Lnec/jdr
Ciência e prática em conservação e restauro
J. Delgado Rodrigues
Laboratório Nacional de Engenharia Civil Lisboa, FAUL 2007
Assumo que está implícito no tema que: • A ciência é feita por: cientistas,
• A conservação e restauro é feita por:
conservadores-restauradores,
• Proponho então reflectir sobre:
– Que campos são esses,
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•
Na prática,
• Importa procurar entendimentos e perceber como realizar convergências no campo de intersecção das competências,
• Onde o objecto cultural é eixo, baliza e determinante ético comum.
Na teoria, precisamos entender:
• Qual o lugar do cientista em conservação (“conservation scientist”), • O papel do conservador-restaurador,
• Os conhecimentos científicos
• A experiência prática. Os instrumentos do diálogo são:
Lnec/jdr Comecemos com algumas definições:
À volta de uma nova definição de restauro Segundo Giorgio Bonsanti:
Restauro é uma actividade que tem como objectivo a transmissão para o futuro de um bem cultural, de forma a manter a sua
existência e assegurar a sua fruição, com respeito pela sua identidade específica (soma da sua originalidade mais integridade) dentro de um projecto multidisciplinar de conservação.
O restauro consiste numa operação material que requer um treino profissional específico, a obter através de um processo de formação dedicado, de modo a fornecer capacidades adequadas, quer de programação, quer de realização manual de uma
Lnec/jdr Por sua vez, de um seminário do ICCROM saiu esta definição para
“conservation scientist”:
Um “conservation scientist”, hoje, pode ser definido como um cientista com um grau numa disciplina das ciências naturais, da física e/ou das ciências aplicadas, com conhecimentos adicionais em conservação (ética, valores culturais …) que o habilitam a contribuir para o estudo e conservação do património cultural, integrado numa equipa
pluridisciplinar.
Tendo em conta que o objectivo é o objecto cultural, como se articulam os papéis destes actores?
Lnec/jdr Uma intervenção de conservação é uma actividade complexa, com uma multiplicidade de:
– etapas, – de exigências, – graus de dificuldade,
E…
Com diversos actores relevantes.
Analisemos as várias etapas de uma intervenção de conservação,
Para vermos onde se encaixam os actores e onde convergem os respectivos domínios de competência.
Lnec/jdr A- Pre-diagnóstico,
B - Diagnóstico,
C- Definição de um conceito de conservação (para usar como suporte das acções),
D- Identificação dessas acções (nos aspectos científicos e tecnológicos), E- Elaboração de um plano de intervenção (i.e. a forma de materializar a
intervenção),
F- Selecção dos operadores,
G- Elaboração de um plano de execução, H- Realização das acções.
Com alguma latitude concordaremos que uma intervenção, pela sua complexidade, tem (ou deve ter) um certo número de etapas-tipo:
•
E quais são os actores?
Empreiteiro (conservador-restaurador)
H- Realização das acções.
Empreiteiro (conservador-restaurador)
G- Elaboração de um plano de
execução,
Autoridade / responsável pelo sítio
F- Selecção dos operadores,
Arquitecto, …
E- Elaboração de um plano de
intervenção
“Conservation scientist”+…
D- Identificação das acções
Autoridade e/ou consultor da autoridade sob a sua responsabilidade
C- Definição de um conceito
de conservação
“Conservation Scientist”, Arquitecto, Engenheiro de Estruturas
B - Diagnóstico,
Historiador de arte, Arqueólogo, Arquitecto, “Conservation scientist”, Conservador-restaurador
Lnec/jdr • Enumerar o conteúdo de cada etapa, ajudará a perceber a
multiplicidade, mas também os pontos de interacção.
• Amostragem,
• Caracterização mineralógica e petrográfica,
• Caracterização dos materiais (pedra, argamassas, rebocos, etc.),
• Análise da estabilidade e dos riscos sísmicos,
• Interpretação dos processos de degradação (e análise de danos),
• Elaboração dos respectivos relatórios.
B - Diagnóstico,
• Registo fotográfico,
• Levantamento arquitectónico,
• Investigação arquivística,
• Cartografia do estado de conservação,
• Cartografia de materiais,
• Elaboração dos respectivos relatórios. A-
Lnec/jdr • Ter em conta os factores do ambiente,
• Definição, execução e interpretação de testes de campo, • Selecção dos materiais a usar,
• Definição dos procedimentos de implementação das acções, • Estabelecer uma sequência hierarquizada das acções, • Antecipar as interacções entre procedimentos, • Elaboração dos respectivos relatórios.
