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XVII SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS DA UNAERP - CAMPUS GUARUJÁ

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Academic year: 2021

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XVII SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS

DA UNAERP - CAMPUS GUARUJÁ

De ilha agrária à cidade balneária: povoamento e transformações no processo de formação do município de Guarujá (1893-1934)

Wendel Alexsander Dalitesi Costa¹;

¹ Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, São Paulo, Brasil. Historiador, Professor e pesquisador voluntário no Projeto Educafro / Núcleo de Estudos Indígenas e Afro Brasileiros da Unaerp - Campus Guarujá.

wendeldalletezze@gmail.com

Este simpósio tem o apoio da Fundação Fernando Eduardo Lee

Linha de Pesquisa: Multidisciplinar Formato: Artigo

Apresentação: Oral RESUMO

No período colonial e imperial do Brasil, o território onde hoje se instala o município de Guarujá, no litoral paulista, era ocupado por unidades produtivas que se estabeleciam em seu entorno. Contudo, o crescimento demográfico e econômico que a ilha passaria a experimentar na virada para o século XX refletiu anos mais tarde em sua alteração espacial e autonomia político-administrativa. Como proposta, o presente artigo se debruça sobre fontes documentais que permitem uma compreensão mais lúcida acerca desse processo de formação do município, levando em conta tanto a transformação dos espaços quanto os diferentes grupos envolvidos neste processo. Para tal, foram utilizadas as informações contidas nas atas dos 600 primeiros assentos de casamentos do cartório de registro civil das pessoas naturais de Guarujá, em um intervalo de cinco anos, período que se inicia com as atividades de registro cartorial local em 1929, e se estende até 1934, ano em que Guarujá é elevado à condição de município. Em suma, pode-se dizer que o método utilizado visou contribuir para uma apreensão dos elementos que foram basilares à formação de um ambiente, que aos poucos se transicionou de um espaço predominantemente agrário, para um município cada vez mais urbanizado, ligado ao porto e ao turismo em seu conjunto balneário. Assim sendo, este artigo proporciona apontamentos iniciais, que unidos a pesquisas posteriores, contribuirão para o desenvolvimento de ações que levem em conta a pluralidade da cidade, bem como as especificidades dos grupos que a constituem.

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Palavras-chave: Guarujá; demografia histórica, formação do município ABSTRACT

In the colonial and imperial period of Brazil, the territory where today is located the municipality of Guarujá, on the coast of São Paulo, was occupied by productive units that were established in its surroundings. However, the demographic and economic growth that the island would experience at the turn of the 20th century reflected years later in its spatial change and political-administrative autonomy. As a proposal, this article focuses on documentary sources that allow a more lucid understanding of the process of formation of the municipality, taking into account both the transformation of spaces and the different groups involved in this process. For this purpose, the information contained in the minutes of the first 600 marriages records of the civil registry office of the natural persons of Guarujá were used, in an interval of five years, a period that begins with the activities of the local registry office in 1929, and extends to 1934, the year in which Guarujá is elevated to the condition of municipality. In short, it can be said that the method used aimed to contribute to an understanding of the elements that were fundamental to the formation of an environment, which gradually moved from a predominantly agrarian space, to an increasingly urbanized municipality, connected to the port and to tourism in its seaside resort. Therefore, this article provides initial notes, which together with further research, contribute to the development of actions that take into account the plurality of the city, as well as the specificities of the groups that structured it.

Keywords: Guarujá; historical demography; formation of the municipality. 1 INTRODUÇÃO

O dia 2 de setembro de 1893 possui certa centralidade na história do município de Guarujá por ser data escolhida para a inauguração do empreendimento conhecido como Vila Balneária. A cidade projetada, com boa parte de seu material vinda do exterior, representar um marco na mudança do padrão de ocupação da ilha de Santo Amaro, nesta época ainda pertencente à cidade de Santos.

O porto santista, que passava a se tornar porto organizado desde o ano anterior, sob concessão da Companhia Docas de Santos, começava a se estruturar de forma a dar conta da crescente demanda de produtos exportados, que através dele ganhavam o mundo por vias marítimas.

Os dois fatores citados têm aspectos em comum. Além da proximidade temporal, há, em ambos, uma íntima relação com a expansão da economia cafeeira, que no primeiro caso, possibilitou o acúmulo de capital por parte de investidores paulistas, que os levarão a novas apostas, como o ramo turístico na ilha de Santo Amaro, e no segundo caso, a necessidade de novas adequações que levarão o velho escoadouro santista a se equipar para atender ao aumento do fluxo provocado pela circulação do chamado “ouro verde”.

Além de possuírem a rubiácea como causa, os dois marcos também refletirão na transformação territorial e no padrão demográfico de ocupação da antiga ilha de Guaibê. O crescimento populacional, através de uma constante onda migratória, fará com que a ínsula, já sitiada por várias famílias de lavradores e pescadores,

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incorpore novos elementos, dinamize as atividades nela desenvolvidas e dê passos significativos que conduzirão à sua autonomia política e administrativa.

Será agregada às comunidades caiçaras, já vinculadas ao local, uma grande quantidade de migrantes e imigrantes das mais variadas composições étnicas e atuações profissionais, que contribuirão para moldar o perfil de um município que nascerá, quatro décadas à frente, como multifacetado e agregador.

Com o uso de documentação histórica que forneça o mínimo de informações sobre o perfil do proto-munícipe guarujaense, o presente artigo busca mapear uma espécie de gênese da população que formou a cidade. Tal tentativa, não isolada em si mesma, procurará conciliar as mudanças ocorridas na ilha de Santo Amaro, na última década do século XIX e nas primeiras décadas do século seguinte, com um contexto mais amplo da História, seja em seus aspectos sociais, culturais, políticos e/ou econômicos.

