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A tributação das parcerias público-privadas

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Academic year: 2021

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A Tributação das Parcerias

Público-Privadas

Dissertação de Mestrado em Direito e Economia

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

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A Tributação das Parcerias

Público-Privadas

Dissertação de Mestrado em Direito e Economia

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Orientadora: Professora Doutora Paula Rosado Pereira

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À minha mulher e filhas pelo apoio e compreensão em todos os momentos, sobretudo nas longas horas de ausência para elaboração deste trabalho.

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“Age de tal modo, que todos os envolvidos participem de igual forma, tanto nos benefícios como nos encargos” John Rawls

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Agradecimentos

Aos colegas de trabalho, curso e sobretudo amigos pela disponibilidade, entreajuda e motivação.

Aos inestimáveis amigos João Pires e Olívia, sempre presentes quando preciso, como foi o caso da disponibilização do espaço onde tranquilamente pôde ser concretizado este trabalho.

Em especial, à Senhora Professora Doutora Paula Rosado Pereira, o meu sincero agradecimento pela sábia orientação e estimada cooperação.

Por fim, resta também agradecer ao Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros da Autoridade Tributária e Aduaneira pela solícita colaboração.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Resumo

Através da presente dissertação pretende-se proceder a uma reflexão sobre a necessidade de tributação extraordinária das Parcerias Público-Privadas, começando por se percorrer o percurso histórico desde o seu surgimento, com particular enfase no seu evoluir a partir dos finais da década de oitenta do século passado, altura em que, massivamente, se apresentaram como meio de resposta dos Estados Europeus face às necessidades de manutenção de serviços públicos, cujo desaparecimento politicamente seria difícil de sustentar, ao passo que permitiam a não ampliação endividamento público, tudo no cumprimento do rigor monetário e orçamental imposto pelas instituições europeias, enquanto critérios de consagração de um crescimento sustentado e de uma solidez das finanças públicas assente no pensamento dominante neoliberal.

No caso concreto de Portugal, o recurso às Parcerias Público-Privadas assentou em larga medida na assinatura de contratos cujo interesse público e fundamentalmente económico não foi devidamente assegurado, em virtude da impreparação do Estado na assinatura dos contratos, manifestada através quer da carência de meios técnicos quer da inexistência de mecanismos legislativos específicos criados para regulação deste tipo de contratos.

Tal realidade contínua a traduzir-se em avultados encargos para o Estado verificados ao longo dos contratos, decorrentes das garantias desproporcionadas de rentabilidade asseguradas perante os parceiros privados e dos pedidos de reequilíbrio financeiro pelos mesmos recorrentemente solicitados, os quais se encontram previstos contratualmente e na maioria das vezes são difíceis de quantificar.

É pois neste contexto atual de constrangimento orçamental, que se pretende destacar a necessidade da repartição dos sacrifícios por via de uma tributação extraordinária a lançar sobre as concessionárias parte nesses contratos. Procedendo a uma análise os desafios legais postos a essa tributação, seguindo de

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira

permeio o princípio da igualdade tributária e a capacidade contributiva como seu princípio consorte. Para tanto, apresentar-se-ão algumas das possíveis formas de tributação extraordinária possíveis, neste caso valendo-nos da experiência aplicada noutros setores.

Palavras-Chave:

Parcerias Público-Privadas – Tributação - Capacidade Contributiva – Sobretaxa – Contribuição Extraordinária

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Abstrat

The present dissertation intends to reflect on the need for creating extraordinary taxation for Public-Private Partnerships and, analyzing its trajectory from its historical starting point to nowadays, with particular emphasis on its development during the late eighties, period in which they were massively released as a State European response to preserve public services. Abolishment of public service would politically, be very difficult to sustain, despite the fact it would allow for the non-increment of public debt, so all of these partnerships were based on a neoliberal way of thinking that sustained a solid growth and sound public finance methodology, and were generated in compliance with all the monetary accuracy and budgetary constraints imposed by European institutions.

In the specific case of Portugal, the adoption of Public-Private Partnerships was largely established by the signature of contracts that were not adequately safeguarded by public or economic interests; gaps in legislative mechanisms to regulate such contracts and lack in resources were evident.

This reality, observed during contractual periods, still translates into a large economical State burden. The defective contractual agreements given to private partners, generated disproportionate profitability guarantees and, recurrent requests for financial rebalancing that were normally foreseen in the contractual agreement and usually rather difficult to quantify.

Therefore in this current context of budgetary constraints, the intention is to emphasize the need to distribute the sacrifices amongst concessionaries, which are parties in the agreements, by means of extraordinary taxation.

The dissertation will analyze the legal challenges of this taxation, following the principle of tax equality and ability to pay as its consort principle. To do so, we will present some of the possible forms of extraordinary taxation, applying experiences implemented in other sectors.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira Key Words:

Public-Private Partnerships - Taxation - Ability to Pay - Surcharge - Extraordinary Contribution

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Rui Pereira

Índice

Abreviaturas ... 1

I. Introdução ... 4

II. As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica ... 8

1. História das Parcerias Público-Privadas ... 8

1.1.O surgimento massivo das PPP ... 17

1.2.Evolução histórica das PPP em Portugal ... 21

2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal... 23

2.1.Conceito e características ... 23

2.2.Na legislação da União Europeia ... 27

2.3.O regime jurídico interno em Portugal ... 29

3. Acompanhamento, fiscalização e controlo interno e externo ... 37

3.1.Unidade Técnica de Acompanhamento dos Projetos ... 37

3.2.Tribunal de Contas... 38

3.3.Unidade Técnica de Apoio Orçamental ... 40

4. Riscos financeiros presentes e futuros ... 41

5. Projeções de encargos ... 46

6. A Reposição do equilíbrio financeiro ... 47

7. Parcerias Público-Privadas ativas em Portugal ... 50

7.1.No setor rodoviário... 52

7.2.No setor ferroviário ... 56

7.3.No setor de saúde... 57

7.4.No setor da segurança ... 59

III. A Tributação das Parcerias Público-Privadas ... 61

1. O enquadramento tributário atual ... 61

1.1.Na abordagem contabilística ... 61

2. A repartição dos sacrifícios por via dos impostos ... 62

2.1.Negócios privados, riscos públicos? ... 63

3. Desafios legais à tributação... 66

3.1.Os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva ... 67

4. Possíveis formas de tributação extraordinária ... 73

4.1.Sobretaxa de IRC incidente sobre os lucros das concessionárias ... 74

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira

4.3.Contribuição extraordinária ... 77

IV. Conclusões ... 84 Bibliografia ... 101

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 1

Abreviaturas

BCE Banco Central Europeu

CCP Código dos Contratos Públicos

CECA Comunidade Económica do Carvão e do Aço

CEE Comunidade Económica Europeia

CESE Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético

CIRC Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas CIRS Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares CRP Constituição da República Portuguesa

DGTF Direção Geral do Tesouro e Finanças

ECOFIN Conselho para as Questões Económicas e Financeiras ESAME Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos

EP Estradas de Portugal

FMI Fundo Monetário Internacional

IP Infraestruturas de Portugal, S.A.

