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EXISTE SUJEITO NA PSICOSE?

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Academic year: 2021

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CURSO DE PSICOLOGIA

CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA NUNES

EXISTE SUJEITO NA PSICOSE?

Governador Valadares - MG 2010

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CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA NUNES

EXISTE SUJEITO NA PSICOSE?

Governador Valadares 2010

Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito parcial à obtenção de título de Graduado em Psicologia.

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CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA NUNES

EXISTE SUJEITO NA PSICOSE?

Governador Valadares, ___ de ____________ de _______.

Banca Examinadora:

_________________________________________ Prof. Walter William Barreto – Orientador Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE

_________________________________________ Prof. Adilson Rodrigues Coelho

Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE

_________________________________________ Profª. Solange Nunes Leite Batista Coelho Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE

Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito parcial à obtenção de título de Graduado em Psicologia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos Mestres que contribuíram para minha formação, em especial àqueles que não se limitaram apenas a transmitir conteúdo teórico e prático, mas souberam demonstrar com o próprio exemplo, compromisso ético e humano, aqui representados pelos Profs. convidados Solange e Adilson (que tanto me ensinou, mesmo fora do ambiente acadêmico), e pelo orientador Walter por sua compreensão e paciência.

Também aos colegas de sala, agradeço pela cooperação e por dividir bons e maus momentos.

A minha família e meus amigos novos e antigos, pelo suporte, apoio e amor.

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“There is some flaw in me (…) I do not know. I do not know myself sometimes, or how to measure and name and count out the grains that make me what I am”.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar se uma pessoa que apresenta uma estrutura psicótica pode ser considerado um sujeito para a psicanálise. A obra busca definir os conceitos de sujeito, estruturas psíquicas e psicose a partir de um referencial psicanalítico, analisando os processos relacionados ao desenvolvimento e à organização subjetiva e percorrendo a questão da formação das estruturas clássicas (neuroses obsessiva e histérica, perversão e psicose) e das novas subjetividades possibilitadas na hipermodernidade. Para tanto, explicita-se a constituição e estruturação do sujeito como tal, iniciadas na trama das relações edipianas, e lança luz sobre o modo como este processo parece estar afetado na pessoa que apresenta sua estruturação numa psicose; pois a não entrada em jogo de um significante que viria a ocupar o lócus de significante norteador de toda a rede parece afetar de alguma forma as amarrações desta rede e a possibilidade de um discurso que possa ser referenciado a um Outro que o legitima.

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ABSTRACT

This work aims to analyze whether a person with a psychotic structure can be considered a subject for psychoanalysis. This paper intends to define the concepts of subject, psychic structures and psychosis from a psychoanalytical reference, analyzing the processes related to development and subjective organization and the formation of classical structures (obsessive and hysterical neurosis, perversion and psychosis) and new subjectivities made possible in the hypermodernity. For this purpose, it will be explained the formation and structuring of the subject as such, beginning in the plot of Oedipal relations, and it will make clear how this process appears to be affected in people who presents its structure as a psychosis, because the not entrance of the Signifier, that would occupy the main locus in the entire network, seems to affect in somehow the moorings of the network and the possibility of a discourse that can be considered in relation to one Other who legitimates this discourse.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...8 2 A CONCEPÇÃO DE SUJEITO EM PSICANÁLISE ...10 3 A ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA ...20 3.1 Conceito de Estrutura ...20 3.2 Neurose Obsessiva ...23 3.3 Neurose Histérica ...25 3.4 Perversão ...28

3.5 Hipermodernidade e Novas Estruturas Psíquicas ...31

4 PSICOSE E SUJEITO ...33

5 CONCLUSÃO ...44

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1 INTRODUÇÃO

Ao ser criada por Freud há mais de um século, a psicanálise possuía como modelo básico para a compreensão dos processos psíquicos (inconscientes), as neuroses obsessiva e, em especial, a histérica. Mecanismos inconscientes, processos psíquicos, etiologias e etc. Todas essas descobertas, avanços na construção da teoria freudiana, foram fomentados, majoritariamente, por sua abordagem analítica das neuroses. A psicose foi um fenômeno ao qual Freud não dispensou tantas obras, e quando o fez, tentou interpretá-la (a psicose) pelos moldes da neurose.

Posteriormente, Lacan, no decorrer de seu ensino, passa a tratar da psicose de forma mais intensa – seria este o novo paradigma da psicanálise. Com suas contribuições conceituais, Lacan colaborou para o desenvolvimento da psicanálise, trazendo um pouco mais de luz, sobre o ainda sombrio fenômeno da psicose.

Lacan leva à frente a análise freudiana da constituição subjetiva dos sujeitos e, com a noção de estruturas psíquicas, consegue fornecer ferramentas teórico-conceituais para a compreensão de como o Sujeito se torna o que é a partir de suas relações edipianas, apresentando os mecanismos e fatores envolvidos.

Entretanto, a psicose ainda traz grandes questões e diferenças em relação às neuroses e perversão, pois o principal agente (nome-do-pai) que age estruturando o sujeito como sujeito barrado $, na psicose não vem a ocupar o lugar “destinado” a ele na rede significante. Tendo em vista que esse processo subjetivante está prejudicado nos psicóticos, somos levados à questão: é possível falar de um sujeito na psicose?

Partindo deste referencial teórico psicanalítico, a presente obra, propõe-se a analisar e discutir os diversos aspectos relacionados à constituição de um sujeito – tal como este é compreendido pela Psicanálise ($ - sujeito barrado) – e ao processo de estruturação psíquica derivada dos Complexos de Édipo e Castração, no intuito de responder à questão: “uma pessoa que apresenta uma estrutura psicótica pode ser considerada um sujeito em Psicanálise?”.

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A relevância desta pesquisa está em colaborar para a melhor e mais ampla compreensão dos processos de subjetivação e de estruturação psicótica, o que nos leva à questão de como se situa a pessoa psicótica na teoria psicanalítica.

Este trabalho estrutura-se como uma pesquisa descritiva bibliográfica. A partir deste modelo de abordagem metodológica, é realizada a análise do material bibliográfico produzido sobre o assunto, promovendo a discussão do problema apresentado. Para tanto, a obra está dividida em três partes.

Na primeira parte, é apresentada a noção de Sujeito em psicanálise, pela visão de vários autores da área. Esta noção de “o que é um sujeito” é contraposta à concepção filosófica clássica e dominante no campo das ciências: a concepção de um sujeito cartesiano, que se caracteriza pela certeza e consciência de si mesmo. À medida que é apresentado o processo de constituição subjetiva da criança desde o nascimento, tal como suas relações parentais e seu envolvimento na dinâmica psíquica familiar, aponta-se, neste momento, o rompimento que a psicanálise opera na tradição clássica, ao definir o sujeito de maneira distinta. O sujeito não é mais o sujeito consciente de si, mas sim, sujeito barrado, sujeito do desejo.

No segundo momento, abre-se a discussão a respeito do conceito de estrutura na teoria psicanalítica para, enfim, discutirmos as diversas possibilidades ou “modos” de estruturação psíquica possíveis. Ressaltamos a importância das relações edipianas nessa estruturação e, a seguir, desenvolvemos os comentários sobre as características das estruturas clássicas: Neurose (obsessiva e histérica) e Perversão. Deixando propositalmente a psicose para ser tratada no capítulo seguinte, abordamos, ainda, as novas subjetividades, cuja gênese reside no fenômeno da hipermodernidade, que propicia novas formas de estruturação e relação consigo mesmo e com a cultura.

No terceiro capítulo, a questão da psicose é colocada. Neste momento, são expostos a forma como a abordagem psicanalítica deste fenômeno se desenvolveu, a partir de Freud – rompendo com o saber psiquiátrico vigente – até as contribuições da psicanálise lacaniana, e os principais fenômenos e conceitos necessários para sua compreensão. Passamos à abordagem da questão do sujeito na psicose, atendendo ao objetivo proposto. Posteriormente, são apresentadas as considerações finais acerca de todo o material discutido ao longo deste trabalho.