Desta forma, será possível compreender os percursos, sejam eles individuais ou coletivos, que se concretizarão na formação do Guarujá atual. E por mais que se reconheça que a cidade, em seu perfil contemporâneo, seja resultado de outros processos que se desenvolveram em décadas posteriores ao recorte temporal por nós proposto, espera-se, ao menos, que este trabalho proporcione apontamentos iniciais, que unidos a pesquisas posteriores, contribuirão para o desenvolvimento de ações que levem em conta a pluralidade da cidade, bem como as especificidades dos grupos que a constituem.

2 OBJETIVOS

 Analisar, através de fontes documentais, os diferentes componentes sociais que contribuíram para a formação do município de Guarujá;

 Apontar, através, de análise documental, transformações espaciais, sociais e econômicas em um território cada vez mais urbanizado;

 Dar subsídios a futuras pesquisas históricas, que trarão maior compreensão sobre as multiplicidades identitárias que constituem os cidadãos guarujaenses.

3 GUARUJÁ: DE ILHA AGRÁRIA À CIDADE BALNEÁRIA

No período colonial e imperial do Brasil, o território onde hoje se instala o município de Guarujá, no litoral paulista, era ocupado por unidades produtivas que se estabeleciam em seu entorno. Produtores de gêneros básicos, estes sítios e fazendas estiveram vinculados à vila e depois cidade de Santos, sendo responsáveis pela produção agrícola, voltada tanto à subsistência, quanto à comercialização de excedentes. O cultivo era praticado por pequenos proprietários, por famílias agregadas aos núcleos familiares, muitas vezes itinerantes, e também por mão de obra cativa (COSTA, SILVA, 2018, p. 5).

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Tal modelo produtivo, desenvolvido no litoral paulista ao longo de séculos XVI e XIX, um dos pilares do modo de vida caiçara, passaria gradativamente a sofrer alterações, dada a conjuntura da segunda metade dos oitocentos na província de São Paulo. Devido à sua proximidade com o porto santista, o padrão de ocupação da ilha de Santo Amaro sofreria considerável alteração, haja vista o crescimento urbano possibilitado pela ascensão da economia cafeeira.

Em 1854, Santos já era responsável por 80% da produção mundial de café. A inauguração da ferrovia Santos-Jundiaí em 1867 ainda contribuiu para o aumento da proeminência do porto santista, o que também consolidou uma crise nos demais portos da província de São Paulo e abriu novas possibilidades de emprego na região (BARBOSA, DIAS, CERQUEIRA, 2000, p. 34).

Também a criação da Vila Balneária em um dos sítios da ilha de Santo Amaro, liderada pelo grupo Prado Chaves em setembro de 1893, contribuiu significativamente para que um espaço até então destinado à prática pesqueira e a cultura de gêneros básicos como a mandioca e o arroz, começasse a se modificar, em parte pelo crescimento do turismo na região. Nas palavras de Marino:

Existia, pois, uma busca por reorientar o desenvolvimento econômico da ilha e ressignificar sua ocupação por meio de novos usos marcados por uma sociabilidade tipicamente urbana em torno de divertimentos e fundamentalmente condicionada por uma relação com mar que aparecia renovada. (MARINO, 2012, pg. 34)

Imagem: Balneário do Guarujá. Praia de Pitangueiras. Foto de Guilherme Gaensly. 1894. Álbum Fotografias de São Paulo 1900 Fonte: Mestres do Séc. XIX

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O crescimento demográfico e econômico que a ilha passaria a experimentar na virada para o século XX refletiu anos mais tarde em sua transformação espacial e autonomia político-administrativa. Contada como parte dos bairros periféricos da vila de Santos nos censos populacionais realizados entre 1765 e 1836, esta realidade permaneceria inalterada mesmo com a criação da Companhia Balneária, sob presidência do engenheiro paulista Elias Fausto Pacheco Jordão em 1891, com conseqüente inauguração da Vila dois anos depois. Prova disto é que no Recenseamento da Cidade e Município de Santos em 31 de dezembro de 1913 (MENDES, 2008) toda a extensão da ilha estava subdividida em distritos rurais do município santista.

Contudo, pela Lei Estadual n.º 1.871 ou 1.817, de 26 de outubro de 1922, Guarujá foi elevado à condição de distrito santista, já como resultado do desenvolvimento que experimentara já nas primeiras décadas do novo século, sendo, em 30 de junho de 1934, elevada à condição de município.

Com uma nova marca em seu perfil de ocupação, direcionada pela busca por novos investimentos por parte elite ligada à expansão cafeeira, e concretizada com a criação de novos espaços de lazer, mas também devido à recente industrialização e crescimento portuário que contribuíram para o povoamento local, a região insular, até então periférica e pertencente a Santos, em um período de quase quatro décadas passaria a adquirir novos contornos.

4 MATERIAL E MÉTODOS

Como proposta, o presente artigo se debruça sobre fontes documentais que permitem uma compreensão mais lúcida acerca do processo de formação do município de Guarujá, levando em conta tanto a transformação dos espaços quanto os diferentes grupos envolvidos nesse processo.

No caso deste artigo, foram utilizadas as informações contidas nas atas dos 600 primeiros assentos de casamentos do cartório de registro civil das pessoas naturais de Guarujá, em um intervalo de cinco anos, período que se inicia com as atividades de registro cartorial local em 1929, e se estende até 1934, ano em que Guarujá é elevado à condição de município.

Estes documentos são de livre acesso no sítio do FamilySearch, plataforma voltada à pesquisa genealógica, conservada pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, desde que realizado um cadastro prévio que permitirá cesso a registros históricos das mais variadas naturezas. E embora tal plataforma disponibilize a consulta a documentos digitalizados para fins de pesquisa genealógica individual, com propósito religioso, estes também podem ser utilizados como precioso acervo para a produção científica.