IFRIC International Financial Reporting Interpretations Committee IRC Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas IRS Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares MAI Ministério da Administração Interna

MEFP Memorando de Políticas Económicas e Financeiras

MOPTC Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações MoU Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de

Política Económica (Memorandum of Understanding)

MST Metro Transportes do Sul

OE Orçamento de Estado

PEC Plano de Estabilidade e Crescimento PFI Private Finance Initiative

PIB Produto Interno Bruto

PPP Parceria Público-Privada

REF Reposição de Equilíbrio Financeiro

SIEV Sistema de Identificação Eletrónica de Veículos, S.A.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 2 TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TRIR Taxa de Regulação de Infraestruturas Rodoviárias

UDC Urban Development Corporation

UTAO Unidade Técnica de Acompanhamento ao Orçamento UTAP Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 3

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 4

I.

Introdução

Parece obrigatório começar qualquer trabalho de investigação ressaltando a importância ou transcendência do tema eleito. Pensamos que o facto de o presente estudo, ao ter por objeto as Parcerias Público-Privadas (PPP), em particular a tributação, nos libera em parte desta necessidade.

Desde logo, a avaliar pelas responsabilidades financeiras de grande dimensão que serão apresentadas no futuro, manifestas pela sua proporção relativamente ao Produto Interno Bruto, a que subjazem motivos políticos e orçamentais, mais do que económicos, tão cedo o tema não sairá das nossas ocupações e preocupações. Até pelo horizonte de longo prazo adotado na sua variedade de figurinos e estruturas contratuais, que não fará descansar os contribuintes.

A opção pelas PPP, in limine, terá radicado num prévio depauperamento das finanças públicas, que não permitiria nunca a concretização de tais projetos, integralmente pelo Estado. A que se somaram as limitações orçamentais, às quais credores e instituições internacionais (desde logo, a União Europeia) sempre dedicariam alguma atenção. Donde que o financiamento arregimentado pelos parceiros privados, também eles se endividando externamente, surgiu como uma solução benquista. E, para tais parceiros, constitui forte incentivo a garantia de vultuosos rendimentos com risco inexpressivo porque assegurados pelo Estado.

De um lado, comungado por Estado e privados, foram sendo alcandorados os putativos benefícios de uma maximização das competências do setor privado, mais

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 5 o incentivo ao aumento da eficiência com a inerente redução dos custos da prestação de serviços e aparência de uma alocação partilhada do risco.

Todavia, com o passar do tempo temos assistido ao desnudar de encargos e responsabilidades que não deixarão de recair sobre os cidadãos em geral: a falta de transparência na informação e negociações, a falta ou défice de controlo, a desorçamentação, o risco associado à procura, etc. O que abriu caminho ao equacionar de vias para o reequilíbrio das relações contratuais, mormente pela via da tributação sobre os parceiros privados.

Eis o mote para uma incursão liminar pelo enquadramento histórico das PPP, que melhor nos habilitará a conhecer e compreender o seu surgimento massivo até aos nossos dias. Sem esquecer, em particular, toda a evolução registada em Portugal, sobre a qual nos debruçaremos com o vagar que se impõe.

Feita a sinopse histórica, será decantado o arcabouço legal das PPP, começando por apreender e recortar o seu conceito e características. Com destaque, outrossim, para o Direito da União Europeia e a legislação doméstica em Portugal. Não nos furtaremos, ainda que modestamente, a oferecer alguns subsídios na sua análise crítica.

Pela sua importância, trataremos da matéria do acompanhamento, fiscalização e controlo interno e externo das PPP, apresentando as várias entidades (Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Unidade Técnica de Apoio Orçamental e Tribunal de Contas), que estão cometidas de tais funções e obrigações e dissecando as competências de que estão investidas.

Posteriormente, deambularemos acerca dos riscos financeiros presentes e futuros, conhecendo das projeções de encargos e aflorando o tema da reposição do equilíbrio financeiro.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 6 Eis então chegada a altura de refletirmos sobre as PPP em Portugal, detendo-nos com especial vagar detendo-nos setores mais relevantes (rodoviário e ferroviário), mas também nos setores da saúde e da segurança.

Para, in fine, afrontarmos a magna questão da tributação, tendo por antecâmara a repartição dos sacrifícios por via dos impostos e os desafios legais postos a esta tributação, seguindo de permeio o princípio da igualdade tributária e a capacidade contributiva como seu princípio consorte. Apresentando então algumas das possíveis formas de tributação extraordinária, com destaque para a sobretaxa de IRC, incidente sobre os lucros ou as receitas das concessionárias, e a contribuição extraordinária sobre o setor, neste caso valendo-nos da experiência em outros setores.

Aqui chegados, nas seguintes linhas oferecemos o nosso modesto contributo para uma discussão que se pretenderá sempre aberta, a benefício da igualdade tributária, tão cara aos contribuintes.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 7

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Rui Pereira Página 8

II.

As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica

1. História das Parcerias Público-Privadas

O capitalismo liberal surgido da revolução industrial aportou grandes transformações a vários níveis, com particular ênfase no campo económico e na forma de intervenção do Estado sobre a sociedade em geral.

O Estado viu-se então confrontado com uma nova realidade fruto do desenvolvimento tecnológico e da concentração de massas de população em zonas mais industrializadas, que exigiram da sua parte a criação de infraestruturas necessárias a fazer face a este novo paradigma socioeconómico, cuja velocidade de desenvolvimento assumiu uma particular relevância em matéria de transportes e vias de comunicação e para o qual, compreensivelmente, não estaria ainda preparado.

Assim, a par deste vertiginoso desenvolvimento industrial, desenvolveu-se o capitalismo liberal assente, essencialmente, no pensamento de Adam Smith e outros pensadores clássicos, defensores da primazia do mercado e fazedores da apologia do “Estado mínimo”,o qual, segundo assinala Manuel Afonso Vaz1, era por natureza inadequado às funções económicas.

É pois neste contexto que face às ideologias liberais e às restrições orçamentais e de disciplina financeira, o Estado sentiu necessidade de recorrer à

1

Sobre este assunto, entre outros, vide Manuel Afonso Vaz, Direito Económico - A Ordem Económica

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 9 colaboração dos privados, tendo em vista satisfazer as constantes necessidades gerais a seu cargo, as quais aumentavam gradualmente de dia para dia. No entanto, sendo as empresas chamadas a financiar e executar obras públicas indispensáveis, fizeram-no numa posição de colaboração com o Estado e, ademais, ficando sujeitas enquanto tais à definição unilateral das exigências do interesse público por atos de autoridade da entidade concedente.

Concomitantemente, embebido nesse pensamento liberal, o Estado deixou em grande medida funcionar autonomamente a economia, regulada, maxime, pelas leis do mercado.

Muito embora essa liberalidade e tal como nos dias de hoje, a intervenção do Estado mostrou-se, ainda assim, como irremediavelmente necessária no sentido de corrigir falhas de mercado2 e de proteção das massas, com medidas disciplinadoras e ordenadoras das relações laborais e sociais. E, neste contexto, o Estado que se havia limitado à intervenção mínima viu-se confrontado com a necessidade de assumir um papel central e fulcral na gestão de recursos e forçado a repensar os instrumentos de atuação.

