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(1)FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação. MÁRCIA MARIA DA SILVA. HISTÓRIAS DE VIDA E MEMÓRIAS LITERÁRIAS: UMA NARRATIVA SOBRE A PRÁTICA. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2010.

(2) MÁRCIA MARIA DA SILVA. HISTÓRIAS DE VIDA E MEMÓRIAS LITERÁRIAS: UMA NARRATIVA SOBRE A PRÁTICA. Dissertação apresentada como exigência parcial ao Programa. de. Pós-Graduação. em. Educação. da. Universidade Metodista de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini, para obtenção do título de Mestre em Educação.. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2010. 2.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA Si38h. Silva, Márcia Maria da Histórias de vida e memórias literárias: uma narrativa sobre a prática / Márcia Maria da Silva. 2010. 166 f. Dissertação (mestrado em Educação) --Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010. Orientação: Zeila de Brito Fabri Demartini 1. Pesquisa autobiográfica 2. Prática pedagógica 3. Leitura e escrita I. Título. CDD 374.012. 3.

(4) A dissertação de mestrado sob o título “HISTÓRIAS DE VIDA E MEMÓRIAS LITERÁRIAS: Uma narrativa sobre a prática”, elaborada por Márcia Maria da Silva foi apresentada e aprovada em 22 de julho de 2010, perante banca examinadora composta pela Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Elydio dos Santos Neto (Titular/UMESP) e Profa.. Dra. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas. (Titular/UFS).. __________________________________________ Prof/a. Dr/a. Zeila de Brito Fabri Demartini Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora. __________________________________________ Prof/a. Dr/a. Roseli Fischmann Coordenador/a do Programa de Pós-Graduação. Programa: Mestrado Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Formação de Educadores. 4.

(5) À minha família pelo apoio constante, em especial ao meu irmão Edson, amigo presente em todas as horas . Aos meus filhos amados, Luísa e Gustavo pela compreensão quanto às minhas ausências.. 5.

(6) AGRADECIMENTOS À Profª. Drª Zeila de Brito Fabri Dermatini pela orientação, pela confiança e autonomia dispensadas, o que muito contribuiu para minha formação como pesquisadora. À Profª. Drª. Anamaria Freitas e ao Prof. Dr. Elydio dos Santos Neto por suas orientações durante o Exame de qualificação. Aos professores do Programa de mestrado UMESP pelos deslocamentos provocados, em especial ao Profº. Dr. Danilo Di Manno de Almeida (in memoriam). Aos amigos Elaine, César, Ana Célia, Malvina e Clivanir pelas contribuições e incentivo durante esta jornada. A todos os meus ex alunos da turma de 2006, da E.E. Iracema de Barros Bertolaso onde tem início este trabalho e em especial àqueles que participaram desta pesquisa. Aos pais destes alunos pela colaboração e confiança depositada. À supervisora da D.R.E. Mauá, Isabel Freitas pelo apoio dispensado. À Regina Vasque Luz, secretaria do mestrado UMESP pela prontidão e competência ao nos atender. Ao coordenador do pólo EAD/Mauá Metodista, Luiz Lóris Correa pelo incentivo. À Judith Vilas Boas pelo carinho e revisão ortográfica do trabalho. Ao meu irmão Edson Miron da Silva pelo apoio de hoje e sempre. 6.

(7) RESUMO. Este estudo tem por finalidade promover a reflexão sobre a prática pedagógica, analisando-a por meio do registro de um projeto de leitura e escrita, desenvolvido junto a uma turma de 4ª série (atual 5º ano) do Ensino Fundamental, realizado em uma Escola da Rede Pública Estadual de SP, Iracema de Barros Bertolaso, no município de Mauá. Tem também, a intenção de sensibilizar educadores sobre a importância do trabalho compartilhado com os alunos, do respeito às ideias infantis e da convicção do quanto se faz necessário atrelar o ensino e a aprendizagem ao prazer. O projeto em questão deu origem ao livro Histórias hilárias de uma 4ª série (e outros resgates), editado pela SCORTECCI e lançado no ano de 2008. Para reconstruir essa história, foram recuperados os registros de percurso do trabalho docente realizado por mim no ano de 2006 e realizado o levantamento de documentos como fotos, relatos, produções de alunos e matérias publicadas em jornais das quais os mesmos participaram. A pesquisa me levou a uma reaproximação com alguns ex alunos para compor, também por meio de entrevistas, este quadro onde o intento é dimensionar o alcance do trabalho realizado. Retratar a própria prática e coloca-la em situação de pesquisa configurou-se em ferramenta valiosa para a reconstrução do sentido de nossas ações à medida que nos ofereceu dados significativos a reflexão. Vincular esta análise ao estudo da trajetória formativa pessoal, feita por meio da abordagem biográfica, permitiu-nos ampliar nossa compreensão do quanto, e em que medida, trazemos para o exercício docente as influência do vivido. Acreditamos que a análise da trajetória formativa pessoal e da experiência vivida junto a um grupo de alunos, nesta pesquisa, justifica-se à medida que contribui para os estudos que se ocupam desta questão. Palavras chaves: Pesquisa autobiográfica, Formação, Prática de Ensino, Linguagem Escrita, Ensino Fundamental.. 7.

(8) SUMMARY. The objective of this work is to promote the discussion about the pedagogical practice and analyze it by means of the record of a reading and writing project developed in a group of the 4th year (current 5th year) in the Elementary School, carried out at the São Paulo State Public School, Iracema de Barros Bertolaso, in the city of Mauá. It is also intended to make teachers aware of the importance of the work shared with the students, the respect to the childhood ideas and the certainty of how critical it is to connect teaching and learning to pleasure. The project resulted in the book Histórias hilárias de uma 4a série (e outros resgates), published by SCORTECCI and released in 2008. In order to reconstruct this story, we recovered the records of the teaching work experience I carried out in 2006, as well as a survey of documents, such as pictures, reports, productions of students and articles published in newspapers in which they took part. The research led me to make a new contact with some former-students to compose, also by means of interviews, this picture aimed at dimensioning the reach of the work carried out. Portraying our own practice and making it available for research formed the valuable tool to reconstruct the meaning of our actions as these provided us with significant data and reflection. Binding this analysis to the study of the personal formation course, made by means of a biographical approach, allowed us to amplify our understanding how much we brought the personal living influence to the teaching exercise. We believe that the personal formation path, as well as a living experience with a group of students, is justified in this research as they contribute to enlarge the studies on this subject-matter.. Keywords: Autobiographical research, Training, Teaching Practice, Written Language, Elementary School.. 8.

(9) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO.............................................................................................p.10. 1. BIOGRAFIA EDUCATIVA.........................................................................p.14 1.1. Minha história – minha vida: um encontro necessário. 1.2. Implicações do contexto informal e formal no percurso formativo 1.3. Caminhos do fazer pedagógico 2. CONCEPÇÕES SUBJACENTES À PRÁTICA EDUCATIVA...................p.41 2.1. Concepção educativa 2.2. Concepção de leitor e escritor 2.3. Concepção de projeto 3. HISTORIANDO O PROJETO DE LEITURA E ESCRITA DESENVOLVIDO COM A 4ª SÉRIE A........................................................................................p.54 3.1. Entrada no Ensino Público Paulista – Um novo recomeço. 3.2. O projeto do livro 3.3. Histórias de vida e memórias literárias -. 4. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..................................................................p.86 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................p.96 6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFIAS.............................................................p.100 7. ANEXOS.....................................................................................................p.105. 9.

