, mas é uma coisa de imaginação, eu acho que muitas têm sofrido críticas.

M - Eu creio que na América Latina e no Chile há um processo que esteve nos encontros feministas e que provocou crises e tem a ver com as institucionalizações da

8 N.R.: Fala muito rápida e confusa.

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democracia, que passa pelos movimentos sociais e pelo feminismo e que tem nos encontros feministas latino-americanos e do Caribe, e tem a expressão precisamente nos encontros realizados no Chile, em Cartagena, em 91 ou por aí. Então se produz uma grande ruptura no feminismo latino-americano e onde, quero dizer, a ruptura foi antes, e se expressa finalmente nos encontros, principalmente implementados pelos setores de contraposição à institucionalização do movimento. [1h e 7min] Ou seja, ocorreram todos esses processos de [incompreensível] de incorporação de feministas... Ou de instalação dos conteúdos feministas através das Nações Unidas, por essa linha de trabalho em direção ao governo, por políticas públicas e... E, por outro lado, a crítica de um grande setor do movimento feminista que se nega a entrar nesta dinâmica e nesta lógica de uma maneira um tanto dependente. Aí se produz uma grande ruptura, uma grande ruptura que, a meu ver, expressa, ou seja é a expressão de algo que estava ocorrendo, mas que demasiadamente manteve uma dicotomia que não admite ir adiante nesse debate porque se polariza demais, algo que tem muito mais do que... Tons, semitons, cinzas... Isso ocorre aqui no Chile também e tem uma expressão. E grupos feministas que são radicais. Radicais entre aspas, porque eu sinto que sou igualmente radical. Eu que trabalho nos limites da institucionalidade, para eles, eu sou muito institucional. Então eu reconheço que elas têm certa... Essa coisa de não ter pelos na língua, de serem mais audazes, não ter compromisso com ninguém... Nós que estamos aqui também não temos compromisso com ninguém. Somos talvez menos ousadas, mas nós somos também radicais no que queremos, finalmente. Ora, eu creio que aí há um atrito com institucionalidade, que não se resolve... Que não tem abordado e que é política, é de conteúdo, é econômica, é de classe, porque também no movimento feminista há um grande problema de classe, que nunca tem sido abordado como tais, e que de alguma maneira, desde onde nós estamos abordando, desta rede, se manifesta muito, porque, claro, estamos trabalhando com as mulheres dos setores populares, com as organizações dos setores de mulheres populares e ficaram fora dos critérios de incidência e, portanto, ninguém mais as considerou, nem um pouco.

G - Somente quando precisam encher um ônibus para ir ao parlamento. Necessitamos de mulheres para aprovar um projeto de lei e, então, se procura mulheres dos setores populares, mas como sujeitos sociais...

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M - Eu não sei se você pretende ir ao encontro feminista no México?

J - Eu pretendo.

M - Eu também. Nós pretendemos também...9 Nós igual... Olha, há uma pergunta na 17

“se considera feminista ainda hoje?”, “Eu me considero feminista hoje, ontem, e creio que, se não houver algo errado que aconteça, continuarei sendo.” E o que significa isso? De um ponto de vista político, nós nos interessamos, digo nós, para a equipe que trabalhamos nesse projeto da rede chilena, que tem uma história nesse projeto, uma história grande. Há uma trajetória. Não é um projeto de algo que estamos pensando...

mas algo que existe. Mas o que nós estávamos tratando, é de articular um discurso feminista que integre realmente, através do tema da violência, todos os aspectos que ainda são fragmentados, pela política pública, pela institucionalização, por uma série de fatores. Nós nos empenhamos em articular um discurso que chegue ao fundo dos problemas de discriminação. E como nós... através dos assuntos de violência contra as mulheres em seus lares, podemos ir abarcando e estabelecendo as conexões entre as diferentes manifestações das violências que se dão não só através de agressão física, não só nos espaços familiares, que é o que propõe a política estatal, a política governamental. Então desde esse lugar funcionamos. É muito difícil, é muito difícil.