Mais tarde, com a Primeira Guerra Mundial, o Estado viu-se forçado a assumir-se também como produtor, ao mesmo tempo que também passava a controlar a economia, na sequência das peculiares exigências de armamento e aprovisionamento em tempo de guerra, vivendo-se nesta fase um interregno do pensamento liberal.

2

Para Fernando Araújo, Introdução à Economia, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 53 e 54, as “falhas de mercado” são atribuídas a duas causas principais, a saber: [1. a existência de «externalidades», a

possibilidade de que uma de que uma atuação económica faça projetar irremediavelmente efeitos, benéficos ou maléficos, sobre alguém que não o próprio agente, interferindo no nível de bem-estar desse alguém, sem que lhe seja paga qualquer indemnização – no caso da diminuição do seu bem-estar – ou sem ter que pagar qualquer compensação – no caso do aumento desse bem bem-estar -, impedindo nomeadamente que a produção de bens socialmente benéficos seja livremente incentivada, ou sinalizando erradamente o mercado no sentido da sobreprodução de bens e serviços com efeitos colaterais socialmente negativos; 2. a existência de «poder de mercado», que permite a alguém a exploração do mecanismo dos preços em proveito próprio, para lá de um limite que fira um sentido mínimo de justiça ou que gere desincentivos à produção e às trocas – tendo de admitir-se que mesmo a mais superficial observação do mercado evidenciará que a concorrência entre empresas é frequentemente limitada, que as distorções do mercado muitas vezes se perpetuam através da sua repercussão no plano dos incentivos, que as atitudes abusivas não raro extravasam para o domínio das práticas anti-ambientais e anti-sociais -.]

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 10 Não obstante a transição dos tempos de guerra para os tempos de paz e o consequente retorno à aplicação da ideologia liberal, o “furacão económico” vívido com a crise de 1929 nos Estados Unidos e a chamada “Grande Depressão” mais não veio do que revelar as fragilidades do sistema económico. Fundamentalmente, por destruição da confiança no setor financeiro e suas repercussões na sociedade, trazendo ao de cima a necessidade imperiosa dos Estados dos países mais atingidos assumirem um papel central e preponderante no controlo da economia. Aliás, a falência demonstrada pela crise revelou ainda a necessidade de intervenção do Estado no sentido de impulsionar a economia, a qual não emergiria por impulsos naturais mas antes dependendo de uma ação direta e intervencionista.

Por sua vez, no Continente Europeu, predominantemente marcado por Estados autoritários e pelo alastramento da “revolução corporativa”, como instrumento de condução e disciplina da economia, evidenciava a falta de um sistema económico característico que correspondesse às exigências dos novos tempos3.

Neste panorama assumiu particular relevância o pensamento keynesiano assente no abandono do ideal da neutralidade. As finanças públicas keynesianas, dominadas pela funcionalidade, passaram a procurar o aproveitamento total de todos os instrumentos financeiros tendo em vista influenciar o comportamento dos sujeitos económicos privados e a economia em geral, sendo a sua estrutura e gestão determinadas pelos fins sociais que visavam realizar. Contrariando a abstenção, as finanças públicas passaram a ser marcadas por uma atitude e práticas intervenientes, na qual o Estado assume um papel ativo, muito abrangente na economia, de modo a restringir a atividade privada e promovendo fins autónomos4.

3

Sobre este assunto, vide Pedro Soares Martinez, Economia Política, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 312 e ss.

4

Neste sentido vide António L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I, 4.ª edição, 1992, pp. 63 e 64.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 11 Entretanto, a Segunda Guerra Mundial colocou um ponto final na maior parte dos regimes autoritários que haviam instituído formas de capitalismo estatal debaixo do escopo corporativista. Ainda assim, não restabeleceu o Estado liberal caraterizado pela separação com a economia.

Reposta a paz, assistiu-se ao aparecimento de projetos de cooperação intergovernamental e sob o impulso norte-americano, com a implementação do plano Marshall, nasceram as organizações internacionais e o acordo institucionalizado que consubstanciaram os pilares da nova ordem económica internacional.

Seguindo o mesmo desígnio, a realização da conferência de Bretton Woods (1944) teve por finalidade, essencialmente, criar uma ordem económica liberal que viesse substituir as políticas autoritárias as quais tinham conhecido um grande desenvolvimento no período entre as duas guerras, destacando-se nesta conferência a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Neste cenário, criaram-se as condições de promoção de um sistema monetário internacional e a livre convertibilidade das moedas, repondo um padrão, prevenindo desvalorizações cambiais competitivas e promovendo a segurança e a confiança nas relações monetárias internacionais. Outrossim, facilitando-se o investimento de capitais produtivos, a aceleração das economias destruídas pela guerra e, ainda, a regulação do comércio internacional livre e assente em relações multilaterais.

A recuperação da Grande Depressão, à semelhança do ocorrido antes da guerra, trouxe ao de cima, então e novamente, a prosperidade resultante da união do Estado com a economia.

Com a forte implementação de uma agenda social, o Estado passou a usar o orçamento para a cobertura de riscos sociais mediante um amplo e prevalecente sistema público de segurança social, bem como para o desenvolvimento de políticas sociais de saúde, assistência e educação.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 12 Por outro lado, o mesmo Estado adotou medidas económicas tendentes a evitar novas depressões, através de políticas anti-inflacionistas assentes, fundamentalmente, no agravamento dos impostos. Pelo que, nesta fase de modernização estrutural das economias e relações sociais, o Estado apresentou-se como a pedra angular de todo o sistema.

Nas palavras de Rui Marques, «A partir da 2.ª metade do século XX, a conformação económico-social empreendida pelos poderes públicos tem exigido novos instrumentos concretizadores das novas atribuições do Estado, o que, correlativamente, tem acarretado um acrescido esforço financeiro por parte dos contribuintes», mais adiantando que «Assim, o Estado surge a assumir e garantir a prossecução dos fins, com benefício para os seus cidadãos, mas tal não significa que apenas possam ser os poderes públicos a encarregar-se das respetivas tarefas. Na realidade, estas também poderão ser efetivadas por meio dos sectores privado, social ou cooperativo (a “sociedade civil”), em coexistência ou mesmo subsidiariedade com o sector público. O que não deve ser entendido como uma renúncia ou dispensa dos poderes públicos»5.

Contribuindo para essa realidade o Tratado que instituiu a Comunidade Económica do Carvão e do Aço (CECA)6, teve um efeito apaziguador com reflexos positivos em larga medida no desenvolvimento dos respetivos países signatários. Servindo de mote à posterior criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), inspirada na conceção neoliberal quanto às vantagens do alargamento dos mercados e do estímulo da concorrência.

Nessa altura de progresso e bem-estar das populações, dominava a crença no setor público, necessário ao estímulo e fomentador do crescimento económico global, dotado de capacidade de autofinanciamento. Com efeito, estava dispensado o recurso a receitas suplementares e afastada a possibilidade desse crescimento

5

Cf. Rui Marques, As Realizações de Utilidade Social em IRC e IRS, Lisboa, Wolters Kluwer, 2016.

6

Assinado em Paris a 18 de Abril de 1951, pela França, Alemanha, Itália Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, entrou em vigor em 24 de Julho de 1952, por um período limitado a 50 anos.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 13 poder traduzir-se num foco perturbador das relações entre os setores público e privado.