(10) INTRODUÇÃO. Esta pesquisa promove a reflexão sobre a prática pedagógica, analisando-a por meio do registro de um projeto de leitura e escrita, desenvolvido junto a uma turma de 4ª série (atual 5º ano) do Ensino Fundamental, realizado em uma Escola da Rede Pública Estadual de SP, Iracema de Barros Bertolaso, no município de Mauá, ao mesmo tempo em que defende e sugere uma postura mais dialógica diante do processo ensino aprendizagem. O projeto em questão deu origem ao livro Histórias hilárias de uma 4ª série (e outros resgates), editado pela SCORTECCI e lançado no ano de 2008. Desenvolvido a partir de um projeto didático, Histórias hilárias de uma 4ª série (e outros resgates) reúne ideias, títulos, textos e ilustrações elaborados e produzidos por crianças com idade entre 9 e 11 anos. A idealização de um produto visível, palpável e compartilhado com os alunos em sala de aula teve como intenção didática o envolvimento do grupo em seu processo de aprendizagem, legitimando as intervenções pedagógicas em torno da linguagem escrita, transformando para os alunos o ato de ler, escrever e revisar em um contexto de ações válidas e necessárias à produção. Para reconstruir essa história, foram recuperados os registros de percurso do trabalho docente realizado por mim no ano de 2006 e realizado o levantamento de documentos como fotos, relatos, produções de alunos e matérias publicadas em jornais das quais os mesmos participaram. A pesquisa me levou a uma reaproximação com alguns ex alunos para compor, também por meio de entrevistas, este quadro onde o intento é dimensionar o alcance do trabalho realizado. A princípio relutei em assumir como objeto de investigação o estudo sobre o projeto de leitura e escrita desenvolvido com meus alunos, no ano de 2006. Uma hesitação decorrente da imaturidade científica que me impossibilitava enxergar os desdobramentos deste trabalho para uma pesquisa futura. Em minha concepção, o fato de o livro ter sido elaborado em 2006, dois anos antes do início do mestrado, sem nenhuma pretensão científica à época, já o relegava à condição de inadequado à pesquisa que comecei projetar em 2008. 10.

(11) Apesar da convicção sobre a importância do trabalho realizado com este grupo de alunos, via-o apenas como possibilidade de elemento desencadeador da pesquisa que intencionava realizar sobre leitura e escrita, a qual compreendia devesse abranger uma dimensão maior. A provocação à qual fui sendo submetida enquanto mestranda, sugerindome validar a importância do projeto desenvolvido, trouxe-me paulatinamente, a compreensão de que junto à narrativa sobre o processo vivido com os alunos emergiriam outras tantas narrativas e que apenas o trabalho de composição e cruzamento dessas histórias seria o responsável em caracterizar a situação de pesquisa como tal. Retratar a própria prática, retomando-a sob um olhar mais apurado, olhar crítico de quem revisa, indaga, coleta, problematiza e sistematiza para redizer o vivido, sobre a perspectiva da auto formação tem sido, sem dúvida, um instigante desafio posto a esta situação de pesquisa. Desafio que se configura à medida que me coloca, concomitantemente, no papel de objeto de estudo e de autoria na pesquisa. As “respostas” produzidas neste trabalho demonstram, portanto, a habilidade em (re) estabelecer o diálogo com a história vivida, sob a ótica da auto formação. Consciente da ineutralidade posta em uma situação de pesquisa, constituome pesquisadora, inspirada pelo pensamento de Freire, aprendendo a teorizar a prática, (re) fazendo-me a cada dia pedagoga pelo exercício de pensar sobre o que é certo. Assim como nos sugere (OLIVEIRA, 2008, p. 179):. Modificar a concepção epistemológica fundadora do que fazemos e pensamos em busca de outra que se aproxime do nosso compromisso com a emancipação e com a construção da democracia como sistema social vem exigindo de todos nós a ampliação das reflexões desenvolvidas e a “invenção” de modos de interrogar e buscar compreender a realidade social, seus valores e práticas fundantes bem como seu dinamismo concreto.. 11.

(12) Esta pesquisa, mesmo que por meio de um recorte, fala de uma experiência que reflete muito das crenças e ideais pedagógicos construídos e assumidos em determinados momentos da minha trajetória profissional. Explicitar a constituição deste fazer pedagógico é desvendar e apurar a percepção sobre as influências teóricas, políticas e didático-metodológicas que marcam este percurso. E que trajetória tem sido essa? No que ela se aproxima e se difere da trajetória de outros profissionais do Ensino? Esta narrativa aponta aspectos relevantes na constituição do perfil profissional do educador? A leitura sobre uma prática vivida apoia-nos na percepção sobre o quanto aprendemos ao ensinar? Que importância damos a esta questão? Qual o grau de consciência do Educador sobre os conhecimentos adquiridos, assumidos e utilizados em seu fazer pedagógico? Até onde conseguimos avaliar, de que maneira e em que medida deixamos marcas e somos marcados pela relação estabelecida junto aos nossos alunos? Para responder a tais perguntas, optamos pelo método de pesquisa e formação que utiliza as Histórias de Vida do sujeito como instrumento a favor da reflexão, análise e tomada de consciência do seu processo formativo. Partindo deste contexto, por meio da escrita autobiográfica no primeiro capítulo desta pesquisa reflito, sistematizo e conscientizo-me sobre minhas aprendizagens e experiências formativas, sobre o quanto as mesmas influenciam em minhas ações e decisões em sala de aula e sobre como esta história se revela por meio dos saberes e das fragilidades evidenciadas no cotidiano do exercício docente. Esta reflexão me impulsionou, também, a discorrer ao final deste mesmo capítulo sobre a formação do profissional da Educação, mais especificamente sobre a formação oferecida nos cursos de Pedagogia em nosso país. A priori tenho como certo que duas grandes convicções nortearam minhas ações durante o desenvolvimento do projeto em questão: a primeira trata do prazer de ensinar e aprender, da importância e responsabilidade do educador em manter-se motivado para também motivar, da consciência e do desejo em nos colocarmos neste papel. A outra convicção reflete a crença no trabalho com 12.

(13) projetos coletivos, projetos negociados com o grupo de alunos, capazes de redirecionar o foco do processo ensino aprendizagem favorecendo aos alunos uma participação ativa em seu processo ensino aprendizagem, fato que sem dúvida obriga o professor a aprimorar sua competência política. Essa discussão se fará presente no segundo capítulo no qual dialogo com as concepções educativas que revelo em minha prática pedagógica. A metodologia de trabalho adotada para ensinar as crianças a ler e a escrever, suas bases teóricas, as situações didáticas propostas, o contexto em que elas ocorrem, as relações estabelecidas entre professor e alunos, a rotina dos trabalhos desenvolvidos, enfim a dinâmica vivida durante o desenvolvimento do projeto que culminou com a elaboração de um livro com as crianças serão abordados no terceiro capítulo, onde descrevo todo esse processo, da sua gênese (2006) ao seu lançamento (2008). No quarto e último capítulo, apresento os dados da análise das entrevistas realizadas com alguns dos alunos que participaram do projeto de elaboração do livro, material que pretende revelar o quanto a experiência vivida no ano de 2006 marca o processo ensino aprendizagem dos mesmos, configurandose em aspecto importante para as séries subsequentes, assim como o quanto minhas intenções pedagógicas se confirmam diante destes relatos.. 13.