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2 A CONCEPÇÃO DE SUJEITO EM PSICANÁLISE

O conceito de “Sujeito” em psicanálise representa um corte, um rompimento e uma modificação. Em termos lacanianos, uma subversão daquilo que se tomava por sujeito na história do pensamento ocidental até então (LACAN, 1998). Entretanto, esta própria questão do sujeito demorou a se colocar na tradição filosófica ocidental que se ocupava de outras questões.

Assim, partindo de Platão, “encontramos a afirmação de que a ciência (episteme) consiste na posse da verdade e que esta nada mais é do que a revelação do ser” (GARCIA-ROZA, 2005, p.11). De acordo com Deleuze apud Garcia-Roza (idem), o platonismo funda “todo o domínio que a filosofia reconhecerá como seu: o domínio da representação”. Assim, preocupada com o ser e a substância, a filosofia não se colocou a questão da subjetividade e do sujeito.

Esta questão (da subjetividade e do sujeito) só foi levantada formalmente por Descartes já no período moderno da filosofia. Todo pensamento anterior a Descartes não se colocou perguntas sobre o sujeito ou a subjetividade. Mas esta questão teve origem no interior da tradição platônica, apesar de não diretamente formalizada (ibdem, p. 14). O Cogito, ergo sum, proposição principal do filósofo, representa a partir da dúvida metódica a gênese do sujeito moderno; representa o sujeito como certeza. Este sujeito é o sujeito da ciência.

Nas palavras do próprio Descartes (1983 [1637], p. 46):

“notando que esta verdade; eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava”.

Todavia, Garcia-Roza (2005, p. 14-15) afirma que “o cartesianismo supõe uma universalidade do espírito como fundamento do cogito. Se este é tomado como partida, não é para afirmar a singularidade do sujeito, mas a universalidade da consciência”.

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O sujeito, a partir de Descartes, se constitui como um campo privilegiado que representa o lugar do conhecimento e da verdade. Ocupa uma posição central no pensamento que se desenvolveu desde então; e mais que isso, ocupa o próprio lugar do pensamento, já que esta tradição identificou sujeito com consciência (ibdem, p.23).

De acordo com Hegel, a proposição cartesiana é incompleta, pois assinala o que é o pensamento, mas não o que é o Eu (ibdem, p. 14). Hegel propõe em sua filosofia a “Selbstbewusstsein, nomeado o ser de si consciente, todo consciente” (LACAN, 1998, p. 812).

A psicanálise neste ponto opera a separação entre sujeito e consciência. A atuação da psicanálise não se configura como uma tentativa de chegar-se ao sujeito da verdade, mas à verdade do sujeito.

Cirino (2001, p. 50) afirma que:

“Freud, ao introduzir o conceito de inconsciente, des-centra o sujeito e subverte a concepção de subjetividade dominante nos séculos XVII e XVIII que encontra na psicologia clássica, proposta pela filosofia cartesiana, sua principal referência teórica”.

O ser auto-consciente não tem espaço na teoria psicanalítica, como aponta Garcia-Roza (2005, p. 23). Lacan (1998, p.196) ainda completa:

“Descartes nos falava do sujeito da ciência, Freud nos fala do sujeito do desejo. Antes de Freud, o sujeito se identificava com a consciência; a partir de Freud, temos de nos perguntar por esse sujeito do inconsciente e por sua articulação com o sujeito consciente”.

A própria produção do conceito de Inconsciente resulta na clivagem do sujeito antes tido como consciência. Operando na contramão do pensamento racionalista e cartesiano o sujeito da psicanálise é este sujeito cindido-barrado e possuído pela linguagem.

Esta clivagem incide sobre a suposta unidade entre dizer e ser. A partir disto, Lacan diferencia o sujeito do enunciado (sujeito do significado) do sujeito da enunciação (sujeito do significante): o sujeito que diz, que usa a palavra, que afirma “cogito, ergo sum”, por exemplo, que é o sujeito do enunciado, não é o sujeito da

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enunciação, que é exterior à fala do primeiro, que é mascarado pela fala do primeiro. (GARCIA-ROZA, 2005, p. 23)

Em Descartes, estes “dois sujeitos” (do enunciado e da enunciação) coincidem. Exatamente porque ele considera que a consciência e a razão desvelam o sujeito. Em psicanálise, é justamente o contrário: a fala e esta certeza absoluta de consciência de si são o que esconde e turva a visão em sua busca pelo sujeito do desejo.

“Daí a conhecida inversão lacaniana da máxima de Descartes: penso onde não sou, portanto sou onde não me penso”. Em outras palavras, “o cogito não é o lugar da verdade do sujeito, mas o lugar do seu desconhecimento” (Idem).

Sobre o sujeito em psicanálise, Bruder & Brauer (2007, p. 516) afirmam que “não se deve confundir o homem, ser humano, o indivíduo, com o sujeito que estamos buscando esclarecer”.

Sobre isto, Lacan apud Bruder & Brauer (idem) acrescenta: “No efeito de linguagem, não se trata de nenhum ente. Trata-se apenas de um ser falante. No ponto de partida não estamos no nível do ente, mas no nível do ser”.

Da mesma forma, pensar o Sujeito da psicanálise como simplesmente sendo o homem ou o indivíduo é um engano. Segundo Lacan apud Cirino (2001, p. 50), deve-se distinguir “o sujeito que interessa à psicanálise – o sujeito do inconsciente, o sujeito do significante – tanto do indivíduo biológico quanto de qualquer evolução psicológica classificável como objeto de compreensão”.

As noções de “eu”, “indivíduo” e “pessoa” não são sinônimos do sujeito psicanalítico, logo, não devemos tomá-los como tal:

“O sujeito não se confunde com o indivíduo, a pessoa. ‘O sujeito está descentrado em relação ao indivíduo’ (Lacan, 1978/1992, p. 16). O sujeito do inconsciente é o sujeito por excelência, e se distingue do eu, função imaginária, que pode ser consciente.” (BRUDER & BRAUER, 2007, p. 517)

Lacan estabelece em seu ensino a diferença entre os conceitos de sujeito e de eu. Resumindo, temos a máxima “o sujeito não é o eu” (LACAN apud CIRINO, 2001, p. 51).

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Inicialmente, podemos diferenciar o eu (moi) e o sujeito (je) com a distinção dos campos que se baseiam: o eu é uma função do imaginário, enquanto o sujeito se inscreve como tal na ordem significante – campo simbólico.

O eu possui um caráter de alienação, fruto da identificação (alienada) para com um outro que lhe oferece uma identidade. O eu se constitui antecipadamente em relação ao sujeito, antes mesmo da maturação neurofisiológica da pessoa.

Esta ficção e alienação fascinam e causam no indivíduo o desconhecimento de seu próprio desejo e quando por ação de algum evento que propicie a emersão destes conteúdos inconscientes (sonhos, chistes, atos falhos...), o eu se defronta com este sujeito, o eu não o reconhece como “si mesmo”, mas como um “ele”, alguém que lhe é estranho e exterior.

O sujeito do inconsciente, fundado no campo simbólico, é aquele que se mostra através das formações inconscientes que o “eu” se nega a reconhecer. O sujeito é excêntrico ao eu, e quebra esta relação de coincidência consigo mesmo que o eu tenta a todo custo manter (CIRINO, 2001, p. 51).

São de Lacan estas formulações sobre a distinção entre “eu” e “sujeito”, embora ele afirme que esta diferenciação já esteja presente nas obras freudianas, quando diz que Freud “efetivamente escreveu Das Ich und Das Es [O Eu e o Isso] para manter essa distinção fundamental entre o verdadeiro sujeito do inconsciente e o eu, este constituído em seu núcleo por uma série de identificações alienantes” (LACAN, 1998, p. 418).