Para Maria Silvia Bassanezi, registros civis “oferecem inúmeras possibilidades para a reconstrução da história demográfica e sociocultural brasileira. Fonte rica para a exploração quantitativa, para cruzamento de dados, para o acompanhamento da trajetória dos eventos vitais de pessoas, de grupos ou das populações” (PINSKY

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et LUCA apud LOPES, 2012, p. 319).

Para compor um número significativo de amostras, foram utilizados os quatro primeiros livros de assento de casamentos do distrito de Guarujá, que compreendem referentes aos documentos de número 1 a 605, até que se totalizasse a amostra desejada.

O processo de transcrição e discussão destes documentos foi realizado por alunos e voluntários da Educafro, projeto social voltado à capacitação de jovens carentes e afrodescendentes das regiões periféricas da cidade, visando o seu preparo para concursos e vestibulares. O projeto funciona vinculado ao Núcleo de Estudos Indígenas e Afro Brasileiros da Unaerp Guarujá. Participaram do processo os voluntários Vitória Teodósio dos Santos Pimenta, Luciene Ramos Santos, Paulo Henrique de Pontes Maximino, Juliana Heloise Rosa Santos Silva e Carmen Lamosa Moral. Todas as etapas foram supervisionadas pelo autor deste artigo.

Quanto às informações utilizadas, foram considerados dados relevantes para o estudo em questão, tais como idade, naturalidade e ocupação dos contraentes, bem como local de moradia, quando o dado é fornecido. Apesar dos assentos apenas se iniciarem ao fim do recorte temporal por nós proposto, trazem dados que auxiliam na compreensão dos processos de ocupação da Ilha em períodos anteriores.

É importante também mencionar que há o reconhecimento das limitações existentes nos registros civis para se apreender características da população de Guarujá como um todo. Isto porque o tipo de material por nós utilizado diz respeito a apenas uma parcela da sociedade, já que muitos outros moradores do local, por diversas razões, não podem ser rastreados na documentação em questão por diversos motivos, o que será mencionado em tópico apropriado.

Outros recursos também contribuíram para o resultado. Um deles foi a análise do Recenseamento da Cidade e Município de Santos em 31 de dezembro de 1913, uma vez que nele a população se encontrava subdivida em bairros, o que contribuiu para uma maior clareza quanto à presença humana em diferentes pontos da ilha no período em questão.

Contudo, o censo mencionado trazia a totalidade dos bairros de Santos. Como nosso interesse, para o trabalho proposto, era examinar os bairros pertencentes à ilha de Santo Amaro, separamos os núcleos relacionados ao nosso objeto de estudo. Com base nessas informações, um mapa foi produzido, bem como uma tabela, para ilustrar os sítios/bairros habitados, que também contribuíram para apontar os limites metodológicos da documentação cartorial.

É preciso, contudo, apontar que os dados censitários que utilizamos se distanciam 16 anos do início dos registros civis. Embora não tenhamos encontrado informações referentes às populações dos bairros em outros censos do período, o de 1913 é fundamental, pois já reflete uma crescente que não recua, mas que se intensifica cada vez mais até culminar na emancipação de Guarujá. Por tal motivo, é de extrema importância para compreender as transições que já ocorriam desde o final do século anterior.

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Como suporte à ferramenta utilizada, todo o artigo foi desenvolvido com uso de bibliografia complementar sobre a formação de Santos, de Guarujá enquanto vila balneária, e também das populações tradicionais já existentes na baixada santista antes do período por nós apontado. Outras fontes primárias, como publicações em periódicos da época, também contribuíram para uma delimitação mais precisa no que diz respeito ao povoamento da ínsula.

Como ferramenta metodológica, optou-se pelo uso dos métodos próprios da demografia histórica, que reconhece determinadas estruturas populacionais, através da análise de fontes documentais seriadas.

Utilizamos alguns personagens, selecionados a partir das certidões, que funcionaram como fios condutores em uma espécie de saga de formação da cidade, de forma a reconstruir, através de recursos narrativos, ainda que de forma limitada, um cenário de histórias, individuais e/ou coletivas, vivenciadas na ilha.

Tal recurso está vinculado com a Micro-História enquanto abordagem metodológica, já que “a comunidade examinada pela Micro-História pode aparecer, por exemplo, como um meio para se atingir a compreensão de aspectos específicos relativos a uma sociedade mais ampla.” (BARROS, 2007, p. 169).

Em suma, pode-se dizer que o método utilizado visou contribuir para uma apreensão dos elementos que foram basilares à formação de um ambiente que aos poucos transicionou de um espaço predominantemente agrário, para um município cada vez mais urbanizado, ligado ao porto e ao turismo em seu conjunto balneário. 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 OS MORADORES DA PORÇÃO NORTE DA ILHA

Ainda não se comemorava o primeiro de maio no Brasil, mas aquela seria a data em que se celebraria o nascimento de mais um nordestino. Nascido em Sergipe no ano de 1904, Marcolino Britto figuraria entre os inúmeros trabalhadores que deixaram sua terra natal atrás de melhores condições de vida. Seu pai falecera antes da Revolução de 30, e em companhia de sua mãe, mais uma entre tantas Marias, atravessaria quilômetros de distância até chegar ao litoral paulista.

A continuação da saga da família foi em uma antiga vila de pescadores ao norte da ilha de Santo Amaro, naquela época pertencente a Santos. Instalados na Bocaina, bairro cada vez mais crescente devido a tantos outros migrantes que lá chegavam, Marcolino ganharia a vida como operário, ocupação que ali se tornava cada vez mais comum devido ao crescimento do porto.