(14) CAPITULO I – BIOGRAFIA EDUCATIVA. Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos! Não sou da nação dos condenados! Não sou do sertão dos ofendidos! Você sabe bem: Conheço o meu lugar! Conheço o meu lugar/Belchior. 1. A abordagem das histórias de vida. A narrativa autobiográfica, expressão utilizada por Josso (2002) vem se caracterizando. como. recurso. metodológico. importante. na. formação. de. professores e professoras por apoiá-los na recuperação e compreensão dos processos de escolarização vividos. Neste capítulo, faço uso deste recurso objetivando identificar e reconhecer minhas aprendizagens, tornando-me mais consciente quanto ao meu perfil e atuação profissional. Atualmente muito utilizada em Educação, mais especificamente nos projetos de formação, a abordagem das Histórias de Vida do sujeito teve sua origem no início do século XX, época em que foi introduzida no campo das pesquisas sociológicas por meio da metodologia de observação participante. Desde seu surgimento, vem representando uma revolução metodológica no modo de se pensar a pesquisa e a formação, revolução instaurada pela mudança de paradigmas que se apresenta; neste sentido caminha ao valorizar o conhecimento experencial, as vivências singulares dos sujeitos e também, o conhecimento fundamentado pela “subjetividade explicitada”, na subjetividade que ao ser revelada torna-se instrumento de análise reflexiva.. 1.1 MINHA HISTÓRIA – MINHA VIDA: UM ENCONTRO NECESSÁRIO.. A ideia de narrar minha trajetória discente - docente apresentou-se como uma tarefa difícil, não por identificar reservas pessoais em fazê-lo, mas, 14.

(15) sobretudo, por desconfiar, inicialmente, do sentido desta ação. Visão comumente alimentada entre métodos e práticas formativas, marcados pela racionalidade técnica, que despreza os aspectos subjetivos da vida do sujeito. Outro desafio encontrado foi o cuidar para que, em minha biografia educativa, fossem evidenciados os aspectos constituintes de minha formação, ou seja, um registro histórico pessoal que, ao mesmo tempo em que me reconhece e valoriza como sujeito, consegue demarcar quais foram os aspectos importantes no processo de construção daquilo que sou profissionalmente. Considerando a tênue linha que separa a vida pessoal e profissional, esta abordagem metodológica exige do pesquisador uma constante vigilância para que sua utilização sirva, de fato, aos propósitos enunciados. Consideremos neste propósito a fala de Furlaneto, no prefácio da Revista Pesquisa Auto biográfica e Educação (FURLANETTO, 2008, p.12):. O que nos dizem os autores, em seus textos, nos ajuda a pensar outros modos de ser e de estar na profissão docente, na ruptura com os modelos herdados, baseados num saber universal, abstrato, que excluíam da formação a sensibilidade para o vivido.. A internalização da importância em fazê-lo foi se confirmando na medida em que me lancei à tarefa e paulatinamente fui compreendendo, a cada etapa, o sentido das palavras de Josso (1987), quando afirma que, diferentemente do que nos parece, em uma biografia educativa, o foco não está na história de vida, mas sim nas reflexões desencadeadas por esta narrativa. Os inúmeros deslocamentos de pensamento, causados pelas reflexões às quais me submeti durante esta pesquisa, fizeram-me compreender o sentido e as razões de uma narrativa biográfica, me possibilitando agregar ao conhecimento teórico também o vivido. É preciso dizer que o exercício reflexivo gerado por meio desta metodologia se deu como uma construção não linear e que a tomada de consciência sobre minha experiência formativa ocorreu por meio de um processo caracterizado por. 15.

(16) muitas idas e vindas, tornando-se rico na medida em que me disponibilizava a isso. Iniciar com este breve relato foi a maneira encontrada para explicitar um dos maiores propósitos das narrativas autobiográficas, que é o de fazer de quem, por esta metodologia se envereda, um sujeito cada vez mais consciente do seu processo de formação continuada. Segundo Josso, outro aspecto importante a considerar em uma biografia educativa e que justifica o investimento na análise de uma trajetória pessoal é que, considerando o sujeito imerso em um contexto histórico-social-político, suas experiências e reflexões sobre o vivido o transformam em um canal para a compreensão da história de outros sujeitos sociais, favorecendo a tomada de consciência sobre sua posição no mundo (JOSSO, 2006, p.11):. Não é inútil repetir aqui que o trabalho biográfico não é um remoer do passado, mas uma reconfiguração do presente e do futuro graças a esse olhar retrospectivo de um lado e, de outro lado, ao fato de que cada evento ou contexto singular remete imediatamente para referenciais coletivos, quer seja consciente disso ou não.. Refletir sobre minha história de vida representou apurar a percepção sobre determinados fatos e o quanto os mesmos foram relevantes na constituição da docência que exerço hoje. Se por um lado essa tomada de consciência me traz algumas respostas, por outro, me desafia e inquieta a descobrir em uma história mais recente, sob quais condições objetivas e subjetivas estou moldando as características profissionais que me serão próprias no futuro. A narrativa apresentada a seguir representa, portanto, estes dois aspectos: da tomada de consciência sobre os dados que influenciaram minha ação formativa até o presente momento e a inquietação em identificar, em tempos atuais, quais os elementos e sob quais condições os mesmos atuam na profissional que estou a me constituir.. 16.

(17) 1.2 IMPLICAÇÕES DO CONTEXTO INFORMAL E FORMAL NO PERCURSO FORMATIVO. Ser filha caçula significou nascer e conviver entre irmãos com idade escolar adiantada, característica marcante em todo meu trajeto pessoal. Meus pais, como muitos outros, durante o período que compreende as décadas de 1960 e 1970, período de ingresso de seus quatro filhos na escola, ainda a consideravam como instituição e espaço de possibilidades e ascensão social - e na medida do possível, já que se tratava de uma família humilde, mas que valorizava muito a Educação, não faziam restrições quanto às necessidades escolares de seus filhos. Filhos de pai semi-analfabeto podíamos com ele contar basicamente para a manutenção financeira dos estudos, incentivo e cobranças; nossa mãe, com a antiga 4ª série concluída, apoiava-nos também em algumas dificuldades com o conteúdo, além de servir-nos de rico exemplo, uma vez ser ela leitora voraz, daquelas que não dormiam sem ter em mãos um bom livro. Lembro-me da estante da sala, repleta de livros: Érico Veríssimo, Jorge Amado, dentre outros. O fragmento de um relato, produzido por meu irmão mais velho, atendendo ao meu pedido de ajuda na recuperação desta história, foi introduzido aqui, para confirmar minha fala: A visão que você tem de nossa mãe creio que foi de sua fase mais bonita da vida [..]. [...] Mas apesar desse sacrifício todo, tinha uma alegria e um bom humor invejável. Fazia piadas com as coisas da vida, discutia qualquer assunto, sabia de tudo. Quando descobriu o Círculo do Livro1 e passou a vendê-los, entendo que foi a fase em que ela foi mais feliz. Descobriu o que gostava. Lia tudo que aparecia na frente, discutia com as compradoras sobre os livros que vendia, trocava os brindes que recebia pelas vendas feitas por livros que achava interessantes. 1. A Círculo do Livro foi uma editora atuante no mercado editorial brasileiro que vendia livros por um "sistema de clube", onde a pessoa era indicada por algum sócio e, a partir disso, recebia uma revista trimestral com dezenas de títulos a serem escolhidos. O novo sócio teria então a obrigação de comprar ao menos um livro no período. O "Círculo" chegou a contar com mais de 1.000.000 de sócios, atendidos através de cadeia de revendedores e dos correios. Lançou-se no mercado em 1973 e pertencia a um grupo alemão que chegou a assumir também a RCA, posteriormente BMG/Ariola. A editora possuía um amplo catálogo de livros com bom encadernamento e de capa dura, porém, com preços competitivos.. 17.