A distinção entre sujeito e eu é expressa por Cirino (2001, p. 52) na formulação: “o sujeito é esse ‘ele’ de que fala o ‘eu’, quando se quer designar como inconsciente. Em outras palavras, o sujeito é a própria divisão entre esse ‘eu’ e esse ‘ele’”.

Uma grande diferenciação entre o sujeito cartesiano, sujeito da ciência e da tradição da filosofia e psicologia ocidental, em relação ao sujeito ao qual se dedica a psicanálise é que este é efeito, causado, engendrado; enquanto o primeiro é aquele que “causa”. Em psicanálise, sujeito é um efeito engendrado.

Rivera (2007, p. 13) afirma que “o sujeito é efeito de um ato que se dá numa trajetória, num circuito que necessita do outro, o convoca e só com ele se completa”.

Diante disto, devemos agora nos questionar, partindo da idéia de que o sujeito é efeito, qual é esta trajetória, quais são estas relações e ocorrências que uma vez estabelecidas dão margem para o surgimento de um sujeito?

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Nas palavras de Lacan (2005, p. 100):

“o sujeito não pode estar exaustivamente na consciência por ser de início e primitivamente inconsciente, em função do que devemos tomar a incidência do significante como anterior a sua constituição. (...) O problema está na entrada do significante no real e em ver como disso nasce o sujeito. (...) Trata-se de saber justamente o que permite que esse significante se encarne”.

O sujeito se constituirá como tal a partir das suas relações. Relações estas estabelecidas primeiramente com os pais. Françoise Dolto apud Nasio (1995, p. 211) afirma que “o ‘infans’ só fundamenta sua existência na e através da sua relação com um outro”. Estas relações são fundamentais para sua constituição enquanto sujeito que se dará a partir da ação do Significante Paterno, lembrando “com freqüência que a coesão do filho são seu pai e sua mãe” (LEDOUX, 1991, p. 59).

Dolto trabalha com a concepção de que a criança é a conjunção de três desejos: da mãe, do pai e da própria criança. “O nascimento é a emergência de uma força desejante: desejo de nascer, desejo de dar à luz através de um encontro dos corpos, mas também através de uma comunicação interpsíquica” (LEDOUX, 1991, p. 63).

Ao nascer, a criança ainda não se diferencia absolutamente da mãe, compreendendo que esta é uma extensão do seu corpo, indiferenciada. Esta interação, próxima à mãe ao extremo, possibilita à criança que ela experimente o corpo da mãe e goze desse corpo sem impedimentos. Mas, na própria relação com a mãe, nos momentos de ausência e presença em que a mãe está, e às vezes não está disponível, a criança estabelece sua primeira relação de ambigüidade: ela ama e odeia essa mãe (DOLTO apud NASIO, 1995, p. 211).

Dolto relembra que a presença contínua de um outro (especialmente nos primeiros seis meses) na vida do infans é necessária para que ele se relacione continuamente, afim de que este outro, comumente a própria mãe, sirva de apoio e crie, além de um dispositivo de segurança para a criança, uma memória de um “ela-mesma-o-outro” – já que a criança vive primariamente a simbiose com a mãe, o outro que detém a identidade da criança neste período de sua vida (LEDOUX, 1991, p. 59).

Entretanto, temos no movimento de ausência/presença uma fonte importante e propícia para o desenvolvimento na criança da percepção de que ela e a mãe são

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corpos distintos, o que irá culminar na diferenciação e fim da simbiose mãe/filho, que só acontecerá completamente com a inserção da figura paterna neste contexto.

Lacan fala sobre este momento lógico de identificação com o outro (mãe) no Estádio do Espelho. A princípio, é necessária uma primeira identificação ao nível do campo imaginário, para que o infans se apreenda como unidade (GARCIA-ROZA, 2005, p. 211 e 212).

O Estádio do Espelho representa o momento para a criança entre seis e dezoito meses no qual ela forma uma representação de seu próprio corpo como unidade através da relação com um Outro. Este momento vivido pela criança não se refere a uma experiência concreta com um espelho. “Esta experiência deve ser entendida, segundo ele [Lacan], como uma identificação no sentido pleno que a análise dá a esse termo: a saber, a transformação produzida no sujeito quando esse assume uma imagem” (LACAN, apud GARCIA-ROZA, 2005, p. 212).

De acordo com o próprio Lacan (1998, p. 100), “a função do estádio espelho revela-se para nós, por conseguinte, como um caso particular da função da imago, que é estabelecer uma relação do organismo com sua realidade – ou, como se costuma dizer, do Innenwelt com o Umwelt”.

Lacan (2005, p. 41) ainda diz que a criança “(...) vindo captar-se na experiência inaugural do reconhecimento no espelho, assume-se como totalidade que funciona como tal em sua imagem especular”. É um primeiro esboço daquilo que será constituindo como sendo seu eu.

Temos ainda no Artigo sobre o Estádio Espelho a afirmação de que “esse momento em que se conclui o estádio espelho inaugura, pela identificação com a imago do semelhante e pelo drama do ciúme primordial, a dialética que desde então liga o [eu] a situações elaboradas” (LACAN, 1998, p. 101).

Sobre este momento de identificação da criança com um eu, Cirino afirma que apesar de situável entre os seis e dezoito meses, o momento do estádio espelho representa menos uma fase de desenvolvimento para Lacan e mais uma ilustração do caráter conflitivo e alienado do eu desde a sua formação, e ainda afirma que “o estádio espelho deve ser compreendido como processo de formação do eu através da identificação do sujeito ‘infans’ com a própria “imagem especular”, com a Gestalt visual de seu corpo” (CIRINO, 2001, p. 103).

Garcia-Rosa (2005, p. 211) argumenta, no entanto, que este momento do estádio espelho ainda não é o momento de fundação do sujeito, mas sim, da

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constituição do eu. É apenas a primeira identificação e acontece em nível imaginário.

Nas palavras de Lacan (2005, p. 31): “só há aparecimento de um sujeito como tal a partir da introdução primária de um significante, e do significante mais simples, aquele que é chamado de traço unário. O traço unário é anterior ao sujeito”.

O traço unário é o termo designado por Freud para descrever aquele elemento que faz com que o sujeito passe a se perceber como “um”, dá ao sujeito a possibilidade de se reconhecer como um, de ser um significante e de significar algo para o Outro (AZEVEDO, 2004).

O sujeito só emergirá com a inserção da figura paterna e do significante paterno, chamado por Lacan, posteriormente, de Nome-do-Pai, este momento coincide com o Complexo de Castração.

Para Dolto, “a função simbólica é fundadora do ser humano. Essa função se exerce no seio de uma relação inter-humana cruzada num espaço triangular” (LEDOUX, 1991, p. 22), e ainda complementa que “há que haver uma triangulação, para que o sujeito fale de si num eu referido a um ele” (DOLTO apud LEDOUX, 1991, p. 22).

O pai (função) é necessário para que ocorra a triangulação e o corpo da mãe não seja mais o objeto de gozo completo da criança, levando à sublimação de algumas de suas pulsões e a transformação de outras em novos modos de relação com a mãe, como, por exemplo, a apreensão da linguagem para se comunicar (DOLTO apud NASIO, 1995, p. 215).

Apenas quando a figura que exerce a função paterna entrar em cena – e isto quer dizer, ter uma experiência que tenha sentido de corte, de legislação, de proibição para a criança – sua constituição como sujeito terá sido completada.

Cirino (2001, p. 53), sobre a inserção da metáfora paterna, afirma:

“o pai pode surgir sob as formas buscadas no imaginário – pai bondoso, omisso, ameaçador, caseiro, passeador, seguro... –, confundindo-se com o outro da rivalidade. Porém, por seu lugar no discurso da mãe, sua evocação, enquanto Nome-do-Pai, impede a confusão com as relações puramente fenomênicas entre pai, mãe e filho. Esse Outro simbólico que, inicialmente, se constitui como uma ordem vazia de representações, torna-se uma lei. O significante do Nome-do-Pai é tomado nessa ordem formal como o elemento organizador e articulador dessa lei”.