Naquela vizinhança conheceu Juracy, santista de 17 anos que naquele mesmo bairro vivia em companhia de sua mãe, e que se ocupava das tarefas do lar, como de costume entre as moças de sua idade. Aos 18 de outubro de 1930, em um dia de sábado, o oficial Abílio Franco registrou em seu cartório o enlace do casal.

Levando em conta as possíveis imprecisões, omissões e erros de escrita nos assentos da época, que poderiam dar novo rumo à narrativa ilustrada acima, o fato é

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que tal união, registrada à folha 187 do segundo livro de matrimônios de Guarujá, sob o número 71, vai muito além de ser apenas uma trajetória familiar isolada. É representativa, abrangente e característica de uma cidade em formação, já que reúne elementos comuns a vários outros registros e histórias de família.

Uma análise conjunta do recenseamento santista de 1913 e dos locais de residência declarados em assentos de casamento do distrito de Guarujá entre 1929 e 1934 permite constatar que a primeira parte da ilha onde a atividade rural passou a ceder espaço a outros setores da economia foi sua porção norte, onde se localizavam os sítios do Itapema, Bocaina, Conceiçãozinha e Paecará.

No censo de 1913 a Bocaina era o sítio mais populoso da ilha. Importante vila de pescadores no início do século XX, à época do levantamento contava com uma população de 1625 pessoas, havendo 205 homens a mais que mulheres. No ano seguinte, quando foi visitado pelo prefeito de Santos, o lugar já continha aproximadamente 400 casas (MARTINS, 2008).

Tal expressividade numérica e superioridade masculina são mais bem entendidas, entre outros fatores, quando se leva em conta a proximidade do bairro com o porto, já que a expansão portuária provocada pelo surto cafeeiro na virada do século contribuiu para atrair mão de obra de fora e de dentro do país, em especial homens solteiros, à semelhança de Marcolino.

Com os dados obtidos através das certidões do cartório de Abilio Franco, observou-se que em muitos casos o escrivão foi além de informações generalizantes e especificou também o bairro onde os contraentes residiam na ocasião de seus respectivos casamentos. Com isto foi possível apurar que em 42 dos documentos, ao menos um dos nubentes declarou residir na Bocaina.

Por ser o lugar mais populoso do distrito de Guarujá na década anterior, é de se supor que a quantidade de contraentes domiciliados lá ainda fosse superior ao que constou nas atas dos registros, mas a falta de informações mais detalhadas na maioria das certidões só nos permite fazer uma análise mais específica quando o local de residência dos noivos está contido no papel.

Dos 40 homens que moravam na Bocaina, a profissão de marítimo foi declarada por 30% deles. Em seguida vinham os operários (22,5%), os empregados públicos (10%), os motoristas (7,5%) e os empregados das docas (5%). E apesar da região ter sido uma vila com vocação pesqueira até o início do século, apenas um dos declarantes afirmou trabalhar com a pesca. Já no caso das mulheres, todas as moradoras do bairro declararam se ocupar com funções domésticas.

Quanto ao local de origem dos homens, somente 9 deles declararam ter nascido em Santos, quantidade 20% inferior quando comparado às mulheres do bairro. Tais dados se ajustam às características da economia santista do período, que em sua expansão exerceu uma força centrípeta a trazer força de trabalho externa, devido à ampliação da oferta de emprego, em especial pelo crescimento portuário e turístico, mas cabendo aos novos habitantes, na grande maioria dos casos, a ocupação de espaços periféricos aos centros geradores de renda.

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habitantes, era vizinho à Bocaina e compartilhava de características em comum. Estava interligado à vila balneária de Guarujá pelo modal ferroviário, e vinculado ao porto e centro de Santos por transporte marítimo via estuário. Dos homens que casaram civilmente no período aqui considerado, 18 deles tinham moradia fixa no bairro itapemense, sendo que 2/3 deles eram operários, marítimos ou empregados públicos. Embora o sítio ainda contasse com um agricultor e um pescador, os prestadores de serviço apareceram em todo o restante dos casos, sendo que apenas a terça parte do total masculino era natural de Santos.

O sítio Conceiçãozinha, menos alterado pela crescente demográfica, ao menos em um momento inicial, na segunda década dos novecentos ainda contava com uma população mais ligada a atividades de produção primária. Dos únicos dois registros de casamento encontrados, os nubentes se declararam um como lavrador e outro como pescador. Em ambos os casos, tinham migrado de Paraty.

Deslocamentos inter-regionais de outras regiões litorâneas na virada do século XIX para o século XX, segundo Romani, também contribuíram para a formação da cultura caiçara local (ROMANI, 2011, p.39)

O Paecará, sítio pertencente a Guilherme Backeuser em 1856 segundo o registro paroquial de terras de Santos, ainda estava sob posse desta família no início do século XX. Unidos aos Proost de Souza por laços de casamento, os Backeuser investiram na plantação de banana e também arroz (NUNES, 2014), e talvez por isto o sítio fosse um dos únicos, ao norte da ilha, que eram menos povoados, pelo menos segundo o censo de 1913, já que na época contava com apenas 20 pessoas. Embora não desistisse dos empreendimentos agrícolas que visavam à exportação, principalmente devido à proximidade com o porto, em 1918, segundo anúncio do jornal A Tribuna, parte das terras do sítio passaram a ser loteadas e vendidas (NUNES, 2014). Contudo, por ser ainda um loteamento incipiente em um cenário cada vez mais marcado pela expansão urbana, talvez por isto apenas dois registros de casamentos do Paecará tenham sido encontrados nos primeiros livros cartoriais. Em um deles a profissão declarada pelo nubente era a de comerciante, enquanto em outro a ocupação era a de negociante.