(18) Foi dela que, pela primeira vez, ouvi falar em Dostoievski e Leon Tolstoi, mas fiquei apaixonado mesmo pelos Irmãos Karamazovski, Ana Karenina, Crime e Castigo. Já o nosso pai, não tinha tempo para sonhar. Sempre o vi trabalhando, com no mínimo 2 empregos: a PM2 e a sapataria, sem contar o esforço para construir uma casa para morarmos.. É notório afirmar que a primeira influência positiva ocorre dentro do ambiente familiar, pois, tive o privilégio de nascer inserida em um mundo onde a leitura fazia-se presente. Com o passar do tempo foi ficando claro que exceto por meu pai, todos nós fomos contaminados por este prazer. Com relação ao meu pai, a herança maior provém de sua honestidade, coragem e principalmente do seu senso de justiça. Entre as várias histórias que ouvi e ainda ouço a seu respeito, uma das mais marcantes narra um fato da época em que ele atuava como policial na Santa Casa de Santo André, local onde dera voz de prisão a um médico que conversava e ria entre os seus, indiferente ao desespero de uma mãe que implorava por atendimento tendo em seus braços uma criança ardendo em febre e que não urinava há três dias. A história terminou bem, pois entre a prisão e o atendimento, o médico optou pelo atendimento. Uma outra história, conta ainda, sobre uma “prisão” corretiva que meu pai teria cumprido por não ter reprimido uma greve com o “rigor desejado”. Quanto aos meus irmãos, guardo na lembrança que eles sempre traziam para minha casa muitos amigos, que vinham para estudar, cantar, tocar, ensaiar e até para algum tipo de apresentação, como em uma noite, em que um deles, junto com seus amigos tocou flauta e violão na sala para toda a família. O que guardo muito forte de minha infância é isso, um ambiente onde havia leitura, onde se discutiam vários assuntos, onde se ouvia muito MPB (Música Popular Brasileira) em que viviam pessoas de personalidade muito fortes. Quando ingresso no ensino primário, meus irmãos já se encontravam rumo à faculdade, fato que faz do meu percurso na escola pública algo meio solitário e, diferentemente do que presenciei com eles, uma história nada marcante. Lembrome apenas do medo que tinha dos professores e de não ter sido aluna de destaque em nenhum momento, cumpridora de meus deveres escolares, via-os 2. Polícia Militar do Estado de São Paulo.. 18.

(19) apenas desta maneira (deveres) e desde bem cedo me indagava a que me serviriam. O Ensino Fundamental não me trouxe experiências marcantes, ao contrário, revelou-se um momento pelo qual simplesmente passei. Mudei de casa e de escola três vezes, o que acredito ter contribuído para dificultar a criação de vínculos pessoais. Das escolas em que estudei não tenho lembranças de momentos significativos. A sensação que ficou foi a de um “não pertencer”, uma não lembrança. É neste período, mais especificamente quando cursava a antiga 5ª série primária, que enfrento a pior perda da minha vida, o falecimento da minha mãe. Não me lembro, no entanto, de ter minha vida escolar abalada por este fato. Se por um lado houve em minha família uma desestabilização imensa, sentida por todos nós que tanto a amávamos, e a tínhamos como sustentação para todas as situações, creio que por outro, alguns alicerces já haviam sido garantidos, mesmo para mim que me encontrava com apenas 10 anos na data do ocorrido. Na época, um dia após o sepultamento fui à escola e durante a semana que se seguiu contei a apenas algumas amigas mais próximas o que havia acontecido, mas durante aquele mês a professora de ciências, ao corrigir uma prova, na qual a maioria da sala havia se saído muito mal fez um discurso onde dizia que alguns alunos apesar de estarem passando por momentos difíceis em suas vidas, ainda assim conseguiam levar seus estudos a sério, garantindo boas notas. Mais tarde, ao ser chamada em particular por esta professora, soube que na ocasião ela se referia a minha pessoa. Bem, esta é uma lembrança positiva que guardo do ensino primário, um raro momento em que me senti próxima e acolhida por uma professora. No ensino médio, levada como muitos apenas pela preocupação em ter uma profissão ao término do 2º grau, ingressei no magistério. De certa maneira, identifico nesta decisão algo muito mais imposto pelas condições objetivas de vida, do que um interesse pessoal ou qualquer outra razão; a bem da verdade, fora as ETES (Escolas Técnicas Estaduais) cujo ingresso era disputadíssimo, sobrava-nos a nós, alunos do sistema público, sem condições financeiras de arcar. 19.

(20) com o ônus de um colégio particular, limitadíssimas opções, dentre elas, os cursos de magistério. Se a princípio a opção pelo curso magistério ocorreu de forma aleatória, foi imersa neste contexto que começo a refletir e a identificar-me com a responsabilidade e compromissos em torno da ação docente; é neste período que passo a atribuir sentidos e propósitos ao meu processo ensino-aprendizagem. Minha forma de interagir com o conhecimento dentro da escola é ressignificada, o magistério mostra-se como possibilidade de encontro com o sentido de minhas aprendizagens; ser uma boa aluna passa a ter outra dimensão, mais do que garantir boas notas, idealizava a partir daquele momento me tornar uma boa profissional e consequentemente cumprir bem o papel social que já assumia como meu. É nesta fase de meus estudos, nesta etapa formativa, que descubro pela primeira vez o prazer por um ideal, um objetivo, um projeto de vida. Reviver este passado, reconhecer a origem deste sentimento que ainda me faz sentir realizada profissionalmente, também me trouxe a lembrança de toda a complexidade que é pertencer a uma classe social sem grandes recursos e estar no período que compreende o final da adolescência, sem muita ideia e opção do que buscar profissionalmente. Constato que muitos de meus colegas não tiveram a mesma “sorte”. Digo sorte, pois, apesar de reafirmar a escolha da profissão docente como algo aleatório, é neste exercício que me reconheço como sujeito histórico, condição lamentavelmente ignorada por tantos. Retornar as lembranças do curso magistério também me levou a identificar com mais clareza as contradições presentes e postas em prática na ação formativa de ex- professores. Se por um lado, me deparo, naquele momento, com professores cuja prática docente revelava uma consciência crítico-transformadora, também encontro professores cujo imediatismo evidenciado nas tarefas propostas já lhes denunciava uma consciência limitada quanto ao alcance e importância de sua ação formadora e consequentemente sua influência na prática de futuros professores. Lembro-me de ter, neste curso, por meio da leitura de “Cuidado, escola!” (Freire, 1980) e “Escola e Democracia” (Saviane, 1986) minha primeira aproximação com o pensamento de Freire e Saviani, intermediada pela professora 20.

(21) de didática Luzia Miranda, educadora de forte presença e cuja rigorosidade técnica, posicionamento político e clareza de propósitos formativos muito me marcaram. Era a primeira vez que lia algo sobre o conceito “educação bancária” Freire e sobre as teorias da educação não críticas o que para mim representou, aos 15 anos de idade, a descoberta de que existiam “pessoas” fazendo a crítica ao modelo de educação vivido por mim até aquele momento. A perspectiva ideológica instaurada nesta descoberta me fez sonhar em fazer parte de um grupo de educadores decididos a atuar sobre uma nova ótica, a que negava o processo ensino aprendizagem descontextualizado, sem sentido, fragmentado, distante da realidade onde o que imperava era a “decoreba” e mais, consciente de seu papel transformador na sociedade. Tendo em vista o trabalho com as narrativas das histórias de vida do sujeito, como possibilidade de organização de sentido e tomada de consciência de seu percurso formativo Josso (2004, p. 63) afirma:. A atividade de construção, e por vezes de reconstrução, das experiências de vida que parecem significativas para compreender como e porquê o eu se tornou no que ele pensa caracterizá-lo no momento da abordagem, é a primeira etapa do trabalho biográfico propriamente dita, com a qual os participantes num seminário ou, numa sessão, são convocados.. Neste sentido, rememorar a experiência vivida no curso magistério me apontou que, apesar da pouca atenção dada a esta formação, é nela que começam a se efetivar minhas primeiras influências teóricas. No 3º ano magistério, através de um concurso público, começo atuar pelo município de Santo André, em uma casa de triagem - “Lar São Francisco”, com crianças em regime de internato, afastadas de suas famílias por ação do Ministério Público e que, aguardando uma definição em suas vidas, encontravamse internas em um orfanato Municipal. A Secretaria de Educação Municipal, responsável pela contratação dos estagiários, intencionada em dar novo fôlego às ações educativas daquela gestão - identificada à época como uma gestão popular (1989) - realiza conosco uma. 21.