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O pai de que se trata em psicanálise não é o mesmo da experiência comum e cotidiana. Em psicanálise, “a noção de pai intervém no campo conceitual da psicanálise como um operador simbólico a-histórico” (DOR, 1991, p. 13), pelo menos não seguindo um ordenamento cronológico.

Segundo Joël Dor, o pai neste sentido é uma entidade essencialmente simbólica que realiza uma determinada função: “a estruturação do ordenamento psíquico na qualidade de sujeitos”, ele ainda assegura que “nenhuma outra saída é proposta ao ser falante a não ser curvar-se ao que lhe é imposto por esta função simbólica paterna que o assujeita numa sexuação” (ibdem, p. 14).

Neste ponto, Dor (ibdem, p. 15) destaca uma conclusão de que:

“nenhum pai, na realidade, é detentor e, a fortiori, fundador da função simbólica que representa. Ele é o seu vetor. Esta distinção instaura, sob alguns aspectos, o desvio que existe entre paternidade e a filiação. Por se desenvolver num nível prioritariamente simbólico, a filiação, do ponto de vista de suas incidências próprias, é prevalente sobre a paternidade real.

Os complexos de Édipo e de Castração são os instrumentos que fazem com que o significante paterno entre no jogo e regule a rede significante em torno de si. Durante a vivência do amor edípico e incestuoso em relação à mãe por parte da criança, ambas sofrem uma interferência nesta inter-relação previamente estabelecida: é o Nome-do-Pai que vem intervir sobre esta díade, constituindo a triangulação.

O mito de Édipo, do qual Freud lança mão para explicar o processo pelo qual todo sujeito passa, é uma alegoria e como tal não deve ser abordado de maneira literal. O mito, simplificando-o, relata a tentativa de acesso da criança ao gozo (na mãe), mas também o acesso ao mundo, à possibilidade de gozar livremente do que o mundo oferece.

De acordo com Lacan (2005, p. 120),

“o mito do Complexo de Édipo não quer dizer nada senão isto: na origem, o desejo, como desejo do pai, e a lei são uma e a mesma coisa. A relação da lei com o desejo é tão estreita que somente a função da lei traça o caminho do desejo. (...) O mito de Édipo significa que o desejo do pai é o que cria a lei”.

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O pai institui a lei e, mais do que isso, simboliza essa lei para esta criança. Essa lei barra o livre acesso ao gozo, faz com que o mundo não pertença unicamente à criança e essa mãe (mundo) divide sua atenção e seu cuidado entre o pai e a criança; este é o complexo de castração.

Importante ressaltar aqui que a castração da qual trata a psicanálise, não é a castração física de um órgão, mas é o processo psíquico em que o pai é introjetado e constitui o Supereu, como também as pequenas perdas e desistências de “gozar” que enfrentamos pela vida. É um processo simbólico, por tanto se registra psiquicamente nesse campo.

O que acontece é que o menino é colocado, no complexo de Édipo na situação de realizar uma escolha extrema: o próprio pênis ou a mãe, ou seja, ser castrado e perder o pênis ou abandonar seu amor pela mãe para mantê-lo. E o que ocorre é que “entre o amor narcísico pelo pênis e o amor pela mãe, o menino escolhe o pênis” (NASIO, 1997, p. 14).

A lei do pai, que é também o desejo do pai, funda o desejo na criança e a partir disto surge o movimento que faz o sujeito do desejo emergir como tal, como significante e como sujeito barrado ($).

Lacan (1988, p. 106) diz: “Foi a Coisa, portanto, que, aproveitando-se da ocasião que lhe foi dada pelo mandamento, (mandamento da fala) excitou em mim todas as concupiscências; porque sem a Lei a Coisa estava morta”.

Se não fosse a lei que proíbe, o desejo estaria morto. Mas, em contrapartida, o que seria possível? A proibição da lei, diz indiretamente o que é permitido e simboliza para o sujeito o que é isto que é proibido.

Tendo o sujeito sido introduzido na rede significante pela metáfora paterna, ele próprio é um significante, pois:

“o jogo do símbolo representa e organiza, em si mesmo, independentemente das particularidades de seu suporte humano, este algo que se chama um sujeito. O sujeito humano não fomenta este jogo [...]. Ele próprio é um elemento nesta cadeia que, logo que é desenrolada, se organiza segundo leis” (LACAN apud CIRINO, 2001, p. 53 e 54).

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Ainda citando Lacan, Cirino complementa que é preciso “limpar este sujeito do subjetivo. Um sujeito não supõe nada, é suposto. Suposto, ensinamos nós, pelo significante que o representa para outro significante” (Idem).

“Esse sujeito é o que o significante representa, e este não pode representar nada senão para um outro significante (...)”. Lacan ainda conclui: “O efeito de linguagem é a causa introduzida no sujeito. por esse efeito, ele não é causa dele mesmo, mas traz em si o germe da causa que o cinde. Pois sua causa é o significante sem o qual não haveria nenhum sujeito no real” (LACAN, 1998, p. 849).

Cirino resume este pensamento de Lacan dizendo que “o sujeito é uma resposta do real ao encontro do significante” (CIRINO, 2001, p. 52), ou seja, fruto do choque entre elementos dos campos real e simbólico.

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3 A ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA

3.1 CONCEITO DE ESTRUTURA

A vivência dos complexos de Édipo e Castração são fatores determinantes para a constituição psíquica do sujeito, conforme visto no capítulo anterior. Desta forma, citamos:

“É em função dos amores edipianos que se constitui, para todos, a entrada em cena de uma estrutura psíquica, ou, como assinalava Freud, a ‘escolha’ de sua própria neurose. Esses amores edipianos nada mais são que o desenvolvimento, (...) da relação que o sujeito trava com a função fálica, ou seja, com a função paterna” (DOR, 1993, p. 24) [grifo meu].

Entramos, assim, na questão da estrutura, mais precisamente, estrutura psíquica. A relação do sujeito com estes amores edipianos estrutura seu psiquismo. Esta estruturação pode ocorrer de diversas maneiras. Destacamos aqui as principais, como sendo, as estruturas neuróticas histérica e obsessiva, a estrutura perversa e a estrutura psicótica (ibdem, p.18). De acordo com Lacan apud Lima (2003), “toda a personalidade do sujeito traz a marca dessas relações estruturais”.

O conceito de estrutura utilizado em psicanálise, principalmente a partir das contribuições de Lacan à teoria, se fundamenta na conceituação que Lévi-Strauss, expoente da antropologia moderna e do estruturalismo francês, faz do termo, conforme o próprio Lacan (1998, p. 685) propõe: “como nós mesmos fazemos do termo estrutura um emprego que cremos poder pautar no de Claude Lévi-Strauss, é para nós uma razão pessoal, cabe dizê-lo aqui, não tomar esse emprego como genericamente confuso”. Assim, podemos definir este termo e seu emprego em psicanálise:

“O termo estrutura (...) considerado no âmbito da psicanálise, é bastante singular. Por ele se entende, neste campo, o campo freudiano-lacaniano, uma cadeia de elementos distintos que têm em comum o fato de pertencerem a um mesmo conjunto. Tais elementos

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são articulados entre si, obedecem às leis da linguagem e se denominam significantes” (LIMA, 2003).

A estrutura da qual se trata em psicanálise é a rede formada por significantes, ou seja, a linguagem. Em Saussure e Jakobson, lingüistas (CALLIGARIS, 1989, p. 30), Lacan busca os referenciais para então propor teses como: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” (LACAN apud GARCIA-ROZA, 2005, p. 183) e “o homem pensa porque uma estrutura, a da linguagem, recorta seu corpo” (LACAN, 1993, p. 19).

O emprego do conceito de estrutura afeta inclusive a questão do diagnóstico em psicanálise – diferenciando o discurso que lhe é próprio, do chamado discurso médico.