Seguiram-se assim os anos dourados da integração europeia, vincados pela edificação do mercado comum em detrimento de mercados nacionais, realidade apenas mais tarde fragilizada pela “crise da cadeira vazia7”.

No entanto, o modelo económico assente no Estado, não só a nível Europeu mas também no plano mundial, viria fortemente a ser posto em causa, trazendo à ribalta uma nova reflexão sobre o seu papel e (in)capacidade intervencionista, com as crises petrolíferas ocorrida na década de setenta e a consequente turbulência económica daí resultante. Reveladas através de ciclos viciosos de inflação- recessão, onde a desvalorização cambial, ainda que insuficiente, se assumiu como uma forma de ajustamento dos défices da balança de pagamentos8. Por outro lado, a nova conjuntura trouxe consigo o aumento exponencial da dívida pública sem que, paralela e correlativamente, fosse aumentada a receita fiscal.

Neste contexto, agudizaram-se os descontentamentos contra a intervenção do Estado, agora apontado como obstáculo ao dinamismo do setor privado e ao dinamismo da economia, fruto do seu tamanho e da ineficácia da sua máquina administrativa9. Seguindo-se-lhe um processo de reapreciação da sua intervenção na economia, quer por aqueles colocados mais à direita, quer pelos mais à esquerda no espetro político. Sendo ainda acusado no campo social de ceder às revindicações dos grupos mais poderosos, a par com a pressão exercida pela crescente globalização.

7

A partir de julho de 1965, a França, por discordar de um conjunto de propostas da Comissão, deixou de participar nas reuniões do Conselho, situação que se manteve durante cerca de sete meses, bloqueando a capacidade de decisão da Comunidade.

8

Cf. James D. Hamilton, Uncovering Financial Markets Expectations of Inflation, Journal of Political Economy, n.º 83, 1985, pp. 1224 e ss.; M. Steven Goldfield, The Case of the Missing Money, Brookings Papers on Economic Activity, n.º 3, 1976, pp. 683 e ss.; Prakash Loungani, Oil Price

Shocks and the Dispersion Hypothesis, Rochester Center for Economic Research, Working Paper n.º

33, 1986, pp. 5 e ss.

9

Sobre este assunto vide Rui Machete, O Capital Humano na Função Pública, A Administração Pública no Limiar do Século XXI: os Grandes Desafios, INA, Oeiras, 2001, pp. 53 e ss. No mesmo sentido, Maria João Estorninho, A Fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 47 e ss.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 14 No início da década de oitenta, já após a introdução da Politica Agrícola Comum e do alargamento do projeto europeu a outros países, numa tentativa de maior controlo do mercado cambial, visando uma menor flutuação das moedas nacionais, a contestação ao “Estado-Providência” veio a aumentar de tom. Condenando-se de forma vigorosa o elevado custo financeiro do setor público, gerador de défices orçamentais contínuos e aparentemente incontroláveis, que exigiam dos Governos o recurso constante a empréstimos no sentido de lograr o equilíbrio das contas públicas, com as repercussões inevitáveis tanto no volume da dívida e no peso dos seus encargos, como na estrutura da despesa. Já para não falarmos da soberania.

A década de oitenta terminaria marcada pelo rejuvenescimento do pensamento neoliberal em detrimento do keynesianismo, regressando à ribalta a limitação do Estado a uma vocação infraestrutural e redistributiva e sendo a atividade produtiva entregue ao setor privado. Surgindo, neste contexto, as empresas privadas a executar atividades anteriormente cometidas exclusivamente ao Estado.

Com alguma naturalidade surgem então as privatizações10, acolhidas sob a capa do entendimento “Menos Estado, Melhor Estado”, tido como benigno. São justificadas por questões de eficiência e de garantia de uma melhor satisfação das necessidades sociais, através da redefinição das áreas em que a iniciativa privada pode atuar, alegadamente, de forma mais vantajosa e aquelas que seriam mais adequadas ao setor público, afirmando-se claramente como o elemento-chave do novo paradigma de mercado.

Por outro lado, a alienação do património público em função das privatizações funcionaria como um enorme contributo para a redução dos défices públicos, ao mesmo tempo que reduziria a malquista intervenção do Estado na economia.

10

A designação “privatização” foi apresentada por Peter Drucker para substituir “desnacionalização” e teve por base as críticas libertárias de Hayek contra o Estado providencial e coletivista. Cfr. Friedrich Von Hayek, The Road to Serfdom, Chicago, University of Chicago Press, 1944.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 15 Relativamente à integração europeia, a unificação da Alemanha, a par com a queda de alguns regimes comunistas no Bloco de Leste e a crescente globalização, transformou radicalmente o mapa económico mundial e impulsionou, na sequência dos diferentes tratados europeus e sucessivos alargamentos, a livre circulação dos bens, dos serviços, das pessoas e dos capitais, consorte de uma liberalização dos mercados. Havendo a destacar a criação em 1994 do Espaço Económico Europeu.

No plano internacional, essas transformações europeias prestaram um contributo decisivo à criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio (OMC), tendo por objetivo supervisionar e liberalizar o comércio internacional, fruto das negociações comerciais decorrentes da Ronda do Uruguai, após uma série de negociações anteriormente frustradas.

Todavia, a nível europeu o grande passo seria dado mais tarde com a introdução da moeda única (euro), operada pelo Tratado de Maastricht (1992) e com os critérios de convergência definidos para a sua implementação a ser estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (1997). Apenas 9 dos 28 Estados-Membros da União Europeia integram a Zona Euro (Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos e Portugal).

A política monetária adotou em larga medida um caráter deflacionista, limitativo e de contração, oposto ao crescimento económico e à promoção do emprego, dada a posição rígida assumida pelo Banco Central Europeu (BCE) perante a eventual ocorrência de subida dos preços. Assim aplicando a conhecida receita liberal na resolução das crises, assente na regulação automática e por si própria do mercado, focada na baixa de salários e no aprofundamento e prolongamento do ciclo depressivo11. Privilegiando deste modo o rigor monetário e orçamental, no pressuposto de um crescimento sustentado e de uma solidez das finanças públicas, em linha com a velha disciplina clássica. Sob um tal desígnio assistiu-se à até então mais ampla transferência de poderes nacionais alguma vez

11

Sobre este assunto vide A. J. Avelãs Nunes, A Constituição Europeia: A Constitucionalização do

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 16 registada. O que, não raro, lançou um questionar sobre o sentido da soberania dos Estados e da democracia representativa.

As regras ditadas pela moeda única resultaram, na prática, numa perda da autonomia dos Estados na regulação das políticas cambial e monetária onde o BCE passou a estabelecer a taxa de juro válida para todos os membros da Zona Euro. Revelando a União Económica e Monetária (UEM) um poder limitativo, considerando que o objetivo de manutenção da estabilidade era suscetível de conduzir a políticas de contenção permanente, em sintonia com o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) definido em 1997, em momento anterior à implementação da UEM, donde resultou a aparente obrigatoriedade de cumprimento do valor de défice orçamental abaixo de uns enigmáticos 3%. Sendo justo afirmar que o PEC, quer para os países mais ricos quer para os países mais pobres, converteu-se num “colete-de-forças”12 condicionador de toda a sua atuação e desempenho na condução da política orçamental. Tal realidade não se alterou de forma substancial com as revisões dos Regulamentos na base do PEC entretanto realizadas, cujos parâmetros continuam a incidir e exigir de forma vincada aos Estados-Membros um rigor vigoroso no equilíbrio orçamental. Porém, sem estes poderem dispor de grandes instrumentos de política económica, atenta a destituição do poder de condução das políticas monetárias e cambial.