(22) formação inicial, onde o posicionamento crítico e o debate eram estimulados. A proposta era preparar-nos para atuar como agentes externos que, diretamente respondendo a esta mesma Secretaria, pudessem de certa maneira servir de ponte para mediação pedagógica em toda a Rede. Após uma formação inicial de 20 dias, fomos subdivididos em pequenos grupos e encaminhados cada qual para seu espaço de atuação. Assim tem início minha atuação profissional; sem nenhuma experiência pedagógica anterior e com a formação característica dos antigos cursos magistério, passo a atuar com crianças em situação de risco em uma casa de triagem. Nesta casa, fiz parte de uma equipe multidisciplinar que atuava com os menores em período inverso aos seus períodos de aula, uma vez que todos os internos frequentavam a escola pública do bairro.. Éramos cinco estagiários,. quatro cursando graduação em áreas específicas, duas estudantes de serviço social, uma de psicologia e um estudante de educação física; apenas eu cursava o 2º grau, atual ensino médio, o que me colocava, também ali, em uma posição de “caçula” do grupo. Sem experiência alguma, passei a trabalhar com esse grupo complexo de crianças. Sem muito direcionamento, pois, após a já citada formação inicial, não tivemos nenhuma outra orientação substancial, o que significou termos de aprender, no dia a dia, qual a melhor forma de ali atuarmos, o que basicamente representou por um bom tempo, conseguirmos apenas ali permanecer. Não era raro sermos recebidos na entrada da casa a pedradas pelas crianças. Inseridos nesta realidade, a primeira descoberta foi que, mais do que atuar cada qual em sua área, era preciso investir em ações conjuntas que primeiramente favorecessem nossa aceitação e entrada no grupo. Abandonei a ideia de reforço escolar, assim como minha colega, estagiária de psicologia abandonou a ideia terapêutica e as estagiárias de serviço social desistiram de fazer anamnese; parece-me que apenas o estagiário de educação física, devido à própria característica da área, não se encontrava tão distante das atividades que passamos a propor. Foi assim que nos dispusemos todos a nos empenhar no planejamento de tarefas efetivamente mais “reais” naquelas circunstâncias. Dedicamo-nos a 22.

(23) ensinar noções básicas de higiene pessoal, demos banho em crianças; propomos a organização, identificação e o cuidado com objetos pessoais de higiene, uma vez que naquele contexto tudo era de todos e nada era de ninguém. Em alguns momentos, apenas brincávamos - atividade feita no quintal da casa - o que muito favoreceu nossa ação, não apenas pela socialização e pelo prazer que a ação do brincar nos permite, mas simplesmente por não termos de convencer as crianças a entrar em um espaço fechado da casa para participar de alguma atividade de cunho pedagógico. Fomos então, não sem antes passarmos por muitos conflitos e frustrações, reconstruindo a ideia de como atuar naquelas condições, e qualquer que fosse a atividade proposta ela sempre surgia como fruto de uma decisão coletiva deste grupo de estagiários. Neste período, lembro-me da presença de uma colega chamada Lílian, que a época cursava serviço social na PUC/SP e que com muita seriedade, ideal e compromisso atuava entre nós. Fui de certa maneira acolhida por ela entre o grupo de educadores, uma acolhida que não se traduzia em “facilitar” as coisas para mim, pois, apesar de ter apenas 17 anos, ela não me deixava esquecer, por nem um instante, que minha condição de menor na casa era totalmente diferenciada. A determinação, clareza, convicção e responsabilidade quanto ao trabalho desenvolvido naquele internato faziam desta colega uma espécie de detentora da ética profissional naquele lugar, diga-se de passagem, tão propício a negligências de toda sorte. Foi dela que ouvi pela primeira vez a explicação sobre alguns conceitos marxistas, como a dialética. Conversas que futuramente exerceriam influência sobre minhas escolhas acadêmicas. Aos poucos, fomos ganhando espaço, o que nos possibilitou propor uma rotina de atividades mais estáveis na casa. À medida que estreitamos os laços afetivos com as crianças, ganhando sua confiança, episódios de maus tratos, por parte dos funcionários do período noturno, vieram à tona e pouco antes do fim do nosso estágio, meus colegas foram convocados a depor no Fórum da cidade contra tais agressores, experiência da qual fui poupada por ainda não ter a maioridade legal.. 23.

(24) Diferentemente das minhas amigas de magistério que foram iniciadas no ofício, em sua maioria por meio das escolinhas infantis de bairro, minha primeira experiência foi tão rica e desafiadora, quanto chocante e me deu logo de cara um panorama geral da situação de abandono em que se encontram muitas das crianças em nosso país. Ao final deste estágio, ingresso, por meio de concurso, na Educação Infantil da Rede SESI/SP (Serviço Social da Indústria) e nesta instituição permaneço por 14 anos; nos dez primeiros, como professora de Educação Infantil e nos quatro últimos, como formadora desta mesma Modalidade de Ensino. O ingresso no SESI coincidiu com minha entrada na graduação. Matriculome no curso de Ciências Sociais, sem dúvida influenciada pela vivência profissional anterior, porém, após um ano desisto, e movida pela ânsia em adquirir um conhecimento mais próximo à atuação profissional que passava a desempenhar, mudo de curso, ingressando na Pedagogia. Esta experiência com a Educação Infantil se transformaria em outro importante marco em minha forma de pensar Educação. Concebendo de maneira peculiar o processo ensino aprendizagem, permitindo a articulação dos conteúdos por meio de projetos, temas de interesse; assumindo a ludicidade como ferramenta de trabalho, valorizando os saberes e fazeres da infância, entre outros aspectos, compreendo esta modalidade de ensino como o espaço onde atribuir sentido às aprendizagens dos conteúdos historicamente produzidos é favorecido. Esta crença deriva, sobretudo, por identificar que a partir do Ensino Fundamental não conseguimos ainda, nós educadores, nos livrarmos de certas amarras como, por exemplo, o peso atribuído às menções, que ao se constituírem como. instrumentos. de. controle. avaliativo. e. classificatório,. reduzem. a. aprendizagem a este fim, desconsiderando muitas vezes os meios pelos quais estas ocorrem. A experiência vivida em início de carreira, os estudos realizados posteriormente a época em que atuei como formadora, e consequentemente a visão de educação construída com o passar dos anos, me fez conferir a esta modalidade de ensino um valor considerável às práticas metodológicas nos demais níveis de ensino. 24.