Tais dados já apontam para uma possível diversificação econômica que o sítio, bem como a região como um todo, passariam a experimentar.

Quando observados, em conjunto, as características da população dos sítios/ bairros ao norte da ilha, onde hoje se localiza o distrito de Vicente de Carvalho, nota-se que o local foi marcado por uma crescente onda migratória. Dos contraentes que se pôde obter algum dado através dos registros cartoriais, num intervalo de cinco anos, apenas em 40% dos caos os homens eram nascidos em Santos.

Já entre as mulheres este número sobe para quase 70%, o que evidencia certa tendência do migrante, de sexo masculino, ser solteiro e se dirigir para a região santista em busca de oportunidades, lá se instalando e contraindo núpcias com moças da região de destino, em uma tentativa de se criar novas relações de parentesco nas novas terras em que passavam a habitar.

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5.2 OS MORADORES DO DISTRITO DE GUARUJÁ

Quando o olhar se volta para a região central da ilha, foco do projeto empreendedor da Companhia Prado Chaves, o termo “Guarujá” pode apresentar alguns problemas metodológico ao se levar em conta o seu uso nos registros civis. Isto porque nota-se certa arbitrariedade e falta de padronização entre os escrivães da época, que ora usam o termo como sinônimo do distrito inteiro, ora significando apenas o bairro ao centro, onde se constituiu a Vila Balneária. De qualquer forma, estudaremos as características específicas quanto ao seu uso.

A porção nuclear da ilha, profundamente modificada devido à criação de uma infraestrutura voltada ao turismo emergente, teve tais mudanças claramente refletidas nos documentais aqui utilizados.

Em 1913, Guarujá, aqui entendido como bairro, contava com uma população de 1139 pessoas, perdendo em quantidade apenas para a Bocaina. O censo ainda contabilizou 21 pessoas que estavam no local de forma transitória, possivelmente devido a ser um reduto aparelhado para fins de lazer. Núcleo do projeto idealizado pelo capital do café, com dezenas de chalés importados de madeira da Geórgia, o Grande Hotel e o cassino, a Vila Balneária não só atraia visitantes, mas também pessoas dos mais variados locais que teriam na ilha o seu novo local de moradia.

A região ventral de Guaibê, até então habitada por grupos familiares vinculados a atividades de subsistência e comercialização de excedentes (COSTA, MAXIMINO, 2019), passou a sentir os efeitos de uma força centrífuga que alterou a forma de utilização de seu solo, já que estas tais grupos, ali estabelecidos por gerações, passaram a ser empurrados, gradativamente, para espaços marginais, já que seus velhos habitats passaram a ganhar nova função dentro de um projeto urbanizado que as segregava.

Marino destaca o peso destas transformações que a constituição da Vila Balneária trouxe ao centro do litoral paulista em fins do século XIX, iniciando a exploração significativa da ilha e de sua ocupação beira-mar. Em tal processo, em que lazer e prazer humano ganharam destaque na formação de um tecido urbano, expansão territorial e desigualdade sócio-espacial apareciam claramente ligadas uma à outra (MARINO, 2018, p.25).

Da série documental de 600 registros, 500 não são específicas quanto ao bairro onde os nubentes moravam, trazem apenas a expressão Guarujá, que neste caso tanto pode se referir à ilha como um todo, quanto ao bairro que mais tarde daria nome a todo o município, sendo que o termo “Guarujá” ou “neste distrito” pode oscilar entre ambos os usos, a depender da intenção de quem as lavrou.

Nestes casos, a profissão predominante entre os homens é a de operário, que perfaz 231 do total, que em sua maioria, possivelmente, incluíam os empregados da vila balneária e de outras áreas. Em seguida vêm os ligados ao comércio, ao porto e ao mar. As profissões são variadas, próprio de uma urbe crescente. Na lista aparecem militares, engenheiros, farmacêuticos, ferroviários, construtores, empregados públicos e uma gama de profissões que passariam a contribuir para a

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autonomia política, econômica e administrativa do distrito.

Na tabela a seguir estão especificadas as profissões do total das certidões, das quais a maioria se refere ao distrito de Guarujá:

Profissão Homem Mulher Total Profissão Homem Mulher Total

Açougueiro 1 0 1 Farmacêutico 3 0 1 Administrador 1 0 1 Ferrador 1 0 1 Ajudante de ajustador 1 0 1 Ferroviário 6 0 1 Ajudante de enfermeira 0 1 1 Foguista 1 0 1 Aparelhador 1 0 1 Gráfico 1 0 1

Auxiliar de Comércio 18 0 18 Lavrador 17 0 18

Barbeiro 2 0 2 Maquinista 2 0 2

Bombeiro 2 0 2 Maquinista naval 1 0 2

Capitão Federal 1 0 1 Marceneiro 1 0 1

Carpinteiro 2 0 2 Marinheiro 4 0 2

Carpinteiro Naval 1 0 1 Marítimo 28 0 1

Chofer 6 0 6 Mecânico 1 0 6 Circense 1 1 2 Militar 13 0 2 Comércio 60 1 61 Modista 0 2 61 Condutor de veículos 1 0 1 Motorista 3 0 1 Construtor 2 0 2 Músico 1 0 2

Cozinheiro 1 0 1 Não identificada 3 2 1

Doméstica 1 590 591 Negociante 6 0 591 Eletricista 2 0 2 Soldador 1 0 2 Embarcadiço 1 0 1 Proprietário 1 0 1 Empregado das docas 2 0 2 Oficial do corpo da aviação 1 0 2

Empregado público 25 0 25 Oficial do Exército 1 0 25

Enfermeiro 1 1 2 Operário 278 1 2 Engenheiro 2 0 2 Pedreiro 3 0 2 Ensacador 2 0 2 Pescador 4 0 2 Estivador 3 0 3 Portuário 78 0 3 Estudante 1 0 1 Violinista 0 1 1 Total 600 600 1200

Tabela das ocupações declaradas pelos nubentes no cartório de registro civil de Guarujá (1929-1934)

Em cada 10 dos nubentes que viviam no distrito de Guarujá, 2,8 deles declararam ter vindo de fora do país, com predominância para portugueses e espanhóis, mas também italianos, libaneses, sírios, argentinos, e de outras nacionalidades, embora em menores proporções.