Em consequência desta opção comunitária, os países da Zona Euro - neste novo paradigma bastante limitados pela perda da capacidade da regulação cambial - viram ainda mais restringida a sua margem de manobra através da obrigação de manter os orçamentos dentro dos parâmetros do PEC, como condição para o equilíbrio dos orçamentos.

É pois no meio desta “tempestade perfeita” de constrangimentos orçamentais que de modo mais pronunciado os Estados lançam mão a um leque de instrumentos no intuito claro de contornar o rigor das regras do Pacto (nomeadamente, critérios restritivos do Tratado de Maastricht, fortalecidos no PEC), bem como se socorrem de

12

Conforme apelida Maria Eduarda Azevedo na sua Tese de Doutoramento, com o título As

Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública, Faculdade de Direito de

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 17 soluções de engenharia financeira e contabilidade pública criativa acrescidas de políticas de privatizações, norteadas tão só pela necessidade de reduzir as dívidas. Nesta medida, a “nova” ideologia de “Estado mínimo” permitiria atenuar a contenção do défice e da dívida pública em obediência a metas de regulação orçamental, como as impostas pelo PEC aos parceiros comunitários inseridos no euro13.

Por outro lado, não sendo a política de privatizações orientada para satisfazer as necessidades gerais das obrigações do Estado para com os cidadãos e resultando enaltecido ainda mais esse “Estado mínimo”, assiste-se ao envolvimento dos capitais e no alcandorar de uma salvífica cultura de gestão privada, através da implementação, em alguns casos massificada, de Parcerias Público-Privadas (PPP), consubstanciadas num modo de gestão e prestação de serviços públicos baseada na intervenção privada através de um emaranhado de construções. Porém, sem que daí se possa furtar às limitadas regras impostas pelo Eurostat, eventualmente tardias, através da Decisão de 11 de Fevereiro de 2004 e constantes do guia de orientação “Long term contracts between government units and nongovernment partners”, surgidas na sequência da necessidade de tratamento e de contabilização a dar às PPP nos orçamentos nacionais.

1.1. O surgimento massivo das PPP

Na esteira do antedito, as PPP devem o seu protagonismo, pelo menos numa fase inicial, a dois relevantes fatores. Por um lado, à tendência de emagrecimento exigido pelas regras orçamentais, as quais geram, inevitavelmente, um enfraquecimento da posição do Estado. E, por outro, à retoma da evolução económica assente no pensamento neoliberal.

Neste novo paradigma, a necessidade política de manter serviços públicos cujo desaparecimento seria impopular, aliado à vontade de os sustentar, levam o Estado - agora dotado de uma capacidade institucional e financeira bastante

13

Como muito lucidamente reconhece Eduardo Paz Ferreira, Da Dívida Publica e das Garantias dos

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 18 diferente - a acudir a um setor privado disponível para alargar o seu espetro de ação a novas áreas de investimento, assim lançando mão de empreendimentos antes considerados muito arriscados.

No entanto, este mecanismo de recurso a concessões ao setor privado para realização do interesse público, encontrado face ao novo contexto orçamental, não é de todo inovador, uma vez que já havia sido testado anteriormente, ainda que de forma mais simples ou menos sofisticada.

Os primórdios das PPP remontam à Inglaterra da 2.ª metade do século XVII, a qual tinha desenvolvido uma imensa rede de estradas portajadas designadas por “Turnpikes” (nome dado à cancela pontiaguda que bloqueava a passagem) surgidas num contexto de necessidade de suplantar os problemas decorrentes da dificuldade na manutenção da vetusta “rede” rodoviária eclesiástica, assente apenas no trabalho local não especializado. O seu mecanismo de funcionamento consistia em adjudicar a manutenção das estradas a Trusts de mercadores, manufatureiros ou autoridades locais, os quais de modo organizado juntavam o capital, asseguravam a construção e recolhiam as portagens no sentido de recuperar o investimento em vinte e um anos14.

O sistema estendeu-se aos Estados Unidos, após a Guerra da Independência (1775-1783). Porém, a concorrência resultante da exploração do transporte através dos canais fluviais e, mais tarde, dos caminhos-de-ferro, condenaram o seu destino. Também a França desenvolveu no mesmo século o modelo de concessão, ainda hoje dominante, onde investidores privados financiavam a construção de infraestruturas as quais exploravam por determinado prazo ao fim do qual a propriedade revertia a favor do Estado. Disso são exemplo as concessões de exploração de canais e secagem de pântanos.

Contudo, mais uma vez, é a Inglaterra, ainda que de forma deveras tímida (comparando com os dias de hoje), que nos anos oitenta traz de novo as PPP à

14

Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Parcerias Público Privadas: Uma Análise

Comparada de Diferentes Experiências, Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia de

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 19 ribalta. Sob o comando de Margaret Thatcher surgem zonas empresariais e Urban Development Corporations (UDC`s), a quem se atribuíam as tarefas de desenvolvimento de zonas degradadas, dotando-as de financiamento, posse e poderes de planeamento sobre os terrenos adjudicados. As “Docklands” portuárias da capital Londres foram, por força desse sistema de rentabilização e desenvolvimento, transformadas naquilo que é hoje o centro financeiro de Canary Wharf. Mais tarde, já no final da década de oitenta, as UDC`s foram substituídas pelo City Challenge, programa que assentava no encorajamento das autoridades locais em propor aos agentes privados da sua região projetos de renovação urbana.

Todavia, a utilização de parcerias nesta época circunscrevia-se a situações muito concretas e pontuais. Apesar disso, importa destacar uma das maiores concessões da história, datada a 1986, o projeto franco-britânico do Túnel da Mancha.

O grande impulso das PPP viria, posteriormente, a ser alcançado já na década de noventa, mais concretamente em 1992, ano em que a Inglaterra, sob o Governo conservador de John Major, com o programa político denominado de “Private Finance Initiative” (PFI), em que mediante uma avaliação prévia do Value for money15 (ou seja, combinando qualidade e eficiência com o menor capital inicial, ao longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos), se aferia a viabilidade dos projetos e o potencial interesse público na adjudicação aos privados. Para tanto, o sistema assentava em três pilares fundamentais: o primeiro, visando ampliar a capacidade de financiamento do Estado, através de pagamentos plurianuais; o segundo, impondo ao parceiro critérios de qualidade cujo cumprimento seria condição necessária para o respetivo pagamento, conduzindo inevitavelmente a uma melhor prestação do serviço público; por fim, beneficiando da diminuição da despesa pública, através da poupança com a aquisição de infraestruturas e a capacidade de desenvolvimento avançado presente no parceiro privado.

