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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras. Eni Alves Rodrigues

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras

Eni Alves Rodrigues

A INCLUSÃO DE OBRAS DE MIA COUTO NOS KITS DE LITERATURA DE ESCOLAS MINEIRAS E OS PRESSUPOSTOS DA LEI Nº 10.639/2003:

pontos de vista e propostas de leitura

Belo Horizonte 2015

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Eni Alves Rodrigues

A INCLUSÃO DE OBRAS DE MIA COUTO NOS KITS DE LITERATURA DE ESCOLAS MINEIRAS E OS PRESSUPOSTOS DA LEI Nº 10.639/2003:

pontos de vista e propostas de leitura

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa.

Orientadora - Maria Nazareth Soares Fonseca

Belo Horizonte 2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Rodrigues, Eni Alves

R696i A inclusão de obras de Mia Couto nos kits de literatura de escolas mineiras e os pressupostos da Lei nº 10.639/2003: pontos de vista e propostas de leitura / Eni Alves Rodrigues, Belo Horizonte, 2015.

154 f.: il.

Orientadora: Maria Nazareth Soares Fonseca

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Couto, Mia, 1955-. Crítica e interpretação. 2. Cultura afro-brasileira - Legislação. 3. Literatura africana (Português) - História e crítica. 4. Literatura - Estudo e ensino. 5. Leitura - Estudo e ensino I. Fonseca, Maria Nazareth Soares. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Letras. III. Título.

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Eni Alves Rodrigues

A INCLUSÃO DE OBRAS DE MIA COUTO NOS KITS DE LITERATURA DE ESCOLAS MINEIRAS E OS PRESSUPOSTOS DA LEI Nº 10.639/2003:

pontos de vista e propostas de leitura

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa

Profª. Drª. Maria Nazareth Soares Fonseca (Orientadora – PUC Minas)

Prof. Dr José de Sousa Miguel Lopes (UEMG)

Profª. Drª Aracy Alves Martins (UFMG)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, porque sem Ele o caminho seria bem mais árduo;

Agradeço a minha mãe por ter me ensinado que aprender nunca é demais!

Ao meu querido esposo Wedson, pelo companheirismo;

Aos meus filhinhos amados Samuel e Sávio, pelo amor e compreensão;

A minha orientadora, Drª. Maria Nazareth, por acreditar em mim e pelos seus ensinamentos, pela amizade, paciência е confiança ао longo das supervisões das minhas atividades;

À agência de fomento CAPES, por custear meus estudos;

A minha amiga Valdenice, por me apoiar durante a construção de todo o Mestrado;

Aos meus familiares, por compreenderem a não possibilidade de presença em momentos importantes e, em especial a Nivalda por sua valorosa contribuição.

Aos meus colegas de trabalho, em particular, a Cristina, que me incentivou e apoiou desde o processo seletivo do Mestrado.

Aos professores e colegas do curso de Pós-graduação em Letras da PUC-Minas, pelo aprendizado, em especial, às minhas queridas mestras, Karina, Elisângela e Marcélia.

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Os fatos só são verdadeiros depois de serem inventados. (Mia Couto, 2005)

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo investigar a inclusão de obras das literaturas africanas de língua portuguesa, presentes nos kits de literatura afro-brasileira da Prefeitura de Belo Horizonte, para cumprir os objetivos da Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. O estudo pretende avaliar de que forma as obras de autores das literaturas africanas de língua portuguesa, presentes nos kits, podem ser abordados no estudo de História da África e dos Africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e na constatação da importância do negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. Para conseguir investigar tais aspectos foi feita uma seleção das obras de Mia Couto presentes nos kits de literatura afro-brasileira da prefeitura de Belo Horizonte, procedeu-se à análise literária de cada uma e foram apresentadas propostas literário-pedagógicas para as obras analisadas. Os resultados da pesquisa mostraram que a inclusão de obras de literaturas africanas de língua portuguesa, em especial as de Mia Couto, está em consonância com as recomendações da Lei nº 10.639/2003 e, portanto, é pertinente a inclusão delas nos kits.

Palavras-chave: Lei nº 10.639/2003. Literatura afro-brasileira. Mia Couto-obras. Propostas literário-pedagógicas.

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ABSTRACT

This thesis aims to investigate African literature’s inclusion (in Portuguese language), included in the Belo Horizonte’s African-Brazilian literature kits, to meet the objectives of Law 10.639 (January 9, 2003), which makes compulsory History and Afro-Brazilian’s Culture in school grids. The study aims to assess how the African’s literary can help to understand the situation of African’s descendants in Brazil, their history, struggles and contribution. The purpose is to demonstrate the importance of African’s descendants to the formation of the national society and Brazil’s history, rescuing the contribution and relevance of those descendants in the social, economic and political fields. To investigate these aspects was made a selection of Mia Couto´s books/works included in the Belo Horizonte’s African-Brazilian literature kits. After that, it was done the literary and pedagogical’s analysis. The result of the survey showed that the inclusion of African´s literature in the kits, especially Mia Couto, are in line with the recommendations of the Law Number 10.639/2003 and therefore the inclusion of them is relevant.

Keywords: Law Number 10.639/2003. African-Brazilian’s Literature. Mia Couto’s works. Literary-pedagogical proposals

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Ilustração do livro O gato e o escuro da edição brasileira...p. 96 Figura 2 - Ilustração do livro O gato e o escuro - da edição portuguesa...p. 96 Figura 3 – Forma textual do livro O beijo da palavrinha...p. 103 Figura 4 – O início do desenho da palavra mar...p. 106 Figura 5 – Mafalda – Preconceito Racial...p. 124

Figura 6 – Capa do livro O beijo da palavrinha da edição portuguesa...p. 135 Figura 7 – capa do livro O beijo da palavrinha da edição brasileira...p. 135

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Participação anual de obras de literaturas africanas de língua portuguesa nos Kits de Literatura Afro-brasileira da PBH/2004-2012... 30

Gráfico 2 - Participação Total de Literaturas Africanas de língua portuguesa nos Kits de Literatura Afro-brasileira da PBH- 2004-2012... 31 Gráfico 3 – Representatividade dos países de africanos de língua portuguesa nos Kits de Literatura Afro-brasileira da PBH/2004-2012... 32

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Relação de títulos e autores de países de LALP nos kits de literatura Afro-brasileira da PBH de 2004- 2012...p. 33

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CINCO – Cinco países africanos de língua portuguesa – Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau.

FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique KIT – kits de literatura afro-brasileira

LALP – Literaturas africanas de língua portuguesa MEC – Ministério da Educação (Brasil)

ONU – Organização das Nações Unidas

PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

RENAMO - Resistência Nacional Moçambicana

SMED/BH -Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

SEPPIR - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...14

2 A CRIAÇÃO DA LEI N º 10.639/2003 E A MOTIVAÇÃO DOS KITS DE LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: UM BREVE CENÁRIO DA POLÍTICAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS...16

3 AS OBRAS DE LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS KITS DE LITERATURA AFRO-BRASILEIRA...28

3.1 Angola... 36

3.2 Cabo Verde... 38

3.3 Guiné-Bissau... 39

3.4 São Tomé e Príncipe... 40

3.5 Moçambique... 41

3.5.1 A escrita de Mia Couto... 42

3.5.1.1 Brincriações e sonoridades... 44

3.5.1.2 Realidade – como magia e subversão... 51

4 ANÁLISE DAS OBRAS DE MIA COUTO PRESENTES NOS KITS AFRO-BRASILEIROS DA SMED/BH... 56

4.1 O outro pé da sereia... 56

4.2 O último voo do flamingo... 70

4.3 O fio das missangas... 82

4.3.1 O novo padre... 84

4.3.2 Entrada no céu... 89

4.4 Obras infantis de Mia Couto selecionadas para os KITs...93

4.4.1O gato e o escuro... 95

4.4.2 O beijo da palavrinha... 102

5 A APLICABILIDADE DA LEI Nº 10.639/2003 COM AS OBRAS DE MIA COUTO SELECIONADAS PARA OS KITS...112

5.1 Propostas literário-pedagógicas para as obras de Mia Couto selecionadas para os Kits... 116

5.2 Possibilidades literário-pedagógicas a partir dos romances de Mia Couto selecionados para os kits... 119

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5.2.2 O último voo do Flamingo... 124 5.3 O fio das missangas - Propostas literário-pedagógicas para o livro de contos...

127 5.3.1 O novo padre... 127 5.3.2 Entrada no céu... 130 5.4 Propostas literário-pedagógicas para as obras infantis de Mia Couto

selecionadas para os kits... 132 5.4.1 O beijo da palavrinha... 134 5.4.1 O gato e o escuro...136 5.5 Atividades pedagógicas e a Lei nº 10.639/2003 – desafios para uma sintonia .138

6 Considerações finais...140 REFERÊNCIAS...143 ANEXOS...150

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1 INTRODUÇÃO

Em 2013, conhecemos a relação de livros que integram os kits de literatura afro-brasileira distribuídos pela Prefeitura de Belo Horizonte às escolas do município. Desde então, surgiu o desejo de averiguar se as obras de autores das literaturas africanas em língua portuguesa presentes nos kits poderiam contemplar as determinações da Lei nº 10.639, de 09 de Janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira nos diferentes níveis de ensino. Interessamo-nos por melhor entender em que sentido as obras de literaturas africanas, especificamente as do escritor moçambicano Mia Couto, presentes nos kits, poderão ampliar o conhecimento dos alunos sobre as questões afro-brasileiras.

Ao partir do questionamento das razões que explicariam a inclusão de obras de literaturas africanas nos kits de literatura afro-brasileira, pretendemos discutir nesta pesquisa como as obras selecionadas do escritor moçambicano Mia Couto poderão contribuir para o cumprimento dos objetivos da Lei nº 10.639/2003. A razão de Mia Couto ser o autor com o maior número de obras contempladas nesses kits não se encontra justificada nos documentos que normatizam os conteúdos dos kits.

A partir dessa constatação, o trabalho procura, além do entendimento das razões da inclusão das obras do escritor moçambicano, contribuir com a proposição de atividades pedagógicas sobre a leitura dos livros do referido escritor, presentes nos kits, as quais possam enriquecer as atividades que se voltam ao estudo de cultura e da literatura afro-brasileiras. Uma vez que essa parece ser a maior dificuldade dos professores que recebem os kits de literatura.

O desenvolvimento da dissertação encontra-se estruturado em quatro capítulos. Apresentamos, primeiramente, o cenário brasileiro em que foi criada a Lei nº 10.639/2003, atentando para as políticas públicas literárias que visam atender os alunos enquanto leitores e cidadãos.

No segundo capítulo, faremos um retrato literário dos países africanos de língua portuguesa, contemplados ou não, com a inclusão de obras de seus escritores nos kits literários afro-brasileiros da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED/BH), verificando, sinteticamente, a consonância de cada obra selecionada com os critérios de seleção dos kits. Neste capítulo ,apresentamos um

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quadro estatístico das obras de literaturas africanas de língua portuguesa presentes nos kits e um breve panorama literário dos países africanos de língua portuguesa, valendo-nos de considerações das pesquisadoras Maria Nazareth Fonseca, Terezinha Taborda Moreira e outros estudiosos.

No terceiro capítulo, apresentaremos uma sucinta análise literária dos cinco livros de Mia Couto, selecionados para os kits literários afro-brasileiros da SMED/BH, que são os seguintes: O beijo da palavrinha (2006a), O gato e o escuro (2008), O fio

das missangas (2009), O último voo do flamingo (2005) e O outro pé da sereia

(2006). Atentamos para o aspecto realista dos romances buscando apoio na estudiosa Tania Pellegrini e nos teóricos literários Inocência Mata e Moema Augel. Para buscar um viés das possibilidades de leitura dos contos de O fio das

missangas, buscamos suporte em Ricardo Piglia e Antoine Compagnon. Para

discutir relação entre o fictício e a realidade segregacionista das colônias africanas, utilizamos o depoimento de José Luís Cabaço. Na análise das obras infantis repercutiram as ideias das estudiosas do tema como Magda Soares e Fanny Abramovich.

No último capítulo apresentamos um retrato das atividades pedagógicas que a referida lei permite realizar, e aliado a isso iremos propor a discussão do tema das africanidades enriquecida com visões de teóricos como José Miguel de Souza Lopes e Aracy Alves Martins. Buscando unir a análise literária à prática pedagógica cobrada pela Lei nº 10.639/2003, apresentaremos, neste capítulo, sugestões de propostas pedagógicas para os livros de Mia Couto que analisaremos.

Esperamos que nesta pesquisa acadêmica possamos oferecer discussões pertinentes ao campo da literatura em interface com demandas da Lei nº 10.639, de 09 de Janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

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2 A CRIAÇÃO DA LEI N º 10.639/2003 E A MOTIVAÇÃO DOS KITS DE LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: UM BREVE CENÁRIO DA POLÍTICAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS

A iniciativa das Nações Unidas que proclamaram o período de 2003 a 2012 como a Década da Alfabetização, alavancou uma série de ações governamentais no mundo todo para erradicação do analfabetismo funcional. Tal combate estaria voltado “não somente a aprendizagem inicial da leitura e da escrita, mas seus usos para a comunicação, a informação, a produção artística, a participação e a aprendizagem ao longo da vida.” (TERCEIRO..., 2003, p. 3).

No Brasil tem sido adotado o tema letramento para atingir esse foco mais amplo da alfabetização. Vivemos na Sociedade da Informação, e esta, na maioria das vezes, encontra-se na forma escrita, portanto o primeiro pré-requisito da Sociedade da Informação é saber ler para ser um cidadão ativo, nesta sociedade cada vez mais conectada. Para estar na rede não basta apenas decodificar, é preciso ler no sentido de entender o que está escrito. Para que os cidadãos sejam incluídos neste mundo de leitura são necessárias ações e políticas públicas voltadas para alfabetização e letramento, pois as defasagens são altíssimas. As observações provenientes da pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2011) indicam esse panorama:

Ao constatarmos que cerca de 40% dos entrevistados, nessa edição da pesquisa, informaram que não gostam de ler porque apresentam alguma dificuldade para fazê-lo (leem devagar; não compreendem o que leem; não têm paciência ou são analfabetos), descobrimos que esses brasileiros, que representam quase 40% da população (70 milhões de pessoas), não dispõem de habilidades essenciais para se tornarem leitores.