D- Identificação
das acções
• Identificação dos objectivos, gerais e parciais, • Identificação das acções a evitar,
• Ter em conta a sociedade civil, • Ter em conta a comunidade científica,
• Ter em conta as repercussões sociais e culturais,
• Ter em conta as dinâmicas naturais e humanas do território, • Deve prever um faseamento da intervenção,
• Elaboração dos respectivos relatórios.
C- Definição de
um conceito de conservação
• Ter em conta a composição das equipas, • Considerar a disponibilidade de operadores,
• Considerar os equipamentos, os instrumentos e as metodologias
propostas,
• Considerar os custos,
• Considerar a produção de documentos, • Elaboração dos respectivos relatórios.
F- Selecção dos
operadores,
• Identificação das necessidades logísticas,
• Ter em conta interferências com outras acções no sítio, • Identificação das competências necessárias,
• Planeamento da sequência e da hierarquia de acções, • Elaboração de um plano geral de segurança,
• Elaboração dos respectivos relatórios.
E- Elaboração de
um plano de intervenção
Lnec/jdr • Respeitar o plano de intervenção,
• Respeitar o plano de segurança, • Interacção com o responsável do sítio, • Registar todas as acções empreendidas,
• Complementar a cartografia do estado de conservação, • Preparar um relatório pormenorizado da Intervenção.
H- Realização
das acções
• Constituir uma equipa com composição adequada,
• Garantir a disponibilidade dos equipamentos e instrumentos de
trabalho necessários,
• Eleger metodologias de acção apropriadas, • Preparar um plano de gastos detalhado, • Elaboração de plano de segurança específico, • Definir um plano de produção de documentos.
G- Elaboração de
um plano de execução
Na primeira das etapas, o Pré-diagnósticoaparece-nos um primeiro exemplo de interacção entre a ciência e a prática:
• A cartografia do estado de conservação, que é uma etapa-chave das intervenções…
Lnec/jdr Identificação e caracterização das anomalias…
• A
• .
.
LEGENDA desagregação/pulverização/ erosão diferencial arenização estado de conservação - 2 depósito acastanhado depósito peliculardepósito de outro tipo
eflorescência
mancha
… cartografia!
• Mas se neste item ciência e prática se podem posicionar em continuidade e complementaridade…
Definir executar
Lnec/jdr Tomemos o caso da etapa-tipo:
D: Identificação das acções
• Ter em conta as acções do ambiente,
• Selecção dos materiais a usar,
• Definição, execução e interpretação de testes de campo, • Definição dos procedimentos de implementação das
acções,
• Estabelecer a sequência hierarquizada das acções, • Antecipar as interacções entre procedimentos, • Elaboração dos respectivos relatórios.
Etapa D: Identificação
das acções
• Porquê estes e não outros…
Lnec/jdr
• Ter em conta as acções do ambiente, • Selecção dos materiais a usar,
• Definição, execução e interpretação de testes de campo,
• Definição dos procedimentos de implementação das
acções,
• Estabelecer a sequência hierarquizada das acções, • Antecipar as interacções entre procedimentos, • Elaboração dos respectivos relatórios.
Etapa D: Identificação
das acções
• Os objectivos, os procedimentos, a interpretação…
• Mas em estreita relação com a praxis (o que deles se extrai ...).
• Ter em conta as acções do ambiente, • Selecção dos materiais a usar,
• Definição, execução e interpretação de testes de campo,
• Definição dos procedimentos de implementação das acções,
• Estabelecer a sequência hierarquizada das acções, • Antecipar as interacções entre procedimentos, • Elaboração dos respectivos relatórios.
Etapa D: Identificação
das acções
• Que devem respeitar exigências definidas pela ciência …
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• Selecção dos materiais a usar,
• Definição, execução e interpretação de testes de campo, • Definição dos procedimentos de implementação das
acções,
• Estabelecer a sequência hierarquizada das acções,
• Antecipar as interacções entre procedimentos, • Elaboração dos respectivos relatórios.
Etapa D: Identificação
das acções
• Que os dados científicos recomendam …
• Mas que a prática tem que viabilizar.
• Ter em conta as acções do ambiente, • Selecção dos materiais a usar,
• Definição, execução e interpretação de testes de campo, • Definição dos procedimentos de implementação das
acções,
• Estabelecer a sequência hierarquizada das acções,
• Antecipar as interacções entre procedimentos,
• Elaboração dos respectivos relatórios.
Etapa D: Identificação
das acções
• Com base nos conhecimentos científicos …
Lnec/jdr A intervenção na Porta
Especiosa, como ilustração
Algumas notas sobre os procedimentos:
• Diagnóstico
– A informação obtida pelos métodos tradicionais, – O contributo do DRMS
• Definição do conceito
– Um workshop internacional, com a sua ineficácia,
– A tese de Neda Bakshandegi, como esforço não aproveitado, – A tradição de … ir fazendo,
• Identificação das acções
– A intervenção-piloto como paradigma da ligação ciência/prática • Plano de execução
– Tendo agora o C-R como actor principal,
– A selecção de metodologias de acção apropriadas, foi sua
responsabilidade primeira,
– A realização prática da consolidação foi decidida em interacção, – As argamassas de injecção foi uma pesquisa conjunta.