(25) O atendimento às crianças de zero a seis anos, segundo a Constituição Federal de 1988, passou a ser um dever do Estado e um direito da criança (artigo 208, inciso IV). O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, destacou também o direito da criança a este atendimento. Ainda, reafirmando essas mudanças, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 estabeleceu o vínculo entre o atendimento às crianças de zero a seis anos e a Educação, passando a reconhecer a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade3. No entanto, é preciso reconhecer que, apesar das últimas legislações destacarem a importância desta modalidade de ensino, muito ainda lhe falta para ser valorizada e reconhecida na educação brasileira. Se há, como apontam autores como Nóvoa, uma desvalorização e precarização histórica do trabalho docente, isso se faz sentir de forma mais intensa entre as modalidades de ensino que ainda buscam afirmar-se como tal; creio que este seja o caso da Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos, Educação a distância e Educação Indígena, por exemplo. Os dez anos em que exerci a docência no ensino infantil, na mesma unidade escolar e praticamente com as mesmas colegas de trabalho, me deram condições de estabelecer vínculo afetivo e social propício ao trabalho em equipe, vivenciando inúmeras passagens tanto pessoais como profissionais. Dentre as pessoais destaco o nascimento (1997) e o início do processo de escolarização da minha primeira filha. Este fato demonstra o privilégio que tive, assim como minhas colegas de trabalho, de apesar de sermos mães trabalhadoras termos tido a chance de acompanhar de maneira intensa e próxima os primeiros anos da vida escolar de nossos filhos, uma vez terem eles ocorrido no mesmo local em que atuávamos como docentes. Muitas colegas pertencentes a este grupo, assim como eu, também iniciavam a graduação, e por termos condições facilitadoras na unidade, como uma hora e meia de HTPC (Horário de Trabalho Coletivo) diários e uma equipe 3. Este atendimento vem sendo gradativamente alterado desde 06 de fevereiro de 2006, data em que o Presidente da República sanciona a Lei nº 11.274 que regulamenta o ensino fundamental de nove anos, passando a ser responsabilidade do Ensino Fundamental o atendimento a criança de seis anos.. 25.

(26) pedagógica presente e atuante, pudemos crescer como profissionais por meio de cursos e oficinas. O que possibilitou, inclusive, organizarmos momentos de estudo internos, nos quais muitas vezes ao longo dos anos tivemos a chance de exercer o papel de protagonistas. Pouco tempo antes da minha saída desta unidade, tive a oportunidade de, juntamente com minhas colegas de trabalho, conhecer e estudar os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, lançado em 1999 e que para nós, professores do Ensino Infantil, representou um marco importante, uma vez ter sido este material o primeiro subsídio em nível nacional a oferecer orientações ao trabalho do profissional que atua com a criança pequena.. Atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei 9394/96) que estabelece, pela primeira vez, na história de nosso país, que a Educação infantil é a primeira etapa da Educação Básica, nosso objetivo, com este material, é auxiliá-lo na realização de seu trabalho educativo diário junto às crianças pequenas - R.C.N.E.I. /1998 – vol. I – carta do ministro da Educação e do Desporto Paulo Renato de Souza.. Concomitantemente a esta experiência docente, prosseguiam meus estudos na graduação do curso de Pedagogia, no Centro Universitário Fundação Santo André. Neste curso tive a oportunidade de ampliar meus conhecimentos referentes às Teorias Gerais da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º graus, à História dos Fundamentos Pedagógicos, Planejamento e Avaliação. Estudos orientados por bons professores, dentre eles, Maria Helena Bittencourt Granjo, Maria Elena Villar e Villar, Elmir Almeida, Marilena Nakano. No entanto, apesar do reconhecido valor atribuído ao curso de Pedagogia oferecido no Centro Universitário Santo André, conferindo-lhe, na época, o status de um dos melhores da região do ABC, bem como do reconhecimento que guardo de quanto nesta instituição ampliei meus conhecimentos sobre a área, concebendo-a em seu contexto histórico social, a partir de uma visão crítica, lembro-me, porém, de que pouco aprendi sobre as situações didáticas de sala de aula. Posteriormente, em decorrência de estudos realizados em serviço, pude constatar que, assim como a maioria dos currículos de formação docente, o curso 26.

(27) oferecido pelo Centro Universitário Fundação Santo André, ao menos na época em que lá cursei minha graduação, também não oferecia um estudo pautado nas didáticas específicas. A discussão em torno das didáticas se desenvolvem no contexto da produção acadêmica francesa na década de 1970 e ganham maior expansão por meio dos trabalhos de Brousseau (1986); sua emergência se encontrava diretamente ligada a uma reação contrária ao privilégio da abordagem psicológica, de inspiração piagetiana.. As ideias principais das didáticas, geradas. principalmente na Didática da Matemática, centram-se no estudo das condições de transmissão e aprendizagem do conhecimento em contexto escolar, a partir da consideração do sistema didático. Atualmente, na América Latina, as pesquisas pedagógicas realizadas na Argentina por Lerner (2000) vêm contribuindo para o aperfeiçoamento do trabalho docente nas séries iniciais. Em 2001, após participar de um concurso interno, fui promovida ao cargo de Analista Pedagógico das Séries Iniciais, função que passava a existir a partir daquele momento e que tinha como atribuição planejar e executar encontros de formação continuada em todas as escolas do Estado de São Paulo pertencentes à Rede/SESI. Por um período de cinco anos, atuei com formação de professores pela Rede de Ensino SESI/SP. Neste período, fiz parte de um grupo responsável por promover encontros de formação continuada com os professores das escolas SESI, participando também da elaboração dos Referenciais Curriculares da Rede SESI/SP – 2003 - material construído no prazo de três anos, paralelamente a tais formações. Nesta função tínhamos como responsabilidade, durante as formações, promover discussões em torno da área de atuação, mas também normatizar alguns aspectos administrativos pedagógicos que deveriam ser tratados da mesma maneira, nas mais diferentes regiões do estado, como por exemplo, a padronização do plano de ensino docente, Minha identificação com os conceitos da teoria Certeauniana ocorre justamente na lembrança deste período inicial de implantação dos Referenciais Curriculares, fase em que a “vigilância” em cima das ações dos professores se fazia mais forte. Foi durante este período que vivenciei um dos meus maiores conflitos dentro da instituição, pois, apesar de acreditar na importância, em se tratando de 27.

(28) uma grande instituição de ensino, de termos uma normatização de aspectos comuns que direcionassem as ações pedagógicas como um todo, me incomodava a forma como muitas vezes, tais ações eram “pensadas”, ainda mais pelo fato de que ocupava naquele momento um cargo que tinha como responsabilidade “fazer a coisa acontecer”. Um exemplo da dinâmica dessa atuação pode ser notado na narrativa de um desses encontros de formação que introduzo a seguir:. Havíamos pensado em discutir sobre o plano de ensino docente, porém, mais do que promover uma reflexão sobre este plano, queríamos sistematizá-lo; por isso, levamos muitos direcionamentos para a execução do mesmo, um deles se referia à “obrigatoriedade” da utilização das expectativas de ensino-aprendizagem descritas nos Referenciais Curriculares da Rede, as mesmas deveriam se fazer presentes na elaboração do plano quinzenal do professor. A bem da verdade, eu e meu grupo estávamos convencidos da importância desta sistematização, o que nos levou a ignorar, de certa maneira, o momento de discussão em que se encontrava cada escola. De fato, encontramos escolas com características bem distintas, umas onde o grupo de professores caminhava sem muito suporte pedagógico, não podendo contar com uma assessoria, devido à fragilidade dos gestores da unidade; para estes grupos, diante do direcionamento proposto, tínhamos na maioria das vezes duas respostas: o grupo acatava as orientações por ver nelas um apoio às suas ações cotidianas ou, apesar da escuta atenta e respeito à nossa posição de “formadores”, logo após nossa saída, demonstrava sinais claros de que não havia compreendido quase nada. Porém, também tínhamos grupos em que havia uma boa discussão; deparei-me com um destes grupos na cidade de Santos; nesta unidade, como reflexo do comprometimento da equipe pedagógica, havia um clima favorável à reflexão, ao diálogo; estando lá, sentia verdadeiramente acrescentar algo àquele grupo, assim como também me sentia alimentada por ele. Foi neste clima de respeito e colaboração que pude ouvir a recusa do grupo, bem argumentada, diga-se de passagem, em seguir os moldes apresentados para a elaboração do plano de trabalho docente. O grupo me apresentou a formatação de um plano que, apesar de mais condensado, não deixava a desejar quanto à coerência, clareza e intencionalidade. Diante deste posicionamento, o que fazer?. 28.