Esse número representa 85,4% do total de não-leitores (88,2 milhões). (RETRATOS..., 2011,).

No entanto como saber ler? Como promover a leitura? Quem pode e/ou deve agir para inserir leitura na vida dos cidadãos da Sociedade da Informação?

O caminho para que o cidadão seja leitor primeiramente passa pela alfabetização, seja a de fato ou a funcional. No Brasil é grande o número de analfabetos funcionais (aqueles que leem, mas não entendem o texto). O ato de ler mesmo, a prática da leitura, precisa ser incentivado. Neste estudo, a Literatura e suas políticas públicas no Brasil, especificamente a Lei nº 10.639/2003 e kits literários para distribuição às escolas criados a partir dela, serão analisadas como ações transformadoras da realidade. A função transformadora da literatura e o ato de ler e escrever textos literários, segundo Cândido (2004), são fundamentais na

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formação do homem e, consequentemente, o direito à literatura pode ser visto como direito humano.

Especificamente tratar-se-á da leitura literária, aqui entendida como a prática da leitura de literatura, por meio da qual o leitor pode acumular experiências só vividas imaginariamente, o que o torna mais criativo e crítico; a leitura possibilita ao leitor internalizar tanto estruturas simples quanto complexas da Língua.

No Brasil as políticas para ampliação da leitura e, consequentemente, dos seus resultados passam na maioria das vezes pela distribuição de kits de livros. Nesse âmbito, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) é uma iniciativa que agregou esforços dos ministérios da Educação e da Cultura e de instituições comprometidas com a promoção do livro e da leitura, cujos eixos são:

1. Democratização do acesso;

2. Fomento à leitura e à formação de mediadores;

3. Valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico; 4. Desenvolvimento da economia do livro.

O Kit de Literatura Afro-brasileira de Belo Horizonte vai ao encontro dos eixos um e dois, pois alunos e professores usufruem do Kit. Porém, sabemos que a simples distribuição de kits não resolve problemas de letramento arraigados no sistema educacional brasileiro e nem mesmo é capaz de alterar o cenário do longo período de negação da História e da Cultura afro-brasileira. São muitos feitos para ir além desta distribuição em Belo Horizonte, porém urge outras frentes de ações para que o sujeito contemporâneo consiga ser ativo na sociedade, tenha seu papel de cidadão construído, independente de condições étnico-raciais. Sabemos que a literatura aliada a uma prática leitora competente (não apenas decodificadora) pode contribuir muito para significativas mudanças sociais.

Fala-se em empoderamento do cidadão como objetivos destas políticas públicas, mas ainda são incipientes os resultados destas ações em índices estatísticos. A Sociedade da Informação impactou a criação dessas políticas literárias, mas nem sempre os atores envolvidos no setor de livro e leitura conhecem as políticas, atuam ou usufruem delas. Muitas vezes os educadores, ao invés de promover o acesso a novas visões de mundo presentes na literatura selecionada para os kits, acabam por repetir os estereótipos de exclusão tão presentes na

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sociedade brasileira. Na esteira destes enganos, estão práticas pedagógicas carentes de políticas de formação dos professores e de melhorias das condições de trabalho destes.

Sabemos que no Brasil este profissional tão responsabilizado por promover mudanças de comportamento é também, muitas vezes, vítima da crueldade da exclusão étnico-racial e da falta de acesso a condições de vida digna. Geralmente são profissionais que estão muito desencantados com o sistema educacional instituído no Brasil, ou profissionais jovens que estão na carreira por falta de opção. Os kits literários sejam eles abrangentes ou específicos como o analisado aqui são provenientes de politicas verticais de inclusão de minorias. As entidades de classe e as instituições de ensino de formação de profissionais do livro e leitura não participam efetivamente da construção e execução dessas políticas.

Se, a leitura não é um talento nato do homem, mas uma prática social que se estrutura e se perpetua dentro de uma comunidade que a pratica e a valoriza, então a leitura merece toda a atenção e preparo para que não seja repetido o que, lamentavelmente, ocorre muitas vezes no processo de escolarização da leitura: a sua descaracterização, a sua transformação em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma o seu poder de humanização. (COSSON, 2006).

A intertextualidade e a ação social são objetivos primordiais dos kits literários afro-brasileiro, os quais redimensionam histórias de personagens que elucidem à realidade vivida sem reforçar preconceitos e padrões de comportamento vigentes na sociedade brasileira. Nesta sociedade, considerada por muitos como uma democracia racial, foi preciso instituir uma lei para que tomássemos consciência de um problema que existe desde o descobrimento do Brasil. Sabemos que tal ato em si não resolve problemas étnico-raciais não assumidos pelos opressores, e muitas vezes nem as vítimas têm consciência desses problemas. A história do Brasil nunca foi contada focalizando os operários da economia escravagista, nem negros que lutaram pela liberdade e da igualdade de direito.

Mesmo com a reforma da educação, em 19961, e a instituição dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) 2, em 1998, o tema da cultura e história africana

1

LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a conhecida LDB.

2 “Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um lado, respeitar

diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com

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não foi contemplado de forma efetiva. Após intensos debates dos movimentos de luta étnico-raciais é que o tema, por meio de decreto lei, foi inserido no contexto escolar. A partir daí percebeu-se que no mercado não havia muitas obras literárias, de atividades pedagógicas literárias, que contemplassem a implementação da Lei nº 10.639/2003. Nota-se, neste fato, o reflexo do sistema capitalista na literatura, no qual há um grande predomínio de escritores brancos, masculinos, heterossexuais, cristãos e burgueses. A produção literária brasileira não conta com expressiva participação da enorme parcela parda e negra, que fica à margem das mídias convencionais, mesmo sendo parte de um movimento social muito atuante. Os grandes destaques midiáticos acabam, muitas vezes, por legitimar seu sucesso com o silenciamento de conflito das relações entre as raças. O que vimos então foi uma grande dificuldade de incluir o tema subjetividade do negro nas práticas pedagógicas, mesmo porque historicamente seu lugar foi descontruído pelo domínio europeu. O negro, depois que foi subjugado pela escravidão, ao assumir-se como sujeito, acaba por não ter um lugar a ocupar, logo o que acaba ocorrendo é que ele se “branqueie”, seja no comportamento ou atitudes. (FANON, 1968).

Por outro lado, também temos o exacerbamento do conceito do “politicamente correto” nos kits literários distribuídos no Brasil. Este foi o caso da presença do livro Negrinha, de Monteiro Lobato, na lista do Programa Nacional Biblioteca na Escola que foi tema de grande debate, devido ao fato de o conto homônimo apresentar termos pejorativos, para o contexto atual, da trajetória de uma menina negra. Mas como conscientizar se não disponibilizarmos o acesso à história? É preciso primeiro conhecer para depois agir, não é eliminando questões étnico-raciais presentes na literatura que trabalharemos as consequências da negação da história do negro no Brasil.