O saber médico diagnostica sintomas, enquanto, ao propor a existência de estruturas psíquicas, o diagnóstico em psicanálise passa a não ser pautado no sintoma, mas sim na estrutura. O diagnóstico é estrutural, direto na constituição do sujeito.

De acordo com Calligaris (1989, p. 31):

“a psicanálise é uma clínica estrutural num sentido forte, na medida em que o diagnóstico é diretamente “na” estrutura do sujeito. A hipótese é a seguinte: a partir do momento em que existe transferência, a fala de um sujeito desdobra experimentalmente a sua estrutura, e nesta estrutura o analista está incluído”.

Considera-se também que o sintoma não é representativo da estrutura. Ele é analisado a partir de sua função na economia psíquica do sujeito, não havendo relação direta entre a natureza do sintoma e a identificação da estrutura do sujeito (DOR, 1993, p. 18).

Lima (2003) afirma que: “se o sujeito está incluído na estrutura, esta, em psicanálise, é aquilo que localiza uma experiência para o sujeito que ela inclui”. E continua:

“No centro da estrutura está o Édipo, universal, e a doutrina psicanalítica concluiu que este complexo não ocorria apenas entre a criança, a mãe e o pai, pois um quarto elemento, nomeadamente o falo, foi acrescentado ao triângulo edípico desde que Lacan entrou

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em cena neste ponto da teoria. A partir deste ponto, os elementos pai-mãe-filho-falo são todos significantes, sendo que o significante Nome-do-Pai veio para dar suporte a toda a estrutura” (idem).

Freud (1996 [1913], p. 341) utiliza a expressão “escolha da neurose” para tratar da questão: “por que é que esta ou aquela pessoa tem de cair enferma de uma neurose específica e de nenhuma outra”.

Neste artigo, A Disposição à Neurose Obsessiva, Freud considera que os fatores determinantes da “escolha da neurose”, – ou utilizando terminação lacaniana, a escolha da estrutura psíquica – se devem às disposições do sujeito para tal. Estas disposições, neste artigo, são os fatores puramente constitucionais e hereditários. Posteriormente, Freud amplia este pensamento e passa a considerar também na “escolha da neurose”, a importância das experiências da infância.

Ele afirma: “as experiências infantis exigem uma consideração especial. Elas determinam as mais importantes conseqüências, porque ocorrem numa época de desenvolvimento incompleto e, por essa mesma razão, são capazes de ter efeitos traumáticos” (FREUD, 1996 [1917], p. 364). As experiências marcantes da infância não são outras se não aquelas que se desenvolveram entrelaçadas aos complexos de Édipo e castração.

Sobre este ponto, citamos Joël Dor (1993, p. 24-25), que avisa: “a memória dos amores edipianos ganha toda importância, visto ser nessas vicissitudes que o sujeito renegocia sua relação com o falo, isto é, sua adesão à conjunção do desejo e da falta”.

Podemos notar que “dessa articulação, fica estabelecida, depois da vivência edípica, a definição da estrutura psíquica e conseqüentemente o modo como o sujeito irá operacionalizar a castração, o desejo e o seu papel sexual” (TORRES, 2004, p. 173 e 174).

Temos em jogo a dialética do ser e do ter aquilo de que se trata, a saber, o falo. O sujeito inicialmente identificado com o falo tem que se deslocar desta posição, para a identificação com aquele que possui o falo ou com aquele que não o possui. Ou seja, a questão é migrar de ser o falo para ter (ou não ter) o falo, o que obviamente implica em abrir mão de ser o falo de alguém, comumente a mãe, numa relação de assujeitamento da criança (DOR, 1993, p. 25).

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Esta relação com o falo e a estruturação psíquica são impostas pela função paterna, que possui caráter estruturante. Ainda acrescentamos: “se esta relação é vetor de ordem – no sentido de organização -, é, igualmente, portador de desordem, pois a estrutura psíquica apresenta a particularidade essencial de ser determinada

de uma vez por todas” (Idem) [grifo do autor]. Mas,

“uma coisa é a estrutura ser irreversivelmente determinada, outra, é ser a economia do seu funcionamento sujeita a ‘variações de regime’. (...) somos sempre sujeito, efeitos de significante. É na intendência desses efeitos significantes que a estrutura trabalha e nós em nada a dominamos” (Idem).

Em outras palavras, uma vez organizado o psiquismo de determinada maneira, não é possível que ele seja estruturado de forma diferente, o que não quer dizer que a análise, por exemplo, não possa transformar o “regime” desta estrutura.

Delineadas as bases da noção de estrutura em psicanálise, partamos, então, para a distinção entre as principais estruturas, deixando a organização – se é que assim se pode chamar – psicótica para análise específica no capítulo posterior. Trataremos, basicamente, dos processos de constituição das organizações psíquicas a partir de sua estruturação ocasionada pelas relações edipianas.

3.2 NEUROSE OBSESSIVA

Sobre a problemática do obsessivo, Dor (1993, p. 97) parte da idéia de que este “sente-se amado demais pela mãe”. E partindo deste ponto, tece algumas conclusões.

Ter se sentido amado demais pela mãe significa que, ao menos fantasmaticamente, o obsessivo, em sua primeira relação com o falo, era o falo e este era investido de muito amor oferecido por sua mãe. Ele foi, portanto, “objeto privilegiado do desejo materno, ou seja, privilegiado em seu investimento fálico. (...) os obsessivos são os nostálgicos do ser” (Idem).

Tendo sido privilegiado por este amor excessivo por parte da mãe, a criança percebe-se como sendo aquele no qual a mãe poderá encontrar aquilo que o pai

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não pode dar a ela. Isso propicia um investimento psíquico precoce por parte da criança nessa relação mãe/filho-falo (idem).

E a criança vê aproximar o momento do deslocamento na relação com o falo. A criança, se estruturando numa organização neurótica obsessiva, se move do ser para o ter o falo. Esta mudança se processa devido à interpretação que a criança faz de que a mãe é dependente do pai, no sentido de que este faz lei à mãe e que o objeto de desejo dela é totalmente dependente da figura paterna. Esta dependência confirma, para a criança, que o pai possui o atributo fálico. Este esquema força o deslocamento do ser ao ter o falo (Ibdem, p. 98).

Ou seja, a criança que se sente amada demais, que se percebe sendo o falo que a mãe ama, e do qual precisa, compreende que não é o falo. O que levanta a questão da possibilidade de tê-lo, uma vez que não o é. A situação agora implica em ter este falo do qual a mãe necessita e ama. Esta transição, note-se, é propiciada pela inserção da função paterna: o Nome-do-Pai, causando a triangulação mãe/pai/filho.

Neste ponto, a criança pode se situar nesta relação num lócus de “suplência à satisfação do desejo da mãe” (Idem). Temos, de um lado, o pai que possui o objeto de desejo da mãe e de outro, um resto insatisfeito, um quantum de desejo que o pai parece não satisfazer. Nesse lugar a criança se encaixa: é um complemento do pouco que não está satisfeito e solucionado pelo pai (Ibdem, p. 99).

Importante ressaltar que situar-se num lócus de suplência à satisfação do desejo da mãe é diferente de situar-se como suplência ao objeto deste desejo. No primeiro caso, “a criança só é convocada imaginariamente a suprir a satisfação do desejo materno na medida em que esta satisfação lhe é significada como falha pela mãe” (DOR, 1991b, p. 63 – 64).

No segundo caso, posicionar-se como suplência ao objeto de desejo da mãe, “estaríamos na presença de determinações propícias à organização de estruturas perversas, até mesmo psicóticas” (Ibdem, p. 63).

Mas, pode continuar pairando sobre o obsessivo certa dúvida de ser ou não ser o falo e o desejo de um retorno à identificação com o falo. Mas, “por mais que este retorno seja fortemente cobiçado em vista da satisfação falha do discurso materno, ele nunca é plenamente conseguido.” (DOR, 1993, p. 99).