Nós estávamos tratando de rearticular todas as regiões, com pequenos fundos que... Sei lá... Da secretaria geral do governo, uns fundos para fortalecimento das organizações sociais e nos dois últimos anos podem fazer reuniões de rearticulações e fortalecimento das organizações que existem para colocar o debate político. O chamamos de repolitizar os problemas políticos de violência contra as mulheres. É difícil, a maioria... Muitas das organizações de mulheres que vem do mundo do feminismo, algumas delas, adotaram as nomenclaturas ou as categorias que funcionam as políticas públicas, portanto são coletivos “vi”, coletivos da violência intrafamiliares. Carta de atenção “vi”, tudo assim... Então esse é u m problema muito sério. É um problema sério, pois não há uma contrapartida que faça contrapeso. É um movimento desestruturado, e um movimento fraco. Então, nós estamos a tratar, assim como Quixotas, de rearmar o movimento, de introduzir o debate político. Infelizmente, não conseguimos, por deficiências nossas,

9 N.R.: Falas cruzadas.

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mas também pelo pouco interesse também pelas demais, porque há distintas estratégias de mover-se no mundo, não temos conseguido envolver as ONG’s, por exemplo, as ONGs que funcionam em essa outra lógica: de consultoria ao Estado. Envolvê-las no debate, não temos conseguido. Como já disse, nós trabalhamos com mulheres principalmente, dos se tores populares, organizações locais ou muita gente que trabalham na atenção aos problemas da violência.

G - Há uma lógica de... Nós somos uma articulação do movimento de mulheres, acho que essa é a nossa identidade essencial.

M - Com uma proposta feminista, porque as...

J - Com uma perspectiva feminista...

M - As coordenadoras atuais somos todas feministas e movimentistas. Outra coisa poderia ser se não estivéssemos aqui.

G - Exatamente... E desde ai, nós propomos, articulamos, conversamos, debatemos com esta função movimentista. Os problemas com as ONG’s é que, falando principalmente com as ONG’s de mulheres, que tem se especializado muitíssimo, que são as organizações não governamentais que tem uma alta qualidade técnica, é inegável, me entende, Há pessoas que se você lhes diz: amanhã temos que elaborar um projeto de lei sobre a AIDS. Amanhã, na primeira hora da manhã você vai ter um projeto de lei impecável... Que vai apelar às convenções, aos compromissos do Estado, os atos e situações no Chile. Quer dizer, tecnicamente impecável, mas que não tem nenhuma vinculação, nem nenhum interesse em criar movimento s como os nossos. Entende?

Nessa perspectiva fica muito difícil vinculá-las ao debate, porque não se define como movimentistas... Somente quando... No momento de conseguir fundos e pertencer aos movimentos de mulheres... Aí todas dizem pertencer à rede.

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M - Todas acreditam pertencer à rede, porque isso lhes permite... Claro...

G - Exato porque [ncompreensível] interlocução. Mas , no cotidiano e como eu me coloco nesta coisa ...efetivamente não é assim. Somente na hora do ônibus para apoiar a aprovação de um projeto de lei no Congresso, me entende? Aí é uma situação meio complicada...

J - Fica um pouco clientelista?

M - Clientelista. E isso se reforça, desde uma política de Estado, que não tem nenhum interesse em criar outra forma de participação cidadã nem fomentar as ações sociais. E isso também forma parte do contexto em que nós movemos. Ou seja, aqui, como movimentos sociais para fazer as interlocuções com o Estado, nos toca quebrar coisas, para que sejam reprimidas. Olha só, os Mapuchi, par a lograr conseguir alguém que vá à Araucária dialogar com eles, precisam fechar a estrada, e parar vários ônibus de turistas que vão para o sul, aí, sim, se torna um problema d e Estado Nacional. Os estudantes secundários, para colocar em discussão a lei da educação que herdamos da ditadura.

Tiveram que mobilizar um milhão de garotos e garota s a nível nacional. E a nós, quando, para mover a anticoncepção de emergência, começamos a trabalhar... Éramos cinco, éramos dez... Na frente ao tribunal constitucional tratando de fazer público... O terror do que estava sendo discutido no tribunal constitucional. Havia um cerco informativo brutal. Sabe quando aparecemos? O dia em que fechamos a rua contra o tribunal constitucional e os [incompreensível] Esse dia... Entende-me? Então você também tem pelo Estado um não reconhecimento e nenhum interesse... Absoluto, em fortalecer esse movimento social. E se não formas p arte dos partidos políticos, então não existes.. Então são todos elementos que tencionam também as discussões internas e que também criam contradições que são falácias. Como, por exemplo, isto das autônomas e das institucionais, porque as autônomas, então, neste cenário, se colocam

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absolutamente fora, a ponto de nós entendermos que não há nenhuma possibilidade de interlocução com o Estado ou com outras que se vinculam ao Estado. Entende-me? Olha que, em princípio há análises como é o caso de Margarita Pizano. A Margarita tem uma análise política que para mim são muito acertadas. Mas quando nos chega o momento do que fazemos, para ela qualquer coisa que se faça reforça o sistema patriarcal... Então não podemos fazer nada... Isto nos coloca em um lugar impossível. Então eu penso que nós estamos em um lugar interessante, potente, mas, ao mesmo tempo, complexo.