Se considerarmos que o homem sempre está em busca de reflexão em torno da vida e que uma das formas mais extraordinárias de enriquecer essa reflexão pode ser dada pela literatura, entendemos o esforço de muitos professores para formar bons leitores de literatura. Textos literários podem realizar interseções pertinentes na vida dos indivíduos, permitindo mudança de valores, de paradigmas ou mesmo de direção da vida de uma pessoa mais que outros meios. A mudança de isso, pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.’’ (BRASIL, 1996)

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comportamento e de modo de ver o mundo, propiciada pela leitura da obra literária, seria possível porque a literatura leva o indivíduo a pensar e a questionar a condição social do ser humano e, a partir daí, pode ser motivado a lutar para operar mudanças significativas no seu comportamento e mesmo na sociedade em que vive. Essa questão está posta na área da educação, tanto quando foram reconhecidas posturas preconceituosas presentes em muitos livros didáticos e, principalmente, quando se consolidou a Lei nº 9. 394/1996, que foi alterada em 2003 pela Lei nº10. 639/2003, que instituiu as diretrizes curriculares para o ensino da História e Cultura Afro-brasileira Africana no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O teor da lei a que nos referimos é bastante significativo:

LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

“Art. 26-A”. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)" "Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque.

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 10.1.2003(BRASIL, 2003)

Para fins de cumprimento da lei anterior, foi necessária uma nova lei que incluía o tema étnico-racial no currículo oficial da escola:

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Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura Afro-brasileira e Indígena”. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura Afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura Afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad

Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.3.2008 (BRASIL, 2008)

De acordo com Petronilha Gonçalves (BRASIL, 2004), a Lei nº 10.639/2003 não defende, como afirmam muitos críticos, uma abordagem etnocêntrica, que poderia ser vista como apenas uma troca de lugares entre um enfoque europeu por um africano. O objetivo da Lei, diz ela, é ampliar a base dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Neste sentido, é necessário incluir no contexto dos estudos cotidianos também as contribuições dos povos indígenas, dos descendentes de asiáticos, entre outros. No Parecer CNE/CP3/2004 - Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2004), a relatora Petronilha Gonçalves explica ainda que a Lei nº 10.639/2003, sobretudo o seu artigo 26A, exige, na verdade, que repensemos as relações étnico-raciais na sociedade brasileira. Ela propõe uma ampliação do que é central, sendo assim todos/as têm o direito à fala, todos/as têm o direito ao centro. É preciso reescrever a História da África e dos Africanos, mostrando que houve, sim, luta dos negros no Brasil, que a cultura negra brasileira retém muito das contribuições africanas como palavras que estão presentes no idioma oficial do Brasil, contribuições da culinária, na música, na religião dentre outras manifestações

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culturais. Algum tempo após a aprovação da Lei nº 10.639/2003, foi instituído oficialmente no calendário nacional a data de 20 de novembro como dia da consciência negra3, passando o tema da africanidade a ser “comemorado” neste dia. No mês de novembro, as escolas se veem “obrigadas” a tratar do tema, então os kits literários que, muitas vezes, estão esquecidos em armários nas secretarias escolares ou amontoados em bibliotecas são requisitados, mas, na maioria das vezes, as atividades pedagógicas acabam por reforçar os estereótipos do negro submisso, alegre e alienado. Brincadeiras racistas e pejorativas sobre o dia da consciência negra são constantes nesse período, elas ocorrem na nossa sociedade e em equipamentos públicos educacionais, de leitura e de cultura. Frases como estas são recorrentes: Negro tem consciência? A consciência negra só existe hoje?

Zumbi existiu mesmo ou é uma lenda como o saci? Hoje é dia de finados dos negros?4

O negro tem uma intensa participação na formação da sociedade nacional e não se encontra devidamente reconhecido nesta, a Lei é a primeira ação – ela permite um debate sobre a cultura e história afro-brasileira, reconhece que houve (e ainda há) um esquecimento desta parcela da população do Brasil e caminha para o resgate da contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.

Assim, as diversas políticas educacionais que visam o cumprimento da lei, foram iniciadas pelos poderes públicos nas esferas federais, estaduais e municipais. As secretarias de educação de todo o país têm buscado alternativas para que a lei seja cumprida de fato, embora a efetivação das atividades nas escolas ainda não esteja sendo avaliada.

Na esfera Federal temos a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR), criada pela Medida Provisória n° 111,

3

LEI Nº 12.519, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2011. Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o É instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser comemorado, anualmente, no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares.

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de novembro de 2011; 190o da Independência e 123o da República. DILMA ROUSSEFF

Mário Lisbôa Theodoro

Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.11.2011

4

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de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº 10.639/2003, que se originou a partir do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro. Há nessa secretaria diversas ações que visam cumprir a referida lei de obrigatoriedade de ensino da história e cultura nas escolas. Como realização significativa dessas demandas, destacamos o projeto A cor da Cultura, que prevê uma série de ações culturais e educativas com foco na produção e veiculação de programas sobre o histórico da contribuição da população negra à sociedade brasileira, conforme consta em seu texto:

Esta produção, transformada em material didático, aplicado e distribuído às escolas públicas, deverá ampliar o conhecimento e a compreensão sobre a história dos afrodescendentes e história da África e, assim, contribuir para os objetivos previstos na Lei nº 10639/2003 .(BRASIL, 2004, p. 7, grifo nosso)

Como atividades importantes desse projeto, destacamos o programa de Livros animados, documentários exibidos na TV Cultura, para incentivar a leitura entre as crianças. A proposta do projeto é assim descrita: “os Livros Animados – que incentivam a leitura junto ao público infantil – composto de dez edições, destacando escritores, temáticas afro-brasileiras e africanas e visibilidade de artistas negros em várias áreas – da interpretação à produção literária, por exemplo”. (BRASIL, 2004, p. 7)

Como produto do projeto A cor da Cultura, temos a distribuição de dois mil Kits para escolas públicas de ensino fundamental de sete estados da federação. Nestes, há fitas de vídeo, livro para os professores, dicionário de línguas africanas, jogos educativos, entre outros recursos de fixação de conhecimento sobre a África e sobre a população afro-brasileira. Observamos que neste kit não está claramente indicado que há a inclusão de obras literárias afro-brasileiras.

Ainda na esfera Federal, existe o Projeto Pontos de Leitura Ancestralidade

Africana no Brasil que tem por objetivo apoiar e estimular iniciativas culturais, já em

andamento, voltadas para a promoção, preservação e divulgação da história e cultura africana e afro-brasileira.

Os pontos de leitura temáticos foram equipados pelo Sistema Nacional Bibliotecas Públicas/Fundação Biblioteca Nacional, de maneira a possibilitar a ampliação de suas ações na área de leitura, constituindo-se como mais um espaço de democratização ao acesso aos livros, em seus diferentes suportes, e ao estímulo às práticas leitoras.