Característica dos obsessivos é a tendência a tudo controlar e dominar, tentando manter tudo sob seu controle (DOR, 1991b, p. 66). Mas,

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contraditoriamente, o obsessivo possui um Mestre, que é um avatar da figura paterna.

Embora tente manter tudo sob seu controle, o obsessivo se subordina ao Pai e “todas as estratégias de rivalidade e competição destinadas a desafiá-lo surgem sempre apenas para melhor assegurar que este lugar é inconquistável”, ou seja, o obsessivo estará sempre aquém de seu Mestre-Pai, uma vez que ele “tem necessidade de um Mestre” (Idem).

Sintetizando este pensamento, Dor (1993, p. 106)afirma:

“Tentar tomar o lugar do Senhor é sempre esforçar para assegurar que este lugar cobiçado é ilegítimo, ou seja, que o Pai não poderia ser suplantado. Este senhor inabalável continua, assim, metaforicamente, a proibir e a condenar a erotização incestuosa da relação com a mãe, na qual o obsessivo está preso”.

Neste sujeito, “sua enfermidade estrutural se traduz pela servidão voluntária do obsessivo, que o obriga a dever assumir todas as conseqüências de sua atitude passiva. (...) ele se compraz em ocupar (...) o lugar de objeto de gozo do outro” (DOR, 1991b, p. 65).

Ao se posicionar desta maneira, ocupando o lugar de objeto de gozo do outro, o obsessivo é claramente remetido à lembrança de que no passado ocupava este lugar junto à mãe, antes da intromissão paterna (Idem). Esta sensação aproxima-o da ilusão nostálgica do voltar a ser o falo.

3.3 NEUROSE HISTÉRICA

Também para tratar da histeria, temos a passagem do ser ao ter na dialética edipiana. Este deslocamento é determinado pela intrusão paterna, tal como na neurose obsessiva.

Ao intervir, proibindo e legislando a relação mãe/filho, o pai tira a criança da dimensão do ser e a insere na dimensão da castração. A castração leva a criança à descoberta de que não é e que não tem o falo, exatamente como a mãe. O desejo da mãe se mostra “como desejo inscrito na dimensão do ter” e é o pai que está

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situado como o único que mobiliza o desejo da mãe através de seu falo. Logo, o pai fica situado no imaginário da histérica como o pai depositário do falo (Ibdem, p. 65 – 66).

A questão do pai ou de outro homem como possuidor ou não do falo é recorrente na estrutura histérica, uma vez que ele (o suposto possuidor do falo) deve provar que realmente o possui. “Como bem observa Lacan, é preciso que o pai, a um dado momento dê a prova dessa atribuição. Ora, precisamente, toda a economia desejante do histérico se esgota sintomaticamente na colocação à prova desse ‘dar a prova’” (Ibdem, p. 66).

Duas posições podem ser supostas pelo histérico: a de que o pai tem o falo, é direito dele tê-lo e sendo assim, o desejo da mãe em relação ao pai está explicado; por outro lado, o pai só possui o falo porque ele priva a mãe de tê-lo. Esta segunda opção (o pai só o tem porque priva a mãe de tê-lo) alimenta uma conseqüência: o histérico vê a possibilidade de reivindicar a posse do falo, para si e para a mãe visto que ela também tem direito a ele (Ibdem, p. 66-67).

Joel Dor afirma: “o modo estereotipado de se encarregar do jogo constituído por esta problema do ter é que será representativo da estrutura histérica” (ibdem, p. 65). “Se pude dizer que os obsessivos são uns nostálgicos do ser, pode-se igualmente dizer que os histéricos são uns militantes do ter” (DOR, 1993, p. 67).

Fenomenologicamente, esta reivindicação pode ganhar aspectos diversos dependendo do sexo do histérico: a mulher pode bancar o homem ou o homem pode dar provas incessantes de sua virilidade, ou seja, de que possui o falo, estando, segundo Dor, implícita a confissão “de que o sujeito não o poderia ter” (Idem, p. 67). Reivindicar tê-lo passa obviamente pela dedução de que não se tem o falo.

Por estar despossuído do falo, surge a questão para o histérico de como reivindicá-lo e como desejá-lo naquele que o possui, o Outro. “Daí a existência de um traço inaugural que satura toda a economia psíquica da estrutura do histérico: sua alienação subjetiva ao desejo do Outro” (DOR, 1991b, p. 69). Há um assujeitamento do próprio desejo ao desejo do Outro, na tentativa de satisfazê-lo.

Alienar seu próprio desejo naquele que possui o falo (o Outro) é mais uma característica da estrutura histérica, tal como pressentir que este é o possuidor das respostas para suas questões sobre o desejo. Entretanto, ao alienar-se e colocar-se sob o julgo deste Outro, “Mestre” nas palavras de Dor, a histérica não visa reiterar

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que o Mestre possui o falo – tal como o Obsessivo –, mas sim fazê-lo dar prova de que realmente o possui, para que então ela possa destituí-lo da posse da atribuição fálica (Ibdem, p. 70).

Nasio (1991) diferencia três estados do eu na histeria que expõem características desta estrutura: Eu insatisfeito, Eu histericizante e Eu tristeza.

No primeiro estado, “o eu está constantemente à espera de receber do Outro, não a satisfação que plenifica, mas, curiosamente, a não-resposta que frustra” (Ibdem, p. 14). Notamos, assim, o desejo de permanecer insatisfeito, característica do histérico, pois “são justamente o medo e a recusa a gozar que ocupam o centro da vida psíquica do neurótico histérico” (Ibdem, p. 16).

Segundo estado: o eu histericizante. Nasio (1991, p. 17) define: “histericizar é erotizar uma expressão humana, seja ela qual for, embora, por si só, intimamente, ela não seja de natureza sexual”.

Nasio aponta ainda que o corpo do histérico é um corpo-sensação-pura, corpo fantasmático, não o corpo real. Este corpo fantasiado, histericizado, é um corpo adormecido em suas áreas erógenas/genitais, mas que se reveste de libido em todas as outras partes. E é exatamente isso que o histérico pode fazer com qualquer objeto, corpo, fala ou sensação do mundo que o cerca. Ele pode histericizá-lo, ou seja, revesti-lo de sentidos sensuais. Daí temos que “a sexualidade histérica não é, de modo algum, uma sexualidade genital, mas um simulacro de sexualidade” e ainda “o histérico é um notável criador de sinais sexuais, que raramente são seguidos pelo ato sexual” (Ibdem, p. 17 e 18).

O corpo fantasiado do histérico é recortado por uma estrutura, apresenta uma organização que não corresponde às leis da anatomia. “Sofrer segundo o modo histérico é sofrer conscientemente no corpo, ou seja, converter o gozo inconsciente e intolerável num sofrimento corporal” (Ibdem, p. 21).

Este corpo fantasia apresenta somatizações diversas: perturbações de motricidade, de sensibilidade, distúrbios sensoriais, entre outros ainda mais específicos, como o pseudocoma, por exemplo.

Podemos relacionar, neste momento, três pontos dos quais já tratamos: a insatisfação histérica e a necessidade de por à prova o atributo fálico do Outro, à questão deste simulacro de sexualidade experienciado pelo histérico.

Podemos ressaltar dois ganhos: ao evitar o ato sexual propriamente, o histérico evita o gozo para manter-se insatisfeito e amedrontado frente a

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possibilidade de gozar de alguma satisfação e, além disso, mantendo-se insatisfeito, prova que o Outro não possui o atributo que poderia lhe dar alguma satisfação – o falo.

O “eu tristeza”, terceiro estado do Eu histérico, corresponde à sua confusão entremeio a tantas identificações freqüentes e contraditórias. Essas identificações podem ocorrer com homens, mulheres e até mesmo com o sofrimento ou conflito em uma relação.