15

Value for money: Radica na análise do impacto de uma intervenção em relação a três critérios essenciais, a saber: 1) economia, como minimização dos custos dos recursos aplicados ou adquiridos; 2) eficiência, assente na relação entre os índices de produção e os recursos usados na sua produção; 3) eficácia, na relação entre os resultados esperados e os efetivamente obtidos em projetos ou programas (gastar com sensatez).

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 20 Muito embora tradicionalmente o modelo aplicado se restringisse a áreas e necessidades muito específicas a colmatar pelo Estado, após sucessivas transformações é, em 1997, já sob a governação de Tony Balir, que as PPP assumem uma relevância a larga escala. Neste período alcançam uma taxa de implementação a rondar os 10% do investimento em bens públicos, assim se recorrendo sucessivamente ao setor privado para o financiamento, construção e gestão, numa diversidade de setores entre os quais se incluem a saúde, a educação e a defesa.

Por sua vez, na Europa Continental, o crescimento das PPP teve um crescimento mais tímido e heterogéneo, derivado essencialmente do conservadorismo germânico e da sua perspetiva quanto à separação que deve existir entre o Estado e o mercado.

Não é pois de estranhar que os países germânicos e escandinavos sejam mais avessos a este tipo de contratos do que os mediterrâneos, onde, por exemplo, a Espanha do tempo do Franquismo, por força das limitações financeiras desse período, optou por atribuir diversas concessões rodoviárias e pela introdução de estradas portajadas. No pós-Franquismo, com Felipe González, verificou-se um ligeiro abrandamento do modelo, fruto do aumento da dívida pública e, consequentemente, do défice nesse período. Todavia, a partir de 1997 as PPP tomaram um novo impulso, altura em que através da Lei 13/1996, de 30 de dezembro, de Medidas Fiscales, Administrativas y de Orden Social (comummente por nós designada como Lei do Orçamento), sob um forte pendor de restrição orçamental imposto aos Estados-Membros por Bruxelas, conforme se pode alcançar, inclusivamente, logo no seu preâmbulo16, as concessões foram alargadas a outros setores como estações de serviço e outros projetos imobiliários.

16

Logo no seu primeiro parágrafo é referido que “La presente Ley incluye un amplio conjunto de

medidas referidas a los distintos campos en que se desenvuelve la actividad del Estado, cuya finalidad es contribuir a la mejor y más efectiva consecución de los objetivos de la política económica del Gobierno que se contienen en la Ley de Presupuestos Generales del Estado para 1997, y en concreto al cumplimiento de los criterios de convergencia previstos en el artículo 109.J del Tratado Constitutivo de la Comunidad Europea.” Por sua vez, o artigo 109-J do Tratado, reporta-se à

imposição dos critérios de convergência a observar pelos signatários, designadamente, “a realização

de um elevado grau de estabilidade dos preços, que será expresso por uma taxa de inflação que esteja próxima da taxa, no máximo, dos três Estados-membros com melhores resultados em termos

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 21

1.2. Evolução histórica das PPP em Portugal

Em Portugal as PPP, enquanto tal, conheceram o seu surgimento em meados dos anos noventa, pela mão do regime de concessão (várias vezes confundido com aquelas), há muito experimentado no nosso País. Conforme assinala Nazaré da Costa Cabral17, há a rememorar o registo em 1882 do estabelecimento de um acordo entre o Estado Português e a Companhia Edison Growel Bell, tendo em vista a exploração do serviço de telefones públicos. Seguiu-se em 1922 a concessão à Companhia Marconi da exploração de comunicações telegráficas intercontinentais. Só muito mais tarde, em 4 de dezembro de 1972, surge de novo estabelecido um acordo de relevo aquando da concessão à Brisa18 (fundada no mesmo ano) da autoestrada de ligação entre Lisboa e Porto.

Já na década de oitenta, ultrapassada a mudança de regime de 1974 e as vultuosas alterações entretanto ocorridas no mapa económico, foram implementadas reformas tendentes à eliminação progressiva de medidas de intervencionismo revolucionário e caráter socializante decorrentes da Constituição de 1976, promovendo a abertura das atividades económicas à iniciativa privada19.

Contudo, a década de noventa veio a revelar-se para Portugal como um desafio sem precedentes no seu desenvolvimento e integração europeia, carregado de metas difíceis de atingir e, de alguma forma, aparentemente opostas. Isto porque, se por um lado o País se via confrontado com a necessidade de criação de grandes estruturas e fornecimento de serviços públicos tidos como imprescindíveis e necessários a uma maior competitividade económica, por outro, enfrentava os constrangimentos orçamentais definidos pelo PEC, assumindo particular relevância

de estabilidade dos preços (…) a sustentabilidade das suas finanças públicas, que será traduzida pelo facto de ter alcançado uma situação orçamental sem défice excessivo…”

17

Nazaré da Costa Cabral, As Parcerias Público-Privadas, Cadernos do IDEFF, n.º 9, Almedina, Coimbra, 2009, p. 135.

18

Atualmente, a Brisa explora de forma direta 11 autoestradas, num total de 1.100,2 kms, dos quais 1.014,1 kms são constituídos por sublanços com portagem. Nos termos do acordo celebrado com o Estado Português, esta concessão terminará em 2035, Relatório e Contas da Brisa 2016.

19

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 22 nesta matéria os rigorosos critérios de convergência para a integração na moeda única.

Neste contexto, à semelhança de outros países europeus confrontados com semelhantes exigências, motivados pelas próprias autoridades europeias, procuraram-se novas formas de contratação pública tendentes à realização de obras necessárias, recorrendo ao setor privado para o seu financiamento e concretização, atenta a redução do impacto nas contas públicas e consequente défice estrutural.

É também no seguimento dessas exigências e motivados pelo impulso neoliberal dominante na europa que se assiste em larga escala ao desencadear das (re)privatizações nos mais diferentes setores até então sob o domínio exclusivo do Estado. Assim, na sequência do acordo então assinado em outubro de 1988 entre PS e PSD para a revisão constitucional, é aprovada a Lei n.º 11/90, de 5 de abril (Lei-Quadro das Privatizações), a qual definia logo no seu artigo 2.º como objetivos, entre outros, contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais, promover a redução do peso do Estado na economia e, fundamentalmente, a redução do peso da dívida pública nesta. O cumprimento destes objetivos permitiu encaixes financeiros avultados e necessários à consolidação do défice mediante a amortização de dívida, à medida que o Estado redimensionava a sua área de atuação, passando a assumir na economia um papel mais regulador e incentivador e menos intervencionista.

Sobre esta matéria, anos mais tarde o então Ministro das Finanças, Sousa Franco, fazendo um balanço provisório afirmou: «Uma vez conseguido o consenso social e político relativo ao modelo de sociedade e de economia que a nossa entrada na UE representou, o processo das reprivatizações insere-se neste contexto de mudança ou reforma estrutural necessária para a concretização do projeto de integração europeia e da participação na construção de uma Europa solidária, coesa e próspera.»20

20

Cf. António L. Sousa Franco, Prefácio a Privatizações e Regulação: A Experiência Portuguesa, Lisboa, Direção-Geral de Estudos e Previsão, XV-XVII, 1999.

(34)

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 23 Por outro lado, a necessidade de diminuir as diferenças de desenvolvimento existentes para com os demais parceiros comunitários exigia como prioridade um aumento do investimento público de natureza infraestrutural, face ao seu papel fulcral na ascensão do crescimento económico.