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Ao todo são dez unidades da federação brasileira que receberão os Pontos

de Leitura Ancestralidade Africana, sendo uma delas em Minas Gerais – Quilombo

de Macuco - Estrada do Município de Minas Novas na região Alto Jequitinhonha.5 No Programa Nacional Biblioteca na Escola, do Ministério da Educação (MEC), não encontramos especificamente kits de Literatura Afro-brasileira, mas sabemos que há a distribuição de kits de literatura em geral para as bibliotecas de escolas e, no kit de 2013, foi verificada a presença da obra O último voo do flamingo, de Mia Couto.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Educação não distribui kits de literatura que trabalhem a Lei nº 10.639/2003. Existem incentivos e cursos de formação para os professores para estimular a implantação da referida Lei nos currículos. Dentro destes incentivos, destacamos o Projeto Afrominas:

O Projeto de Valorização da Cultura Afro-Brasileira na educação pública - AfroMinas - visa fortalecer a educação como instrumento de promoção social, de cidadania e de valorização da diversidade étnico-racial. Por meio da inserção de temas voltados para o combate ao racismo e discriminação racial, no cotidiano das salas de aula, busca ressaltar as condições sobre as quais o preconceito se manifesta e, através da revisão dos fatos históricos e inclusão de temas voltados para valorização cultural e social dos povos afro-brasileiros, assegurar o respeito e o reconhecimento do papel do Negro na constituição e manutenção da sociedade brasileira. (MINAS GERAIS, 2014)

Como se procura cumprir os dispositivos da lei no município de Belo Horizonte? A Secretaria de Cultura de Belo Horizonte criou o Kit de Literatura Afro-brasileira, assim como diversos municípios do Brasil que, para fins de cumprimento da Lei nº 10.639/2003, optaram pela formação de kits de livros que são distribuídos às escolas. Além da capital, tem-se o registro de distribuição de kits de livros nas cidades de Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e Nova Lima, todas da região metropolitana de Belo Horizonte.

5

A ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA MACUCO. Associação dos Moradores e Produtores Rurais das Comunidades de Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravatá – APRONPIG

Responsável: Itamar Alves de Souza / Presidente: André Ferreira de Matos Endereço: Rua Santana, 45 – Centro – CEP: 39650-000 Minas Novas MG. E-mail: ascultura@yahoo.com.br Fone: (033) 9199 7355 / (033) 9198 5483

Associação Quilombola do Macuco agrega quatro quilombos: Macuco, Mata Dois, Gravatá e Pinheiro. O nome Macuco é de um pássaro que havia pela região, Gravatá é uma frutinha com forma de abacaxi que também já foi abundante, Mata Dois parece ser o nome da época do garimpo, quando dois homens acharam uma grande pedra de ouro, mas não querendo dividi-la, um tentou matar o outro e ambos morreram afogados no rio. Em Pinheiro há uma árvore com esse nome.

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Entendemos que os kits, segundo a lei, devem oferecer material para contemplar :

o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. (BRASIL.2003)

Em Belo Horizonte, há Núcleo de Relações Étnico-Raciais que foi criado em 2004 a partir da Lei nº 10.639/2003. O trabalho a ser desenvolvido na SMED/BH (Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte) é regido pelas seguintes legislações:

a) A RESOLUÇÃO CME/BH Nº 003 DE 20 DE NOVEMBRO DE 2004 que Institui Diretrizes Curriculares Municipais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e cultura Afro-brasileira e Africana.

b) LEI Nº 9.934 DE 21 DE JUNHO DE 2010 que dispõe sobre a Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial e cria o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial e dá outras providências. O Núcleo de Relações Étnico-Raciais compõe a Gerência de Coordenação da Política Pedagógica e de Formação da Secretaria Municipal de Educação, com o objetivo de atender à demanda crescente de formação e subsidiar o trabalho com a temática étnico-racial nas escolas municipais de Belo Horizonte.

Desde o ano de 2004, foram enviados cinco kits de Literatura Afro-brasileira a todas as escolas de ensino fundamental da SMED/BH. O acervo é composto por livros teóricos, para formação docente e, também, por livros de literatura para docentes e discentes. Os estabelecimentos de educação Infantil, incluindo as creches conveniadas, só passaram a ser contemplados com a entrega do material a partir do quinto kit de Literatura Afro-Brasileira.

Segundo o Núcleo de Relações Étnico-Raciais os livros selecionados para os kits de Literatura Afro-brasileira são:

[...] em linhas gerais os livros que apresentam personagens negras em contextos diferenciados de maneira positiva, com perfil bem elaborado e muitas vezes desempenhando papel central; que trabalham com uma abordagem histórica da cultura africana e afro-brasileira; que contribuam para uma modificação da rede de significados da palavra negro, mestiço, pardo, pois rompem com uma tradição de representação da personagem

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negra em condições subalternas e pejorativas. Observa-se ainda, para a escolha, produções que contemplem as temáticas que dizem respeito às relações de gênero, à diversidade sexual e identidade de gênero. (BELO HORIZONTE, 2013)

Os participantes desta escolha são integrantes do Núcleo de Relações Étnico-Raciais e consultores especializados em literaturas africanas e Afro-brasileira e de gênero. Ainda, no que se refere à escolha temos, como em todas as relações da sociedade capitalista, as questões mercadológicas. Como se trata de compras públicas que exigem demasiada burocracia documental e processos presenciais licitatórios, alguns livros que hipoteticamente cumpririam os critérios não são selecionados e outros que poderiam ter os critérios de sua inclusão nos kits questionados são mantidos porque estão na mídia ou porque os professores e alunos os demandam, ou ainda porque exigem menos dificuldade burocrática de cumprimento do processo licitatório do que os de outras empresas do mercado editorial, que desconhecem os meandros das compras públicas no Brasil.

Junto às políticas para Promoção da Igualdade Racial através da distribuição do Kit de Literatura Afro-brasileira estão as políticas para a leitura e, consequentemente, as escolas e o desenvolvimento de ações pedagógicas de promoção da igualdade racial. As escolas que, sem dúvida, são os espaços de preservação do saber coletivo, da formação do cidadão e da promoção das mudanças esperadas, são contempladas pela SMED/BH com ações de fomento a formação de educadores, almejando que as diretrizes da Lei nº 10.639/2003 sejam alcançadas através de atividades pedagógicas que façam circular os livros constantes nos kits distribuídos.

Levando em consideração todas as ações que objetivam o cumprimento da lei, perguntamos - e esse é o objetivo deste estudo - de que forma obras de autores das literaturas africanas de língua portuguesa, presentes nos kits, podem contemplar o objetivo geral da Politica de Promoção da Igualdade Racial na SMED/BH, que é: “a redução das desigualdades raciais no município, com ênfase na população negra, mediante a realização de ações exequíveis a longo, médio e curto prazo, com reconhecimento das demandas mais imediatas, bem como das áreas de atuação prioritárias”. (BELO HORIZONTE, 2013, s.p.)