Complexo porque temos a possibilidade de interlocutar com as “Sueltas” como se lhes chama ou as que estão por fora...

GF - Não, não sou eu...

M - Então temos a possibilidade de interlocutar de uma maneira externa... Mas a Margarita Pizzano não convoca ninguém hoje em dia. Ela é um personagem.

Interessante, sua casa é linda, suas fotos, sua história... Mas ela não convoca a nada.

Sempre esta rodeada de quinze moças jovens que depois se afastam porque se entediam com seu discurso ideológico muito simples, então vem outras quinze, e assim... Então politicamente não tem significado.

G - Ao qual se analisa uma coisa interessante, mas está tão fora que é difícil encontrá- la. E temos a possibilidade de dialogo com as institucionais, mas as institucionais nos vem a nós, como articulação de movimento de mulheres, como... E.... Necessárias mas Oxalá evitá-las. Neste dia 5 de outubro comemoraram-se os 20 anos do plebiscito, nós propomos..., desde a rede com as que compartimos uma posição, de ir ao ato oficial, que estava propondo a Concertação no Estádio Nacional mas estar fora, não dentro. Por que a Concertação chamou a fazer um ato de alegria pelo plebiscito. Então nós dizemos que efetivamente reconhecíamos o plebiscito como resultado também da nossa própria luta.

Para mostrar a democracia a muitas mulheres. Então vamos estar lá fora dizendo... Que aconteceu com a questão do aborto, com o anticoncepcional de emergência o que aconteceu com a participação política, o que aconteceu com o salário, blá, blá, blá. Isso criou uma tensão com as institucionais. De fato se estivéssemos encima das

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convocatórias são somente mulheres movimentistas ou organizações mais vinculadas ao movimento. Porque aquelas que estão vinculadas às ONG´s que são a contraparte do Estado, através da consultoria ou dos partidos políticos. Este é um ponto de ruptura...

M - Não estão dispostas a falar do aborto. O aborto terapêutico, se é que é aborto terapêutico... O aborto como direito à soberania dos corpos das mulheres. Está fora do discurso... Tampouco dispostas a participar de nenhuma aliança que promova isso.

G - E aí nesse momento se pensa na outra militância, que passa a primar pelo ser socialista ou da consultoria do Estado, frente às demandas do movimento. Agora, você pode dizer que o movimento feminista é um movimento que agrupa feminismos, então isso é algo que portanto temos que conviver. O grande problema é que não temos espaço de debate, onde pelo menos...possamos nos jogar pratos na cabeça. (risos) Onde pelo menos possamos dizer: saibam que temos posturas diferentes. E isso é um grande...

Que teremos como movimento. Ou seja, termos lugares de debates, de diferenciação e também de encontro.

GF - Rosalba disse isso também...

J - Nós fizemos uma entrevista com Rosalba também e ela disse algo muito semelhante ao que vocês falam.

M- Agora, não temos espaços de diálogo com a Rosalba. (risos) Não temos nenhum espaço de diálogo. E elas fazem coisas muito interessantes, mas elas estão... No que elas estão: nas suas investigações...

J - Ela considera que faz as duas coisas: investigação, mas que também há a atividade de militância e pensa que é necessário fazer as duas coisas.

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G - Hum...É difícil...Isso nos implica também em termos de nossas próprias demandas como setor discriminado... Uma dificuldade de articular a coisa. Entende? Nós falamos de violência, ou falamos de participação política, ou falamos de aborto.

M - Isso também é um grande problema que se gerou nos anos 90 com a volta da democracia. Eu creio que aí nasce, quando se estabelece essa estrutura de redes, se fragmentam absolutamente os discursos das mulheres, porque se pensa nos temas. Não é? Os temas, direitos sexuais e reprodutivo, que são para dar respostas, em concreto, à instalação de tal ou qual política pública. Isso não é responsabilidade...

J - Eu penso que... Bom, não sou eu quem está dando a entrevista, mas eu penso que isto que vocês falam há em todos os países quando o inimigo principal, a ditadura, por exemplo, desaparece e começa a democracia. Os homens retornam, por suposto, de onde estavam antes e a movimentação que havia para o inimigo comum e aquelas pessoas que lutavam. E que as mulheres atuavam, porque os homens não podiam.

