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O regime jurídico interno em Portugal

II. As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica

2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal

2.3. O regime jurídico interno em Portugal

O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, institui pela primeira vez em Portugal um regime legal específico para as PPP.

Logo no seu preâmbulo deixou-se claro a ideia (aqui já reportada) de que determinada parceria apenas se justifica quando se revelar vantajosa após a realização do estudo necessário à utilização do comparador de sector público. Como se alcança no seu artigo 1.º, o novo regime tinha como objeto a definição de normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, conceção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das PPP.

No artigo 2.º do diploma procede-se a uma definição do conceito de PPP definida enquanto tal como «… o contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, e em que o

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Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit, p. 186 e também no mesmo sentido Nazaré da Costa Cabra, ob. cit., p 147.

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 30 financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.»

No n.º 4 do mesmo artigo surgem definidos os instrumentos de regulação jurídica das PPP, a saber: o contrato de concessão de obras públicas, o contrato de concessão de serviço público, o contrato de fornecimento contínuo, o contrato de prestação de serviços, o contrato de gestão e o contrato de colaboração, quando estiver em causa a utilização de um estabelecimento ou uma infraestrutura já existentes, pertencentes a outras entidades, que não o parceiro público.

Destarte, este diploma estabelece um conjunto de princípios gerais sobre a repartição de riscos entre o parceiro público e o privado, para assegurar a eficiência da parceria ao nível de um sistema equilibrado de distribuição de encargos e riscos entre os respetivos intervenientes.

O diploma exclui do âmbito da sua aplicação todas as PPP que envolvam, cumulativamente, um encargo acumulado atualizado inferior a 10 milhões de euros e um investimento inferior a 25 milhões de euros (situação que se mantém na lei atualmente em vigor). Exclui também «todos os outros contratos de fornecimento de bens ou de prestação de serviços, com prazo de duração igual ou inferior a três anos, que não envolvam a assunção automática de obrigações para o parceiro público no termo ou para além do termo do contrato.»

Quanto à avaliação das parcerias tratadas no seu capítulo II, é deixada a cargo do ministério setorial onde a PPP a criar visa ser implementada, mediante a notificação ao Ministro das Finanças ou à entidade que este para o efeito designar (n.º 1, do artigo 8.º).

A fase seguinte de avaliação das propostas é atribuída a uma comissão criada em cada caso para o efeito, designada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela setorial, sendo esta composta por representantes dos respetivos ministros – artigo 9.º.

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 31 No tocante à fiscalização e controlo das parcerias, o artigo 12.º atribui esses poderes a entidade ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e financeiras e pelo ministro da tutela sectorial para as demais. Já o seu acompanhamento permanente, previsto no n.º 1 do artigo 13.º, é deixado a cargo dos Ministros das Finanças e da tutela setorial respetiva, tendo por objetivo avaliar os seus custos e riscos e melhorar o processo de constituição de novas parcerias. O n.º 2 revela uma previsão genérica na qual se tipifica que «Os Ministros das Finanças e da tutela sectorial tomam as providências necessárias para uma eficaz divulgação dos conhecimentos adquiridos pelas entidades incumbidas do acompanhamento das parcerias, bem como para uma crescente colaboração entre elas.»

O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, veio a ser posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, o qual procedeu a diversas modificações ao regime então vigente, nomeadamente no que tange à preparação de processos de parceria e da execução dos respetivos contratos, «com vista a um pretendido mas não demonstrado reforço da tutela do interesse financeiro público.»31

Porém, muito embora se tenham verificado alterações significativas ao regime jurídico aplicável às PPP, a verdade é que, ainda assim, tais não disciplinaram todas as matérias a elas relativas. Neste particular, assumem relevância a falta de mecanismos internos a observar pelo setor público no que toca à fase da preparação e desenvolvimento dos projetos e de execução e acompanhamento dos contratos, situações que adicionalmente à aprovação do Código dos Contratos Públicos (CCP) vieram levantar dúvidas quanto à vigência de algumas das suas disposições32.

Por outro lado, à semelhança do diploma alterado, mantinham-se dispersas as competências relativas à participação na preparação, desenvolvimento, execução

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Conforme se reconhece e assinala logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, o qual será também objeto de estudo mais adiante.

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Neste sentido, atente-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, na parte onde refere que “…a aprovação do Código veio suscitar dúvidas quanto à vigência de algumas disposições do referido Decreto-Lei n.º 86/2003”.