Ficou já constatado que Mia Couto, reconhecido autor moçambicano que recebeu uma série de prêmios literários e, em 2013, foi o vencedor do Prêmio Camões, é o escritor mais prestigiado nos kits. Essa constatação fundamenta a

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nossa pesquisa, e é a partir dela que será feita uma análise criteriosa das obras deste autor constantes nos kits, relacionando-as com os dispositivos da Lei nº 10.639/2003 e com os documentos que a explicam. Empenhamo-nos, ainda, por destacar aspectos que possam ampliar os estudos sobre a cultura e literatura afro-brasileiras e por propor atividades pedagógicas que possam ampliar o estudo das obras selecionadas.

De início podemos dizer que existe de fato uma relação entre literatura e propostas de mudanças de comportamento, principalmente nas obras das literaturas africanas de língua portuguesa, voltadas às questões do homem e da sociedade africana. Resta saber se as obras selecionadas nos Kits de Literatura Afro-brasileira de Belo Horizonte vão ao encontro dessa afirmativa.

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3 AS OBRAS DE LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS KITS DE LITERATURA AFRO-BRASILEIRA

Neste capítulo, abordaremos a consonância das obras selecionadas nos kits de Literatura Afro-brasileira de Belo Horizonte com os objetivos da Lei nº 10.639/2003. O teor principal da proposta desta lei é tornar obrigatório o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira. Ao se considerar essas metas, investigaremos se os livros de literaturas africanas de língua portuguesa têm um comprometimento com os dispositivos da lei, pois sabemos que podem instigar nos alunos um interesse maior por questões que poderão ser discutidas no campo da História da África. Nesse contexto, destaca-se, porém, o perigo de se considerar questões abordadas em textos literários como se fossem pertinentes a todo o continente africano. Deve-se ter o cuidado de não universalizar informações sobre tão vasto espaço geográfico, considerando, de forma bem instigante, a diversidade cultural do continente. As literaturas africanas de língua portuguesa são janelas que se abrem a diferentes visões de África, e através delas podemos nos permitir alcançar uma África com seus diferentes costumes, suas tradições e também os avanços da modernidade. Assim, os livros de literatura podem incentivar os alunos a formar visões sobre a África de forma mais ampla, e não apenas mítica e exótica. Não é pelo fato de que as literaturas dos países africanos de língua portuguesa transmitirem conhecimentos históricos e sociológicos que podemos esquecer-nos de que são, antes de tudo, uma produção ficcional. As obras de literaturas africanas de língua portuguesa e também as escritas em outras línguas cumprem um papel extraliterário de “esclarecimento” da história e da cultura do homem negro. Isto ocorre não apenas por serem países que têm projetos literários recentes, mas também porque enfrentam problemas graves com relação à educação e às sequelas deixadas pela colonização. O aspecto extraliterário das literaturas africanas de língua portuguesa (LALP6) é destacado por Inocência Mata quando diz:

Esse ‘funcionamento’ extraliterário é potenciado pelo facto de, sendo estas sociedades eminentemente agrafas e emergentes da situação colonial, e padecendo de um constrangimento que diz respeito ao facto de o homem africano continuar sendo objeto e raramente sujeito

6

A partir dessa página onde se vê LALP deve-se entender como sigla de Literaturas africanas de língua portuguesa

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do conhecimento cientifico, este vai constituir-se também por via da observação do vivenciado e do experenciado, que é filtrado pelo sujeito interpretante. (MATA, 2006, p. 34)

Sendo assim, podemos afirmar que as questões sociais, intelectuais e as particularidades dos africanos podem ser reveladas e atualizadas nas obras literárias, porém temos que atentar que tais questões estão, nos livros, filtradas pelo ficcional e traduzidas pelo autor, particularmente quando procura dar voz aos que são colocados à margem da voz “oficial’”. Vale ressaltar que o texto literário africano está cumprindo o seu projeto ficcional e literário, cabendo, aos estudos desses textos, investigar as incursões que ele faz pela História, pela Antropologia, pela Geografia, pela Sociologia, mas sem fazer dele um texto não literário.

A história de cada país africano pode ser contada de diferentes modos, dependendo do contexto e da época em que se conta. No retrato literário das LALP sabemos que se trata de cinco países com realidades bem diversas e, portanto, com sistemas literários bastantes singulares, embora haja fases em que eles se aproximam. Esta variedade pode ser bastante enriquecedora para o trabalho pedagógico sobre as culturas africanas, particularmente quando se estudam as recentes lutas pela libertação dos países africanos do colonialismo, em diálogo com textos da literatura de combate e com as diferentes feições que essa literatura assumiu em cada país.

Percebe-se grande representatividade no mercado editorial globalizado da literatura de Moçambique e Angola, ao passo que as literaturas da Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde têm ainda pouca expressividade no mercado editorial internacional. Partindo deste pressuposto, corre-se o risco de construirmos uma visão homogeneizante da literatura destes países. Cabe a nós alertar para o fato de que em cada país houve um tipo de colonização, de independência e de construção do sistema linguístico. Importante dizer também a respeito da cultura de cada país, a anterior à colonização, a que foi se formando durante a colonização e a que se transforma a partir da globalização, e do seu processo de construção nacional, já que cada país, após a independência, tem seu processo de nação construído de forma singular. Essas peculiaridades precisam ser consideradas ao se formarem os educadores que lidarão com as obras apresentadas pelos kits na sala de aula.

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Nos kits, a presença das literaturas africanas está contemplada por obras dos cinco países que têm o português como língua oficial e por publicações de autores do Gana, Camarões, Nigéria, África do Sul e outros. Na análise da representação da LALP, poderiam aparecer livros de literatura de Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Cabo Verde7, porém não foi registrada, na coletânea dos kits, nenhuma obra de São Tomé e Príncipe. Podemos verificar nos gráficos como tem sido a inserção de obras de LALP nos Kits de Literatura Afro-brasileira da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) de 2004 a 2012:

7 CINCO – Termo adotado por Inocência Mata para designar os cinco países africanos de língua

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14 433 1 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500

Gráfico 2 - Participação Total de L iteraturas

Africanas de Lingua Portuguesa nos Kits de

Literatura Afro-brasileira da PBH- 2004-2012

Total de LALP

Total de títulos dos Kits

Fonte: Dados da pesquisa

Nos gráficos apresentados, visualizamos que, nos dois primeiros kits, não houve nenhum livro de LALP. O primeiro gráfico nos mostra que, em 2007, começamos com uma representação da LALP muito significativa, encontramos sete títulos, este número caiu para cinco em 2009, continuando em queda apresentando apenas dois títulos em 2012. Analisamos também que a quantidade de títulos ofertada também tem oscilado muito, mantendo uma média de 94 títulos por ano. O ano de 2007 apresenta uma quantidade de títulos muito superior à média de 159 títulos.

No gráfico dois vemos que nos cinco kits já entregues, houve um total de catorze títulos de LALP dos 433 distribuídos, logo 3% dos livros distribuídos são de literaturas africanas de língua portuguesa.