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imigrante, Guarujá aqui aparece absorvendo uma significativa parcela da força produtiva estrangeira que chegou ao Brasil na primeira fase da república.

Em suma, o crescimento portuário, as políticas de saneamento básico desenvolvidas pelo governo do Estado no final do século XIX e o fluxo imigratório foram fundamentais para um impacto no crescimento demográfico de Santos, fazendo com que a população crescesse 584% no intervalo entre 1890 e 1913. Dos 88.967 habitantes de Santos no fim deste período, 42,5% era representado por imigrantes (BARBOSA, DIAS, CERQUEIRA, 2000, p. 36).

Também há um destaque para os nacionais, que ora chegavam ao litoral de São Paulo por conta própria, ora eram arregimentados por contratadores em suas regiões de origem. Na maioria dos casos, para atuarem na reforma e ampliação portuária (idem).

Na tabela abaixo é possível observar o local de origem das pessoas que constituíram união civil no distrito de Guarujá nos primeiro qüinqüênio de funcionamento do cartório de registro civil das pessoas naturais, independente da região em que moravam na ilha:

Local de origem Homen s Mulhere s Total Baixada Santista 140 200 340 Litoral Norte – SP 66 68 134 Litoral Sul – SP 6 14 20 Capital – SP 21 19 40 Interior – SP 25 55 80

Região Sudeste (interior) 20 16 36 Região Sudeste (litoral) 23 20 43 Capital Federal – RJ 9 7 16 Região Sul (interior) 9 4 13 Região Sul (litoral) 6 9 15

Região Norte 5 4 9 Região Nordeste 89 56 145 Região Centro-Oeste 4 1 5 Fora do Brasil 162 106 268 Não identificado 15 21 36 Total 600 600 1200

Tabela 1: Local de origem dos nubentes do cartório de Guarujá (1929-1934) 5.3 OS MORADORES DOS SÍTIOS

Bairros com menores quantidades de pessoas, que se constituíam em áreas historicamente rurais, também apareceram nos registros, embora de forma mais escassa. Exemplo disto é o sítio da Cachoeira de Bertioga, cujas certidões contaram com apenas dois casais de moradores, dos quais os homens, um estava vinculado à pescaria e o outro à agricultura.

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proprietário Gabriel Bento de Oliveira, Floriano foi listado como pescador e morador do sítio pertencente ao seu pai. Este, por sua vez, havia adquirido o terreno em 1876, e lá residia com sua numerosa família, composta pelos 25 filhos que tivera de seus três casamentos. A propriedade era cultivada de forma comunitária pelo grupo, e a renda estava principalmente ligada à produção agrícola e à pesca.

A limitação dos recursos do sítio parece ter sido determinante para que outros filhos de Gabriel buscassem opções econômicas alternativas. É o que indica o assento de Bento de Oliveira, irmão gêmeo de Floriano (ambos declaram ter nascido em 27 de julho de 1905), já que aquele foi contado no dia de seu matrimônio como operário (registro nº 186). E o fato de seu local de domicílio figurar somente como Guarujá, tanto pode indicar a falta de precisão do escrivão, como também que havia se mudado das terras de seu pai em busca de melhores condições econômicas.

Tanto Floriano como Bento se casaram em 1932, com diferença de poucos meses um para outro, mas seus registros sugerem diferentes percursos. Um representa o grupo residente na ilha que ainda estava vinculado ao setor agrário. O outro já simboliza um perfil cada vez mais comum em Guarujá naquele início de século, o do prestador de serviço, que em muitos dos casos, pela dificuldade de se manter economicamente com os meios de produção que possui, acaba se subordinando às novas regras de um mercado em expansão.

O Guaiuba, outro sítio, também foi citado, mas uma única vez, sendo que o nubente que lá residia era outro operário. Já o sítio Caieiras, com base nas atas de registro, foi listado com apenas um lavrador. Isto exemplifica o quanto a população dos bairros de Guarujá raramente aparecia especificada nos registros, mas quando identificada, a tendência é que declarassem ocupações ligadas ao âmbito de produção primária, aqui representada por lavradores e pescadores, embora houvesse casos de pessoas envolvidas com outras atividades.

No entanto, vale ressaltar que a população dos três sítios mencionados acima, em 1913, já contava conjuntamente com 189 habitantes, o que evidencia que nem sempre ausência de citação em registros formais quer dizer ausência nos espaços. Deve-se levar em conta que nem toda a população brasileira foi abraçada de imediato pelas adequações ao registro civil. O próprio Decreto Federal, que entrou em voga no início do Governo Vargas, mencionado em algumas certidões, deixa claro certa cultura de resistência ao registro, seja por razões religiosas, econômicas ou por falta de conhecimento de parte da população.

Haja vista que muitas pessoas viviam sem união formal, ou de casamento celebrado apenas no religioso, o governo da época teve a preocupação de criar mecanismos para regularizar a união civil. Em contrapartida, muitos casais que possivelmente já viviam juntos em Guarujá, passaram a formalizar a união.

Quando se considera que a sociedade só se familiarizou com os registros cartoriais de forma processual, admite-se também que uma parcela significativa da população passe despercebida em uma análise baseada unicamente em tais fontes.