(29) Sabia exatamente que me encontrava inserida em um grupo de formadores com pouquíssima autonomia, pouca experiência e subordinado a uma chefia centralizadora, por isso mesmo, despreparado para assumir por si só, questões desse tipo. Essa realidade me apontava para o fato de que, caso mudasse por conta própria “os combinados prévios às formações,” não teria respaldo algum entre os colegas formadores. Ceder, quando acabava de conseguir a tão almejada ascensão profissional, poderia conotar fragilidade perante a condição de formadora. Por outro lado, minha consciência, quanto a ser intransigente frente aquele grupo de professores, a meu ver, coerente com a prática pedagógica, seria ir contra tudo aquilo em que acreditava, o que me faria perder, de vez, a confiança que ali ainda depositavam em mim. Tomei, a meu ver, a decisão mais acertada no momento: combinei com o grupo em não intervir na maneira como elas formatavam o plano de trabalho docente e levei para as formadoras do meu grupo, a fala de que na unidade de Santos não havia problemas, o grupo tinha uma boa prática pedagógica, não havendo a necessidade de grandes intervenções; também assegurei minha permanência como formadora deste grupo por mais dois anos consecutivos e após minha mudança de polo, tanta coisa já havia se passado que a tão polêmica formatação do plano de trabalho docente já não tinha a mínima importância, deixara de ser pauta.... Este breve relato, de certa forma, é uma síntese de como eu lidava com a dinâmica de grupos de formação, grupos de formadores e gerência de educação na rede de ensino mencionada. Duran (2007, p.125) ajuda-nos a perceber o quanto é importante o reconhecimento e valorização dos saberes dos professores:. Encontrar sentidos nas artes de fazer de professores e alunos e considerar a legitimidade dos saberes e valores que permeiam tais práticas subterrâneas do coletivo escolar, suas estratégias e táticas próprias – este o deslocamento de perspectiva presente em pesquisas do cotidiano que se ocupam das “artes de fazer” dos praticantes, na busca da compreensão de suas regras próprias e de seu desenvolvimento.. Minha crença na capacidade docente em criar maneiras próprias para lidar com os problemas do cotidiano me ajudaram e ainda me ajudam a não exercer um papel autoritário como formadora. Acredito que ao formador caiba a tarefa de. 29.

(30) problematizar, desestabilizar o grupo para a tomada de consciência sobre sua práxis, porém, é ilusão acreditarmos que a mudança desejada surge como resultado apenas da ação formadora. Apesar de todo o aprendizado, esta fase foi a mais difícil para mim, “estar” formadora significou encontrar-me hierarquicamente em uma condição que me possibilitava, apenas superficialmente, tomar decisões, fazer diferente, atuar dialogicamente dentro dos padrões que a Instituição me “permitia” exercer. Porém, o mais conflitante foi identificar dentre os colegas, todos recém saídos da sala de aula, falta de condições e, por vezes, vontade para romper com a dinâmica pré estabelecida e centralizadora, fortemente defendida pela gerência de Educação desta Rede. Em 2005, movida pelo desejo em assumir de forma mais intensa a maternidade, cansada e sem condições de manter a rotina de viagens, uma vez que acabava de ter meu segundo filho (2004), abri mão do cargo de analista e me desliguei da instituição que, por bons longos anos, muito representou – e ainda representa - em meu processo formativo. Por um período de oito meses, permaneci desempregada. Dividindo-me entre as atividades da casa e o cuidado com os filhos, experiência que jamais havia tido, uma vez que após a maternidade, nunca havia permanecido sem trabalhar. Possuindo em casa, um espaço privilegiado, com grande quintal, cômodos vazios, e ainda, um acervo de aproximadamente 200 livros infantis, resolvi durante este período improvisar uma biblioteca comunitária para as crianças da rua. É claro, que dentre estas motivações também se encontrava a pedagógica. Realizávamos encontros semanais, sempre aos sábados; com dia e hora marcada. Ao chegarem, as crianças se juntavam aos meus dois filhos para participar das rodas de leituras organizadas por mim. Após a leitura, todas as crianças podiam escolher um livro e levá-lo emprestado até o sábado seguinte. Comprei três estantes, arrumei almofadas e tapetes, com o intuito de tornar o espaço, apesar de improvisado, bem aconchegante. Também cadastrei as crianças em um caderno com nome, telefone e endereço; fiz e dei a cada criança cadastrada uma carteirinha, onde eram anotados: o nome do livro, a data de empréstimo e devolução. 30.

(31) A maioria dos frequentadores eram crianças bem conhecidas, moradoras da rua mesmo, porém, com esta sistematização, mais do que controle, queria eu tornar aquele espaço o mais próximo possível da realidade de uma biblioteca. Fatos curiosos aconteceram durante esta experiência: um deles foi a adesão a este grupo de alguns adolescentes, cuja participação não havia sido prevista por mim. Eles também demonstravam interesse em ouvir as histórias lidas, porém, por uma inquietação própria, ampliei meu acervo com livros pessoais e outros doados, tornando os empréstimos mais atraentes a estes novos membros. Todos foram bem orientados a cuidar com muito carinho dos livros e guardá-los quando não estivessem em uso; escolher um local apropriado para realizar a leitura; pedir para que seus pais lessem com eles em casa, pois, muitas crianças do grupo não estavam ainda alfabetizadas. Os livros eram levados em sacos plásticos e dentro dos sacos era colocado um cartão onde prescrevi algumas orientações aos pais, solicitando-lhes que dessem importância a este trabalho, ajudando a criança na leitura e no cuidado com os livros. Meu acervo inicial cresceu ainda mais, algumas meninas da rua chegaram com livros da coleção “Literatura em minha casa”, distribuídos pela Rede Estadual; a princípio recusei-me a aceitá-los, mas as garotas todas irmãs, disseram-me que se eu não aceitasse, a mãe delas os jogaria no lixo, como já havia feito com outros. Neste fato, mais do que falta de consciência sobre o valor de um livro, o que por parte da mãe também era um fato, ali estava em jogo a própria condição de vida de tais meninas. Pertencentes a uma família de nove pessoas, que tinham como espaço comum um único cômodo, era evidente a impossibilidade de acondicionar, naquele contexto, algo considerado como supérfluo. Os livros voltavam sempre em ótimas condições; se por algum motivo, cancelasse nosso encontro, eles sempre protestavam, o que me obrigou, por mais de uma vez, a substituir o dia da semana combinado. Aos poucos, fui sugerindo que as crianças começassem a ler na roda e um dia chegamos até a realizar, em um parque da cidade, um piquenique regado à leitura. O que tenho a dizer sobre esta experiência se resume nas palavras de Abramovich (1997, p.163):. 31.