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 32 e, especialmente, acompanhamento global de processos de PPP. Ou seja, face a inexistência da criação de um organismo próprio de acompanhamento das PPP, continuava o Governo e outras entidades públicas, sem o necessário apoio técnico especializado, uma vez que essas tarefas estavam repartidas por várias entidades do setor público, com excessiva pluralidade de intervenientes em representação de cada uma das entidades públicas envolvidas. O que determinava a inexistência de uma gestão pública coordenada e, bem assim, a incapacidade do setor público de acumular experiência, com a consequente (e recorrente) necessidade de recurso a consultadoria externa, o que inevitavelmente se traduziu no agravamento dos encargos suportados com as PPP.

No tocante aos sinalizados instrumentos de regulação jurídica das PPP dispersos por vários diplomas, tal realidade foi substancialmente alterada, com proveitos significativos, com a entrada em vigor do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.

Este diploma estruturante, para além de proceder à transposição das citadas Diretivas n.º 2004/17/CE e 2004/18/CE - alteradas entretanto pela Diretiva n.º 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de setembro, e retificadas pela Diretiva n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e da Comissão, de 16 de novembro -, tem também como objetivo uma nova sistematização e a uma uniformização de regimes substantivos dos contratos administrativos fragmentados até então, revelando-se, ademais, como um «instrumento de codificação da disciplina aplicável à contratação pública e do regime substantivo dos contratos administrativos, motivado pela necessidade de uniformização de regras dispersas».33

Por conseguinte, o CCP destacou-se por várias inovações, sendo de sublinhar a relativa à criação de regulamentação adequada de alguns aspetos das técnicas de project finance34, até então inexistentes ao nível da legislação ordinária,

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Vide o preâmbulo do CCP.

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Na definição oferecida por Nazaré da Costa Cabrla, ob. cit., p. 92, «Project Finance é uma forma de

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 33 desta forma dissipando um conflito entre as técnicas contratuais ditadas e as regras legais relativas à contratação pública. A este propósito, surge referido logo no seu preambulo, de modo clarividente, que «Na verdade, esta técnica de obtenção de recursos financeiros para financiamento de projetos, recorrentemente utilizada na Europa e em Portugal (especialmente quando associada a parcerias públicas- privadas consubstanciadas em contratos de concessão) e sem a qual muitos avultados investimentos ao serviço do desenvolvimento do País não teriam sido possíveis, não encontrava qualquer reflexo ao nível da legislação ordinária, o que gerava um conflito entre as técnicas contratuais ditadas, sobretudo, pela prática do project finance e as regras legais relativas à contratação pública, de raiz essencialmente comunitária. O novo CCP veio, assim, pôr um termo à divisão entre a prática e a legislação no que respeita a alguns fenómenos generalizados com o project finance e combinou a necessária rigidez das normas destinadas à salvaguarda da concorrência garantida pela parte ii do Código com as recorrentes garantias exigidas pelas entidades financiadoras do projeto que, no sucesso deste veem a fonte quase exclusiva de retribuição do investimento suportado.»

Enquanto diploma regulador dos contratos das PPP, contempla as regras a seguir no que tange à decisão de contratar, à competência para a nomeação do júri e, também, às normas relativas à execução e modificação dos contratos de PPP que, com exceção do diálogo concorrencial, nada acrescentaram às regras estabelecidas no regime jurídico das PPP. De forma inovadora e sem paralelo no regime anterior, prevê um procedimento adjudicatório de diálogo concorrencial, podendo o mesmo ser adotado quando o contrato a celebrar, independentemente do seu objeto, seja particularmente complexo, assim coartando a adoção do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação, destinando-se o procedimento a permitir à entidade adjudicante debater com os potenciais interessados na execução do contrato a celebrar a solução técnica mais adequada, os meios técnicos e as estruturas jurídica e financeira, com vista à sua definição.

financeira complexa assente em dívida e outras formas de financiamento (v.g equity), na qual a dívida é saldada através de “cash-flow” gerado com a operacionalização do projeto, mais do que através de capitais próprios das empresas promotoras desse projeto».

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 34 Em suma nesta parte, verificou-se que, efetivamente, o CCP dotou o ente público de um instrumento uniformizador de regulação jurídica dos contratos de PPP, contudo sem que tal fosse suficiente para suprir outros aspetos de suma importância e fulcrais no que toca à celebração das parcerias, com sendo as questões relacionadas com a dispersão de competências relativas à participação na preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global das PPP.

Tendo em vista colmatar essas falhas, o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, veio revogar o Decreto-Lei n.º 86/2003, assinalando logo no seu preâmbulo visar colmatar parte das necessidades aqui anteriormente assinaladas ao mesmo tempo que dando eco ao facto de que «Entretanto, a experiência adquirida recomenda vivamente que se proceda a uma modificação significativa do regime jurídico aplicável às PPP, designadamente no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação, à organização interna do setor público, a um melhor acompanhamento, por parte do Ministério das Finanças, do desenvolvimento dos projetos e, em particular, dos contratos de PPP já celebrados, assim como à transparência, designadamente através da publicitação de documentos relacionados com esta modalidade de contratação.»