Este parece ter sido o caso da família de Clarinda Neto de Oliveira. Apesar de ela ter nascido na praia do Iporanga em 1907, conforme consta em seu assento de

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nascimento, este só foi lavrado quando ela tinha 24 anos de idade, com base no Decreto mencionado (registro de nascimento nº 490). O documento só foi feito 15 dias antes de seu casamento com Pedro Daniel Amaral, e teve o noivo como testemunha, já que ambos precisavam do papel para que sua união em cartório fosse autorizada. Eleodoro Neto, pai da nubente, também nasceu em Guarujá e vivia em Iporanga com sua esposa e filhos, mas provavelmente não teve a prática de registrá-los quando nasceram.

5.4 AS DIFERENTES REALIDADES NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO DA ILHA

Quando considerada a ocupação dos bairros com base no censo santista de 1913, nota-se que não apenas áreas contíguas ao centro ou ao norte da ilha eram ocupadas, mas também as dezenas de sítios existentes como espaços rurais. Contudo, o mapa abaixo já mostrava diferentes densidades demográficas no período, já que a maior parte das pessoas vivia no centro e no norte da ilha.

Mapa 1: Sítios/bairros de Guarujá por quantidade de habitantes em 1913

Contudo, vale chamar atenção para os dados numéricos de outros bairros da Ilha, como a Enseada, que no início do século XIX era ocupado por três unidades produtivas (sítios Paciência, Enseadinha e Enseada de Santo Amaro) (COSTA,

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MAXIMINO, 2019, p.8), e quase cem anos depois contava com uma população de 239 pessoas. Em seguida vinha a praia do Iporanga, quinto sítio mais populoso da ilha e berço de uma considerável comunidade caiçara, com expressivos 157 habitantes. Outros sítios, como Outeiro, Ponta Grossa, Armação e Pernambuco, ainda comportavam dezenas de habitantes.

O quadro a seguir mostra a distribuição de pessoas em cada bairro da Ilha:

Bairro/Sítio Bairro/Sítio Barca Vigia 1 Sítio Grande do Rio Sacco 35

Palma (Ilha das) 9 Caraú 38

Santo Amaro (Rio) 10 Armação 39 Tombo (Praia do) 10 Garganta do Guarujá 43

Caieiras 12 Buracão 45

Mato Grosso (Sítio do) 12 Pernambuco (Praia de) 45 Morrinho da Vargem Grande 12 Outeiro (Sítio do) 47 Perequê (Praia do) 12 Santo Amaro (Praia de) 52 Emboaba 15 Guaiuba (Praia do) 55 Sítio Grande 15 Munduba (Praia do) 60

Prainha 19 Ponta Grossa 69

Paicará (Sítio do) 20 Conceiçãozinha 94 Moela (Ilha da) 24 Cachoeira 122

Cramaú (Rio) 25 Iporanga (Praia do) 157 Canhema Morro do) 29 Enseada 239 Goes (Praia do) 30 Itapema 345

Prainha Preta 31 Guarujá 1139

Prainha Branca 33 Bocaina 1625

Total 4568

Tabela 2: Quantidade de pessoas por bairros em Guarujá segundo recenseamento santista de 1913

Romani aponta a formação histórica de vila de pescadores na baixada santista sendo desenvolvida por constantes migrações internas desde a segunda metade do século XIX, em parte pela própria necessidade de reprodução social, dada a expansão dos núcleos familiares tradicionais (ROMANI, 2011, p.35). E depoimentos colhidos por Karwinsky na década de 70 já destacavam uma migração de pescadores provenientes do litoral norte no final dos oitocentos (Karwinsky, 1999, p. 14 apud ROMANI, 2011, p. 39).

Tais constatações são corroboradas quando levados em conta os locais de origem dos nubentes registrados no distrito de Guarujá na passagem para a década de 30, já que o número de homens oriundos de São Sebastião, Vila Bela (atual Ilha Bela), Ubatuba e Caraguatatuba, perfazem um total de 61. Este número é ainda

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superior quando levadas em conta as mulheres, em total de 66. Somados, os contraentes naturais das faixas litorâneas ao norte do Estado representam 10,5% da amostra em questão.

Quando se considera que a profissão declarada pelos homens provenientes do litoral norte é de lavrador em apenas três dos casos, e como pescador em apenas um deles, pode-se constatar certa descaracterização das ocupações tradicionais e conseqüente necessidade de readaptação em novas realidades econômicas por parte das comunidades de ocupação antiga das faixas litorâneas, o que tem clara relação com o declínio de outras regiões portuárias no Estado de São Paulo, provocados pela centralização econômica que a região de Santos experimentou na virada do século (BARBOSA, DIAS, CERQUEIRA, 2000, p. 34).

Para Diegues, autor referencial no estudo das comunidades caiçaras, com o isolamento das cidades litorâneas, devido à adoção de ciclos econômicos mais dinâmicos no interior dos estados, a economia destes grupos tradicionais havia adquirido certo perfil de isolamento, caracterizando-se por uma combinação de agricultura de subsistência e pesca artesanal (DIEGUES, 1988, p.5, 9).

Tais núcleos comunitários, recentemente estudados por Romani, já apresentavam sinais de insuficiência da exclusividade dessas atividades básicas para a sua manutenção econômica, sendo necessária a complementação da renda familiar com atividades portuárias e de prestação de serviços (ROMANI, 2011, p.33). Tal fenômeno já podia ser sentido no início do século XX, ao se ter como objeto de estudo as ocupações declaradas pelos contraentes nos registros civis aqui estudados, dada a escassez de informações que ligassem as famílias às economias tradicionais, embora houvessem poucas exceções, conforme já citamos.