Com vista a alcançar esse desígnio, mas blindado pela política de contenção orçamental imposta pela adesão à moeda única, potenciaram-se as parcerias com o setor privado na realização de grandes obras públicas e serviços de interesse económico necessários em setores fundamentais, tais como obras públicas, água potável e saneamento, transportes ferroviário e rodoviário e, mais tarde, saúde21, mediante o recurso a PFI/PPP, sob o desígnio de aproveitamento das capacidades de financiamento e gestão privadas, sem o desembolso instantâneo de verbas, uma vez que pendia sobre o privado encarregar-se da obtenção dos financiamentos necessários.

2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal

2.1. Conceito e características

Embora a taxa de implementação a nível global das PPP seja elevada, não existe um conceito jurídico que as defina especificamente. Mas antes, diferentes formas de caraterização, consoante seja o fim a que individualmente se destinam, tendo os respetivos contratos características especificas dentro do contexto e pretensão em que se inserem. Havendo mesmo quem defenda, como por exemplo o fizeram Neil Kinnock e o Grupo de Alto Nível, que no quadro da recomendação à Comissão Europeia a advertiu para que abandonasse o intento de proceder a uma definição europeia de PPP, dados os inconvenientes que essa limitação poderia acarretar. Posição mais tarde acompanhada pelo próprio Banco Europeu de Investimento (BEI), ao salientar como positiva a ausência de um conceito europeu,

21

«A ideia de implementar um programa compreensivo e generalizado de PPP no setor da saúde só viria, no entanto, a ser plenamente assumido a partir do início de 2000. Este programa envolveria o recurso às PPP para a construção, implementação renovação e gestão pelo setor privado de mais 10 hospitais», Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p.169.

(35)

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 24 apontando a grande diversidade de práticas desenvolvidas sob a designação de PPP22.

Ainda assim, conforme entende uma parte considerável da doutrina, as PPP representam uma revitalização dos centenários acordos de concessões, mas envoltos em novos e complexos contornos23. Ainda assim, de uma análise cuidada entre ambas figuras não parece que as mesmas se possam de alguma maneira confundir. Desde logo porque, começando pelo seu elemento fundamental assente na remuneração, constata-se que a concessão é suportada por meio de taxas diretamente ao utilizador pagador. Ao invés, a PPP, muito embora também possa em parte e em alguns casos assim ser remunerada, na maioria das vezes, em todo ou em parte, a sua remuneração é, por regra, financiada indiretamente pelos impostos, através de prestações fracionadas pagas pelo Estado ao parceiro privado, segundo regras definidas aquando do investimento inicial.

Socorrendo-nos de Nazaré da Costa Cabral24, em sentido amplo uma PPP pode ser definida «como toda e qualquer forma de colaboração entre o setor público e o setor privado, que tenha por objeto uma atividade em benefício da coletividade». Ainda segundo a mesma autora, uma PPP poderá definir-se a partir de alguns dos seus elementos caraterizadores, a saber:

a) Trata-se de um contrato de longo prazo celebrado entre o parceiro público e o privado;

b) Tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura25 pública, a cargo do parceiro privado;

22

Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit., pp. 329 e 140.

23

Sobre este assunto vide Mário Aroso de Almeida, Parcerias Público-Privadas: A experiência

Portuguesa, Direito e Justiça, VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, Lisboa,

Universidade Católica Portuguesa, 2005, pp. 175 a 190.

Igual entendimento seguem Eduardo Paz Ferreira e Marta Rebelo, para quem a PPP consiste na «recuperação da figura centenária da concessão, ajustando o seu elemento essencial (a contribuição

dos recursos privados para a criação de infraestruturas públicas) às necessidades e ao modelo de Estado e de Administração dos nossos dias» (O novo regime jurídico das parcerias público privadas em Portugal, Manual Prático de Parcerias Público-Privadas, Lisboa, NPF Publicações, 2004, p. 17.

24

Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., pp. 13 e ss.

25

«Infraestrutura – Instalação ou equipamento considerado necessário ao funcionamento da

economia e da sociedade. Não constituem pois um fim em si mesmo, antes um instrumento que apoia e suporta a atividade económica e social de um dado país ou região» (Idem, p.14).

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 25 c) Mediante pagamentos feitos ao parceiro privado, ao logo do contrato de PPP, quer seja através da dotação orçamental ou diretamente pelos utentes;

d) A infraestrutura permanece na propriedade do Estado no fim do contrato ou reverte para este.

Temos assim que as caraterísticas enformadoras das PPP variam consoante o fim a que cada uma se destina e as bases iniciais onde cada uma assenta, sendo por isso os respetivos contratos, necessariamente, objeto de mutações específicas latentes à finalidade que pretendem visar. Ou seja, a panóplia de necessidades que as mesmas pretendem colmatar necessitaram, forçosamente, de contornos jurídicos porventura específicos consoante seja a necessidade de intervenção da entidade pública, a repartição do risco e proveitos a retirar pelas partes, entre outras variáveis apenas aferíveis in casu.

De salientar que do lado do parceiro privado sempre estará subjacente a obtenção do lucro como escopo fundamental e último da sua atuação. Todavia, em sentido diverso, o parceiro público (internacional, nacional, ou regional, consoante os casos) terá como objetivo primordial a satisfação do interesse público, mediante o recurso mais vantajoso ao negócio que lhe permita maior rentabilidade nesse sentido e, pelo menos em teoria, ao mais baixo custo.

Para tanto, seja qual for o contrato de parceria em apreço, à partida (isto porque como se observará no caso de Portugal, e não só, nem sempre assim sucede), o parceiro público não deverá avançar com a adjudicação sem antes atender a determinados princípios a observar em momento anterior à manifestação pela opção e assinatura dos contratos de PPP.

Os princípios assentes na verificação de critérios prioritários de avaliação, mormente o “value for money”, traduz-se em termos práticos, de um lado, numa forma de garantir a melhor combinação de qualidade e eficiência com o menor capital inicial ao longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos e, por outra banda, na utilização do comparador do setor público, visando este

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 26 proceder à comparação entre o custo hipotético do projeto caso o mesmo, ao invés de desenvolvido no formato de PPP, fosse realizado e financiado diretamente pelo Estado, devendo para tanto considerar-se o ajustamento devido pelo risco do próprio projeto e todos os seus requisitos específicos. Nomeadamente, a provisão do serviço e objetivos a alcançar.

Assim, como defende Nazaré da Costa Cabral «Os projetos PPP não devem avançar, sem que esteja demonstrado o VFM relativamente à alternativa não fazer nada ou fazer o mínimo e sobretudo em relação ao comparador do setor público»26.

Não obstante a relevância da verificação desse critério, nas recomendações efetuadas pelo Tribunal de Contas ao Estado/Parceiro Público, patenteadas no Relatório de Auditoria n.º 15/2012 — 3.ª Seção do Tribunal de Contas (que procede à Auditoria ao modelo de gestão, financiamento e regulação do setor rodoviário), é dito que “A demonstração formal do value for money de um projeto de PPP não deverá, por si só, justificar a contratação de PPP sem que, previamente, se justifique a comportabilidade dos respetivos custos.”