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Alguns dados e comentários:
O material pétreo:
Calcários, por vezes levemente argilosos
Lnec/jdr • Calcários da região de Ançã-Portunhos;
• Porosidade = 10 a 14%
• Resíduo insolúvel(na variedade argilosa)= 9 a 13%
• Expansibilidadepode chegar a 10-3(=1mm/m) (estimada a partir do resíduo insolúvel);
• A extensaescamação da superfície e a profundafragmentaçãode alguns blocos são a consequência directa da grande capacidade de expansão que a componente argilosa induz.
Os problemas principais:
– Infiltrações generalizadas em todo o portal,
– Danos extensos e intensos por pulverização, descamação e fragmentação,
– Crostas negras,
– Possível presença de tratamentos antigos,
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Os resultados do DRMS e suas implicações práticas
Primeira situação: • A degradação em profundidade. Block - 2WA 0 10 20 30 40 0 5 10 15 20 25 De pth [mm] Fo rc e [ N ] hole 1 hole 2 hole 3 hole 4
Lnec/jdr Block - 3WI 0 10 20 30 40 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Depth [mm] Fo rc e [ N ] hole 1 hole 2 hole 3
Duas conclusões principais e duas dúvidas importantes:
• Primeiro, verificou-se que uma fina camada pulverulenta assentava directamente sobre o substrato quase “são”,
• Dúvida 1ª:seria possível consolidar esta camada pulverulenta com não mais de 1 mm de espessura?
• Em termos práticos, isto seria virtualmente impossível;
• Segundo, a extensa fracturação em profundidade mostrava que existia risco de colapso nesses blocos,
• Dúvida 2ª:seria possível consolidar estas fracturas a grande profundidade?
• Não seria possível consolidar partindo da superfície,
• Desse modo, apenas com acesso directo a estas fracturas tal seria viável.
Lnec/jdr Segunda situação:
• As “crostas negras”
Aparentemente, os pormenores encaixam bem no modelo, mas a unformidade da superfície levantava dúvidas.
Lnec/jdr O DRMS mostrou que isto era mais do que uma crosta negra tradicional!
0 10 20 30 40 50 0 5 10 15 20 25 30 Depth [mm] Fo rc e [ N ] Block - 6EO hole 1 hole 2
• Em termos da prática, estes resultados mostraram que: • A crosta superficial endurecida vinha criar dificuldades ,
• Nomeadamente pelo efeito de barreira que constituiria, caso um tratamento fosse encarado,
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• Quer em áreas suspeitas,
• Quer em zonas aparentemente limpas. O passo seguinte procurou:
• Identificar outros tratamentos antigos:
• Ficou demonstrado que:
– As áreas suspeitas tinham de facto sido consolidadas;
4WM 0 5 10 15 20 25 30 35 40 0 5 10 15 20 25 Depth (mm) Fo rc e ( N )
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• Mas também as que estavam aparentemente limpas!
Block 9WQ 0 5 10 15 20 25 30 35 40 0 5 10 15 20 25 Depth (mm) F o rc e (N ) hole 1 hole 2
Parece razoável concluir:
– Que todo o portal foi consolidado,
– Mesmo as áreas em bom estado de conservação,
– Que a consolidação não foi capaz de conservar as superfícies que mais necessitavam de ser preservadas,
Lnec/jdr • A zona superficial degradada era muito fina e sem transição para o
substrato mais resistente,
• Por isso, foi decidido que não seria efectuada nenhuma consolidação superficial.
As fracturas profundas não poderiam ser consolidadas a partir da superfície,
• Com a colaboração do C-R, foi solicitado à firma Techno Edile Toscana o desenvolvimento de uma argamassa especial para este fim específico, • A argamassa tinha um aglomerante de base hidráulica e inertes leves e
deformáveis,
• Que foi aplicada com seringas e bombas peristálticas nos blocos mais fragmentados.
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• Outras acções de conservação:
• Eliminação da biocolonização com aplicação de biocida, • Refechamento das juntas degradadas,
• Colagem dos fragmentos soltos, • Consolidação dos blocos fracturados, • Drenagem da água das chuvas,
• Protecção das superfícies horizontais com uma placa metálica, • Aplicação de um sistema anti-pombos,
• Limpeza das superfícies com métodos “a seco”, • Limpesa a laser nas superfícies mais valiosas, • Documentação dos trabalhos.