Apresentamos a seguir os dados da representatividade da literatura dos cinco países africanos de língua portuguesa:

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0 0 1 1 0 0 0 5 2 0 0 0 1 2 1 0 0 0 0 1 0 1 2 3 4 5 6

I - 2004 II-2006 III-2007 IV-2009 V-2012

Gráfico 3 - Representatividade dos países de africanos de língua portuguesa nos Kits de Literatura Afro-brasileira da

PBH- 2004-2012

Guiné Bissau Moçambique São Tomé e Príncipe Angola

Cabo Verde

Fonte: Dados da pesquisa

Em 2007 e 2009, temos a participação de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, com destaque para Moçambique com cinco títulos inseridos no terceiro kit. Moçambique é o país melhor representado no total geral com sete títulos, e São Tomé e Príncipe o pior, já que nunca foi contemplado com a escolha de nenhuma obra literária.

Já em 2012, o número de obras literárias de países colonizados por Portugal na África caiu significamente apresentando apenas um título de Cabo Verde e outro de Angola. Notamos que houve uma queda muito drástica na participação das LALP desde que o programa foi iniciado até o último kit distribuído. É notável também que a literatura de Moçambique teve queda significativa de sua participação até que em 2012 não constou nenhum título deste país.

Apresentaremos a seguir um quadro no qual podemos visualizar títulos e autores de cada país contemplado com a inserção de obra nos acervos já distribuídos pelo programa desde sua implantação, conforme visualizamos no quadro:

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Quadro 1 – Relação de títulos e autores de países de LALP nos kits de literatura Afro-brasileira da PBH de 2004- 2012

Kit/ano Título Autor País

III

2007

O homem que não podia olhar para trás Nelson Saúte Moçambique

Niketche Paulina Chiziane Moçambique

O outro pé da sereia Mia Couto Moçambique

O beijo da palavrinha Mia Couto Moçambique

O último voo do Flamingo Mia Couto Moçambique

A última tragédia Abdulai Sila Guiné-Bissau

O filho do vento José Eduardo Agualusa Angola

IV

2009

O fio das missangas Mia Couto Moçambique

O gato e o escuro Mia Couto Moçambique

Avodezanove e o segredo soviético Ondjaki Angola

No fundo do canto Odete Semedo Guiné-Bissau

A gloriosa família Pepetela Angola

V

2012

Os da minha rua Ondjaki Angola

Midju di fogu Pedro Matos Cabo verde

Fonte: Dados da pesquisa

Notamos, pela análise do quadro, que nos kits de literatura Afro-brasileira da Prefeitura de Belo Horizonte, nos dois primeiros anos, não houve nenhum livro de LALP e, ao apresentar sete títulos de escritores moçambicanos, contempla além de Mia Couto, Nelson Saúte e Paulina Chiziane.

Tendo em vista que nas orientações para escolha do tipo de obra que deve ser contemplada no kit não há nenhuma referência à obrigatoriedade da presença das LALP, não vemos motivos para entrar em análise do porquê dessas oscilações. Podemos inferir que isto pode refletir as condições do mercado editorial globalizado e uma melhor adequação das determinações da Lei nº 10.639/2003.

Sabemos que as obras africanas selecionadas devem abordar questões relativas a uma visão do negro sem estereótipos, a não ser que sejam abordados de forma crítica, e uma visão de África que reflita as diferentes feições do continente, sem valorizar as visões de uma África mítica e exótica. Tais orientações almejam que os estudantes ampliem seus conhecimentos e assim os incentivem a atuarem no combate ao racismo no Brasil.

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Passaremos agora para uma análise sucinta das obras de LALP que se encontram nos kits, apresentando, primeiramente, um resumo da realidade de cada um dos CINCO e informações sobre o projeto literário de cada país. Em seguida, apresentaremos aspectos das obras de LALP inseridas que vão ao encontro da Lei nº 10.639/2003. Mostraremos também a análise de Moçambique, mas sem análise das obras de Mia Couto, já que estas são o tema desta dissertação e serão analisadas de forma mais aprofundada nos capítulos seguintes.

Para falarmos das literaturas africanas de língua portuguesa, devemos alertar que não conseguiremos reuni-las em um panorama homogêneo, pois os países tiveram diferentes processos literários no período da colonização e também no pós-independência. Ressaltamos que em todos eles há os efeitos da barbárie histórica da colonização e da independência tardia, mas as particularidades de cada país precisam ser consideradas. Portanto, devemos ter cuidado com as generalizações midiáticas, históricas, sociais ou econômicas que “ignoram as especificidades do processo colonial desses países e a consequente diferença em seu papel de emancipação política e posteriores momentos marcados pela diversidade.” (MATA, 2006, p. 33-44)

Nas análises de obras das literaturas africanas de língua portuguesa, os termos diáspora8, migração e transgressão precisam ser discutidos com relação à especificidade das obras e, principalmente, levando-se em conta o modo como tais processos mostram-se na escrita dos textos. Tais discussões são fundamentais para que os trabalhos a serem desenvolvidos com as obras selecionadas pelos kits reflitam bem o contexto de sua produção, permitindo que a literatura possa auxiliar no entendimento das tensões características da enunciação literária.

Nesse sentido, percebemos a importância da formação de professores, como os da PBH porque discutirão, com auxílio dos textos literários, questões importantes do mundo atual, tais como: a questão racial na globalização e suas implicações; a exclusão de indivíduos e de nações; processos econômicos, sociais e culturais. A ampliação do conhecimento da história e das culturas africanas pode permitir o

8

Segundo afirma Sandra Regina Goulart Almeida (2006), a referência a produções cujo foco é o deslocamento contemporâneo torna-se mais apropriada por meio do conceito de diáspora, uma vez que este apresenta um caráter especificamente político ao denotar o movimento de dispersão de povos, quer seja voluntário ou forçado, geralmente com forte impacto político, social e cultural, originando, no país anfitrião, um grupo migratório, uma comunidade, às vezes imaginária, como sugere Benedict Anderson (1983), que mantém uma forte conexão com a terra natal. (ALMEIDA, apud CARDOSO, 2010 p. 23)

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fortalecimento de uma visão mais clara de ideias que podem motivar a reação de espaços subalternos mais atingidos pelas sequelas deixadas pela colonização. Tais sequelas atingem, ainda hoje, na sociedade brasileira, os indivíduos que não conseguem alcançar as exigências dos novos tempos, tais como leitura funcional, competência informacional dentre outras habilidades contemporâneas. Essa questão está presente na maioria dos países africanos e, por isso, a literatura produzida no continente volta-se à sua encenação.

Como já observamos, ao se utilizarem obras literárias africanas em trabalhos pedagógicos, podem-se reforçar construções errôneas sobre a África, inclusive a visão errônea de que toda obra literária dos CINCO volta-se à resistência ao colonialismo e ao racismo. Deve-se considerar que as obras literárias africanas são úteis ao cumprimento da Lei nº 10.639/2003, embora nem todas tenham a questão do negro como mote principal de suas poesias, contos ou romances, aproximando-se, por isso, de feição da literatura afro-brasileira. Considere-se que a questão do negro é diferente em cada país e que a questão do preconceito nem sempre é dirigida somente contra o negro. Podemos discutir aspectos dos países africanos, ex-colônias portuguesas, que caracterizam as diferenças entre eles. Alguns desses aspectos podem ser semelhantes, mas suas nuances são muito importantes para a identidade de cada um, e ao retratar um pouco de cada um deles procuramos demonstrar isso. A própria localização de cada país africano, no mapa do continente, indica uma primeira grande diferença entre eles: a geográfica.