A seqüência das identificações histéricas confunde o sujeito ao ponto de este permanecer alheio a sua própria identidade de ser (a alienação no Outro, como tratado anteriormente). Mais especificamente, alheio a sua identidade de ser sexuado – não saber se é homem ou mulher. Há, portanto, a possibilidade de ser o próprio sofrimento da insatisfação, eximindo-se ser homem ou mulher. “A tristeza do eu histério [SIC] corresponde ao vazio e à incerteza de sua identidade sexuada” (Ibdem, p.19).

Anteriormente, apontamos que é o posicionamento frente à castração que determina a estrutura psíquica. No caso das neuroses, é, em termos freudianos, a Verdrangung (o recalcamento) o posicionamento tomado pela criança: “o sujeito reconhecendo a diferença dos sexos, instaura a falta como intrínseca ao ser humano e a aceita: “lei do pai”. O resultado é a estrutura neurótica” (PIRES et al, 2004, p. 46).

3.4 PERVERSÃO

Novamente, tomemos a identificação fálica e o pai que intervém para cessar esta identificação. O pai surge como rival fálico da criança na sua relação com a mãe e Dor aponta duas realidades advindas da ocorrência desta rivalidade. A primeira: o desejo materno não se refere somente à criança e assim a mãe possui um desejo outro que não aquele que ela lhe direciona. A segunda realidade: a mãe se mostra ausente e não satisfaz o desejo da criança (DOR, 1993, p. 39-40).

A mutação do ser ao ter acontece quando o pai mostra ter aquilo que a mãe deseja. O pai se institui como pai simbólico. “Acontece que é precisamente desta

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sombra carregada do pai simbólico que o perverso não quer saber, a partir do momento em que se coloca para ele a questão de reconhecer algo da ordem da falta do Outro” (Ibdem, p. 41).

A contestação tenta a todo custo recusar qualquer possibilidade de simbolização da falta, contestar a inscrição desta falta pela castração. Em conseqüência o perverso vai negar a castração, inclusive a castração da mãe. Teremos neste ponto o fantasma da mãe-fálica e a manutenção imaginária da atribuição fálica, inclusive à mãe, fazendo com que a diferença sexual seja anulada (Ibdem, p. 41-42).

Sobre isto, Pires et al (2004, p. 47) afirmam que:

Ao fazer uso da recusa como o mecanismo básico de sua estrutura, fecha-se para o perverso a entrada definitiva na castração simbólica bem como o funcionamento do Nome do Pai. A recusa incide sobre a castração da mãe e conseqüentemente seu desejo pelo pai. Desta forma, a diferença dos sexos, mesmo reconhecida, é recusada”.

A estrutura do funcionamento perverso é ordenada “por uma lei do desejo que não permite ao sujeito assumir nela a possibilidade para além da castração. Trata-se de uma lei cega que tende a se substituir à lei do pai” (DOR, 1993, p. 42).

De acordo com Dor, os estereótipos mais característicos da perversão são o desafio e a transgressão (Idem). Isso se manifesta no desafio perverso à lei do Pai, “é relevante apontar que para transgredir é necessário conhecer, o que nos leva a concluir que, nesse caso, o Édipo ficou sem efeito e a metáfora paterna funcionou parcialmente” (PIRES et al, 2004, p. 47).

Dor (1991b, p. 62) confirma que “a atribuição fálica do pai que lhe confere a autoridade de Pai simbólico (representante da lei) nunca será reconhecida, aqui, exceto para melhor ser incansavelmente contestada”.

Freud parte, tendo por base a análise do fetichismo, para a compreensão de outro importante processo perverso denominado clivagem do eu (DOR, 1991a, p. 102). Para a compreensão deste processo, esclareçamos em linhas gerais o que é o fetichismo.

Nas palavras de Freud (1996 [1927], p. 155),

“o fetiche é um substituto para o pênis, (...) não é um substituto para qualquer pênis ocasional, e sim para um pênis específico e muito

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especial, que foi extremamente importante na primeira infância, mas posteriormente perdido. (...) o fetiche, porém, se destina exatamente a preservá-lo da extinção”.

O fetichismo é, portanto, um possível mecanismo de defesa frente à angústia de castração e consiste na recusa da realidade, na negação do real da diferença dos sexos. “O fetiche é um substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o menininho outrora acreditou e que (...) não deseja abandonar”

(

idem).

Entretanto, ele pode evidenciar outro aspecto da estrutura perversa: a clivagem do eu, que está relacionada à recusa da realidade e esta “baseia-se eletivamente na ausência do pênis na mãe (...) somos portanto remetidos à questão geral da recusa da castração (...)” (DOR, 1991a, p. 86).

Ao eleger um objeto substituto para o pênis da mulher (mãe) no intuito de igualar os sexos e negar a castração, postulando uma unissexualidade (DOR, 1991a, p. 104), o perverso reconhece a falta e conseqüentemente a castração, uma vez que é necessária uma “prótese”, obviamente, algo falta. O perverso reconhece a falta, mas, paradoxalmente, recusa este reconhecimento.

Neste ponto, “Freud não deixa de observar, diante destes dois conteúdos psíquicos contraditórios, que eles não deixam por isso de coexistir no aparelho psíquico sem jamais influenciar-se reciprocamente” (DOR, 1991a, p. 102).

Se nas neuroses, o sujeito reage frente à castração com o recalcamento, na perversão ele se posicionará num discurso de negação ou “rejeição”, por Freud (1996 [1927], p. 156) chamada de “Verleugnung”, sendo o:

“mecanismo que sustenta a estrutura perversa na qual o sujeito sabe, todavia “não quer saber”, recusa o reconhecimento da falta do pênis na mulher-mãe, podendo em alguns casos “eleger” um objeto em seu lugar, o fetiche, substituindo a falta do pênis: ele ao mesmo tempo esconde e designa essa falta existente” (PIRES et al, p.46).

Desta forma, o sujeito nega que a castração exista, embora em suas tentativas de preencher o lugar da falta com outros objetos que tencionam ser substitutos do atributo fálico, torne mais e mais patente a obviedade de que ali a falta de algo se inscreve, embora esta falta não seja simbolizável. Uma vez “capturada na fronteira da dialética do ser e do ter, a criança vai se fechar então na representação de uma falta não simbolizável” (DOR, 1991b, p. 61).

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3.5 HIPERMODERNIDADE E NOVAS ESTRUTURAS PSÍQUICAS

Além das estruturas clássicas, atualmente alguns psicanalistas apontam o surgimento de novos modos de estruturação que surgem propiciados pelo momento histórico único de transformações rápidas e sucessivas que vivemos.

Partindo da concepção de Gilles Lipovetsky que assinala que o termo pós-modernidade não consegue abarcar o mundo tal como o temos hoje, nos apropriamos do termo cunhado pelo próprio autor para tentar exprimir o que a configuração além da pós-modernidade representa. O termo “hipermodernidade”

“é mais adequado por se tratar de uma modernidade desenfreada. Segundo ele [Lipovetsky] o que deve preocupar na hipermodernidade é a fragilização dos indivíduos, pois se antes os homens sentiam seguros pelo fato de serem regidos por ideais coletivistas, hoje eles se sentem (...) desorientados em função da multiplicidade de escolhas” (MENDES & PARAVIDINI, 2007, p. 100).

De acordo com Paravidini et al (2008, p. 199),

“a espécie humana tem experienciado uma verdadeira crise das referências simbólicas, de formas e intensidades diferentes, a depender do contexto cultural e temporal, associadas ao exercício das funções parentais que se mostram esvaziadas ou deslocadas”.

Tendo por base o pensamento de Lipovetsky, Forbes teoriza sobre a distinção dos tempos da industrialização, que era “pai-orientada” e a transição para a era da globalização, época do homem desbussolado (MENDES & PARAVIDINI 2007, p. 100).

O homem desbussolado é exatamente fruto dos tempos hipermodernos e de uma de suas principais características: a fragilização dos vetores de interdição, ou seja, dos “avatares” do Nome-do-pai.