Porque a política comum não podia. No Uruguai é muito forte. Antes da democracia, as mulheres estavam na rua. Os homens não estavam. As mulheres nas ruas e os homens nos becos. Elas falam isso. Então, quando a democracia vem, as mulheres vão às suas casas e os homens vão a política, então isso parece que se repete na história. A Revolução Francesa fez isso. A Revolução Comunista faz isso. Várias.

M - As mulheres vão trabalhar enquanto os homens estão na guerra...

G - A gente vê isso também depois dos períodos de guerra. Há filmes muito bons sobre isso, onde as mulheres estão na frente, voltam eles da guerra e... “foi e muito obrigado”.10

J - Isso é muito comum. Agora, como parar com esse movimento que se repete na história?

10 N.R.: Falas cruzadas.

(37)

M - Certo. Agora, se você olha o que poderia ser uma saída o espaço deste fenômeno. O tema da paridade. Sim? Porque supostamente se chega com a intenção de instalar um governo paritário. Ou seja, um primeiro movimento que põe tanto mulheres como homens no mesmo peso.

J- Internacionalmente isso foi muito bom. No Brasil, tivemos muita... Inveja de vocês...

(risos)

G - Durou uma primeira ronda. Muda o gabinete e se acabou.

M - Sim. E o assunto não significa nada mais. Entendes? É a política do titular. Com isso, já temos resolvido o problema. Somos famosos internacionalmente. Tivemos a primeira mulher presidenta, com um ensino, agenda muito progressista, a paridade, a participação cidadã... Mas... Nada disso resultou... Há que analisar outras coisas que tem a ver com a lógica da política, mas nos leva ao ponto de como quebramos esse assunto em que as mulheres vão para o público quando são necessárias e logo voltam às suas casas, porque na verdade não são tão necessárias... Eu creio que aí há muitos fatores que pensar na política titular.

G - A [incompreensível] de fora porque quando a mulher vá a Chile... Disse que ia fazer um gabinete paritário dentro dos partidos políticos da Concertação... Bom e a paridade até onde vai chegar? ... Vai chegar aos Ministros ou ministras? Ou vai descer ao nível dos seus secretários ou vai seguir a cargo dos postos médios? E aí, o nível de resistência, que foi produzido, dentro do aparelho do Estado e dentro dos próprios partidos políticos da Concertação foi brutal. Isso tem afetado a Bachelet [81min35s] um monte. Eu sinto que... Eu à Bachelet, eu sou uma mulher que admira e que respeita a presidenta da república, mas percebo grandes diferenças também, ou seja, também tenho muitas críticas, com muitas coisas de discussão. E sinto que tem sido o inimigo

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fundamental dela em toda sua gestão, são seus próprios colaboradores partidários.11 Mudança... Tem sido brutal.

M - Parece-me que nós estamos nisso... Logo tenho que ir embora... Creio que será minha última intervenção. Nós estamos numa campanha de articular uma campanha, que não quero vincular com o que estamos conversando, que se chama “Cuidado, o machismo mata”. (risos) Uma campanha que estamos a trabalhar um material para que tu leves... E... O slogan é brilhante, não é da nossa autoria é de uma espanhola que se chama Angeles Álvares. A conheces?

J - Não.

M - É uma mulher que está no município de Madrid... Mas é uma feminista e isto é genial, o slogan “Cuidado o machismo mata” é genial. Então vinculamos a história do feminicídio e na Espanha foi utilizado na citação da lei integral contra a violência. Nós o usamos para a questão do feminicídio. Nós temos realizado estudos sobre o feminicídio, denunciando a morte das mulheres... Então nós planejamos nestes últimos tempos uma campanha de três anos com este slogan: “Cuidado o machismo mata” na primeira parte, que foi em 2007, que foi muito visto, tivemos muito êxito com a campanha, logramos arrecadar poucos recursos, mas mais do que o costume. Então fizemos muitos banners grandes, os colamos em todas as cidades, começamos a trabalhar em rede e nos preocupamos a trabalhar com uma articulação que vai a todo país, não somente em Santiago. Temos logrado e avançado nesta articulação nacional. A campanha denunciava principalmente o feminicídio no Chile, fizemos uma contagem através da imprensa porque não existem registros oficiais, e... Das mulheres assassinadas, constatamos que eram mais de trezentas, entre 2001 e a metade de 2007, é bastante, não é? É bastante.. Mais de 300 mulheres. Bom, o primeiro ano foi visibilizar o feminicídio. Tivemos muito eco, o governo tentou se apropriar o máximo que pôde de tudo isto, ou seja, não se deu nenhum crédito à sociedade, ou seja, aos movimentos

11 N.R.: Falas cruzadas.

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