Mapa 1 - Localização dos países de Língua Portuguesa no Continente africano

Fonte: MINAS GERAIS, 2014.

Nenhum dos países indicados no mapa faz fronteira com outro também colonizado por Portugal. Além disso, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são países insulares; Moçambique e Angola são países de grande extensão territorial e de

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grande expressão econômica, enquanto Guiné-Bissau, além de pequeno, é um país pobre ainda conturbado por golpes militares. A história de cada um dos países africanos de língua portuguesa pode ser explicada a partir de aspectos que os tornam diferentes uns dos outros.

3.1 Angola

O país, durante séculos, representava, metonimicamente, o poderio de Portugal em África, tendo, por isso, obtido, nos séculos XIX e XX, grande desenvolvimento em infraestrutura. Angola possui grandes reservas de riquezas minerais e com boa estrutura social, comercial, cultural, desde a colonização, contribuiu para que surgisse, no país, principalmente em Luanda, produções literárias significativas no período colonial. Após a Independência, em 1975, teve início a guerra civil e somente em 2002 houve um acordo entre as forças políticas e militares e a redemocratização do país começou a se estabelecer. Quanto à economia, o país é grande produtor de petróleo e diamantes. Na área da educação ainda temos pouco acesso ao ensino, no ciclo básico apenas 50% das crianças e jovens têm acesso à escola, o analfabetismo ainda atinge 34 % da população. 9

Os intelectuais que iniciaram os movimentos de independência deram força à produção literária do país e são considerados os precursores da Literatura angolana pós-independência, dentre os quais destacam-se os escritores Antônio de Assis Júnior, Castro Soromenho e Oscar Ribas. Em Luanda, surgiu o movimento “Vamos descobrir Angola”, que visava sair de uma cultura tradicional imposta pelo colonizador para buscar uma nova Angola marcada pela cultura do povo angolano. As revistas Mensagem e Cultura marcaram o início da poesia moderna de Angola. No primeiro número houve a publicação de textos de Mário Antônio, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Alda Lara, Antônio Jacinto e Mário Pinto de Andrade.

9

Fontes dos dados: site oficial do governo de Angola e site http://cooplusofonoseducacao.wordpress.com/ países/angola/

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Um dos grandes precursores da renovação da escrita literária angolana é Luandino Vieira com suas reconhecidas obras Luuanda (1974), Nós, os do Makulusu (1975) e João Véncio: os seus amores (1979).

A construção de uma vertente assumidamente voltada para a função social da literatura foi colocada em prática por Pepetela, nome artístico de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, líder dos movimentos pela libertação de Angola e um dos maiores escritores angolanos. Teve três romances publicados antes da independência, depois chegou a ocupar cargo de ministro, que logo abandonou, assumiu a vida acadêmica e de escritor produzindo romances mundialmente conhecidos como A gloriosa família (1999), A geração da utopia (1992), O planalto e

a estepe (2009), Parábola do cágado velho(2012), dentre outros. Nesse país, ainda

destacam-se autores expressivos como Manuel Rui, Boaventura Cardoso, que contribuem de forma criativa com o projeto literário da nação.

Destes autores citados no esboço literário de Angola, encontram-se contemplado pela distribuição da SMED/BH o autor Pepetela com a obra A Gloriosa

Família (1999), que acreditamos apresentar grande contribuição para aplicação da

Lei nº 10.639/2003, por tratar da história de Angola apresentando informações sobre as relações econômicas dos envolvidos no negócio de comércio de escravos. Além dele, encontram-se presentes nos kits os autores angolanos Ondjaki e José Eduardo Agualusa.

De Ondjaki temos duas obras: Avodezanove e o segredo soviético(2009) e Os

da minha rua(2007). A primeira obra deste autor, que reside no Brasil atualmente, é

um romance que apresenta com muito lirismo um relato histórico-biográfico de Angola, sem perder o encantamento que a infância pode nos mostrar. O segundo título se refere a um livro de contos cujo objetivo, segundo o autor, é

dar aos leitores brasileiros vozes novas, ou ainda pouco conhecidas, algumas geradas muito perto de si, outras vindas de longe, da África, da Ásia, da Europa, todas, porem expressando-se no nosso idioma. [...] não se entende o Brasil sem a África ou Portugal, da mesma maneira que não se entende Angola ou Cabo Verde sem a participação do Brasil.(ONDJAKI, 2007, prefácio).

Neste livro de contos de Ondjaki, verificamos um contexto de memória, identidade e de infância, com traços da oralidade africana; de um modo muito afetivo, vemos relatos das guerras vivenciadas em Angola e suas motivações de opressão do povo negro.

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O escritor José Eduardo Agualusa em O Filho do vento (2006) apresenta uma história de amor baseada num conto da tradição oral africana. Por meio deste texto, que se aproxima de uma literatura infanto-juvenil, pode-se ampliar a visão de mundo de crianças e jovens atingindo principalmente a construção de suas identidades. Além disso, essa obra permite um resgate da cultura oral angolana, em um momento em que Angola precisa resgatar sua africanidade.

Ao analisar essas obras de escritores angolanos presentes nos kits, percebemos a conformidade com objetivos que a Lei nº 10.639/2003 pretende alcançar nas escolas e também há muita pertinência com os pré-requisitos de escolha dos títulos que farão parte do acervo. Aliado a isso temos um item facilitador que é a aquisição das obras, pois todos esses autores têm editoras brasileiras.

4.1 3.2 Cabo Verde

Cabo Verde é um país insular, composto pelas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, Boa Vista, Maio, Santiago, Fogo e Brava, e pelos ilhéus e ilhotas que historicamente sempre fizeram parte do arquipélago de Cabo Verde. Nele, as características do processo colonial foram diferentes dos outros países colonizados por Portugal na África, por estar numa posição estratégica para a navegação comercial. Esse diferencial fez do país um local administrativo da metrópole e muito influenciado pela cultura de outros países colonizadores da época da expansão marítima. As lutas pela independência foram menos violentas que em outros países, e também os movimentos literários foram, por muito tempo, influenciados pelos movimentos portugueses. Somente com a publicação da revista

Claridade é que Cabo Verde avançou no seu projeto literário. Do primeiro número da

referida publicação, participaram Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa. Temos neste país forte influência do fato de ele ser um arquipélago, logo a fragmentação é sentida em todos os aspectos da vida do cabo-verdiano. Nesse sentido, a Literatura também apresenta características dessa insularidade e a escritora Orlanda Amarilis representa essa propriedade. O escritor cabo-verdiano contemporâneo mais conhecido na atualidade é Germano Almeida.

O autor da obra cabo-verdiana inserida nos KITS de literatura Afro-brasileira de Belo Horizonte é Pedro Matos, que reside atualmente nesta cidade. Na obra

Referências

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