Ainda no tocante à observação dos princípios, convém destacar a importância a dar a outro critério fundamental a ter em linha de conta relativamente à avaliação da partilha dos riscos enquanto aspeto fundamental das PPP, uma vez que caso não sejam devidamente acautelados poderá o Estado, por um lado, ter que ultrapassar o orçamento inicialmente previsto e, por outro, o parceiro privado acabar por não conseguir obter o lucro inicialmente previsto ou calculado, aspeto que face ao montante (por regra) bastante elevado deste tipo de investimentos poderá coloca-los em sérias dificuldades de sustentabilidade.

No tocante ao seu financiamento, como assinala Maria João Estorninho, as PPP abrangem esquemas de financiamento intrincados e envolvem a conjugação de vários contratos, tais como de concessão, de conceção e construção, de operação e

26

(38)

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 27 manutenção de financiamento, de garantias, acordo interbancário de proteção do risco de taxa de juro 27.

Por conseguinte, mais importante do que obter uma definição precisa de PPP impõe-se a necessidade de apurar até que ponto pode a mesma desempenhar um instrumento financeiro do setor público para o lançamento de projetos, centrando a análise na identificação dos seus objetivos e atributos principais. Caminho, aliás, seguido pela própria Comissão Europeia no Livro Verde sobre o Direito Comunitário em matéria de Contratos Públicos e Concessões, como mais adiante se verá.

2.2. Na legislação da União Europeia

No tocante às PPP, o Direito da União Europeia, não contempla em si um regime jurídico próprio e específico. Não obstante esse facto, em matéria de contratação pública vigoram, fundamentalmente, os princípios decorrentes dos artigos 49.º e 56.º, ambos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), designadamente, da igualdade, da proibição de discriminação em razão da nacionalidade, da transparência, da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo, acrescidos do respeito pelas regras da concorrência e da proteção jurisdicional efetiva. A estes princípios a observar na elaboração dos contratos públicos há ainda a acrescentar os derivados da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE).28

Em termos objetivos sobre esta matéria, em 2004 foram publicadas as Diretivas n.º 2004/18/CE e 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,

27

Maria João Estorninho, Direito Europeu dos Contratos Públicos – Um Olhar Português, Coimbra, Almedina, 2006, p. 256.

28

Tendo neste capítulo em muito contribuído o Acórdão Telaustria, do TJUE, de 10 de Setembro de 2009 (Proc. C-206/08), onde este Tribunal salientou no tocante à concessão de serviços públicos dos sectores especiais, nos quais se insere o setor dos transportes, que apesar de tais contratos estarem afastados do âmbito de aplicação da Diretiva n.º 93/98/CEE, de 14 de Junho de 1993, respeitante à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, as entidades adjudicantes que os celebravam estavam obrigadas a cumprir as regras fundamentais do tratado em geral e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 28 ambas de 31 de março de 2004, e que foram transpostas para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos.

A primeira Diretiva versa sobre a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Esta Diretiva foi bastante inovadora, uma vez que procedeu à compilação de regras e princípios que antes estavam disseminados pelas Diretivas 93/36/CEE e 93/37/CEE, assim modernizando e compatibilizando o anterior regime da contratação pública com as novas preocupações da União Europeia.

A segunda Diretiva atém-se à matéria da coordenação dos processos de adjudicação nos sectores especiais da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, trazendo inovações em matéria de definição dos âmbitos subjetivos e objetivos e, bem assim, de simplificação dos limiares agora aplicáveis a todos os operadores independentemente do setor em causa.

Tais diretivas, como assinala Maria João Estorninho, trouxeram algumas novidades relativamente à simplificação dos limiares aplicáveis, aos critérios de adjudicação, ao incentivo à prossecução de políticas de natureza social ou ambiental e, ainda, o procedimento de diálogo concorrencial, que visa introduzir flexibilidade em contratos ou montagens financeiras complexas29.

Apesar do avanço significativo trazido pelas diretivas assinaladas, mantinha-se premantinha-sente o mantinha-sentimento de inadequação do direito dos mercados públicos relativamente à regulação das PPP, o que justificou a decisão da Comissão Europeia, em Abril de 2004, em publicar o “Livro Verde Sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e Concessões”. Com ele se pretendendo renovar o debate com os agentes e os setores profissionais

29

(40)

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 29 envolvidos, tendo como finalidade apresentar uma proposta de diretiva para regular de modo idêntico as concessões e outras formas de cooperação entre os setores público e privado, com particular ênfase sobre as PPP.

Deste modo, assiste-se à identificação dos elementos nucleares das parcerias, a saber: a duração relativamente longa da relação de cooperação; o financiamento parcialmente privado do projeto, com recurso a montagens jurídico-financeiras complexas; a repartição de tarefas entre o agente privado e o ente público, bem como a repartição dos riscos entre ambos. O desencadear deste procedimento «mereceu o aplauso dos meios políticos, financeiros e Académicos»30.

2.3. O regime jurídico interno em Portugal

O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, institui pela primeira vez em Portugal um regime legal específico para as PPP.

Logo no seu preâmbulo deixou-se claro a ideia (aqui já reportada) de que determinada parceria apenas se justifica quando se revelar vantajosa após a realização do estudo necessário à utilização do comparador de sector público. Como se alcança no seu artigo 1.º, o novo regime tinha como objeto a definição de normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, conceção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das PPP.

No artigo 2.º do diploma procede-se a uma definição do conceito de PPP definida enquanto tal como «… o contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, e em que o

30

Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit, p. 186 e também no mesmo sentido Nazaré da Costa Cabra, ob. cit., p 147.

(41)

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 30 financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.»

No n.º 4 do mesmo artigo surgem definidos os instrumentos de regulação jurídica das PPP, a saber: o contrato de concessão de obras públicas, o contrato de concessão de serviço público, o contrato de fornecimento contínuo, o contrato de prestação de serviços, o contrato de gestão e o contrato de colaboração, quando estiver em causa a utilização de um estabelecimento ou uma infraestrutura já existentes, pertencentes a outras entidades, que não o parceiro público.

Destarte, este diploma estabelece um conjunto de princípios gerais sobre a repartição de riscos entre o parceiro público e o privado, para assegurar a eficiência da parceria ao nível de um sistema equilibrado de distribuição de encargos e riscos entre os respetivos intervenientes.

O diploma exclui do âmbito da sua aplicação todas as PPP que envolvam, cumulativamente, um encargo acumulado atualizado inferior a 10 milhões de euros e um investimento inferior a 25 milhões de euros (situação que se mantém na lei atualmente em vigor). Exclui também «todos os outros contratos de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, com prazo de duração igual ou inferior a três anos, que não envolvam a assunção automática de obrigações para o parceiro público no termo ou para além do termo do contrato.»

Quanto à avaliação das parcerias tratadas no seu capítulo II, é deixada a cargo do ministério setorial onde a PPP a criar visa ser implementada, mediante a notificação ao Ministro das Finanças ou à entidade que este para o efeito designar (n.º 1, do artigo 8.º).

A fase seguinte de avaliação das propostas é atribuída a uma comissão criada em cada caso para o efeito, designada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela setorial, sendo esta composta por representantes dos respetivos ministros – artigo 9.º.

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