Torres (2004, p. 175) assegura que

“isto nos é apontado através da desestabilização dos critérios normativos a nós apresentados pela ética, dos preceitos religiosos, da moral e das próprias teorias do conhecimento que passaram a ser

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transitórias, impondo-nos uma sucessão contínua de novos padrões e “verdades”.

Este enfraquecimento da função paterna, apontado por diversos autores, fomenta modificações no ofício de analista, inclusive na clínica. Um saber que se constrói contextualizado cultural e historicamente, tal como a psicanálise o faz, se mantém construindo e modificando o próprio corpo teórico à medida que os processos de subjetivação também se transformam.

Ainda nas palavras de Torres (ibdem, p. 177): “Como reflexo e conseqüência desses processos identificatórios e de subjetivação do sujeito, constatamos na clínica psicanalítica várias manifestações, configurações patológicas e formas de apresentações narcísicas (...)”. O analista deve estar atento às diferentes manifestações e configurações patológicas apresentadas e, em especial, se atentar para as diferentes possibilidades de estruturação psíquica.

As novas possibilidades de arranjo que a hipermodernidade apresenta para a função paterna, função simbólica e de inserção cultural, incluem a possibilidade da não-interdição do gozo materno, do homem desbussolado (como sugere Forbes) ou o homem errante (nas palavras de Calligares), enfim, da não-entrada da função paterna no jogo da economia psíquica do sujeito.

Nessa configuração de enfraquecimento da função do pai e de seus substitutos como polícia, religião, escola na vida dos “sujeitos hipermodernos” é possível notar algumas características – como a ausência de um referencial – que se encontram também numa estrutura psicótica, tal como veremos a seguir.

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4 PSICOSE E SUJEITO

Embora já estivessem presentes no corpo teórico da psicanálise os delineamentos primeiros para a compreensão das psicoses, na época, chamada por Freud de paranóia, o primeiro grande texto sobre o assunto é seu estudo “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia”, no qual empreende uma análise do livro escrito por um paranóico, Daniel Paul Schreber, intitulado “Memórias de um Doente dos Nervos” (CORIAT & PISANI, 2001, p. 44).

A questão da “loucura” e da paranóia no campo da psiquiatria clássica sofreu várias transformações de nomenclatura e uma definição mais clara das diversas formas com que esta poderia se manifestar ainda não havia sido feita (LOPES, 2001; CORIAT & PISANI, 2001). “Foi somente no início do século XX que Kraepelin introduziu um pouco de clareza na definição da paranóia” (CORIAT & PISANI, 2001, p. 44).

Lacan cita as palavras de Kraepelin:

‘A paranóia se distingue dos outros porque ela se caracteriza pelo desenvolvimento insidioso de causas internas, e, segundo uma evolução contínua, de um sistema delirante, durável e impossível, de ser abalado, e que se instala com uma conservação completa da clareza e da ordem no pensamento, no querer e na ação’ (KRAEPELIN apud LACAN, 1985, p. 26).

Freud, ao lançar-se em 1909 ao estudo do livro escrito por Schreber, o faz de forma diferente da tradição psiquiátrica. E temos nova ruptura com a tradição - além da subversão que o sujeito freudiano, Sujeito do desejo causou na tradição filosófica de um sujeito pensante e autoconsciente, como anteriormente apontado. Freud propõe nova abordagem dos fenômenos paranóicos. “Ele demonstrou que o desejo era legível (...) desde que se dispusesse da chave certa, do código para decifrá-lo” e “propôs a idéia de uma coerência específica a ser encontrada no delírio” (CORIAT & PISANI, 2001, p. 44 e 52).

No texto supracitado, Freud (1996 [1911], p. 78) ainda nos diz que “a formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é, na realidade, uma

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tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução”, imprimindo outra diferenciação da abordagem psiquiátrica clássica.

Freud assinala alguns mecanismos que entram em jogo na paranóia, dentre eles destacam-se a projeção, o recalcamento e o narcisismo.

Coriat & Pisani (2001, p. 58) dizem que Freud construiu uma teoria que misturava esses dois elementos (recalcamento e narcisismo), uma vez que sua teoria do recalcamento não se aplicava facilmente à paranóia.

De acordo com Freud (1996 [1914], p. 82), no artigo Sobre o Narcisismo: uma introdução, um neurótico obsessivo ou histérico, “enquanto sua doença persiste, também desiste de sua relação com a realidade. Mas a análise demonstra que ele de modo algum corta suas relações eróticas com as pessoas e as coisas”.

O que acontece no caso do paranóico é bastante diferente, pois ele

“parece realmente ter retirado sua libido de pessoas e coisas do mundo externo, sem substituí-las por outras na fantasia. Quando realmente as substitui, o processo parece ser secundário e constituir parte de uma tentativa de recuperação destinada a conduzir a libido de volta a objetos” (idem).

Freud (idem) ainda nos diz que a “libido afastada do mundo externo é dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo”.

Coriat & Pisani (2001, p. 58) afirmam que a característica da paranóia seria o retorno dessa libido para o eu, não a retirada desta do mundo externo. Sintetizando estas idéias, temos:

“Na paranóia, o recalcamento consistiria num desligamento da libido, parcial ou geral. A libido anteriormente ligada a objetos externos volta-se para o eu. Esse processo (...) seria a etapa do recalcamento propriamente dito, enquanto o delírio seria a expressão de um retorno do recalcado, reconduzindo a libido aos objetos que ela havia abandonado”.

Sobre a projeção, Freud considera que este é o mecanismo que forma a paranóia (ibdem, p. 57). Citamos suas palavras:

“A característica mais notável da formação de sintomas na paranóia é o processo que merece o nome de projeção. Uma percepção

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interna é suprimida e, ao invés, seu conteúdo, após sofrer certo tipo de deformação, ingressa na consciência sob a forma de percepção externa. Nos delírios de perseguição, a deformação consiste numa transformação do afeto; o que deveria ter sido sentido internamente como amor é percebido externamente como ódio” (FREUD, 1996 [1911], p. 73).

Num segundo momento, apontou que estes “mecanismos projetivos encontram-se em todas as configurações, patológicas ou não, ainda que percebamos na paranóia um caráter particularmente cego de imputação ao outro” (CORIAT & PISANI, 2001, p. 58). E indicou também uma diferença entre neurose e psicose:

“Na neurose, um fragmento da realidade é evitado por uma espécie de fuga, ao passo que na psicose, a fuga inicial é sucedida por uma fase ativa de remodelamento;(...) a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta substituí-la” (FREUD, 1996 [1924], p. 207).

Freud (1996 [1911], p. 78) ainda aponta, no mesmo texto, que “foi incorreto dizer que a percepção suprimida internamente é projetada para o exterior; a verdade é, pelo contrário, como agora percebemos, que aquilo que foi internamente abolido retorna desde fora”.

Anos depois, Lacan retoma esta afirmação atualizando-a em seus próprios termos: “sucede (...) que tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da

Verwerfung, reaparece no real” (LACAN, 1985, p. 21) [grifo nosso].

Conforme abordamos as demais estruturas, passemos, portanto, à compreensão da estrutura psicótica, já partindo das colaborações de Lacan à teoria, que com suas teorizações acerca dos campos Real, Simbólico e Imaginário, possuía instrumentos mais sofisticados para o desenvolvimento e prosseguimento da teoria freudiana de modo geral e especificamente um caminho de melhorar suas concepções sobre a psicose e seu possível tratamento.

Calligaris (1989, p. 9) afirma que a clínica psiquiátrica clássica “é uma clínica em que, se não há fenômenos psicóticos, se não aparecem fenômenos elementares da psicose, não há psicose”.

Como tratado no capítulo anterior, a abordagem psicanalítica atual não se atém unicamente ao sintoma, à doença ou à questão da etiologia. Atualmente,

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