(32) Há tantos jeitos de a criança ler, de conviver com a literatura de modo próximo, sem achar que é algo de outro mundo, remoto, enfadonho ou chato [...] Se a criança é a única culpada nos tribunais adultos por não ler, pede-se o veredicto inocente [...] mais culpados são os adultos que não lhe proporcionam esse contato, que não lhe abrem essas – e outras tantas – trilhas para toda a maravilha que é a caminhada pelo mundo mágico e encantado das letras.. Ao ingressar na rede estadual de ensino no ano de 2006, por meio de concurso público, desativei a biblioteca por não ter mais condições de mantê-la. Algumas meninas, as mais velhas, inclusive minha filha4, por um curto espaço de tempo deram continuidade ao trabalho, mas infelizmente, houve muita bagunça e desentendimento entre elas e como tudo ocorria dentro da minha casa, fui obrigada a desistir da ideia de deixá-las como responsáveis, fato que muito me chateou, principalmente pelos pequenos que foram os que mais sentiram. Para se ter uma ideia, neste ano de 2009, após três anos decorridos, uma criança vizinha perguntou-me quando iria novamente fazer “minha biblioteca” funcionar. Em 2006, ingressei na rede estadual de ensino, desejando colocar em prática os conhecimentos adquiridos por meio da experiência como formadora. Esse desejo passa a representar para mim o validar de uma outra posição, ou seja, do lugar e posição em que fala o professor, os conhecimentos adquiridos na época em que atuei como formadora. Neste ano, como consequência de um trabalho intencionalmente focado na linguagem escrita, passo a produzir com um grupo de crianças da 4ª série o livro de causos, tematizado nesta pesquisa. O que ocorreu em minha trajetória profissional representa um sentido inverso ao que se espera ocorrer no decurso natural de uma carreira, pois, após almejar por muito tempo ascensão e reconhecimento profissional, assim como certa estabilidade financeira, sou levada a abrir mão desta condição para retornar à sala de aula. Não se trata de desmerecimento do trabalho docente, mas sim de pontuar que em nosso país conceber a docência como única fonte de subsistência, infelizmente é arcar com um ônus muito pesado. Retornar à sala de aula, apesar de me trazer um sentimento muito bom, que diz respeito ao prazer de poder atuar novamente com crianças, também me. 4. Minha filha Luísa a esta época estava com quase nove anos de idade.. 32.

(33) impôs a triste condição de assumir viver mais uma vez, com a baixa remuneração profissional,. que. naquele. momento. representou. para. mim,. reduzir. aproximadamente 75% de minha renda. Sinto que seja importante registrar que há um número grande de profissionais da educação que apesar dos investimentos feitos em sua formação, dos bons longos anos de carreira, ainda não conseguem garantir, por meio do seu trabalho, uma condição de vida estável e tranquila. E que a remuneração de muitos, assim como a minha, seja a única fonte de renda familiar. Atualmente como PEB I (Professor de Educação Básica I), prevalece em mim a vontade de atuar em uma perspectiva coletiva, por isso, procuro exercer minha docência envolvida com projetos, sejam eles didáticos, de trabalho ou mesmo, institucionais. Creio ainda que esta seja a herança que trago, da rica vivência familiar, da experiência com os alunos e professores da Educação Infantil, dos desafios enquanto formadora e da experiência com a equipe de estagiários que idealizou, planejou e colocou em prática muitos projetos; uns bons, outros nem tanto, mas que desta maneira e com muito suor e lágrimas, atuou por um ano com crianças em situação de abrigo. Pessoalmente, reinventar-se tem significado compreender-me e assumirme enquanto pessoa e profissional, reconhecer-me nesta história como sujeito singular plural, em um contexto de vida pessoal e profissional que retrata as dificuldades e limitações sociais, de gênero e de profissão, que cercearam minha trajetória, como também os condicionantes favoráveis a uma atuação autêntica, comprometida e por que não dizer, muitas vezes ousada. Sobre a consciência e a busca da autonomia profissional, nos fala Josso (2006, p.12):. A invenção de si pressupõe como possível um projeto de si, o que implica uma conquista progressiva e jamais terminada de uma autonomia em ação, de uma autonomia de pensamento, de uma autonomia em nossas escolhas de vida e nosso modo de vida. Porque, finalmente, a invenção de si é uma posição existencial que se desdobra no cotidiano e não somente em situações ou contextos particulares.. 33.

(34) Nesta narrativa, identifico que escolhi e validei a importância positiva de muitos sujeitos em minha história; o trecho de Souza (Souza, 2006, p.143) explicita um pouco mais tal constatação:. Na escrita narrativa a arte de evocar e de lembrar remete o sujeito a eleger e avaliar a importância das representações sobre sua identidade, sobre as práticas formativas que viveu, de domínios exercidos por outros sobre si, de situações fortes que marcaram escolhas e questionamentos sobre suas aprendizagens, da função do outro e do contexto sobre suas escolhas, dos padrões construídos em sua história e de barreiras que precisam ser superadas para viver de forma mais intensa e comprometida consigo próprio.. A escrita biográfica, adotada como perspectiva metodológica neste trabalho concretiza-se por meio de dois caminhos: o da formação pessoal, explícita de maneira mais intensa no relato produzido até o momento, e o de instrumento a favor da pesquisa sobre o exercício docente, utilizado como apoio ao registro da experiência pessoal realizada em sala de aula, que será relatada no próximo capítulo. Porém, antes de findarmos este capítulo e como consequência das reflexões provocadas por este exercício, tomei a decisão de acrescentar a este percurso uma breve discussão de como se organiza e se estrutura em nosso país o curso Pedagogia, o que, no meu entendimento, permitirá ao leitor uma visão ampliada sobre as questões das quais se ocupa esta pesquisa – as implicações dos saberes e fazeres pedagógicos em uma escola pública de Ensino Fundamental.. 1.3 – Caminhos do fazer pedagógico. Ao tematizar o projeto didático de leitura e escrita, me junto à defesa de um espaço de estudo e pesquisa em nossas Universidades, sobre as práticas escolares que ocorrem no Ensino Fundamental.. 34.

(35) Lançar-me à tarefa de narrar uma experiência docente obrigou-me a repensar as questões pedagógicas para muito além das questões didáticas inicialmente demarcadas. A própria pesquisa conduziu-me a um caminho de reflexão sobre o percurso vivido que me leva a agregar também a esta discussão a questão da formação inicial, retomando uma antiga discussão - a organização e estruturação dos cursos de Pedagogia em nosso país – por isso, incluo neste texto, mesmo que de maneira breve, alguns dados sobre o assunto. As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, no entanto, estão longe de pôr fim ao problema identitário do curso. Ao contrário, o que seu texto expressa é o pensamento de alguns grupos representantes da área acadêmica em questão, podendo-se afirmar até que, da maneira como se encontram propostas, as diretrizes acentuam ainda mais as diferentes proposições defendidas a respeito deste curso. Ao encontro das ideias de grupos como a ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), as diretrizes propostas em 2006 formalizam a ideia da docência como base da identidade profissional de todo educador e estão longe de representar o consenso entre os educadores da área, pois, para muitos, esta concepção representa um reducionismo do campo pedagógico. Criado em 1939, o curso de pedagogia não conseguiu até os dias atuais assegurar sua identidade, nem alcançar perante a comunidade acadêmica o status de campo científico. Pesquisadores como Cruz e Souza – PUC Rio (2006, p. 143): na tentativa de analisar as implicações, resistências e avanços na evolução do curso de Pedagogia no Brasil, apontam:. A dificuldade em nomear o tipo de saber que a constitui contribui para fazer consolidar no senso comum pedagógico a idéia que lhe falta um saber próprio.. 35.

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