Esta revisão, aprovada no contexto do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, teve em vista reforçar a avaliação prévia, pelo Ministério das Finanças, dos riscos de participação nas PPP, bem como a monitorização da respetiva execução.

Neste diploma o legislador opta no artigo 2.º por proceder a uma redefinição do conceito de PPP, a qual representa «o contrato ou a união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração, e riscos associados, incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.»

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 35 Por outro lado, passa a incluir na definição de “parceiros públicos” não apenas as entidades públicas empresariais mas todas as empresas públicas. Para além daquelas também inclui quaisquer outras entidades constituídas pelo Estado, por entidades públicas estatais, por fundos e serviços autónomos ou por empresas públicas, tendo em vista a satisfação de necessidades de interesse geral. O diploma estabelece ainda um regime especial menos exigente para as parcerias lançadas e desenvolvidas por empresas públicas com caráter comercial ou industrial, quando a parceria não carece nem é objeto de financiamento ou garantias direta ou indiretamente concedidas pelo Estado e os seus custos não possam vir afetar a dívida pública. Há ainda a registar o alargamento dos instrumentos de regulação de PPP a contratos que, até à entrada em vigor deste novo regime, não estavam abrangidos, como é o caso das subconcessões de obras públicas e de serviços.

O diploma exclui do seu âmbito de aplicação as concessões de sistemas multimunicipais de abastecimento de água para consumo humano, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos e as concessões atribuídas pelo Estado, através de diploma legal, a entidades de natureza pública ou de capitais unicamente públicos, sem prejuízo de as parcerias desenvolvidas por qualquer uma destas entidades estejam cobertas pelo próprio diploma - [cf. alíneas b) e c), do n.º 5 do artigo 2.º].

Mas, a nosso ver, a grande inovação deste diploma atém-se à criação da Unidade Técnica de Acompanhamento do Projetos35, para efeito do «cabal cumprimento das suas atribuições, ajustar alguns aspetos do regime legal aplicável às PPP, designadamente em matéria procedimental, de modo a contemplar a forma e o âmbito de intervenção desta nova entidade»36, a qual tem por missão o desenvolvimento e o acompanhamento de processos de parcerias, em estreita colaboração com os ministérios setoriais e com as entidades públicas contratantes envolvidas.

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Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, esta Unidade “que tem a

natureza de entidade administrativa dotada de autonomia administrativa, na dependência direta do membro do Governo responsável pela área das finanças, assume responsabilidades no âmbito da preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global dos processos de PPP e assegura um apoio técnico especializado ao Governo, e em especial ao Ministério das Finanças, em matérias de natureza económico-financeira”.

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 36 Por outro lado, este diploma alargou o seu âmbito de aplicação. No que diz respeito a decisões suscetíveis de gerar encargos, atribui uma assinalável relevância à sua comportabilidade orçamental, quer na vertente de lançamento de novas parcerias, quer na vertente de eventuais determinações unilaterais proferidas pelos parceiros públicos.

Deste modo, para além de se passar a exigir uma análise de comportabilidade orçamental e a realização de análises de sensibilidade, com vista à verificação da sustentabilidade de cada parceria face a variações de procura e a alterações macroeconómicas, contempla ainda uma análise custo-benefício e a elaboração de uma matriz de partilha de riscos, com uma clara identificação da tipologia de riscos assumidos por cada um dos parceiros, sempre que se prepare um novo projeto de parceria.

Por fim, destaca-se a adoção de medidas que visam tornar mais transparentes os processos relativos a PPP, designadamente, mediante a publicitação obrigatória de vários documentos com as mesmas relacionadas.

Este diploma de revisão do regime geral das PPP dá corpo aos objetivos e medidas previstas no Programa de Assistência Financeira acordado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, mais concretamente no que respeita à obrigação de o Estado Português introduzir no seu ordenamento jurídico um quadro legal e institucional reforçado, no âmbito do Ministério das Finanças, que permita um efetivo e rigoroso controlo dos encargos, bem como dos riscos, associados às PPP37.

Em suma, nesta matéria, poder-se-á concluir, após análise mais detalhada dos diplomas assinalados, que o contrato de PPP concretiza-se essencialmente a partir da forma ou do tipo de contrato que assume. Restando acrescentar que numa PPP é normal suceder que em torno do contrato principal (que geralmente é uma

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Rui Miguel do Coito Alves Pereira 37 “concessão”)38 existam uma série de outros contratos associados, como por exemplo de projeto de construção, de operação e manutenção, de compra e produção, de financiamento, entre outros. Dando corpo a esta última realidade assinalada o legislador veio a optar, mais uma vez, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 112/2012, de 23 de maio, por recorrer a expressões como “contrato” ou “união de contratos”.