Um destes casos que merece destaque como remanescente de um antigo grupo na ilha é o enlace ocorrido em 23 de junho de 1931, entre Antonio Jorge Oliveira e Maria Jorge Oliveira (nº 101). De todos os registros, o dele foi o único de lavrador que declarou ser nascido em Guarujá, mais especificamente na praia da Enseada, no início do milênio, e seu assento de nascimento só foi realizado dois dias antes de seu casamento no civil (registro de nascimento nº 563). Sua esposa, dez anos mais jovem, de prendas domésticas, também declarou ter nascido na ilha, e provavelmente figurassem entre os 239 moradores da Enseada mencionados no censo de 1913. Aqui Antonio aparece como um dos únicos 17 rapazes que se declararam lavradores nos assentos observados.

Chama atenção a similaridade do sobrenome dos noivos, o que pode sugerir que se trata de uma união endogâmica, marca típica das comunidades tradicionais da região. O fato dos pais de ambos os noivos também serem nascidos na região reforça a hipótese de que pode se tratar de um núcleo familiar remanescente ligado à produção rural, em um cenário cada vez mais distante de suas marcas originais.

É fato que famílias oriundas dos mais diversos espaços geográficos passaram a dividir um mesmo território, contribuindo para uma diversidade étnica e cultural nunca vista em uma ínsula de pouco mais de 140 quilômetros quadrados. Sua população sitiante, que no início do século XIX girava em torno de 50 unidades

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familiares, com aproximadamente 639 moradores segundo pesquisa recente (COSTA, SILVA, 2018, p.11), chegaria ao século seguinte, no ano da criação do município, com uma população de 7.810 mil habitantes, sendo que deste total 1.540 pessoas já residiam em um recinto definido pelos órgãos censitários como urbano (Fundação SEADE, 1936).

5.5 A CONDIÇÃO DE TRABALHO DA MULHER EM GUARUJÁ

No ano de 1944, Rosa Palhares Lopes Miguel seria admitida em território nacional em caráter permanente, a esta altura já casada e com filhos que nasceram em solo santista. Ela, italiana de Nápoles, no registro de estrangeiros figurava como doméstica. No entanto, quando se uniu em matrimônio com Antonio Lopes Miguel 11 anos antes, representava uma das poucas exceções a uma quase regra de mulheres serem referenciadas como domésticas, já que foi uma das únicas oito que haviam registrado ocupação diferente das prendas do lar.

Ela, que trabalhava como modista aos 23 anos de idade, em agosto de 1933 se casaria com um funcionário público nascido em Campinas, ocasião em que ambos viviam no distrito de Guarujá. O percurso do interior de São Paulo ao porto santista não era feito apenas pelo café sob os trilhos da São Paulo Railway, mas também por pessoas que, à semelhança de Antonio, rumaram para o litoral paulista. Já Rosa aqui representa uma entre os 268 imigrantes arrolados nas certidões, que largaram sua pátria, dos quais 102 eram mulheres.

Embora a diversificação laboral fosse uma constante na documentação por nós analisada, observa-se que o mesmo não valia para o sexo feminino. E das poucas profissões declaradas por elas, que incluem a área da costura, do comércio, da saúde, da música, do circo e da indústria, em cinco dos casos elas eram exercidas por estrangeiras, entre as quais Rosa Palhares se inclui.

Em uma sociedade moldada em valores patriarcais, o espaço ao trabalho dado à mulher fora do âmbito familiar era bastante escasso. Ao se levar em conta ainda que em 62% destes poucos casos as tarefas ainda eram, em sua maioria, desenvolvidas por estrangeiras, percebe-se o quanto a oferta de trabalho para mulheres era limitada em Guarujá em sua fase inicial.

Mesmo em casos onde a mulher exercia algum tipo de função remunerada, ainda corria-se o risco de esbarrar em questões de desigualdade salarial quando comparadas aos ganhos do gênero oposto. Exemplo disso é o que Vaz aponta acerca dos salários de funcionários do Grande Hotel de Guarujá do período em que Rosa se casara, onde se constata casos em que homens ganhavam 25% a mais que mulheres, ainda que ambos tivessem a mesma ocupação (VAZ, 2010, p.65 apud SILVA, 2018, p.16).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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com um olhar sobre a composição do município de Guarujá em sua proto-existência, procurou se concentrar, principalmente, em fontes documentais seriadas, que uma vez transcritas, catalogadas e organizadas, deram base metodológica para se produzir resultados importantes à História da cidade.

Embora o objeto de pesquisa tenha as suas limitações em rastrear o elemento humano, que como um todo, vivia na ilha no período em questão, estes resultados, complementados com novos materiais e metodologias, permitirão apreensões ainda mais significativas, que darão luz ao estudo do homem num dado tempo e lugar, e no caso aqui em questão, um dos municípios mais importantes do litoral de São Paulo, seja em aspectos econômicos, turísticos, culturais ou sociais.

A História de Guarujá, que em seu percurso têm encontrado personagens a homenagear com nomes de ruas e escolas, muitas vezes moldada por uma perspectiva elitista e excludente, precisa cada vez mais encontrar nas trajetórias comuns, personagens que representem seus milhares de habitantes com mais afinco, em suas multiplicidades e peculiaridades, construindo assim uma identidade coletiva que valorize a cidade e os elementos que a constituem em sua essência. São histórias individuais de lavradores, portuários, donas de casa, que naturais da ilha ou vindos de fora, muitas vezes desconhecidas por seus próprios descendentes, possuem peso de revelar, em documentos pouco utilizados como ferramenta de pesquisa, ricos símbolos identitários de lutas, tradições e práticas, que poderão tornar Guarujá conhecida por outros símbolos que vão além do porto e da praia.

REFERÊNCIAS

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